Capitulo 6 - Toc Toc
— Vai sair a essa hora? Você nem conhece a cidade, Micaela! — O pai ainda tenta, antes dela cruzar a porta. — Sairemos cedo amanhã, filha!
— Não vou demorar! — Ela olha em seus olhos, tão negros quanto os dela, em uma súplica para que ele não a impeça, nem questione. E se vai.
O pai abaixa a cabeça, em um misto de culpa e raiva. Ela era maior e ciente de seus atos, mas ele jamais deixaria que alguém a magoasse, contudo essa exposição, que em sua opinião, ela fazia... a colocava em risco intermitente... E ele frustava-se cada vez mais, completamente de mãos atadas.
***
— Gata e cheirosa! — Vanessa a puxou pela mão enquanto desciam os poucos degraus da varanda.
Micaela achou graça do jeito espontâneo da velha colega, conhecia a garota de festas passadas, talvez houvessem se beijado duas ou mais vezes, não se recordava. De qualquer forma em todas elas estavam embriagadas, então não faria a mínima diferença forçar sua mente naquele momento para essa informação inútil.
— Pietro está com você? — A morena reconheceu o rapaz dentro do carro da garota.
— Sim, estamos na casa da tia-avó dele... Que coincidência encontrar você por aqui, quanto tempo vai ficar? — Passou a mão em sua perna, atrevidamente, enquanto abria a porta do passageiro para ela entrar.
— Volto amanhã, logo pela manhã... Por isso nem pensar em virar a noite. — A morena avisou cumprimentando o rapaz com um beijo no rosto.
A voz afetada de Pietro soou no pequeno carro.
— Ah, pronto! Virou garota de matinê agora? — Ele olhou para trás apertando seu rosto num gesto automático. — Quase esqueci de como tu é linda, fofa, gostosa! Te pegava Tomboy, não fosse pela sua falta de “equipamento” — Fingiu lixar uma unha.
— Que te garanto não fazer falta... n e n h u m a! — Soletrou rindo maliciosa.
Partiram em direção ao centro da pequena cidade, não havia muito entretenimento de seus gostos, porém haviam alguns bares onde poderiam tomar alguma coisa mais forte do que cevada fermentada.
No primeiro bar viraram algumas doses de Whisky e seguiram para o segundo bar, procurando involuntariamente a excitação que a variação poderia proporcionar.
— Vai com calma, Miquita! — Vanessa riu quando a morena virou a terceira dose de Tequila. — Não quero levar defunto para casa.
Pietro se agarrava em uma das pilastras do estabelecimento, fingindo um pole dance amador de última categoria. Sim, terceiro bar e já estavam mais do que encharcados de álcool, vergonha e humilhação.
— Poxa, sabe? Eu só queria ficar de boa, tá ligada? — A morena enrolou a língua pronunciando frases aleatórias que Vanessa não se preocupava em entender. — Queria chegar e ver ela, e nem “tchum”, saca? Tipo “oi e aí, beleza?”, e acabou! Esquece e dorme! Sem dor! — Há vinte minutos ela tentava explicar sua situação com Isabella, mas o álcool em seu sangue não lhe permitia uma maior percepção de que absolutamente ninguém dava atenção ao que falava.
Ela esticou os braços na mesa, num estado deplorável, com a cabeça entre os cotovelos ela sentia a força centrífuga que seu cérebro se esforçava para enfrentar, com muito esforço ela se ergueu dando um passo para longe da mesa e antes que pudesse perguntar aonde ficava o banheiro, sentiu uma pressão em seu braço, um rodopio e a língua de Vanessa já dentro de sua boca. Beijou-a primeiro no automático que o susto de um beijo roubado por vezes causa, depois com raiva e mágoa, depositando toda sua insatisfação e amargura nos lábios daquela garota que nem de longe era o o alvo de seus sentimentos.
— porr* Vanessa! — Ela então cessou o beijo segurando a garota pelos ombros. — porr*, toda vez, meu... Mania de beijar de surpresa! — Ralhou mal humorada e frustrada por não conseguir largar seus ombros e manter-se em pé sozinha.
— Iiiih, qual foi? Foi tu que me olhou na praia, garota! Agora vai pagar de sensível?! — Vanessa puxou seu rosto para o lado, mordendo seu maxilar e sugando a pele clara de seu pescoço, como uma punição pelo que dissera.
