Dezessete
Não existe nada mais desagradável que possa te acometer durante a noite do que a insônia. Aquela chateação típica de se olhar para o relógio, ver as horas avançarem madrugada adentro, sabendo que precisa dormir, que logo tem que levantar, e a mente a mil, com possibilidades ínfimas de sono. É frustrante, e a sensação só piora conforme os minutos se adiantam madrugada adentro.
Beatriz estava inquieta, se revirava na cama sem parar. Se sentia bastante cansada (tanto física quanto mentalmente), seu corpo implorava por um pouco de descanso, mas ela permanecia numa quase incapacidade de se manter na horizontal.
Tinha ido para a cama já um pouco tarde, pressentindo as dificuldades iminentes. Antes de subir para o quarto preparou uma xícara quente de chá de maracujá e tomou um banho morno. Imaginou que àquele horário, já perto da meia-noite, seria mais fácil pegar no sono. Mas agora já eram quase duas da manhã e ela ainda não tinha conseguido dormir.
O quarto estava todo escuro, o lençol estava bem esticado sobre o colchão, ela se cobria com uma colchinha que estava muito cheirosa, as fronhas também tinham sido trocadas recentemente e eram bastante perfumadas – tudo um convite para o sono. Mas ela já tinha sentido frio e calor; já tinha se coberto e descoberto (inclusive só os pés); virado para cá, para lá e de bruços. Nada.
Pensou nas técnicas que sempre recomendava quando lhe relatavam dificuldades para dormir. Colocou músicas para relaxar no YouTube. Tentou fazer uma espécie de meditação guiada, com foco na respiração, relaxando membro por membro, a partir da sola dos pés. Listou todos os seus afazeres para o dia seguinte (e o próximo, e todos os outros até o final da outra semana). Contou, até perder a conta em 348. Cogitou a possibilidade de tomar um remédio, listando rapidamente os prós e contras dessa ação.
No armarinho do banheiro tinha alguns comprimidos que ficavam ali somente para casos de extrema necessidade. Mesmo médica (e talvez por isso), preferia se manter longe dos remédios mais fortes. Acreditava na sua eficácia, adorava estudar como certas substâncias agiam no organismo das pessoas, mas conhecia colegas que se automedicavam sem muita prudência, que já tinham perdido o controle, e ela não queria ficar como eles. Beatriz era analítica até (e principalmente) com ela mesma.
Nesse momento, lutava contra si mesma. Contra os seus pensamentos, seus sentimentos, suas lembranças, seus julgamentos. Lutava até contra a vontade que sentia de ligar para Fernanda e se desculpar. Dizer que estava errada, que se arrependia. Precisava fazer isso, acreditava que até já deveria ter feito!, mas agora já estava tarde. Não era educado ligar para alguém em plena madrugada (a não ser que fosse uma emergência). Tampouco era condizente com ela, sempre tão racional, tão equilibrada, tão estável.
Bateu a mão no relógio para que ele acendesse, mais uma vez: 2h17.
Quis soltar um palavrão – e isso só acontecia quando ela se frustrava muito – o que era bastante raro de acontecer. Na tentativa de desfocar a mente do desapontamento, acendeu a luz do abajur e aguardou alguns segundos para a vista se acostumar à claridade. Seria bobagem insistir em um sono que certamente não viria? Às vezes mais vale uma noite acordada sendo produtiva, do que insone e desiludida.
Ligou a televisão no mesmo instante em que pegou o celular, mas não se atentou ao que se passava em nenhuma das telas. Beatriz mantinha o olhar focado no meio da parede branca à sua frente. Pensava em tanta coisa ao mesmo tempo, que caso fosse questionada não saberia especificar somente um assunto, embora o tema de todos fosse o mesmo: Fernanda.
Torcia para que ela estivesse dormindo. Bastava uma, desperta àquela hora, gastando seu precioso tempo em sentenças mentais dolorosas.
Beatriz se conhecia bem o suficiente para saber que aquela insônia nada mais era do que a culpa, atormentando e a julgando por suas decisões recentes. Nem o passar dos dias tinha servido para amenizar aquele sentimento. Ainda se martirizava por ter magoado Fernanda. Se sentia mal por saber que ela estava mal (numa espécie de empatia esquisita).
Sem prestar muita atenção ao que fazia, entrou no perfil de Fernanda em uma das redes sociais em que se seguiam. Havia apenas meia dúzia de fotos, que Beatriz já tinha até decorado, mas abriu uma por uma. Viu seu sorriso em cenas que antecederam o encontro delas, com amigos que Beatriz não conhecia, abraçando seus irmãos numa fraternidade que ela tampouco dominava.
