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Amor incondicional por caribu

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Palavras: 3422
Acessos: 2931   |  Postado em: 18/05/2021

Catorze

 

Aquela estava sendo uma semana atípica. Ou pelo menos tinha começado de um jeito nada usual, com Fernanda nua em sua cama. Tinham passado a noite enroscadas, numa maratona digna de premiação. Seu corpo ainda trazia marcas e lembranças muito vivas daquele encontro. Entretanto, o prazer em observar aquela cena linda pela manhã veio acompanhado de uma preocupação, genuína, seguida de uma dor de cabeça chata que ainda fazia companhia à Beatriz (e já era quinta-feira). Dos embates que vinha travando, aquele certamente era o mais intenso, e ela temia que desta vez fosse levada a nocaute.

Como pode, né? A gente tem a proeza de sofrer por amor! Beatriz pensou nisso a contragosto, se servindo de um pouco de chá.

Ela vinha sofrendo. Por Fernanda, pelo que sentia por ela (quando estavam juntas, mas especialmente quando estavam separadas. Parecia uma adicta!). Talvez o ineditismo daquilo a deixasse tão em choque. Se esforçava para trabalhar todos aqueles sentimentos, aquele mar de emoções.

Eram bons. Mas Beatriz ficava ansiosa, talvez por isso. Temia um futuro turbulento, com aquilo sendo arrancado de repente, tendo que encarar os dramas que aconteciam de todas as formas na sua cabeça. Situações que com certeza a desestabilizariam, e ela era a rainha do equilíbrio (ou se esforçava para ser). Por isso achava tão perigoso deixar o controle de algo (no caso, sua sanidade), à mercê de alguém. Fernanda até parecia ter boas intenções, mas nunca se sabe.

Sua experiência (inclusive a profissional) indicava a alta probabilidade de um coração partido parti-la ao meio. Lembrou brevemente de seu pai, e isso a irritou um pouco. De vez em quando Antônio surgia com seus conselhos arcaicos, impondo nela medos que eram dele – sempre foram, Beatriz sabia.

 

Mas este tampouco era onde deveriam estar seus pensamentos naquele momento. Beatriz estava preocupada com o trabalho, tudo parecia muito atribulado, e ela parecia sem tempo para se dedicar como gostaria (como sempre fazia!). A frustração de se sentir incompetente era aterradora. Estava desgastada, aquilo vinha afetando até o seu sono.

Se sentia distraída, ultimamente. Sem foco – e sem condições de tê-lo! Vez ou outra se flagrava pensando em assuntos nada condizentes com as suas preocupações do dia a dia, e isso a deixava meio mal. Tinha a impressão de que até os seus clientes estavam estranhando (mas talvez fosse só ela usando-os para se julgar mais. A mente mente!).

E pensar que tudo começou porque Fernanda amanheceu junto com ela, mais uma vez. E Beatriz é quem havia insistido para isso! Agora ela lutava contra a sensação de estar muito carente, logo, vulnerável. E dando audiência para o indevido, descobrindo o que necessitava de atenção.

O trabalho sempre foi seu maior objetivo, vivia para isso. Se dedicava à profissão como uma mãe zelosa cuida da prole. Não podia ser displicente; aquele era o seu império, a sua vida, já eram anos construindo aquilo tudo. Beatriz tinha passado o dia inteiro se repetindo isso. “Foco, Bia, foco!”.

Agora estava sentada atrás de sua mesa e remexia em alguns papéis, apoiados em cima da sua agenda. Cada bloco preso com clips de cores diferentes era um atendimento realizado naquele dia, que tinha sido apertado. Agora, mexendo nas suas anotações, ela se dava conta de como também tinha sido um dia pesaroso! Queixas difíceis, relatos pesados. Beatriz se deixou acomodar na cadeira, e prendeu os olhos num ponto, no quadro à sua frente. Era uma fotografia ampliada, de um começo de floresta, com o sol num ângulo específico. Ela gostava daqueles tons de marrom que só a natureza sabia pintar.