Micaela reclamou sentindo a dor latente no local e despertando levemente da embriaguez. Franzindo o cenho possessa, apenas a puxou em direção à uma porta com plaquinha branca que dizia “Tanto Faz, Apenas Mantenha Limpo”, presumindo ser o banheiro entrou. Alcançaram uma das cabines aos tropeços e beijos. A morena a empurrou contra parede sentindo o desejo crescer rapidamente. levantou sua blusa e antes que pudesse arrancar seu sutiã, como gostaria, paralisou com o que via, como um balde de água fria.
Seu sutiã. Branco, com pequenas flores azuis...
— Não para, quero dar para você! — Vanessa gem*u já se contorcendo e aguardando com os braços levantados, expondo o torso.
— Ah... Eu... — Micaela tentou, mas não conseguia formular uma justificativa plausível para sua desistência repentina. As flores azuis pareciam lhe dizer algo, mas ela estava tonta demais para entender “Florês” — Tenho que ir, desculpa...
Ela saiu da cabine ás pressas, ainda trôpega e transtornada, parou em frente ao espelho e abriu a torneira quase mergulhando a cabeça sob o jato de água gelada. Lavou o rosto uma, duas, três vezes... E saiu deixando uma Vanessa incrédula para trás.
— Pietro, me ajuda a pedir um taxi!
— Que foi, gata? Que bicha te mordeu? — Ele olhou a morena estranhando sua atitude inusitada, Micaela nunca abandonava a noitada.
— Só pede um táxi, por favor. — Ela implorou com a voz cansada. Pietro estava pasmo, Micaela parecia ter os olhos mareados e ele se perguntou por um bom tempo naquela noite, se aquilo realmente seriam lágrimas, ou apenas ressaca antecipada.
Pietro era o único que possuía um celular entre eles, e imediatamente pediu um táxi para ela, que mal esperou a confirmação e foi em direção à rua, aguardar a chegada. O vento gelado da madrugada bateu em seu rosto ainda úmido e ela sentiu alívio com a sensação. Em toda sua existência e reconhecimento como uma garota lésbica, jamais negara “fogo”, como bem dizia Pietro. E o motivo de sua negação a aguardava em casa, com lágrimas nos olhos e a constatação disso pesava em seu peito mais do que qualquer bebida que havia ingerido naquela noite.
— Inacreditável! — Ela murmurou para si passando a mão no rosto e tentando entender o que acontecera. Lembrar de Isabella... ainda mais durante um momento como aqueles... Era inadmissível! Ela não concebia essa ideia, visualizar a estampa no sutiã de Vanessa simultaneamente acendia uma chama dentro dela, capaz de calar toda e qualquer recusa e simplesmente trans*r com a garota, tendo Isabella em seus pensamentos, mas estava ciente demais de que ela NÃO era a caipira, e isso era um tremendo balde de água fria em seu desejo.
Arrepiou-se, afinal de contas “fugiu” para tirar Isabella de seus pensamentos, não o contrário. Aquilo parecia tudo ao avesso e ela só pensava em voltar para casa... Voltar para Isabella. Seu estômago reclamou e ela engoliu o gosto amargo do arrependimento. Ter ido ali não tinha sido uma boa ideia. Aliás, nada parecia uma boa ideia quando se tratava em tentar esquecer a garota. Por quê? Ela tivera tantas oportunidades de se apaixonar e felizmente nunca teve problemas quanto à isso... Seguia invicta na questão de independência amorosa, ela sabia separar as coisas. Se o sex* era bom? Ótimo! Conseguia manter por meses a relação, sem se envolver e ao mesmo tempo tendo seu prazer saciado sem danos colaterais. Nem mesmo com Beatriz, uma das melhores trans*s que já usufruíra, teve esses sintomas inconvenientes. Era sempre tão controlada em questões emocionais, ria e zombava de suas amigas que se apaixonavam no primeiro beijo e se “casavam” no segundo. Em que momento pegou essa “doença” chamada carência afetiva? E por qual motivo seu alvo era a filha de sua madrasta, com quem nunca tivera absolutamente nada relacionado à prazer sexu*l*. NÃO tinha o menor sentido! Cogitou a possibilidade de estar há muito tempo sem sex*, talvez isso levasse sua libido à patamares mais audaciosos e bizarros, como um fetiche pela meia-irmã. Ela fez uma careta repudiando o pensamento.
