Capitulo 9 - Quando um bebe, todos brigam!
Ansiedade.
Sentimento causado pela combinação assustadora de três neurotransmissores existentes no corpo humano; Adrenalina, Noradrenalina e Cortisol. Essa mistura bombástica é essencial para que nosso cérebro identifique quais ações tomar em certos momentos específicos, como por exemplo fugir ou lutar em uma situação de perigo eminente. Obviamente que nem tudo é perfeito e o órgão tão complexo que possuímos dentro do crânio pode interpretar mal os neurotransmissores, assim como a liberação dessa química pode estar desenfreada por alguma questão patológica ou emocional.
Isabella provavelmente enfrentava uma destas questões, ao cruzar e descruzar as pernas no sofá de tia Elisa ao lado de Fernando e mais outros quatro primos de Micaela, que visitavam a casa. Várias pessoas se espalhavam pela residência, principalmente na área da piscina e churrasqueira onde conversavam alto e gargalhavam por qualquer coisa. Os jovens bebiam refrigerantes, sucos ou água, enquanto os adultos se dividiam entre caipirinhas, cervejas geladas e batidas doces para os menos alcoólicos. Tia Elisa abraçava o marido pela cintura recordando lembranças do passado que Fábio relembrava com a mãe e o pai. Nesse momento Isabella reparava especificamente no avô da morena que era um senhor alto e sisudo, aparentando ser o tipo de pessoa que não aceitava desaforos ou desobediência, ele e a avó de Micaela despediam-se de todos, pois precisariam ir embora mais cedo, prometendo voltar com mais tempo em outra oportunidade. Essa partida precoce de certa forma aliviou Isabella que acompanhou com os olhos os dois avós da morena. Ela já os conhecia de outras confraternizações, mas pela primeira vez reparava na família de Micaela, como a sua família também, mesmo que pelo lado de Silvia os familiares fossem em maior número, a família da morena era mais barulhenta e a interiorana se questionava o quanto Micaela teria sofrido por assumir um perfil considerado como masculino pela maioria, para todas aquelas pessoas.
— Aceita? — Fernando, sempre muito simpático, oferecia para a garota mais uma rodada de batida que pegara escondido na geladeira.
Os jovens se acomodavam na sala da casa, havia duas primas de Micaela que eram gêmeas idênticas, mas muito diferentes em personalidade, completavam quinze anos naquela semana e ambas já apresentavam sinais de embriaguez causada pela batida surrupiada. Nayane e Nataly se entretinham com os celulares que ganharam de aniversário, ignorando completamente os outros integrantes do recinto. O outro primo era Túlio, um garotinho de apenas doze anos, tão simpático quanto Fernando e que sempre cumprimentara Isabella com uma educação invejável. Por último, mas não menos importante, estava Ygor, o primo mais velho que batia altos papos com Fernando, Isabella não sabia sua idade, mas pela barba e porte físico aparentava entre vinte e vinte e poucos anos, era a segunda vez que o via, na primeira ele estava de saída e apenas cumprimentara de longe.
— Cara, eu tentei mano... Ela é foda, só fica comigo quando tem gente perto, tá ligado? Então, tipo, zero chances de tentar algo “além”, saca?
Fernando desabafava com o Ygor sobre a atual ficante, fazia alguns minutos na verdade que ele tentava algumas dicas com o primo, usando códigos e palavras mais sutis para se referirem ao fato de que o primo favorito de Micaela não conseguia levar quase ninguém para cama, e Ygor parecia empenhado em dar todas as dicas e tutoriais imbatíveis de como fazê-lo.
— Fê, não tem erro cara... Mulher curte ser maltratada, você tem que ser menos romântico, caralh*! — A cada frase que ele dizia olhava de relance para Isabella que incomodada e MEGA ansiosa para rever sua morena, se dividia entre morder a lateral da bochecha e massacrar os lábios, sem tirar os olhos do relógio e dos pais que estavam visíveis pela janela, sentados em uma das mesinhas da área da piscina.
— Porr*, eu não consigo! Eu até já cantei pra essa mina, véi... Dei zilhões de coisas, estamos há três meses já nessa enrolação... Sei lá, mano. Acho que ela tá ficando com outro ao mesmo tempo, saca?