Passou em revista as pessoas com quem tinha conversado naquele dia, piscando poucas vezes. Voltou a atenção ao que vinha fazendo quando constatou que era graças ao seu equilíbrio que ela conseguia não se deixar abater pelos problemas de seus pacientes. Mais um motivo para se manter atenta! Desperta! Esperta!

Estava acostumada a ouvir histórias que beiravam o impossível e o irreal – e muitas delas a deixavam inquieta, de imediato. Incomodavam, mesmo. Nessas horas agradecia mentalmente por poder contar com a ajuda de Arthur, seu amigo e ex-professor, que sempre a ouvia quando ela se sentia sufocada.

Era tipo terapia, mas Beatriz não chamava assim. Até porque ele a aconselhava, em grande parte, por pensamento, quando ela acessava suas memórias com ele.

Arthur tinha se oferecido como ombro amigo quando Beatriz ainda era residente. Ele gostava da maneira que a moça pensava, o instigava sempre a reflexões muito profundas. Muitas vezes a conversa entre eles o incomodava – e isso o fez se aproximar dela. Logo ele, conhecido pelo seu mau humor, sempre com cara de poucos amigos. Houve vezes que Beatriz teve até a impressão de que ele sorria. Algo no seu tom de voz dizia isso.

Ainda hoje Beatriz mandava mensagem para ele de vez em quando – muitas vezes de madrugada – só para conversarem. Ele tinha uma visão bastante pragmática de tudo, isso dava a clareza que eventualmente precisava para enxergar algo que estava com dificuldade de ver. Aí ela aproveitava a proximidade entre eles, e tinha vezes que ligava para desabafar, pedir uma orientação. Arthur fazia valer a designação de “mestre”.

“Uma caixa de sapato”, ele lhe dizia, num tom de voz sempre muito calmo e meditativo. “Os problemas de todos os seus pacientes estão sempre dentro de uma caixa de sapatos. Saiba afastar a caixa de você, o suficiente para te dar uma boa visão sobre o que acontece, e para não se deixar envolver demais”.

“Fique fora da caixa, Bia”.

Não se envolver era um exercício diário que ela tinha que fazer. E só fazia isso quando estava concentrada no que estava fazendo (coisa que não vinha conseguindo com eficácia, ultimamente). Focada, tinha de ser complacente sem ser libertina. Serena, mas sem deixar de lado sua autoridade. Humana, empata, mas sempre psiquiatra, conduzindo. Era um desafio que ela se deliciava diariamente.

Mesmo com os problemas que enfrentava, gostava da sua profissão, gostava do seu trabalho. Sentir-se útil fazia-lhe muito bem. Mesmo em dias em que se sentia tão sem forças, tão esgotada e sem energia como hoje. Beatriz deixou as anotações de lado por um instante, e bebeu o chá, pensativa.

Olhou no relógio. Por sorte tinha alguns minutos vagos até a próxima consulta – a última do dia. Às vezes torcia para que o cliente cancelasse, e na sequência se sentia mal por ter desejado isso. Mas era humana. Tudo bem querer ir embora mais cedo para descansar.

Acessou uma tabela pelo computador e se certificou de que Fernanda também estava livre naquele momento. Fez uma careta antes de pedir para que ela fosse até sua sala. Estava ciente de que aquela conversa sugaria o resto de sua resistência emocional. Mas não podia mais adiar.

 

- Oi, Bia – cumprimenta Fernanda, entrando na sala após batidas rápidas na porta.

 

Assim que sentou, percebeu pelo olhar de Beatriz que a conversa não seria sobre a clínica ou os atendidos. Quase quis sair dali, mas se esforçou para não deixar o corpo desabar mais do que já tinha se desajeitado. Sentia a mulher distante nos últimos dias e agora temia que suas suspeitas se confirmassem com a conversa.