O táxi chegou e demorou mais do que o esperado para retornar, só então ela percebeu que o rapaz tomara o caminho da casa da tia-avó de Pietro, esquecera de passar o endereço correto ao motorista que deveria ser conhecido da família. Ela quase gritou em um acesso de raiva de si mesma, onde estava com a cabeça, afinal? Claro, a pergunta era retórica.
— Moço, desculpa... É outro caminho. — Ela passou a mão nos cabelos em um gesto frustrado e após a interminável corrida pagou o senhor a mais, para compensar pelo erro.
Entrou em casa na ponta do pé, estava tarde, passava das quatro da manhã e ela ainda estava levemente embriagada. Bebeu quase dois litros de água, para tentar apaziguar o mínimo que fosse, sua ressaca moral antecipada e dirigiu-se ao quarto, com o coração na mão. Entrou sem fazer barulho e procurou Isabella na cama, mas estranhou quando não a encontrou dormindo, a pouca luz que entrava pelo vão da porta e pela janela não permitiam que ela visualizasse o quarto totalmente, então retirou a roupa com certa pressa, ficando somente com a cueca boxer e o top, imaginando que a garota poderia estar no banheiro e que sairia a qualquer momento. Jogou-se de qualquer jeito na cama e imediatamente sentiu que havia algo em cima dela, ouviu um resmungo familiar.
— Isa?
— Auuu, você me esmagou... — Ela bocejou com voz rouca, seus olhos semicerrados pelo sono estavam ainda anuviados.
— O que tá fazendo aqui?
— Eu dormi.
— Sim, isso eu vi, mas... Por que na minha cama?
— ...
Micaela não insistiu e apenas deitou-se ao seu lado a olhando, mesmo com a penumbra, sentia os olhos azuis em si. Ajeitou-se melhor e Isabella também se virou totalmente de lado, ambas se encarando com os narizes quase próximos. Havia silêncio, havia entendimento mútuo e o mais singular, havia um carinho que transcendia além de suas compreensões, algo que as intrigava e ao mesmo tempo aquecia seus corpos tornando-os quase plácidos... ao ponto de adormecerem nessa posição.
***
Acordaram poucas horas depois com Fábio sacudindo Micaela, de forma um tanto impaciente.
— Micaela. — A voz do homem soou grave, quase um alerta, e a morena se levantou esfregando os olhos com uma ressaca mais do que evidente.
Ele nada mais falou, porém seu olhar para as duas já dizia tudo, ela não soube se Isabella percebera algo, contudo ficou extremamente irritada com a insinuação do pai. Sim, estavam DORMINDO juntas, claro que isso ele notara, porém o esforço hercúleo que ela fazia para não dar vazão às suas vontades, só ela sabia. Isabella não era qualquer pessoa, não era qualquer garota e ela sabia disso como sabia seu próprio nome. Não admitia que desconfiassem dela, odiava quando a julgavam por algo que ela não fizera e principalmente sofria muito por combater a vontade de fazê-lo.
Olhou o pai com uma carranca explícita e direta, levantou sem deixar de encará-lo e trancou-se no banheiro, uma ducha rápida a acalmaria antes de saírem para estrada.
Por incrível que pareça a viagem de volta havia sido mais rápida do que a ida, o silêncio no carro era quebrado apenas por Silvia que sempre muito encantadora mostrava as fotos que tirara durante a viagem, principalmente das flores da casa, dos pássaros que passeavam pela manhã na areia, dispostos a aproveitar ao máximo a pequenina fauna que lhes alimentavam enquanto humanos ainda dormiam, haviam tantas fotos do sol nascendo e se pondo que Micaela não pôde deixar de sorrir ao entusiasmo da mulher. Chegaram em Ribeirão Preto no comecinho da noite, o chão das ruas estendia-se molhado, evidenciando o evento mais incomum na cidade... chuva.
Há três dias chovia sem parar e Micaela se sentia quase mofada, odiava umidade. Até as madeiras da marcenaria “reclamavam” do sereno incomum.
— Que cara é essa, Berê? — A morena aproximou-se da garota um pouco mais velha do que ela.
— Essa droga de tempo! Acredita que aquele cliente do armário externo quer cancelar a compra? Agora a chuva é nossa culpa! — Ela estendeu os braços indignada e Micaela riu da sua expressão ranzinza.