— Foda-se se tiver! Aproveita o rodízio e lancha também. — E gargalharam jogando o travesseiro um no outro.
Isabella torceu os lábios olhando para os mais jovens, as gêmeas alheias mal ouviam o que eles falavam, mas Túlio ouvia atentamente os primos, anotando mentalmente o que diziam e isso preocupava a interiorana de uma forma que não saberia explicar, não achava correto esse tipo de ensinamento, nem linguajar. Contudo não possuía intimidade suficiente para dizer nada sem chamar muito atenção e acabar constrangida, como ela sabia que aconteceria.
— Vou pegar uma cerveja, quer uma Isabella? — Ygor levantou já se dirigindo à cozinha e mesmo a garota respondendo um “Não, obrigada”, foi ignorada.
— Ygão, mas e se ela for, tipo... virgem? Caralh*, muita “responsa”, saca?
— Ué, por quê? — Gritou da cozinha.
— Mano, sei lá... Aí fica mais foda da gente saber se, tipo, ela tá curtindo ou não, tá ligado?
— Elas sempre gostam, Fê! Fazendo bem feito, todas gostam. — Ele entregou uma longneck para Isabella que prontamente rebateu.
— EU não gosto, obrigada! — Ela dispensou a cerveja com uma sobrancelha levantada para que ele entendesse que ela não estava se referindo somente a bebida.
— Pô, gatinha... Agora eu vou ter que tomar duas, por que não disse antes?
— Eu disse, você não prestou atenção.
— Tá, tá... Desculpa aí! — Ele piscou cúmplice para Fernando, despreocupado se a garota visse seu olhar zombeteiro. Seguro de si, parecia confiante na forma como abordava garotas. — Tá meio chato aqui, o que vocês acham de jogarmos um jogo?
— Que jogo? — Os olhos de Túlio brilharam em uma possível forma de divertir a reunião tediosa dos jovens.
— Eu tô fora. — Nataly dispensou antes mesmo que o primo dissesse algo. Já Nayane se ajeitou no outro sofá, guardando o celular no bolso traseiro da calça, aguardava maiores informações enquanto a irmã digitava rapidamente no celular sem nem olhar para o restante do grupo.
— Tá dentro Isabella? — Ygor perguntou colocando e cruzando os pés sobre a mesa de centro. Bebeu um gole da cerveja deixando a garrafa quase vazia.
A garota deu de ombros impaciente, pela milésima vez olhou o relógio e suspirou desolada com o tempo por estar torturando-a daquela forma. Tinha certeza que ele mudara o compasso após o encontro com a morena, parecia levar mil segundos por minuto, ao invés de sessenta.
— O jogo é bem fácil, até você pode brincar Tulim, mas tem que prometer não comentar com sua mãe depois, valeu? Da última vez tia Verônica ficou infernizando minha mãe, por conta do monte de pergunta que você fez. Porr*, tem coisa que a gente só conversa entre a gente, entendeu? — Ele falava com o garoto como se fosse um ancião dando ensinamentos cabalísticos ao jovem aprendiz.
— Tá, prometo! — O garoto acenou fortemente com a cabeça, já entusiasmado pelo que estava por vir.
— Beleza, é assim... Eu começo, então vou dizer o nome de algum animal mais a palavra bebe, por exemplo: Gato bebe. Daí o próximo à minha direita responde exatamente a frase; Gato não bebe, quem bebe é... E escolhe outro animal, assim por diante. Entenderam?
— Que jogo chato! — Nataly parara de digitar loucamente em seu celular para comentar com uma expressão desdenhosa.
— Chata é você! — Ygor deu de ombros jogando um pouco de cerveja nela.
— Tá, mas se eu errar o que acontece? — Fernando perguntou achando aquilo tudo fácil de mais partindo de Ygor.
O garoto mais velho apenas sorriu malicioso antes de pedir que eles fizessem uma roda ao redor da mesa de centro e depois que todos estavam sentados em seus devidos lugares, ele voltou a falar.
— Parece fácil, mas tem umas regrinhas que acrescentei para incrementar esse joguinho... — Ele esfregou uma mão na outra com um olhar, que na opinião de Isabella, parecia diabólico. — Não pode gaguejar, hesitar, rir ou falar devagar... A frase tem que sair de uma vez e assim que o outro terminar de falar, você já tem que começar. E quando alguém perder, TODOS bebem. Tulim é café com leite e pode beber energético. O restante é cerveja ou batida. Quando alguém errar, além de beber será castigado. O castigo será tirar uma peça de roupa...
