Conexão por ThaisBispo
Uma nova aliada
一 Você parou pra pensar que isso será um choque pra ela? - perguntou ele coçando o queixo e fazendo uma careta. - Veja bem, ela está sendo traída pela amiga dela, isso é pesado! - sussurrou.
- E o que você quer que eu faça?! Se eu contar, ela irá tirar satisfações com as meninas e aí as coisas irão ficar mais complicadas! - respondi tentando manter o mesmo tom de voz, o que era difícil, pois eu estava indignada.
一 Sem contar que é capaz de ela perdoar as duas e continuar com a Olívia, e eu duvido que essa garota seja de boa índole...
一 Exatamente!
一 Preciso pensar com calma e de uma forma que não cause constrangimento, não quero que ela se sinta exposta... 一 suspirei me acomodando na cadeira. 一 Não quero que ela se magoe.
一 Se é isso o que você quer, então esquece. 一 Eu o fitei incrédula. 一 Não tem como! Ela vai se machucar de qualquer maneira, é melhor cortar o mal pela raiz de uma vez só, assim evita dor de cabeça para todos nós...
一 Você tem razão, mas vamos esperar a semana de provas passar, precisamos focar, ok?
一 Com certeza!
Oito dias passaram-se arrastando. Foram provas e entrega de trabalhos um atrás do outro e o cansaço se tornando cada vez maior a cada dia que passava, além do estresse físico e psicológico. Minhas dores de cabeça eram constantes, assim como nossas noites estudando na sala de casa até tarde. Samuel tentava manter o controle e não pirar com tanta matéria que haviam passado, o que parecia até combinado entre os professores, segundo ele, mas felizmente o garoto estava tendo bons resultados. Passamos horas e horas na frente de nossos notebooks, parando apenas para comer e fazer necessidades, isso quando não perdíamos a noção do tempo e acabávamos indo dormir duas horas da manhã para estarmos de pé às seis. Falando o português claro: tava foda.
Nesse meio tempo, eu encontrei Stephanie umas três vezes, porém em nenhuma delas eu tive coragem de me aproximar para trocar um mero "oi" sequer, o que me deixava pior, visto que ela ainda parecia chateada comigo. Definitivamente eu estava sendo consumida aos poucos pelo remorso e nunca imaginei que ele seria tão horrível assim.
Quinta-feira, 11 de abril 一 13h40
Se tem uma coisa que é realmente cruel, é estudar depois do almoço, afinal, todos sabemos que o sono após a refeição é algo normal, mas como não tínhamos muito tempo sobrando, precisávamos arranjá-lo a todo custo.
一 Quanta coisa, meu Deus... 一 murmurei apoiando meus cotovelos na mesa e passando as mãos pelos meus cabelos, que com certeza estavam bagunçados. 一 Não aguento mais ler tanto artigo.
Samuel estava nesse momento terminando de almoçar em decorrência do tempo de prova que foi estendido, o que significava que eu estava sozinha na biblioteca. Olhei para a mesa por um momento e logo o desespero tomou conta do meu ser por completo. Tinham mais de cinco livros e cada um deles com mais de quinhentas páginas, além do meu notebook, pastas e mais pastas com trabalhos para serem revisados e folhas de anotações espalhadas por todo o canto. Estava um completo caos. Particularmente, eu sempre fui do tipo de ser humano que conseguia ter um bom desempenho diante de uma situação que me impõe pressão, mas não em casos assim, em que ela era do tamanho de um iceberg.
一 Eu quero morrer... 一 resmunguei me debruçando sobre a mesa. 一 Não aguento mais revisar matéria!
一 Sei como se sente.
Uma garota de cabelos loiros escuros, olhos verdes, corpo bem atlético, e que era mais ou menos da minha altura se aproximou de mim sorrindo de canto, carregando junto com ela uns três livros consideravelmente grandes.
一 Oi, sou a Lara! Prazer!
一 Clara... E o prazer é meu! 一 retribui o sorriso. 一 Pode se sentar, se quiser... 一 Puxei as minhas coisas para o lado no intuito de tentar lhe dar um pouco de espaço.
一 Ah, obrigada! 一 agradeceu após desmoronar os livros em cima da mesa e se jogar na cadeira. Ela parecia exausta. 一 Qual é o seu curso?