— Quer que eu fale com o cliente? — A morena ofereceu, já ciente de que atraso era um dos maiores problemas da empresa. Trabalhar com peças encomendadas era lucrativo, porém gerava maiores dores de cabeça para explicar ao cliente que intempéries poderiam acontecer e muitas delas estavam além do controle da marcenaria.
— Nahh... Deixa que papi resolve, o cliente é dele... Para variar só os dele dão essa “febre”! — Ela revirou os olhos voltando a se concentrar em lixar uma porta pequena.
— Berê... Aproveitando que os meninos saíram para o almoço, queria te perguntar uma coisa... — A morena colocou as mãos no bolso do macacão e chutou as ferragens, tentando parecer indiferente.
— Manda!
— Seu pai sabe sobre você?
A pergunta direta pegou a garota desprevenida. Ela interrompeu o trabalho e olhou bem para Micaela, fez um movimento com a boca e coçou a cabeça antes de responder.
— Saber o quê, exatamente?
— Ué, sobre você ser lésbica, oras. — Micaela retrucou achando óbvio não ter outro motivo.
— E desde quando sou lésbica e não tô sabendo?
O rosto de Micaela mudou de cor numa rapidez e intensidade impressionante. Ela abriu e fechou a boca algumas vezes, tentando em vão responder.
— Você é uma figura, garota! — Berenice gargalhou jogando a lixa para o lado e batendo as mãos para livrar-se da poeira. Retirou os óculos de proteção e jogou os cabelos para trás num charme único. — Sou muito bem hétero, obrigada! Mas tenho noção do meu jeito masculino e você não é a primeira a presumir que sou lésbica. — Deu batidinhas leves nas costas da morena, tentando livrá-la um pouco do constrangimento.
— Me perdoe, Berê! Eu repudio esse tipo de suposição... Tô bem envergonhada pela pergunta imbecil... Desculpa. — Estava tão arrependida que quase implorava pelo perdão da outra.
— Garota, relaxa! — Ela ria genuinamente tranquila. — Quis brincar com você, todo mundo me confunde... Até meu pai já me perguntou.
— Você tem que se vestir e ser como quiser, isso não tem nada a ver com sexu*l*idade. — Ela ainda não acreditava que havia presumido algo tão íntimo, era totalmente contra ao que pregava e defendia.
— Pois é, cara... Pô, fui criada pelo meu pai que é um ogro, cresci entre os marceneiros daqui e olha que não foram poucos, não tive uma figura feminina para me inspirar... mas acho que mesmo que tivesse... Iria preferir os macacões e serras, do que vestidos e batons... — Elas riram cúmplices.
— Mas, e você? É? — Berê perguntou distraída, depois de acender um cigarro.
— Sou... Felizmente sou. — A morena riu de lado à vontade com a filha do patrão.
— E namora?
— Deus é mais! — Ela levantou as mãos num gesto zombeteiro. — Se tem uma coisa que não me apetece é ficar presa a alguém... Aquela carência física e emocional, sério, não sou a nora que toda sogra quer, não mesmo! — A morena falava sério.
— Terminei com meu noivo mês passado... — Ela assoprou a fumaça para outra direção à que a morena estava.
— Pô... Sinto muito... Que merd*...
— Foi livramento, então?
A morena riu abrindo os braços, não tinha motivos para ser hipócrita com ela, realmente acreditava que se prender à alguém era o ato de suicídio mais comum e idiota que a humanidade possuía. Para ela apaixonar-se era o mesmo que dizer: Você tem uma doença terminal. Algo absolutamente cruel de se dizer ou admitir, mas ver casamentos serem destruídos por conta de uma cultura monogâmica, tradicional e ultrapassada, não era de grande inspiração para ela. A garota não repudiava o amor, aliás amava ter uma mulher em seus braços, ter seus mamilos em sua boca, cabelos em seu rosto enquanto elas a beijavam após um orgasm* extasiante. Adorava olhar em seus olhos quando gemiam enlouquecidas implorando por “mais”. Sem dúvida alguma, Micaela AMAVA, porém era um amor lúcido, são e com uma clareza e objetividade que lhe davam a certeza de que desejo sexu*l* depois de saciado, não causava dor ou obsessão. Não haviam prejuízos. Não havia términos ou traições. Não havia possessividade. Pelo contrário, caso a outra parte tivesse um terceiro elemento de interesse, isso só somava! Era perfeito.