— Impossível! — Isabella se manifestou alto e rápido, chamando a atenção de todos.
— Calma... Calma! Eu não terminei de explicar... Você pode pagar uma “prenda” para escapar do castigo, beijando na boca de qualquer um da roda... Mas, sem repetir. Depois recomeçamos do zero com a pessoa que perdeu, falando um novo animal e assim por diante.
— Esse jogo vai dar merd*. — Nayane comentou sorrindo e mordendo a unha, a garota parecia mais empolgada do que qualquer outro no grupo.
— Todos entenderam?
— Eu entendi! — Túlio levantou a mão, obediente.
Isabella revirou os olhos amaldiçoando o momento que aceitara vir nesse almoço. Não poderia simplesmente ter ficado em casa e fingido ter prova na segunda-feira? Contudo escolhera vir, apenas para punir Micaela que agira feito uma covarde no dia do sofá.
— Então demorou! — Ygor buscou algumas bebidas na geladeira e escondeu-as embaixo da mesa de centro. Eles podiam ver os pais do lado de fora, pela janela, mas devido a iluminação dificilmente quem estava de fora conseguia distinguir alguma coisa do lado de dentro.
Isabella ajoelhou-se no sofá, puxando o vestido e já prevendo angustiada que pagaria prenda beijando a boca de algum daqueles desconhecidos. Além de ser péssima em jogos do tipo, ainda teria que falar rápido e estava com uma roupa composta por apenas UMA peça. Ponderou recusar o jogo e ser taxada como a novata chata da família, ou apenas ignorar o mal estar e deixar rolar. Ygor começou o jogo.
— Foca bebe.
— Foca não bebe, o animal que...
— PERDEU! — Ygor, insuportavelmente gritou, interrompendo Fernando. — A frase é; Foca não bebe, QUEM bebe é... — Ele gargalhou diante da expressão sofrida do rapaz. — É muito burro, eu acabei de explicar!
— Porr*, detalhe mais tosco, mano... Que diferença faz?
— Regras são regras. — Respondeu Nataly por todos dando seu primeiro gole na longneck.
Resignada Isabella também bebeu um pequeno gole direto da pequena garrafa, fazendo uma careta involuntária logo em seguida. Odiava o sabor de cerveja e não entendia por que quase todos os jovens da sua idade gostavam. Fernando tirou a camisa ficando só com a bermuda e os chinelos.
— Você começa Fê. — Ygor deu um cutucão com o pé no rapaz.
— Foca não bebe, quem...
— MANO, TU É MUITO BURRO! — Desta vez até mesmo Isabella soltou uma leve risada desacreditando na falta de atenção do garoto. Ygor gargalhava tanto que precisou se levantar para recuperar o fôlego. Nayane também ria, observando a cena de fora. — Depois de cada rodada, quando alguém ERRA, o jogo RECOMEÇA DO ZERO! Eu expliquei isso, animal! — Ygor quase gritava zombando do primo.
— Caralh*, Ygão! Você explica bem bosta também! — Fernando abriu os braços indignado.
— Tulim, você entendeu? — Ygor se dirigiu ao caçula do grupo.
— Sim, eu tinha entendido que começava do zero mesmo, mas é normal se confundir Fer... — O garotinho sentia empatia pelo primo e tentava consolá-lo.
Fernando bufou e rapidamente decidiu manter a bermuda e escolher a prima Nataly para um selinho fazendo um biquinho engraçado, o toque durou milésimos de segundos e a prima não resistiu em limpar a boca com o braço, Fernando voltou ao seu lugar com uma expressão indecifrável.
Após alguns segundos de silêncio constrangedor e a confirmação de que todos haviam bebido, continuaram.
— Papagaio não bebe! — Fernando quase gritou determinado, mas infelizmente todos não se aguentaram caindo na risada.
— Aahhhh, podem beber! Vocês todos riram! — Fernando se levantou apontando a roda.
— Lógico! Essa cara de “manézão” e ainda escolhe o bicho mais aleatório, ai mano... — Ygor tentava conter o riso, para seguir a brincadeira.