一 Medicina, estou no quarto ano.
一 Caramba, que incrível! Você deve ser um crânio! 一 disse animada.
一 Não é pra tanto... Como pode ver, estou sofrendo bastante. 一 Deixei escapar uma risada singela, mas logo pousei os olhos em um de seus livros. 一 Anatomia, é? O que você cursa?
一 Educação Física.
一 Que show! Acho que depois que eu tirar esse gesso vou precisar fortalecer o meu corpo... 一 disse tentando abafar o riso com a mão.
一 O que aconteceu?
一 Foi um acidente, se é que posso chamar assim... 一 Dei de ombros enquanto me ajeitava na cadeira. 一 Você é formanda?
一 Ah, não, estou fazendo especialização!
一 Se precisar de ajuda pode falar, viu? 一 Sorri sentindo meu rosto esquentar, ser tímida é uma porcaria. 一 Se você quiser, claro...
一 É sério? Eu ficaria muito grata! Mas você está ocupada, não?
一 Ah, sim, um pouco. 一 concordei sem graça após ver sua empolgação. 一 Meu tempo ficou mais corrido desde que quebrei o braço, então fica mais complicado pra estudar.
一 Entendo, se quiser posso te ajudar... posso não ser uma gênia, mas imagino que eu possa ser útil em algo.
Parei por uns instantes pensando em como ela seria de grande ajuda no momento. Eu ainda precisava anotar os resultados e discussões de uns três artigos e revisar cinco trabalhos, talvez ela pudesse me ajudar a digitar tudo mais rápido e de uma forma mais organizada.
一 Hmm, acho que vou aceitar sua ajuda, aí depois trocamos de posto, que tal?
一 Topo!
Ambas rimos e rapidamente começamos a colocar a mão na massa. Eu expliquei o que precisava e rapidamente ela compreendeu, sem contar que estava se interessando muito pelo assunto, momento em que ela aproveitou para tirar muitas dúvidas, e confesso que adorei essa parte pelas discussões que renderam. Ficamos nessa por quase três horas, até a hora que a fome bateu e nos rendemos a ela.
Após finalizarmos, decidimos ir ao refeitório comprar alguma coisa para comer, andando lado a lado pelo campus enquanto conversávamos distraidamente. Confesso que sou horrível para me socializar com as pessoas, mas Lara era tão good vibes e engraçada que seria impossível não ir na onda dela. Descobri entre esse meio tempo de trans*ção que ela estava sozinha na cidade. Seus pais adotivos haviam falecido há menos de cinco meses em um acidente de carro e ela teve que se transferir para cá por conta da bolsa que havia ganhado, e por conta da loucura nem conseguiu arranjar tempo ou até mesmo motivação para criar laços com alguém.
一 Clara!!!
Parei repentinamente minha caminhada após ouvir alguém berrar pelo meu nome, fazendo-me olhar por cima do ombro. Logo avistei Samuel correndo todo eufórico pelo corredor em minha direção até chegar onde estávamos com uma cara de assustado.
一 Que aconteceu com você? 一 Arqueei uma de minhas sobrancelhas enquanto tentava suportar o peso da criança que agora apoiava as mãos em meus ombros. 一 Samuel!
一 Deixa ele respirar! 一 Lara sorriu de canto.
一 A Stephanie, ela...
一 O que tem ela? 一 perguntei de imediato.
一 Ela... Ela tá no pátio, em uma briga!
一 Quê?! 一 Meu tom de voz elevado foi o suficiente para chamar a atenção de algumas pessoas que estavam no refeitório. 一 Como assim em uma briga?
一 Foi a Olívia! 一 respondeu erguendo o tronco e colocando a mão sobre o peito. 一 E a coisa não tá boa!
一 Espera um minuto... 一 Lara tocou o ombro dele com um semblante sério. 一 Você disse Olívia? Olívia Willians?
一 Isso... Você a conhece?
一 Sim... Infelizmente. 一 Ela fechou o semblante.
Samuel e eu trocamos olhares de preocupação e aflição, alguma coisa me dizia que essa situação toda é muito maior do que imaginávamos.