Aparentava ser uma pessoa feliz, amiga e sensível (uma das fotos era de uma borboleta monarca pousada no dedo de Fernanda). Em nada se assemelhava ao monstro que de vez em quando era associado àquela figura sorridente das fotos.
E isso era tão verdadeiro, e tão racional, que Beatriz até deu uma fungada, contrariada, jogando o celular para longe, indo parar no pé da cama. Tinha sido uma tremenda de uma besteira terminar o relacionamento com Fernanda. De tantas pessoas no mundo, ela não aparentava ser alguém que a faria mal, e parecia sincera quando demonstrava querer cuidar dela e apreciar sua companhia.
Agora Beatriz precisava, de alguma maneira, compartilhar isso com Fernanda. O óbvio. Ela precisava saber que Beatriz estava errada; e admitir o erro não era o problema. Por não saber como é que faria isso é que agora ela estava com problemas para se desligar daquilo, e isso a impedia de dormir.
Durante a semana elas tinham se cruzado algumas vezes no consultório, pelos corredores e na sala de Beatriz, mas se trataram normalmente, como se nada tivesse acontecido. Nada mesmo: nem rompimento e muito menos algum tipo de envolvimento. Beatriz precisou admitir que Fernanda tinha uma personalidade forte – mais até do que aparentava. E era mais profissional também. Nada em seu comportamento era indício de que estava vulnerável, ou chateada, ou aberta também para qualquer tipo de diálogo que não envolvesse as questões do trabalho.
Meio a contragosto, Beatriz admitiu que intimidade também é saber reconhecer o olhar de uma pessoa. Quando há calor, quando está distante, quando está tudo bem, quando há problemas. Os olhos dizem muito (são “a janela da alma”, como diria o dito popular). Por isso tinha evitado encará-la, durante esses encontros. Se sentia um pouco envergonhada, tendo (ela) dificuldade em relevar o ocorrido. Sabia bem o que seus olhos diziam, e era algo tão particular que soava errado permitir que qualquer pessoa acessasse. Até mesmo Fernanda, naquele estado. Parecia blindada, sei lá.
Convencida de que entrar em contato com ela àquela hora, no meio da madrugada, poderia ser mal interpretado, Beatriz levantou-se. A dificuldade para dormir era dela, e não queria aborrecer ninguém com seus problemas – principalmente Fernanda. Que ela ficasse em paz, e Beatriz que lidasse com aquilo.
Não era mesmo assim que sempre acontecia?, com ela sempre resolvendo sozinha as suas questões?
Antes de sair do quarto, desligou a televisão e o abajur. O apartamento estava mergulhado em uma quietude e escuridão profundas, típicas da noite, e sem querer Beatriz se perguntou se ainda sentia prazer naquilo (que sempre foi o seu lugar-comum): na solidão, no silêncio.
Lembrou-se de Renato Russo e sua poesia, tão bonita e tocante: “É de noite que tudo faz sentido, com o silêncio eu não ouço meus gritos”. Apesar de acostumada à falta de sons, preferia algo agora que rompesse com aquela calmaria. Desejou ouvir o sonzinho que Fernanda fazia enquanto dormia. Em segredo, gostava de respirar sua respiração nessas horas. Achava isso tão pessoal, tão íntimo! E a deixava tão em paz que ela sempre dormia em questão de segundos.
Entrou no ateliê e avaliou o vazio que havia ali. Renato tinha retirado, no começo da semana, as esculturas que ela tinha feito, e todos os quadros. Foram embora suas grávidas, e o que quer que havia com elas. Lembrou-se de Fernanda mais uma vez, daquele dia no restaurante, da sua felicidade ao acreditar que tinha desvendado alguma espécie de enigma. Novamente pensou em como aquela cena na rua tinha sido mesmo curiosa. E em como Fernanda era linda.
Mexeu em alguns pedaços de madeira que estavam sobre a bancada, alisou as pontas fofas de alguns pinceis, segurou entre os dedos um pedaço pequeno de carvão. Tentou ver, primeiro de maneira tátil, se o seu corpo demonstrava alguma preferência, se a inspiração viria de alguma maneira, mas não sentiu nada. Só o vazio mesmo, que parecia um eco agora. Parecia barulhento!