— Quem começa agora? — Tulim perguntou em dúvida.
— Eu!
Isabella não precisou olhar para o lado, sua pele se arrepiou identificando-a de imediato, o coração batucou perdendo o ritmo, a voz profunda era inconfundível.
— Ah, chegou a estraga prazeres! — Ygor resmungou abrindo outra longneck.
— Pelo menos ela trabalha, e você faz o quê? — Nataly devolveu para o primo com um sorriso debochado.
— E aí Mica, já está ficando milionária? — Fernando foi o único primo que se levantou para cumprimentar a morena, abraçando-a apertado, como sempre fazia e depois fazendo o aperto de mãos fofo e bobo que Isabella conhecia e já adorava.
— Quando o brasileiro ficar milionário por trabalhar, a taxa de desemprego cai para zero rapidinho. — Ela devolveu o abraço respondendo ao primo que tanto amava.
Isabella sentia a respiração suspensa, não tirava os olhos da morena por um segundo e em nenhum momento Micaela a olhou. Passou em frente as gêmeas cumprimentando-as cada uma de um jeito diferente, em Ygor ela apenas acenou sem dizer uma palavra. Quando parou em Túlio quase o pegou no colo, beijando seus cabelos negros como os dela.
— Oi, Isa. — Micaela acenou para ela rapidamente, sentando-se ao seu lado e puxando uma longneck por baixo da mesa.
Isabella franziu o cenho tamanho a indiferença que ela agia diante dos primos. A garota mal conseguiu responder ao cumprimento, o perfume de Micaela invadiu-lhe os sentidos, evidentemente a morena passara em casa antes de vir, estava cheirando a shampoo e perfume, mas Isabella não se importava, ela poderia ter vindo coberta por serragem e suor, ela só queria que Micaela a cumprimentasse com o mesmo entusiasmo de sempre, porém a morena tinha suas paranóias, evitava qualquer contato visual que viesse a denunciar as duas.
— Estão jogando o quê, Verdade ou Desafio? — Ela perguntou dando o primeiro gole na cerveja que esquentava sob a mesa de centro.
— Bicho Bebe! — Ygor respondeu sem olhá-la.
— Ah... Bora então, tô dentro.
— Já sabe das regras? — Fernando perguntou antes de começarem.
— Não, mas... Vamos jogando e vocês vão me falando.
Conforme jogavam e explicavam o funcionamento do jogo e das regras, rapidamente a morena foi dando goles mais longos na cerveja, já abria a segunda garrafa e o jogo ia bem, ninguém errara ainda. Túlio apesar de mais jovem era o mais atento e rápido, além de não estar alcoolizado, os energéticos lhe davam ainda mais foco no jogo.
— Zebra não bebe... — Isabella hesitou por dois segundos e recebeu alguns gritos e risadas. Ela esfregou os olhos indignada por não se lembrar de nenhum outro animal em tempo hábil, choramingou por dentro, pois sabia que haveria de pagar prenda, não tinha nenhuma peça de roupa para tirar. — Tá, eu pago a prenda, então escolho... — Ela pensou e pensou e pensou... Suas possibilidades eram; Túlio em primeiro lugar, mais seguro, porém escolher uma criança seria no mínimo... estranho. Fernando em segundo lugar, era o primo mais simpático e gentil, também muito seguro. As gêmeas não seria muito bom, talvez levantaria muita bandeira chamando uma atenção desnecessária. Ygor estava fora de cogitação, ele era presunçoso e prepotente, escolhê-lo seria suicídio. Micaela... Ela só desejava escolher a morena. Era a escolha mais certa e perfeita em sua opinião, mas pelo que já a conhecia, tinha certeza que ela ficaria constrangida perante os familiares.
— É para hoje! — Ygor interrompeu seus pensamentos de forma rude, mas sua risada mostrava que ele acreditava estar sendo engraçado ou algo do tipo.
— Escolho Fernando. — Ela por fim decidiu soltando o ar dos pulmões.
O primo de Micaela se levantou inclinando-se em sua direção e a morena ficou entre eles observando perto demais, em sua opinião, o garoto tocar os lábios que tanto desejava naquele momento, numa lentidão torturante. Ambos fecharam os olhos e viraram as cabeças de lado, em um selinho hollywoodiano.