一 Eu vou até lá! 一 Fechei meu punho e comecei a caminhar em direção à saída, tentando manter a calma para não perder a cabeça.
一 É? E o que você vai fazer? 一 Ele me puxou, alternando o olhar entre meu braço e meus olhos.
一 E você quer que eu a deixe levar uma surra?!
一 Não disse isso... 一 negou ao coçar a cabeça irritado. 一 Só não quero que se machuque!
一 Ele tem razão! 一 A loira sorriu e veio em minha direção, colocando a mão sobre meu ombro. 一 Vamos tentar resolver isso do jeito tradicional.
一 Como? 一 ambos questionamos confusos.
一 Deixa comigo. 一 Piscou confiante.
Samuel deu de ombros e eu sorri pra ela, seja lá o que ela estivesse tramando, tinha certeza de que seria brilhante, e não é que eu tinha razão? Após chegarmos ao pátio, nós caminhamos até onde a muvuca estava concentrada e fiquei espantada com a quantidade de pessoas em volta, somando as suas reações que eram completamente distintas também. Havia aqueles que filmavam e se divertiam com a cena ao mesmo tempo que outros pareciam abismados e incrédulos com a situação, porém o mais absurdo é que nenhum dos dois lados se prontificou a fazer algo para impedir que aquilo continuasse.
一 Vocês em seus celulares são os mais covardes, sabiam? 一 Lara abriu um sorriso cínico ao caminhar em direção à roda, abrindo-a no mesmo instante e recebendo todos os olhares. 一 Até que ponto chega a negligência do ser humano, não é mesmo?
一 Quem você pensa que é?
E lá vamos nós de novo.
一 Olá, Olívia! Há quanto tempo. 一 Ela cruzou os braços à frente do peito e logo deu espaço para que eu e Samuel pudéssemos passar. 一 Agora nos diga como foi realmente seu acidente, Clara! 一 Virou o corpo em minha direção e rapidamente senti o peso daqueles olhos sobre mim, perguntando-me como que ela deduziu que meu acidente foi causado por Olívia, sendo que mal o mencionei.
Dei um passo à frente e pude enxergar claramente a cena que me fez sentir um embrulho no estômago. Stephanie estava jogada no chão, tentando suportar seu corpo com as mãos e aparentemente machucada, e quando ela ergueu a cabeça e direcionou seu olhar na minha direção, pude perceber que seus olhos também estavam vermelhos.
一 O que diabos aconteceu aqui? 一 perguntei por um filete de voz enquanto caminhava em sua direção e me ajoelhava à sua frente. 一 O que ela fez com você?
一 Eu... Eu não entendo. 一 Sua voz estava completamente trêmula. 一 Eu não sei o que deu nela!
Puxei o ar bem fundo e logo levantei a cabeça para encarar Olívia, a qual retribuía o olhar com superioridade, incluindo o fato de que havia uma garota morena de cabelos castanhos escuros ao seu lado, a qual julguei ser a tal Alice. Suspirei profundamente em uma tentativa quase inerte de manter a sanidade dos meus atos e estendi minha mão para que Stephanie pudesse se levantar. Samuel rapidamente veio ao meu encontro para me ajudar a segurá-la pela cintura, visto que a mesma mal conseguia se manter em pé.
一 Acho que ela não tem nada para dizer, não é mesmo? 一 proferiu Olívia rindo junto com Alice, arrancando risadas de algumas pessoas que eu deduzi serem amigos dela, seguidores ou mesmo ambos. 一 O show acabou. 一 sorriu vitoriosa.
一 Clara, não! 一 Ele me segurou pelo braço quando fiz menção de avançar em sua direção. 一 Você vai perder a razão, só diga a verdade.
Ele estava certo. Violência não iria resolver nada, pelo contrário, só pioraria a situação atual independentemente da minha vontade de querer quebrar a cara dela. Olhei brevemente para Stephanie e sibilei a palavra desculpa, e no mesmo instante ela derramou uma lágrima, fazendo com que meu remorso aumentasse por ter deixado a situação chegar até esse ponto.
一 Fique onde está! 一 Lara proferiu quando percebeu que ela fazia menção de dar as costas, lançando-lhe um olhar severo e abrindo um pequeno sorriso em minha direção, encorajando-me. 一 Você consegue.