Sentou-se na poltrona e, com os pés apoiados no assento, abraçou as próprias pernas. Desejou calorosamente por um abraço. Sempre foi fascinada por abraços e pela troca de energia que gestos como esse proporcionam, mas nunca teve muito o costume de abraçar. Cresceu ouvindo seu pai recriminar essa aproximação que une de maneira tão eficiente pessoas que muitas vezes mal se conhecem. Ele dizia que isso era coisa de terceiro mundo, que só brasileiro se aproxima assim de desconhecidos. “E ainda vêm com beijinhos”, falava, sarcástico. Durante uma época, Beatriz até pensou que isso era errado, e ficava interessada quando via interações do tipo.
Uma de suas lembranças da primeira infância envolvia Cícera; o seu abraço. Cícera sempre a abraçava – até sem motivo. Houve vezes em que ela até rondou a mulher, só para ser puxada pelos seus braços. Sentia segurança ali. Proteção. Amparo. Amor!
“Quem tem carência é cachorro, Beatriz”, Antônio falava, antes que ela, ainda uma menina, reclamasse do pouco afeto recebido. “Nunca se sinta carente, minha filha. Nunca! Se perceber alguma espécie de vazio, trate de preenchê-lo. Vá ao shopping, compre alguma coisa, sei lá”, dizia.
- Me diga o que pode servir para preencher esse vazio agora, papai – ela fala, tendo como resposta, mais uma vez, uma porção de silêncio. Resmungando, se levantou e olhou triste para as estrelas no céu lá fora. Era noite de lua nova, então as luzinhas brilhavam mais forte – Não sei por que sempre te dei tanta atenção, doutor Antônio Nogueira. Porque ainda dou!
Beatriz deu meia-volta e saiu do ateliê. Caminhou descalça até a sala, que estava na penumbra. Não se deu ao trabalho de acender a luz, porque reconhecia cada objeto em cima das prateleiras, perto da televisão, pendurado na parede. Foi tirando um por um. A sala era preenchida pelo som de porta-retratos sendo retirados, e na sequência empilhados, uns sobre os outros, no cantinho do chão.
Ao terminar, esfregou as mãos. Não porque houvesse pó. Beatriz inconscientemente se livrava das sujeiras que aquelas fotos carregavam, cujos impactos a afetavam de uma maneira meio absurda, como que a comandando. Era hora de se desvencilhar da influência que seu pai ainda exercia sobre a sua vida, e o primeiro passo, acreditava, era começar trazendo bons ares para a sua casa, com mudanças que eram necessárias há muitos anos.
Determinada, voltou para o ateliê e vestiu o avental. Colocou uma playlist de músicas calmas para tocar (dessas prontas, que o Spotify sugere), instrumental. Tirou a proteção de plástico de uma tela em branco e a apoiou no cavalete. Quase teve a impressão de ouvir-se dizer “pinte o amor”, quando o pincel deu sua primeira lambida colorida. E a segunda, a terceira, e a tela foi se preenchendo de cores, em traços que aparentemente eram soltos, mas que ao final se conectavam, e a forma ia surgindo. Esplêndida, radiante!
O sol ameaçava surgir de dentro do mar ali perto quando ela concluiu. Afastou-se, como de costume, cerca de dois ou três passos. Ergueu as sobrancelhas e aplaudiu.
- Nada mal, Bia! – exclamou, contente.
Tinha alguns riscos coloridos no rosto e a franja estava colada na testa, devido ao suor, quando Cícera chegou e a encontrou deitada no sofá da sala. A parede oposta, que antes era coberta por diferentes porta-retratos de Beatriz e seu pai, estampava agora uma tela grande, sem moldura. Não havia ali um único ponto onde fosse possível encontrar o branco original. Uma explosão colorida envolvia dois corpos unidos, abraçados. De perfil, os corpos pareciam apenas um, quando observados de longe. Aproximando-se, Cícera constatou que não somente eram duas pessoas, como também eram duas mulheres. Um abraço, unido por vários pontos, várias cores. No rodapé da pintura, no lado direito, Cícera encontrou a assinatura delicada e firme de Beatriz. No canto superior à esquerda, o título da obra: “Amor”.
- É um ótimo começo! – ela comenta, satisfeita.
- Hum? –Beatriz pergunta, acordando assustada.
- Eu disse que você vai se atrasar. É melhor se levantar – Cícera responde, caminhando em direção à cozinha.
Beatriz tomou banhou de maneira quase robótica. O problema de não se dormir à noite são os cochilos, que trazem em peso o sono acumulado. Mesmo assim, estava feliz. Tinha passado a noite em claro, pintando o primeiro quadro feito para ela mesma.
“Arte não dá dinheiro”, seu pai dizia. “Tempo é dinheiro”, era seu lema. Antônio nem sabia que muitas das aulas que a filha frequentava quando nova eram de pintura, e outras relacionadas às artes. O dinheiro, tão valorizado por seu pai, era usado para custear esses cursos e os materiais, que ela guardava no “quarto de brincar”, espaço que em teoria ela se distraía com bonecas.