Isabella reiniciou o jogo e após algumas voltas, desta vez Ygor errou, fazendo Micaela desconfiar que ele fizera de propósito após o garoto anunciar que não tiraria roupa e pagaria prenda. Escolheu Isabella sem pestanejar.
— Espera... — Micaela se viu falando e interrompendo a aproximação dos dois. Engoliu em seco tentando formular uma justificativa, mas sua vontade naquele momento era apenas uma; socar a cara de Ygor.
— Desembucha! — O garoto retrucou impaciente, já quase em cima de Isabella.
— É que... Eu ouvi passos. — Ela apertou a garrafa fingindo procurar alguém pela janela, entre as pessoas do lado de fora.
— Não inventa. — O garoto parecia quase alterado.
— É verdade, eu também ouvi. — Isabella respondeu primeiro que ela, também olhando pela janela.
O garoto bufava impaciente.
— Querem que eu vá checar? — Túlio se prontificou já indo para cozinha, mas voltou rapidamente confirmando o que a morena temia. — Tá tranquilo, todos estão lá fora.
— Eu não disse? — Em dois passos ele já estava em cima de Isabella, um dos braços apoiados no sofá, o outro puxando o rosto da garota arrancando-lhe um beijo duro. Isabella franziu o cenho comprimindo os lábios involuntariamente, tentou cessar o contato, mas Ygor abriu a boca tentando empurrar a língua em sua boca.
Foi uma sequência precisamente rápida, apenas Nataly acompanhara do exato instante em que ele tentava algo além, para Micaela derrubando-o com os dois braços em seu peito, o rosto transtornado, a voz ameaçadora soando quase baixo “Sai de cima dela” e o garoto desequilibrando-se e caindo sobre a mesa de centro quebrando-a ao meio. O grito de Nayane alertou os familiares de fora que invadiram a sala em poucos segundos.
— O quê aconteceu?
— O quê foi?
— Filho! — Verônica correu até ele ajudando-o a se levantar, as cervejas jaziam espalhadas pelo tapete, juntamente com partes da mesa e cacos de garrafas vazias que se partiram com a queda do garoto. — Se machucou, meu amor? — Ela conferia o rosto do garoto em desespero, as unhas compridas e vermelhas contrastando com a pele pálida de Ygor, que foi tomando uma cor vermelha assim que ele recuperou o equilíbrio. Levantou-se ignorando a mãe e qualquer outra pessoa da sala, partindo para cima de Micaela com um soco que foi desviado a tempo pela morena, acertando em cheio o encosto macio do sofá.
Isabella recuperava-se do choque ao mesmo tempo em que Fernando de pé empurrava o primo e gritava para ele se acalmar e parar com aquilo. A morena não se mexia, sentada estava e sentada ficou, tendo a audácia de continuar encarando-o enquanto tomava mais um gole de sua bebida, como se nada estivesse acontecendo. Fábio e Silvia finalmente conseguiram romper a barreira formada pelos familiares que travavam a passagem. Correram até as meninas certificando-se de que elas estavam bem e ilesas.
— Eu te pego sua vagabunda! — Ygor vociferou ameaçador, enquanto Fernando o segurava pelo braço, tentando levá-lo para um dos quartos.
— Você não pega nem gripe, seu verme mimado!
Isabella arregalou os olhos diante da resposta de Nataly, a prima estava em pé com os braços abaixados, os punhos cerrados, olhava com ódio para o primo.
— Parem! Chega! — Elisa se manifestou irada, os olhos injetados. — Vocês parecem dois animais, não se comportam nem adultos! Não cansam de brigar toda vez que se veem? — Ela estava furiosa, mas a voz embargada denunciava a mágoa por trás da fúria.
— Meu filho não é animal, essa “coisa” que não sabe se portar!
— Verônica!!! — Fábio retrucou com os dentes cerrados, a raiva no olhar, capaz de tudo pela cria.
— Minha mãe tá certa, tio! Ela quem começou! — Ygor vociferou quase sendo arrastado por Fernando.
— E terminei! — Micaela finalmente respondeu, a voz profunda e baixa... Ameaçadora sem mover um só músculo do corpo, assustava apenas pelo olhar, como um felino à espreita. Isabella apenas observava tudo, as mãos trêmulas, a mãe quieta ao seu lado tentava inutilmente tranquiliza-la com uma mão sem seu ombro direito. Aguardavam o desfecho, silenciosas em suas posições de agregadas na família.