一 Não se esqueça das consequências pelos seus atos, Clarinha. 一 Olívia respondeu.
一 Cale a boca... 一 murmurei fechando o punho. 一 Como você ousa fazer isso com ela? Como ousa ser tão cruel ao ponto de machucá-la assim? E ainda com plateia? Francamente! 一 Soltei uma risada de nervoso, eu estava começando a perder a paciência. 一 Você é uma escrota, Olívia.
一 Nada do que eu já não tenha ouvido antes, prossiga. 一 Ela riu e cruzou os braços.
一 Tão sádica... 一 Balancei a cabeça. 一 Foi você quem fez isso comigo, e fez porque sabia que eu tinha conhecimento sobre você trair a Stephanie com essa aí. 一 apontei pra Alice que fechou o semblante.
Um silêncio pairou no ar, deixando o clima bem pesado.
一 Que piada! 一 zombou, mas ainda visivelmente incomodada. 一 Se realmente está me acusando de ter feito tal coisa, cadê as provas? Vamos, prove! Estou esperando.
一 Eu...
一 Eu posso provar. 一 Samuel chamou a atenção de todos dando um passo à frente, e no mesmo instante o sorriso confiante dela desmoronou.
Eu segurei Stephanie pela cintura e ela apoiou seu braço em volta do meu pescoço, momento no qual eu segurei sua mão com firmeza. O moreno retirou o celular do bolso, mexendo nele rapidamente e colocou um vídeo para reproduzir, o que automaticamente fez com que todos se juntassem para ver do que se tratava.
一 Como vocês podem ver, foi um atentado, e não um acidente.
As imagens eram claras e eu estava chocada por não saber da existência do vídeo. Sorri por saber que o garoto pensara em algo e só estava esperando a oportunidade perfeita para que as cartas fossem colocadas sobre a mesa, o que obviamente deixou Olívia e Alice extremamente incomodadas.
一 Acho que eu deveria mostrar isso para o coordenador do curso de vocês, não acham, garotas? Garanto que ele iria adorar! 一 disse ele provocativo.
E o que eu menos esperava aconteceu. Stephanie se desvencilhou de mim e seguiu pisando firme até Olívia, dando-lhe um tapa bem forte no rosto, surpreendendo a todos nós e tirando uns uivos da plateia.
一 Você não ouse chegar perto de mim ou deles outra vez, entendeu?
Ela estava de costas para mim, mas eu podia ver claramente seus ombros elevarem e declinarem com rapidez, o que significava que as coisas poderiam ficar piores do que já estavam se alguém não interferisse agora.
一 Quanto a você... 一 ela direcionou seu olhar para a outra. 一 Pastar bem.
Todos ficaram chocados perante sua atitude, inclusive nós. Logo eu a vi voltando para o meu lado e segurando meu punho com força, e foi nesse momento que eu soube que deveríamos dar o fora, já tínhamos feito o suficiente por hoje.
Olívia nada disse, apenas continuou a me encarar impetuosamente até ir virando o seu corpo lentamente antes de nos dar as costas, contudo, seu semblante não me deixava enganar, essa guerra ainda não estava nem perto do fim.
一 Você está bem? 一 abaixei a cabeça tentando encontrar seus olhos.
一 Me tira daqui, por favor... 一 Ela abaixou a dela e abraçou seus próprios braços.
一 Vamos embora. 一 Lara caminhou até nós em meio à multidão que se dissipava aos poucos. 一 Já fizemos nossas provas, não tem por que ficarmos aqui ainda.
一 Eu preciso de um tempo a sós com ela primeiro, vão indo na frente. 一 Peguei minha chave do bolso e entreguei na mão de Samuel, que assentiu e logo puxou a loira junto consigo. 一 Ei... 一 chamei-lhe após ver que os dois tinham se distanciado.
一 Me desculpe 一 ela me cortou e eu arregalei os olhos. 一 Como eu fui tola! 一 Seus ombros se encolheram, fazendo-me puxá-la em direção aos meus braços, podendo assim lhe abraçar ternamente ao afogar seu rosto entre o meu pescoço.