Incentivada a não “perder tempo”, e não querendo contrariar o pai, Beatriz só começou a criar sem culpa quando Renato lhe deu a ideia de direcionar suas obras para instituições beneficentes. Acostumada a sempre doar aquilo que pintava ou esculpia, sua inspiração era sempre “direcionada”. Havia um bloqueio nela e nunca tinha conseguido, até aquela noite, fazer algo para si mesma.
- Gostei do seu quadro – Cícera diz, ao vê-la entrar na cozinha. Colocou na mesa pequenos pedaços de melão, e uma xícara de chá.
- Eu fiz besteira – Beatriz responde, olhando sem interesse para o jornal, que permaneceu dobrado. Sabia que não precisava explicar que se referia à Fernanda.
- E o que você vai fazer a respeito?
- Não sei ainda – ela diz, se levantando – Mas agora preciso trabalhar.
Cícera nem insistiu, como de costume, para que Beatriz se alimentasse antes de sair. Sabia como ela se sentia confusa e, consequentemente, sem apetite. Já fazia dias que estava assim.
- Por sorte, a Terra não para de girar, mesmo quando dá a impressão de termos parado no tempo – ela fala, após Beatriz sair.
Cícera foi até a sala e caminhou em direção ao quadro recém-pintado. Admirou-o novamente e começou a recolher os porta-retratos que estavam no chão. Com satisfação, enfiou todas as fotografias dentro de uma caixa e a guardou na área de serviços. Não tinha certeza se Beatriz havia percebido, mas ao tirar as fotos do pai tinha se livrado de algumas das amarras que a mantinham presa a uma mulher que, definitivamente, não era ela. A “Beatriz do Antônio”, tão cheia de travas.
Próximo dali, Beatriz procurava uma vaga para estacionar. Tinha a intenção de sair do hospital e dirigir até a universidade. Sabia que às quintas-feiras Fernanda assistia algumas aulas da especialização e queria muito conversar com ela. Na verdade, “muito” era insuficiente e não estava de acordo com a real necessidade que ela sentia de falar com a moça.
Na ala psiquiátrica do Hospital das Rosas, Beatriz conversou com alguns médicos e avaliou o andamento de alguns tratamentos em curso. Aquele lugar era propício para ela praticar muitas das teorias que estava sempre estudando. Ela já havia se convencido de que há casos em que o cérebro cria situações no intuito de nos proteger da realidade. Se admirava com o poder da mente humana, distorcendo muitas vezes situações a fim de nos salvaguardar. Inclusive de nós mesmos.
Beatriz costuma dizer que nós somos o nosso pior vilão.
- Eu tenho uma fazenda cheia de bois – garante um rapaz, ao vê-la.
- Sim, eu sei que tem – Beatriz concorda, sentando-se ao lado dele – Você viu que dia bonito está fazendo hoje?
- Lá na minha fazenda é ainda mais bonito. As manhãs são mais bonitas. E as tardes são mais bonitas.
- Imagino que as noites também sejam.
- Não sei se são. À noite eu durmo.
Beatriz sorriu antes de se despedir. Saiu do hospital por volta de meio-dia e meia, o sol estava bem forte. Olhava para o relógio o tempo todo enquanto dirigia, preocupada em pegar trânsito e por isso se atrasar. A tarde seria cheia e cada minuto era valioso. Daria tudo certo, desde que ela cumprisse com os horários que tinha estabelecido para cada atividade.
Chegou na universidade quase ao mesmo tempo que Fernanda, que sempre estacionava no mesmo local, perto de uma árvore sibipiruna. O chão estava forrado de florzinhas amarelas.
Ao ver pelo espelho o reluzente carro importado, com seu azul metálico brilhando no sol, Fernanda respirou fundo. Não podia acreditar que era mesmo Beatriz.
Que poder que tinha a força de um pensamento positivo! Tinha passado a noite pensando nela, e desde que acordara Fernanda estava desejando encontrar por ali, “casualmente”, Beatriz. Sabia que as chances eram de uma em um milhão – aquele nem era seu destino hoje.
Mas ali estava ela.
- Fernanda! – ela chama, receosa, sem certeza de que ser atendida.
Ela viu Beatriz se aproximar. Estava com as mesmas roupas de sempre, quase tudo branco, um traje muito discreto, e mesmo assim estava linda. Fernanda a achava muito elegante, independentemente da roupa que usava; Beatriz tinha uma boa postura, se movimentava com classe e elegância.