— Sua sapatão maldita dos infernos!!! — O garoto empurrou Fernando partindo novamente para cima dela, mas Fábio rapidamente entrou em sua frente com as mãos na cintura, o olhar que dizia taciturnamente que dali ele não passaria.
— Saiam! Saiam todos! — Elisa gritou de forma descontrolada, inconsolável as lágrimas já corriam pelo rosto, as mãos indicavam a saída e todos um a um foram se dispersando e pegando seus pertences.
Judite e Paulo puxaram Túlio pelas mãos sendo os primeiros a deixarem a residência. Rogério e Margarete despediram-se baixo, as gêmeas já a postos do lado de fora, aguardando os pais. Fábio e Silvia recolhiam os restos de comida e talheres, Isabella e Micaela recolhiam as garrafas quebradas da sala, puxando a mesa quebrada para um canto do cômodo, Fernando e Verônica levavam Ygor para um dos quartos, forçando-o a se acalmar. Elisa desligara o som que tocava do lado de fora, sentou em uma das cadeiras e colocou o rosto entre as mãos tentando controlar o choro. Assim que terminaram Silvia se aproximou com uma pequena tolha de rosto que levava em sua bolsa, ajoelhou-se próximo à cunhada e tocara em seus cabelos, pedindo desculpas pelo ocorrido ao mesmo tempo em que deixava a toalha em seu colo.
— Até mais Ziza. — Fábio cabisbaixo despediu-se da irmã, encaminhando-se para o carro sem olhar para trás.
O clima era estranho, no carro iam em silêncio, nem Fábio ou Silvia puxaram assunto com as meninas que também mal se olhavam.
Já no quarto, Micaela apagou a luz e deitou-se no colchão com a interiorana, aconchegando-se em suas costas. Isabella permanecia imóvel, a mente fervilhando de expectativas e dúvidas, a vontade de colocar a morena na parede e questionar sua verdadeira intenção com ela, ao mesmo tempo queria abraçá-la e beijá-la, retomando o desejo da noite anterior e consolando as dores que ela era obrigada a suportar com sua família. Decidiu pela última opção e se virou grudando a boca na dela.
— Isa... — A morena se afastou interrompendo o beijo, estava tensa, ansiosa e preocupada. — Você tem certeza?
— Eu que te pergunto... Às vezes parece que você não sabe se quer ou não. — A garota murmurou baixo, os dedos acariciando as mechas curtas e negras.
— Eu já te “mostrei” essa resposta! Eu quero você! — A luz do abajur de bola de basquete dava um brilho diferente aos olhos negros que não desviavam-se do seu rosto.
— Sim, mas... Hoje você mal me cumprimentou, estava distante e...
— Não, não estava distante. Estava normal, para nós pode parecer distância por sabermos o que temos, mas para as outras pessoas é só... normal. — A morena explicou calmamente colocando uma mecha castanha atrás da orelha delicada.
— E qual problema das pessoas saberem o que temos, Mica? — Ela parecia ansiosa.
— Meu Deus, você não viu nada do que aconteceu hoje? — A morena sentou-se em um movimento. — É assim que você quer que as pessoas te tratem? Como uma aberração, um erro que atrapalha todo bem estar da família?
— ...
— Ninguém deseja isso Isa, ninguém quer ser visto assim, principalmente pela família... Sério, você é a primeira hétero que namoro e que não se importa das pessoas sab...
— Namora? Estamos namorando? — Isabella interrompeu com um brilho diferente no olhar. Mordeu o lábio inferior sorrindo como uma criança que acaba de saber que talvez, apenas talvez, Papai Noel exista.
— Você ouviu o que eu disse, além dessa palavra? — A morena riu agarrando-a e beijando seu rosto múltiplas vezes.
— Às vezes eu ouço sim, mas a sua boca me distrai um pouco. — Sorriu maliciosa.
— Aahhhh, “às vezes”? Tá certo! — Micaela se posicionou sobre ela, montada sobre seu ventre, vagarosamente empurrou seus braços para cima, os olhos negros hipnotizantes a mantendo cativa. Com a mão esquerda segurou seus dois pulsos, enquanto a direita desceu deslizando por seu pescoço, clavícula, depois seio. Parou um pouco acima da sua cintura e perguntou rouca. — Gosta de rock?