— Foi mal Berê... Mas não tem coisa melhor que ser solteira.
As duas ainda riram e dialogaram sobre o assunto por toda tarde chuvosa. Havia uma reciprocidade e amizade que nascia sem as duas notarem, ficaram horas conversando e quando Carlão retornou de uma entrega a escuridão da noite já abraçava a cidade. Saíram sob a fina garoa que caía e Micaela se despediu de todos tomando o rumo de casa a pé, já que não viera de bicicleta como costumeiramente fazia, depois de acordar atrasada e ter que pegar uma carona com o pai.
Entrou em casa um pouco trêmula pela chuva fina e intensa que pegara no caminho, correu para o banheiro afim de tomar um banho quente. Assim que abriu a porta congelou com a visão que teve.
***
Isabella concentrava-se com os olhos focados nas pequenas gotas que escorriam por todo vidro do box. O vapor do banheiro embaçava um pouco sua visão, mas ela estava empenhada em mirar a atenção em um único ponto, apenas para que a mente não dispersasse em devaneios que não ajudariam muito seu intento. A água do chuveiro produzia um som reconfortante e contínuo, e mais uma vez ela tentou... Com cuidado seus dedos exploravam a região entre as pernas, subindo e descendo, numa carícia que apesar de não ser desajeitada, seguia em grau desconexo, sem direção. Sentiu a o indicador pressionar de forma autônoma e curiosa o ponto intumescido que muitos falavam ser o causador de todo descontrole físico quando manipulado com precisão, e ela se questionava se o “seu” poderia ter algum problema ou defeito, que a impedisse de sentir o que a maioria das garotas da sua idade já sentiam há muito tempo.
— Vamos... Cadê, você? — Ela sussurrava baixo para si mesma, sem compreender muito se aquilo deveria ser uma preocupação, ou ela apenas não havia despertado para o sex*, como o restante de suas amigas. Como as mulheres dos filmes românticos que assistia. Como Micaela.
O nome saltitou pelos neurônios, trazendo memórias de imagens agradáveis e Isabella sentiu que a exploração por alguns segundos ganhou um tom diferente. Respirou fundo, fechando os olhos, imaginando a morena em sua frente. E mais uma vez o carinho ganhava uma proporção prazerosa, quase febril. E assim como fora em todas as vezes que tentara aquele tipo de “exercício”, puxou a mão assustada com o que vinha em sua mente. Se sentia mal por pensar na morena, ainda mais enquanto tentava “fazer”, mas sentia-se ainda pior por saber que só sentia a sensação deliciosa quando Micaela permeava por seus pensamentos. Pediria para mãe levá-la ao médico, pronto! Era isso e estava resolvido.
Desligou o chuveiro e pegou a toalha, enquanto se olhava no espelho ainda embaçado pelo vapor. Enxugou-se e enrolou a toalha ao corpo, abrindo um pouco a porta para desembaçar o vidro refletivo. Assim que viu sua imagem com clareza fechou a porta, retomando os pensamentos.
Se ela tinha problemas com o corpo, como que um dia se relacionaria com alguém? Seria capaz de sentir prazer quando tivesse relação sexu*l* com seu marido? Isso interferiria na gravidez? Essas dúvidas martelavam incessantemente, com pressa dê respostas, com sede de resolução. Isabella lutava contra o conflito interno, ciente de que algo a impedia de ser como as demais, ela só não identificava exatamente o quê. Temia pela saúde física e mental, talvez fosse um problema fácil de se resolver, contudo a quantidade de perguntas que surgiam em contrapartida de respostas, causavam uma ansiedade compulsiva, que lhe tiravam a paz.