 

Beatriz a olhou com carinho, mas Fernanda reconheceu naquele verde também um pouco de frieza. Um distanciamento que ela já tinha visto em outras ocasiões, mas nunca direcionado para ela. Era fino como a lâmina de uma faca afiada. Ou quem sabe fosse tristeza e Fernanda é que não sabia distinguir uma coisa da outra.

Ela fechou o caderno de anotações e, sem olhar para o que fazia, colocou tudo de lado. Os papéis fizeram a xícara tilintar no pires.

 

- Nós precisamos conversar – ela começa. Tentou não reparar na virada de olhos que Fernanda deu, talvez sem perceber – Faz um tempo que eu estou querendo tocar nesse assunto com você, mas talvez eu ainda não estivesse preparada. Não sei também se já posso dizer que estou. Mas o fato é que não posso mais continuar enrolando. Me enrolando. Te enrolando.

- Sei – Fernanda se ouviu dizer. Havia mais deboche do que ela havia planejado.

- Já faz um tempo que venho pensando nisso, para não dizer desde o início, e aí esses pensamentos se intensificaram essa semana, e isso está me consumindo, me desgastando e me atrapalhando. Me desvia do meu foco, o que me deixa muito desconfortável. Eu sou muito prática, penso muito em tudo, disseco cada pensamento, e nos últimos dias andei analisando tudo o que fizemos. Analisei com carinho a nossa relação. Eu gosto de você. Gosto muito, acredite.

- Mas? – pergunta Fernanda diante do silêncio da mulher à sua frente.

 

Beatriz tinha falado rápido demais e contorcia os dedos incessantemente – um nervosismo atípico, praticamente inédito. Parecia até um pouco mais humana. Fernanda percebeu uma apreensão, latente. O fato de ela desviar toda hora o olhar para algum ponto atrás de sua cabeça também não era um bom sinal. Mesmo encarando-a, Beatriz estava fugindo.

O final do dia se aproximava, mas ela ainda estava impecável, maquiada, nenhum amassado na roupa. Tinha os olhos cuidadosamente pintados e um batom discreto nos lábios. Os cabelos estavam soltos, com a franja caindo daquele jeito sexy. Fernanda sabia que o rumo que a conversa tomaria a partir de agora não era bom – mas não podia negar que Beatriz estava linda naquela tarde. O cheiro adocicado de seu perfume deixava-a levemente entorpecida, mas ela tentou lutar contra isso. Precisava lutar!

 

- Não podemos mais continuar – Beatriz finalmente disse, tendo como efeito o silêncio que se seguiu. A falta de som. Podia quase ouvir seu coração acelerado, batendo com fúria dentro do peito. Olhou de relance para Fernanda, que a encarava com tristeza no olhar. Ficou triste por isso.

- Continuar com o quê? – ela pergunta.

 

Tinha entendido perfeitamente bem o que a outra havia dito, mas algum impulso a fazia questionar. “Algum impulso sádico”, Fernanda se convenceu. Só sendo realmente perverso para insistir em perguntar algo que era claro como o dia. Perguntou-se por que ainda estava ali, por que suas pernas não obedeciam aos comandos que ela enviava e saíam correndo daquela sala, que nunca pareceu tão sufocante.

 

- Não podemos continuar com o que está acontecendo entre a gente. Com o nosso caso, relacionamento, namoro, ou qualquer outro nome que tenha isso. Não é sensato. Nem ético. Temos que parar antes que uma de nós se machuque, e tudo desande. Trabalhamos juntas aqui e já foram várias as vezes que fomos juntas para minha casa. Sem falar nas vezes que a gente se pegou aqui dentro! Aqui, com paciente esperando na sala do lado!

- Namorar virou algum crime, Bia? – Fernanda interrompe, com sarcasmo.