— NÃO MICA, NÃO! — Os olhos arregalaram-se percebendo a armadilha que caíra, como uma patinha.
Os minutos seguintes foram de gargalhadas, facilmente abafadas por beijos roubados e pausas dramáticas, antes da morena iniciar novo “solo” de guitarra em suas costelas. Ofegantes e saudosas, logo os pijamas estavam espalhados pelo quarto que já pegava fogo. Gemidos baixos e contidos poderiam ser ouvidos por quem se esforçasse do lado de fora ou talvez encostasse o ouvido à porta, e para sorte de ambas os pais dormiam profundamente nesse momento, sobrando somente as paredes para serem suas ouvintes.
***
Era seu terceiro mês juntas, depois de muitos apuros e batimentos acelerados por quase serem pegas inúmeras vezes e em situações mais diversas possíveis. A morena testava sua própria resistência nesse exato momento.
— Humm... Isso é tão delicioso. — A língua de Isabella fazia desenhos circulares no objeto de seu prazer, provando o sabor que adorava.
Micaela mordia os lábios e segurava os sons produzidos pela garganta, enquanto admirava aquela língua pequena e rosa desvendando cada curva e reentrância. Os lábios estavam avermelhados e lambuzados e se Isabella soltasse mais alguma frase ou exclamação de prazer...
— Amor? — A morena segurou sua mão e Isabella recolheu a língua saboreando o restinho de sorvete. Lambeu os lábios aguardando inocentemente. — Podemos ir? — Implorou a morena.
— Mas eu ia pedir mais uma casquinha... — A garota reclamou quase fazendo “beicinho”.
— Voltamos outro dia!
Desceram a rua da sorveteria em uma velocidade impressionante. Isabella apertava o guidão da bicicleta até os nós dos dedos ficarem brancos, os olhos fortemente fechados, a expressão de medo e excitação pela adrenalina. A morena acostumada dirigia alheia à aflição da caipira, aproveitava a posição em que estavam para aliviar o vício de cheirar seus cabelos até seu cérebro se satisfazer. Segurava o desejo de fazer amor com ela ali mesmo, na bicicleta. Com ela sentada de lado no quadro enquanto Micaela a aconchegava entre os braços e pernas, aproveitava os momentos de contato em que não tinha os olhos azuis sobre si, avaliando sua vulnerabilidade e tendo noção do quanto Micaela estava perdidamente apaixonada pela última garota que poderia imaginar.
Chegaram em casa e correram para o quarto, os pais nada falavam, apenas observavam. Talvez Fábio já houvesse percebido, mas nada comentava, poupava Silvia, talvez fosse só mais um “fogo” passageiro, entre jovens com hormônios à flor da pele. Silvia sorria, em sua esperança materna ela agradecia mentalmente pela boa convivência entre as duas, o coração aquecido por ver sua pequena Bella sorrindo feliz pela primeira vez em anos, poderia estar sendo otimista demais em não se preocupar que as duas estivessem tão co-dependentes, contudo tinha sinceras expectativas de que seriam grandes amigas por toda vida.
***
— Mica, Mica... por onde anda essa sua cabeça, mulher? — Berenice riu quando pela quarta vez a morena errava a medida de um pedido.
— Me desculpa, Berê. Eu tô um pouco preocupada com uns lances aí... Me dá dois minutos, tomo um café e volto concentradíssima! — A morena prometeu já saindo, mas foi impedida pela mão que a puxava pelo braço.
— Mana, eu sei que não é da minha conta, mas... Você precisa relaxar mais. Essa pressão que você mesma se coloca, sabe? Namorar uma hétero já é complicado, sua meia irmã ainda por cima. Já conversou sobre isso com ela?
— É o que eu faço todos os dias, Berê... Acredite se quiser. Ela simplesmente... Tipo, ela NÃO se importa, saca? Por ela a gente assumiria tudo hoje, para todo mundo. É como se a ingenuidade dela impedisse que ela visse a maldade, sabe? Do que o mundo, do que NOSSA família seria capaz de fazer.
— E você?
— O que tem eu? — A morena parecia confusa com a pergunta direta da amiga.