一 Vamos, não tenha vergonha, pode chorar se quiser... 一 suspirei enquanto passava meus dedos entre seus cabelos, arrumando-os com delicadeza. 一 Tô aqui.
Ela parecia desabar todo seu peso em mim, e tudo que eu conseguia sentir no momento era culpa. Eu não queria que as coisas tivessem tomado essa proporção, mesmo não sabendo ainda o que havia ocorrido direito, e independentemente disso, ela parecia precisar do meu apoio e eu também não tinha a mínima ideia de como oferecer isso corretamente. Logo senti os braços dela envolverem minha cintura e apertarem com força. Força suficiente para fazer com que nossos corpos se aproximassem, e eu, do jeito que sou, corasse por conta do ato.
一 Lamento não ter dito tudo isso antes, não queria que isso acontecesse, não desse jeito. 一 confessei. 一 Me desculpe.
一 Não! 一 disse ela afastando nossos corpos e me encarando, com os olhos vermelhos. 一 Você não tem culpa de nada!
一 Eu poderia ter dito a verdade... 一 Abaixei a cabeça. Não tinha coragem de dizer isso lhe encarando diretamente.
一 E por que não disse?
一 Porque eu não queria te ver sofrer. 一 disse ainda fitando o chão. 一 Na verdade...
一 O quê? 一 perguntou ao apertar minha mão, fazendo-me engolir em seco.
一 No começo eu achei que não deveria me meter por não sermos próximas, porém... 一 Retribui o gesto ao fechá-la. 一 Eu não tenho certeza se conseguiria carregar tudo isso e fingir que estava tudo bem.
一 O que quer dizer?
Suspirei fundo antes de levantar a cabeça e encontrar seus olhos que pareciam querer buscar respostas através dos meus.
一 Eu não podia deixar ela te tratar assim... 一 Meus batimentos aceleraram por uns instantes. 一 Não queria que ela lhe fizesse mal, mas parece que minha omissão ajudou nesse processo.
Nós ficamos alguns longos segundos apenas fitando uma a outra sem hesitar, tanto que eu conseguia ouvir as batidas do meu próprio coração que pareciam acelerar cada vez mais.
一 Obrigada. 一 disse abrindo um grande sorriso, como no dia que nos conhecemos.
一 Obrigada? 一 repeti confusa. Como ela poderia me agradecer por ser a responsável por ela estar assim?
一 Por ter me contado a verdade.
一 Mas...
一 Não importa... 一 Ela olhou brevemente para cima tentando conter as lágrimas. 一 Tem muita coisa que você não sabe ainda, mas não acho que esse seja o momento certo para lhe contar.
一 Como assim?
一 Digamos que não é a primeira vez que sou humilhada em público por ela... 一 Stephanie voltou a me fitar e instantaneamente voltou a chorar, mesmo tentando fazer força para se conter.
Ela tentou abrir um sorriso e, sem querer, minha mão, que antes segurava a sua, subiu por vontade própria em direção ao seu rosto, tocando-o suavemente, ao mesmo tempo que enxugava suas lágrimas.
一 Vem! 一 Segurei-o delicadamente e ergui meu queixo, passando a depositar um beijo em sua testa. 一 Vamos dar o fora daqui! 一 Segurei seu ombro com meu braço bom e comecei a guiá-la para longe dos olhares curiosos.
Demorou pouco menos de cinco minutos para que chegássemos ao estacionamento. Samuel estava sentado em cima do capô do meu carro 一 como sempre 一, com a Lara encostada ao seu lado, ambos conversando despreocupadamente. Quando chegamos mais perto, eles rapidamente notaram nossa presença e sorriram. Eu tentei fazer o mesmo, mas Samuel percebeu que a situação não estava muito boa e logo desceu, abrindo a porta traseira para nós, enquanto Stephanie mantinha-se cabisbaixa.
一 Obrigada! 一 baguncei seus cabelos. 一 Você vem conosco? 一 dirigi meu olhar à Lara.
一 Hoje não! 一 suspirou tentando retribuir o sorriso. 一 Preciso terminar de estudar.