 

Ela percebia que, mesmo estando juntas há três meses, Beatriz sempre parecia tensa; nunca se entregava integralmente ao relacionamento, estava sempre com o pé atrás. Para Fernanda isso era meio absurdo, já que ela assemelhava os relacionamentos a um salto de paraquedas (incluindo o medo, o friozinho na barriga, mas também a adrenalina, a emoção – e o pouso! A segurança). Não se salta com um pé dentro do avião!

Por isso, a cada dia que a tinha a seu lado, de certa forma sabia que era um dia a menos até que aquela conversa acontecesse. Tragédia anunciada. Algo sempre lhe dizia que de uma hora para outra Beatriz iria descartá-la. Sabia que era um problema dela – não delas, ou de Fernanda. Mas isso não consolava.

 

- Gostar de mim te faz se sentir tão mal assim?

- Não é isso e você sabe – Beatriz responde. Falar aquilo já era suficientemente terrível. Ter que explicar era ainda pior. Unir a isso o fato de Fernanda demonstrar que aquilo a machucava tornava a situação mais desagradável ainda – Gostar de você não me faz mal. Mas esse nosso caso não vai dar certo! É um namoro sem futuro. Eu não tenho como dar o que você quer, o que merece ter!

- Não vai dar certo mesmo! Você mesma diz que não vai! – comenta Fernanda, revirando os olhos. Beatriz detestava admitir para si mesma que até contrariada ela ficava linda – Se você que é você, diz isso, nada que eu diga vai te convencer do contrário.

- Fernanda – Beatriz se levanta. Era visível que escolhia bem as palavras antes de dizê-las – Eu não posso me deixar envolver tanto assim. Na verdade, já deixei isso tudo ir longe demais. Eu não posso arriscar a minha sanidade dessa maneira.

- Bia!

- É sério! – ela interrompe, parando ao seu lado. Seus olhos estavam marejados, mas sua voz era calma e tranquila, como era o tempo todo. Fernanda nunca tinha a visto descontrolada – Desculpe, mas eu não posso me apaixonar ainda mais por você. Sofrer por amor não está nos meus planos, entende?

- Me amar não vai te fazer sofrer, Beatriz!

- Vai, sim. Eu sei que vai.

- Bom, vejo que já tomou sua decisão e que não adianta eu tentar te convencer do contrário. Não vou me prestar a esse papel, não sou assim – diz Fernanda, finalmente ficando em pé. Estavam agora paradas bem próximas uma da outra. Os olhos de Fernanda fixados nos de Beatriz, que estavam muito sérios – Mas é uma pena, Bia. A gente se dá bem e a tendência era que só melhorasse.

- Eu queria que você me entendesse – Beatriz fala, se afastando alguns centímetros. Aquela proximidade tinha feito disparar uma espécie de alarme dentro dela. E esse alarme não dizia algo bom – Adoraria que você me entendesse.

- Mas não entendo! – ela responde, com um sorriso triste. Controlava-se para não chorar. Demonstrar fragilidade poderia ser interpretado por Beatriz como falha grave. E Fernanda nunca daria tal demonstração – Você está me dando um fora só porque gosta de mim. Analise bem a sua decisão e veja o quanto você está sendo incoerente. E equivocada. E insana. Está querendo fugir da situação que você mesma está criando. Que belo paradoxo, doutora.

 

Beatriz a viu sair da sala. Desabou na cadeira e tentou se controlar. Há dias vinha ensaiando mentalmente aquela conversa. Estranhamente, porém, parecia mais sensato tomar aquela decisão antes de realmente tomá-la. Ou agora, depois de ter decidido.

Depois de tanto pensar, tinha constatado que estava demasiadamente envolvida com Fernanda. Num relacionamento não planejado, ou anunciado. Tinha que admitir, também, que o que sentia por ela era amor. Um amor verdadeiro e despretensioso, que sempre a fazia suspirar – agora com um certo pesar. Só que desde o começo esse sentimento gerava embates infinitos entre seus lados emocional e racional. O choque era sempre impetuoso e doloroso. Um lado lhe dizia para mergulhar e se perder em Fernanda. O outro alertava que “se perder” não era lógico. E Beatriz sempre considerava somente as opções lógicas.