Puxou a toalha e correu os olhos por toda extensão de seu corpo. Desde os cabelos presos em um coque frouxo, os olhos azuis e o queixo herança da mãe, as pequenas sardas que tatuavam o colo e os seios fartos onde mamilos rosados se eriçavam pelo vento frio que entrava sem pedir permissão através do pequeno vitrô. Seus braços, com penugens da mesma cor que seus cabelos, o ventre e depois os lábios discretos e afônicos, escondidos atrás de fios castanhos e rebeldes, lábios que não podiam lhe expressar em palavras o que lhes agradavam, lábios que cercavam seus semelhantes e uniam-se à uma pequena protuberância que ligava-se a fenda onde tudo tinha início. Recostou-se contra parede e o frio gélido escalou seus ossos em velocidade extraordinária. Tremeu e se abraçou buscando reconforto para o corpo e a mente. Talvez sentisse prazer somente na penet*ação, então seria um problema que só teria resolução quando estivesse com um homem. O pensamento a incomodou de uma forma incompreensível para sua maturidade, então segurou os seios com o braço esquerdo, apalpando a carne macia e morna... Seguiu com a mão direita até o centro entre as pernas e antes que pudesse fazer algo a porta do banheiro se abriu dando ao invasor uma visão privilegiada pelo reflexo do espelho, de uma Isabella totalmente exposta em um momento mais do íntimo.
— VOCÊ NÃO BATE? — A caipira gritou empurrando a porta com as duas mãos, visivelmente constrangida e furiosa por ter sido flagrada por Micaela.
— É só trancar a porta!!!
Micaela ainda gritou do lado de fora se dirigindo ao quarto. Retirou a roupa molhada ficando só de cueca e top, enrolou-se no edredom aguardando a “princesinha casta” terminar de usar o banheiro. Ela bem que tentou, e como tentou, qualquer divindade existente era testemunha do quanto ela forçou sua mente a não fazê-la lembrar do que acabara de ver. Mordeu os próprios dentes e inspirou fundo imaginando milhões de cenas trágicas e assustadoras, desenhos abstratos, animais fofinhos, culinária indiana, acidentes aéreos, homens nus, monstros imaginários... A porta se abriu para uma caipira possessa e todo seu objetivo foi por água abaixo quando viu o rosto avermelhado da outra e o reflexo perfeito do espelho veio com força à sua mente... Daquele corpo delicioso e ainda úmido. Ela tentou prestar atenção às palavras de raiva que a outra lhe dirigia, porém não conseguia se concentrar com a visão da toalha rosa claro que ela enrolara ao redor do corpo com certeza de forma brusca, onde os seios espremiam-se no pequeno espaço, quase saltando para fora implorando por oxigênio, a caipira se virou ainda proferindo ofensas à morena e abriu a gaveta de calcinhas, onde Micaela pôde aproveitar alguns segundos para apreciar as pernas e uma pequena amostra do seu bumbum que também aparecia sob a mesma toalha. Ela então se voltou gritando e gesticulando o que Micaela pensou se tratar de um bom momento para despertar para realidade e enfrentar a fera.
— Não entendi...
— Claro que não entendeu, que merd* você entende quando se trata das outras pessoas? Você só pensa em você e no próprio umbigo, não entende que dividimos tudo aqui e eu sempre, SEMPRE, respeitei seu espaço Micaela, por que sei que aqui é a casa do SEU pai, só que eu também moro aqui agora e um pouco de privacidade é o mínimo, não custa bater, não custa ter noção das coisas! E eu ainda tenho que lidar com essa sua mania ridícula de fugir das discussões fingindo não estar ouvindo, sério às vezes parece que você...
E ela continuou por mais algum tempo o que foi o suficiente para Micaela livrar-se do edredom, tirar as últimas peças que restavam em seu corpo e sair nua em sua direção para que ela enfim se calasse.
— Com licença. — A morena desviou dela abrindo a própria gaveta de cuecas, alcançou depois um moletom no guarda-roupa e saiu em direção ao banheiro ignorando totalmente o silêncio repentino da outra.
Isabella vestiu-se ainda em silêncio. Colocou um pijama de mangas compridas e calça, tentando esconder-se o máximo possível, talvez até de si mesma. Sentia raiva, humilhação e frustração. Micaela desta vez fora longe demais, não tinha desculpas, ela não tinha o direito de invadir sua privacidade daquela forma, Isabella estava inconsolável.
A morena retornou ao quarto de cabelos molhados e banho tomado, seu moletom macio cinza claro abraçava seu corpo confortavelmente e Isabella cruzou os braços encarando-a e exigindo explicações.
— Você não tinha o direito de fazer aquilo comigo! — Teriam uma conversa, estava irredutível e a morena não escaparia do sermão que preparara enquanto ela tomava banho.
— ...
— E então, não vai dizer nada?
— Escuta garota... — A morena foi até ela sentando-se ao seu lado na cama. — Essa sua raiva por eu ter te pego num momento daqueles... Só mostra que o problema não sou eu, é você!