E foi aí que eu lembrei que tinha me oferecido para tal tarefa, e pela cara de surpresa e arrependimento que fiz, ela passou ao meu lado e balançou a cabeça como quem diz "não se preocupe, eu entendo". Em seguida, seguiu seu caminho e eu adentrei o carro com Stephanie, enquanto Samuel dirigia até o apartamento dela para buscar suas coisas. Não queria que ela ficasse sozinha nesse feriado, então a convidei para passá-lo conosco, talvez isso a ajudaria a se sentir melhor e era uma forma de eu tentar me redimir.
~x~
Era por volta das seis horas quando chegamos em meu apartamento, mas como estávamos exaustos, sugeri que ela fosse tomar um banho primeiro para poder relaxar. Eu fui em seguida e Samuel por último, já que ele não demorava mais que cinco minutos no chuveiro. Em menos de meia hora, todos nós já estávamos reunidos na sala, cercados por um ar um tanto quanto denso.
一 Você está bem? 一 Samuel, que estava sentado no chão sobre o tapete, perguntou curioso e um tanto quanto preocupado.
Stephanie ficou em silêncio por alguns instantes apenas encarando o chão, deixando-me ainda mais tensa.
一 Não sei dizer... 一 disse antes de nos dirigir o olhar. 一 Acho que ainda estou processando tudo, sabem?
一 Eu tenho uma dúvida... 一 Ele cruzou as pernas, apoiando o cotovelo em cima da perna para servir de suporte para a cabeça.
一 Samuel! 一 Tentei chamar sua atenção cerrando os dentes.
一 Não... 一 A mão dela foi de encontro a minha, já que estávamos sentadas lado a lado no sofá. 一 Tudo bem, pode falar.
一 Eu lembro que você disse uns dias atrás que vocês duas namoraram, mas que não estavam mais juntas há um tempo... 一 Sua voz hesitou. 一 Então por que agiam como se ainda estivessem?
Eu arregalei os olhos e por pouco não atirei a almofada na cara dele.
一 Imaginei que perguntaria isso... 一 Stephanie abraçou os joelhos e por alguns instantes eu senti sua insegurança. 一 Infelizmente existem pessoas que não entendem o que significa um término.
一 Então ela estava te forçando? 一 perguntei incrédula.
一 Basicamente, sim. 一 confirmou desviando o olhar para o outro lado. E eu procurei refúgio no garoto, que mantinha uma expressão séria.
一 Stephanie? 一 eu a chamei, mas ela não me encarou. 一 Por que você não... Por que você não disse para ela ficar longe? 一 Minha voz estava oscilante, sem contar a sensação de achar que estava me metendo mais ainda onde não devia.
一 Foi como eu falei, temos um passado complicado. 一 Apoiou a cabeça nos joelhos e levou a mão até a nuca.
一 Não precisa falar sobre isso se não quiser. 一 disse tentando atrair sua atenção ao acariciar seus cabelos, e ela lentamente foi tombando a cabeça para o meu lado. 一 Mas saiba que pode contar com a gente. 一 Abri um pequeno sorriso enquanto tirava alguns dos seus fios de cabelo que cobriam seu rosto.
一 Somos estranhos, mas somos legais! 一 Samuel forçou uma voz fofa e eu automaticamente fiz uma careta, arrancando uma breve risada dela.
一 Eu estaria perdida se não fosse por vocês dois. 一 murmurou soltando um longo suspiro. 一 Obrigada!
Acho estranha e curiosa a capacidade que nossos olhos têm de se comunicar entre si, mil vezes melhor do que com palavras ou mensagens de textos, e na minha humilde opinião, algo satisfatório para quem é introvertido assim como eu. Tudo isso ainda era muito incomum pra mim, confesso, e digamos que eu não sou o tipo de pessoa que consegue criar laços, tanto que ainda me pergunto como o Samuel me aguenta há três anos, mas eu realmente queria a companhia dela.
一 E então, como que vai ser nosso feriado? 一 ele perguntou animado ao virar o corpo em minha direção.
一 Não gosto quando você faz essa cara de cachorro pidão, é ridícula! 一 Franzi as sobrancelhas envergonhada.
一 Clarinha, você tem que entender que o fardo da sua vida é cuidar de mim! 一 Cruzou os braços e abriu um sorriso de orelha a orelha, fazendo Stephanie gargalhar e eu revirar os olhos constrangida.