Ela ainda não sabia, não de maneira consciente, mas tinha sido vítima de si mesma, pois seu lado racional e prático a convenceu de que um possível rompimento por parte de Fernanda a pegaria desprevenida. E causaria uma dolorida decepção, que estremeceria o seu mundo (quem sabe a dor do amor, que seu pai sempre falava. Que era dor de abandono, na verdade). A única maneira de evitar isso seria ela romper primeiro. Tinha que acabar com a possibilidade de ser refém daquilo.

Quando Beatriz parasse para pensar, seriamente, em tudo isso, sentiria um arrependimento que já estava chegando perto dela.

“O amor não é lógico, Bia”, Renato disse, ao saber da decisão que a amiga estava prestes a tomar. “Não é lógico, não é exato, não se pode medir, ou prever”. Beatriz tinha pavor de imprevisibilidades. Se prendeu a esta parte da conversa, ignorando todos os conselhos amorosos que o amigo se dispôs a dar.

Caminhou até o banheiro e lavou o rosto. Talvez o erro fosse o fato de que aquela conversa aconteceu ali, no consultório. Encarou-se no espelho brevemente e convenceu-se de que aquela má impressão, de que fizera uma escolha ruim, passaria em poucos instantes. Se Fernanda permitisse, poderiam conversar novamente sobre aquele assunto em outro momento, em outro lugar.

Perto dali, Fernanda respirou fundo antes de pegar sua bolsa e caminhar até a pequena cozinha. Por sorte, não tinha mais ninguém para atender naquela tarde. Sentia-se frustrada demais para interagir com alguém. Serviu-se de um pouco de chá e se despediu de Cíntia, que trabalhava na recepção e estava sempre com a mesma cara.

No momento em que a porta do elevador abriu, ela viu de relance aquele que seria o próximo paciente de Beatriz. O homem parecia meio aéreo, olhando ao redor, sem vê-la, exatamente. Fernanda ficou contrariada, se perguntando como Beatriz conseguia aquela frieza de terminar o namoro e em seguida mergulhar no âmago de uma pessoa, desvendando seus anseios e traumas. Como que se desliga assim?

Ainda mais contrariada, e bastante irritada, entrou no elevador e apertou com raiva o botão para fechar a porta. O movimento derrubou um pouco de chá na sua roupa. Soltou um palavrão. Estava aborrecida, sentia o coração partido. Queria ir para casa, se fechar no quarto e juntar seus pedaços. Se sentiu boba por isso.

Beatriz, alguns andares acima, já tinha mais uma vez assumido sua postura médica. Estava triste com aquele vazio que começava a se formar dentro dela, mas por nada deste mundo deixaria transparecer ao cliente, que tinha acabado de chegar. Seus problemas pessoais eram seus problemas e somente ela poderia dar conta deles.

“Psiquiatras são os seres fortes, Beatriz”, Arthur sempre falava. “São o equilíbrio, o farol. Demonstre uma fragilidade e perca para sempre a sua idoneidade”.

 

- Olá – ela cumprimenta, gentil. Era a primeira vez que via aquele rapaz e, de acordo com o relato de Cícera, seu trabalho poderia colaborar para que uma família não fosse desfeita.

 

Numa conversa rápida, Cícera falou o que tinha acontecido com o marido da amiga da irmã da sua vizinha – e na hora Beatriz enrugou a testa, fazendo a ligação entre as pessoas. Quando percebeu que não era ninguém próximo de Cícera, sorriu. Ela sempre encaminhava pessoas assim, “aleatórias”.

Não pesava sua consciência cobrar de determinados pacientes e de outros não; pelo contrário. Cobrava o preço justo de uma consulta somente daqueles que tinham condições de pagar, e só porque fazia caridade de outras maneiras.