Os cabelos soltos esvoaçavam ao redor do rosto, e brilhavam no sol. Ao tirar os óculos escuros, revelou que seus olhos estavam ainda mais verdes, talvez por causa da luz. Seu olhar era um pouco apreensivo, mas carregado de expectativas.
Ela se debruçou sobre a janela do carro. Fernanda ainda estava com as mãos apoiadas no volante e seus rostos ficaram bastante próximos. Beatriz sentiu o hálito fresco da moça, enquanto seu perfume invadia o interior do automóvel. Fernanda tinha diversos livros espalhados no banco de trás de seu veículo, e algumas roupas (de ginástica, um casaco e até um chapéu). No banco do carona, Beatriz notou que tinha algo embrulhado cuidadosamente, em folhas de jornal e plástico bolha, mas desviou o olhar. Preferiu encarar a mulher que estava a poucos centímetros do seu rosto.
- Me desculpa – pede Beatriz – Eu estava tão errada que nem sei por onde começar.
Fernanda apenas a encara. Não diz uma única palavra, mas sua cabeça funcionava a mil por hora. Imaginava o esforço que Beatriz dispendia para fazer aquele pedido. Notou que, pela sua feição, ela não vinha conseguindo dormir direito. Mas Fernanda, igualmente, também não dormia. E ela não tinha um ateliê, e muito menos inspiração, para criar algo que fosse capaz de dar vazão ao que sentia. Ou distrai-la. Assim como Beatriz, também tinha passado as noites praticamente em claro, só mudando de canal da televisão, sem parar em nenhum programa, ou escolhendo durante horas algum filme que no fim ela nem assistia.
Estava muito chateada, se sentindo injustamente abandonada, com a persistente impressão de que só tinha levado um fora porque Beatriz gostava dela. Tipo “eu te amo e por isso precisamos terminar”. Isso a zangava em tantos níveis que ela tinha que se esforçar muito para se controlar.
O problema mesmo era no trabalho, que sentia o coração disparar sempre que via Beatriz. É difícil falar quando a voz sai entrecortada pelo nervosismo!
De certa forma, consolava um pouco ver Beatriz ali, pendurada na janela do carro, dizendo sentir muito. Era o mínimo que ela precisava fazer, convenhamos.
- Eu reconheço que fiz besteira. Agora percebo que me precipitei, tentei tanto ser racional, que me excedi. Eu amo você, Fernanda.
- Você me machucou. Não sei se quero a sua instabilidade para mim, Bia. Sabe, assim como você, eu também fico bem sozinha.
- Mas eu não me sinto mais tão bem. Alguma coisa mudou, desde que te conheci de verdade.
- Eu não sei se eu quero...
- Me dá só mais uma chance? Por favor? – interrompe Beatriz, beijando a mulher.
Imaginava que nunca imploraria pelo amor de outra pessoa, tinha sido criada para ser autossuficiente (até no amor!), mas ali estava Beatriz, fazendo exatamente isso.
Fim do capítulo
O ano era 2007, e quando esse livro foi escrito, especialmente esse capítulo (a cena da pintura), eu percebi que, muito mais do que um quadro, o "Amor" colorido envolto em um abraço era a capa deste livro que agora compartilho com vocês.
Um dia, esse livro estará à venda por aí, e vocês vão ver que a capa é um spoiler! rs
Editar esse capítulo, nesse diazinho frio, de chuva, me fez muito bem. Grata por estarem lendo! <3
Comentar este capítulo:
cris05
Em: 22/05/2021
Se livrar de amarras é bem difícil (eu, infelizmente, que o diga). Quando se tem uma Cícera a tarefa é menos difícil, talvez.
Fernanda tá magoada, e com razão. Mas acredito que maior que a mágoa seja o amor (tomara!). Torcendo aqui que meu shipp Biafe esteja vivo rsrs.
P.S Tomei bastante chazinho de erva cidreira, autora. Devo renovar meu estoque? RS
Ah, amei a nota final!
Beijos!
Resposta do autor:
Biafe!! Adorei!!!
Que delícia! Faz bem em tomar chá! Cícera manda lembranças! <3
Pois é, se livrar das coisas é complicado. Eu gosto da Bia Beatriz por isso. Ela é claramente o resultado da criação que recebeu. Acho um pouco contraditório que ela seja psiquiatra rs Mas a Cícera facilita, sim. Outra querida!
Te confesso que pensei em fazer elas duas reatarem nesse finalzinho, adicionar umas cenas quentes e tal... mas a Fernanda precisava fazer um doce antes, deixei pro próximo capítulo rsrs
Beijos!
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