— Você assumiria o namoro, se não fosse... Ela?
Aquela pergunta perdurou por dias nos pensamentos de Micaela, talvez não houvesse uma resposta definitiva, mas... Ela admitia que se fosse outra garota todos já saberiam, nunca houve motivos para esconder e quando a mãe a enviava para Ribeirão Preto nas férias escolares, ela sempre arrumava um jeito de expor com prazer, era quase involuntário, era necessário. Seus primos e tias a desprezavam por isso, salvo alguns dos primos mais novos que não possuíam idade suficiente para formarem uma opinião mais concreta sobre o assunto. Para eles a prima Mica era o que era e pronto. Sem questionamentos. Porém os tios e tias, os pais, os avós... Nunca a aceitaram. Foram muitas reuniões familiares frustradas e finalizadas aos berros por discussões entre Fábio e os demais, ou Micaela e o avô. Perdera as contas de quantas vezes chegara as vias de fato com Ygor, mas quando o primo atingira a maturidade Micaela se enfurecera, por não ter força e tamanho suficiente para enfrentá-lo. Tinha algumas histórias para contar sobre os hematomas e contusões que já ganhara, por simplesmente não baixar a cabeça quando lhe diziam o quê, quando e como deveria se portar. Não odiava sua família, mas também depois de tantas decepções, não sabia dizer se de fato a amava. Havia apenas duas pessoas, fora os pais, ao qual ela mantinha maior contato e respeito, sua Tia Elisa e seu primo Fernando. Nem mesmo o marido de Elisa ela confiava plenamente, ainda tinha ressalvas. Mas o primo era sem dúvida seu melhor amigo e confidente. Amava-o como irmão, jamais se decepcionara com ele e jamais o decepcionaria tampouco.
— Filha, já decidiu para qual curso vai prestar o vestibular? — Silvia perguntava animada, enquanto misturava os ingredientes do pão doce que faria.
Isabella estudava na cozinha, fazendo companhia para mãe.
— Já. — Ela sorriu faceira, não dizendo mais nada.
— Vai guardar segredo? — Silvia virou-se por instantes para olhar o rosto que era sua própria imagem na adolescência.
— Vou, para não dar azar.
Elas riram cúmplices, pois sempre brincaram de fazer desejos às estrelas, mas não compartilhavam para evitar o azar que sempre estava à espreita.
— Bella, e os namoradinhos? — A pergunta saíra distraída, automática. Assim como o ovo que quebrava sem mesmo pensar. O silêncio da filha a fez olhar para trás.
Isabella estava vermelha, parecia não só constrangida, mas... triste? Isso preocupou Silvia em uma escala imensurável. Rapidamente largou os ingredientes limpando as mãos no avental e correu para perto dela, ajoelhou-se ao seu lado, puxando seu queixo, os olhos azuis nunca mentiam, ela era transparente com seus sentimentos.
— Isabella, o que houve?
A garota mais uma vez nada respondeu e derramou-se em lágrimas. Ela escondeu o rosto entre as mãos, o choro era baixo e doído, quase contido, mas estava há um tempo já querendo sair, a mãe a pegara em um dia frágil, vulnerável. Não conseguira mentir a tempo.
— Isa... — A mãe rodeou os braços a puxando para um abraço materno e isso só aumentou seu lamento. — Filha, o que anda te afligindo assim? Por favor, se abre comigo... Achei que tinha passado, você anda tão feliz ultimamente.
— Talvez... — A garota soluçava, tentando se expressar. — Talvez seja... Exatamente... Isso.
— Como assim? Não entendi!
— Talvez... Eu esteja muito feliz. — Ela respirou fundo tentando manter a calma. — Mas minha felicidade não seja... Suficiente... Para as pessoas entenderem ou... Aceitarem.
Pediu licença, totalmente desolada e deixou a mãe ali, de joelhos. Aflita e sem entender absolutamente nada do que a garota dissera.
Fim do capítulo
Já já sai mais um, obrigadinha pelos comentários!!! Vocês me animaram ^-^
bjitos!
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Bibiset Em: 06/05/2023 Autora da história
Exatamente!!! Tão ingênua que não conhece ainda a capacidade do ser humano em destruir sonhos… A Micaela tinha mais experiência nisso, no caso.