— O quê? COMO ASSIM, VOCÊ ENTROU SEM BATER ENQUANTO EU ESTAVA USANDO O BANH...
— Não Isa! Não entrei sem bater... Tá ok, entrei e peço desculpas por isso, mas estava congelando naquela roupa encharcada, eu só pensava em um banho quente, estava cansada e abri... Mas se a porta estivesse trancada, como NORMALMENTE as pessoas deixam, eu teria percebido que estava ocupado! Foi mal, mas... nós duas tivemos culpa.
— ... — Isabella bufou não querendo admitir, mas reconhecendo.
— Mas essa sua reação está demais, não tem necessidade de ficar assim... possessa! A gente já se viu nua outras vezes.
— Eu sei, mas...
— E outra, você estava em um momento de carinho, não há nada mais natural e normal... Não tem por que sentir vergonha.
— Affe! Tá vendo? Eu sabia que você faria goz*ção disso e eu já te pedi que...
— Eu não estou de goz*ção! Estou falando muito sério, Isa. — Ela se aproximou tentando fazer a outra entender. — Se tocar é NORMAL!
— Eu NÃO ESTAVA me tocando!
— Isa, tudo bem... não tem nad...
— Mas eu não estava!
— Aliás, fico feliz que esteja se conhecendo, eu na sua idade já me conhecia de cabo a rab*, literalmente. — A risada profunda irritou a garota sobremaneira.
— Você é uma idiota!!! Pensa que todas as pessoas são inocentes e ingênuas e só você é a “ban ban ban”... Isso é irritante e idiota!
— Não sou, só que você tem que admitir que as vezes é um pouco inocente, olha a tempestade que está criando por isso!
— Lá vem você, viu só?
— Não, Isa...
— Sim, você se acha! — Isabella levantou uma sobrancelha de forma debochada.
— Ok, se você acha que eu me acho, fazer o quê? E se você, uma garota linda e saudável, que está prestes a fazer dezoito anos e não admite se dar prazer ou tem vergonha disso, e pensa que não é inocente? Tudo bem, também! Cada um faz o que sente vontade!
Ela se levantou encerrando o assunto, pois estava mais do que óbvio que a garotinha interiorana jamais admitiria que sua capacidade em aceitar amor próprio não era prioridade. Isabella ainda vivia em uma era onde mulheres não podiam sentir prazer e fazer o que bem entendessem e era compreensível que ela tivesse essa cultura ainda incrustada em sua mente, mas daí insistir para ficar nela era...
— Pensa que não faço o que eu quero?
— Você só faz o que as pessoas mandam. — Ela se voltou com a pergunta de Isabella.
— Isso é a sua opinião.
— Sim, baseada em fatos! Ou você alguma vez fez algo que queria, mas poderia não ser bem visto pelos outros?
— ...
— Seu silêncio já responde a pergunta.
A interiorana sentia os olhos começarem a arder e isso a enfureceu ainda mais, chorar na frente de Micaela só confirmaria suas argumentações, na opinião dela, esdrúxulas. Isabella se levantou apontando um dedo em sua direção.
— Eu vou provar para você que está muito errada.
— É aí que tá, minha pequena... — Ela pegou em seu queixo e olhou-a como se olha para uma criança no primeiro dia de aula. — Não tem que provar nada para mim, mas sim para você mesma! — E piscou dando as costas à ela novamente.
O coração de Isabella vibrou, fibrilou e em três fortes batidas impeliu sangue suficiente para os músculos fazerem o que ordenava. Foi com precisão que sua mão direita puxou a morena pelo ante braço e num único movimento a virou de uma vez, pegando-a totalmente de surpresa. Seu corpo estava trêmulo e ela implorou aos pés e pernas que não lhe abandonassem naquele momento, não suportaria a humilhação de cair. Micaela não esperava por aquilo e essa foi a deixa para Isabella pegar em seu rosto e puxá-la em um movimento único que aproximava seus rostos, os olhos negros ficaram ainda mais negros e Micaela abriu a boca, talvez para dizer algo, mas Isabella não permitiu vencendo o espaço entre suas bocas e realizando o que desejava fazer há meses.
Fim do capítulo
Moral: Nunca subestime as tímidas kkk
Bjos e até breve! ^_^
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Bibiset Em: 05/05/2023 Autora da história
Só coisa boa hahaha