 

- Eu preciso da sua ajuda – disse o rapaz, humildemente. Tinha imaginado que a psiquiatra seria mais velha e aparentasse mais experiência. Ela teria notado sua decepção?

- Eu vou auxiliar, no que for possível – Beatriz responde, calmamente.

 

Tomou o cuidado de demonstrar confiança nas palavras e firmeza nos gestos. Percebeu que ele estava desapontado, provavelmente porque ela não era nenhuma velha – já tinham dito isso a ela, várias vezes. Era comum que estranhassem a sua fisionomia e por isso Beatriz sempre se cobrava para ser o mais profissional possível. Precisava ser perfeita. Sabia que internamente questionavam se alguém jovem como ela seria capaz de ajudar de alguma maneira. Por esse motivo, se vestia sempre de maneira discreta, sóbria. Uma tentativa subliminar de incorporar alguns anos à sua idade. E sempre se esforçava muito para demonstrar conhecimento sobre o seu trabalho – e conseguia, em todos os casos, com maestria. Beatriz era boa no que fazia.  

E aí, no fim, sempre lhe diziam que ela parecia mais velha que seus 30 e poucos anos. Aquilo era bem desgastante.

 

- O que está acontecendo com você? – ela pergunta, puxando discretamente da gaveta um bloco grosso de anotações. Sabia distinguir o grau de gravidade baseando-se na introdução que o paciente dava ao assunto. Já tinha escrito um artigo sobre isso.

- O problema não é comigo – esquivou-se.

 

“O problema nunca é com você”, ela pensou. Em segundos refletiu sobre a fuga que o ser humano sempre faz de seus próprios problemas. Por vezes, terceirizando a responsabilidade dos fatos. Por mais que alegassem não ser parte de uma questão conflituosa, o trabalho envolvia fazê-los admitir que tinham, sim, sua parcela de culpa na história. Caso não tivessem, não estariam envolvidos – e sofrendo.

 

- Se não é com você, então é com... – incentivou Beatriz.

 

- É a minha mulher. A Bianca, minha esposa, está louca – desabafa Fábio, afundando na cadeira.

 

 

 

Fim do capítulo

Notas finais:

 

 


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Comentários para 14 - Catorze:
Lea
Lea

Em: 24/01/2022

Beatriz também precisa urgentemente de ajuda médica, médicos esses que, não sejam seus "amigos"!


Resposta do autor:

 

O fato é que todo o mundo precisa de terapia.

Até (e especialmente!) os terapeutas!

 

Responder

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Drea
Drea

Em: 19/05/2021

Nem um pouco espantada, chocada ou qualquer outra coisa com a atitude de Beatriz, nada mais que o esperado. Inclusive acho q demorou até, o medo dela advém daquilo que o pai dela embutiu na sua mente desde sempre, a mente humana é um fio ( palavras da minha sábia sogra) ele certamente sofreu algum  trauma por coração partido e colocou desde cedo na mente da filha q o amor é uma fraqueza e q nele só existe o sofrimento, Beatriz cresceu e leva isso como um lema. 

Responder

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cris05
cris05

Em: 18/05/2021

Oxe! Como assim??? Ah não, Bia Beatriz! Vai, corre lá e conversa com a Nanda direito. Ah, aproveita e conversa BASTANTE com a Cicera também. Tu tá precisando.

Autora, please, dê um jeito nisso! Tô tisti agora.


Resposta do autor:

Rsrs

Vou dar um jeito sim, podexá!

Fica triste não! 

Beijos!

Responder

[Faça o login para poder comentar]

NovaAqui
NovaAqui

Em: 18/05/2021

Não imaginei que Beatriz fosse vazar kkkkk ela é medrosa está com medo de se envolver, se apaixonar e amar 

Acho que em breve teremos um encontro Bia e Bia. Será?

Abraços fraternos procês aí


Resposta do autor:

rsrs

Sim, em breve, Bia e Bia!

Aguarde!

 

Responder

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