一 E o que você sugere que façamos? 一 questionei pouco interessada. 一 Não esquece que eu estou meio impossibilitada, então nada de parques!
一 E se fôssemos no festival que está tendo no Centro? 一 sugeriu ela.
一 Que festival? 一 Samuel e eu perguntamos em conjunto.
一 Pelo que fiquei sabendo, é tipo aqueles que junta um monte de food truck com comidas típicas de diversos países. 一 disse um pouco mais animada.
一 Hm, interessante! 一 Balancei a cabeça. 一 Você vai conseguir ir? 一 Olhei pra ele.
一 Preciso ver como está a minha escala, vou ver se dou um jeitinho! 一 respondeu confiante. 一 Bom, agora eu preciso ir trabalhar.
Samuel levantou do chão e ajeitou seu uniforme, que por sinal era uma roupa social. Digamos que a lanchonete em que ele trabalhava era um pouco chique, além do mais, ele é vaidoso, então qualquer roupa nesse garoto ficava boa, por mais simples que fosse, imagine as mais exuberantes.
一 Quer que eu deixe algo pronto pra você? 一 Stephanie perguntou gentilmente e eu sorri ao ver o quanto ele ficou envergonhado.
一 Não se preocupe com isso, ele sempre come por lá. 一 assegurei levantando do sofá e me espreguiçando. 一 Vai pegar um agasalho que tá frio, pirralho!
一 Jesus Cristo... 一 ele reclamou ao sair pisando firme em direção ao meu quarto e voltando com a jaqueta de couro sobre as costas. 一 Nem está tão frio assim, você que é velha!
一 Quê? 一 Aproximei-me dele e puxei sua orelha pra baixo. 一 Repete!
Caímos na gargalhada juntos com as caretas que ele fazia. Eu realmente amava esse garoto como se fosse meu irmão caçula que nunca tive. Samuel e eu nos conhecemos tem pouco tempo, todavia, nossa conexão era muito forte, mesmo que na maioria das vezes nossos pensamentos e atitudes fossem completamente diferentes.
一 Vocês vão ficar bem? 一 perguntou pegando a chave da moto e ajeitando a mochila nas costas. 一 Precisam de algo?
一 Não se preocupe, eu cuido dela. 一 murmurei sentindo minhas bochechas esquentarem, fazendo-me desviar o olhar para o lado contrário de onde ela estava.
一 Eu estava me referindo à comida... 一 Ele arqueou uma sobrancelha e sorriu travesso. 一 Que você vai cuidar dela isso eu sei.
Eu bati em seu braço e ele começou a rir.
一 Palhaço! Anda logo senão vai se atrasar! 一 Comecei a empurrá-lo em direção à porta.
一 Sabe que vocês duas terão que dividir a mesma cama, não sabe? 一 Samuel cochichou aproximando seu rosto do meu enquanto tentava segurar a risada.
一 Fique quieto! 一 Bati em seu peito sentindo minhas bochechas corarem ainda mais. 一 Vai! Xô!
一 Tchau, Steh! 一 berrou acenando antes de sair. 一 Boa sorte! 一 Piscou pra mim.
Expulsei-o e fechei a porta em seguida, enquanto aguardava uns segundos até que eu conseguisse não sentir mais meu rosto ferver e parecer um tomate.
一 Vocês dois são uma figura! 一 Sua voz atraiu minha atenção. 一 Ele realmente te enxerga como uma irmã mais velha, sabe disso, não é?
一 Sim... 一 Sorri me aproximando até sentar no sofá novamente. 一 É engraçado.
一 Qual parte?
一 A maioria delas, eu acho. 一 Parei pensativa, mantendo o sorriso nos lábios e olhando fixamente para o tapete. 一 Nós não tivemos ninguém para tomar conta da gente quando éramos mais novos, acho que por conta disso somos tão ligados.
一 Isso é muito bom! Ele sempre me fala de você, por isso achei que eram um casal. 一 Ela deixou escapar uma risada e eu a encarei surpresa.
一 Não sabia que eram amigos, bem que eu desconfiei! 一 Cerrei os olhos e ela riu novamente. 一 Desde quando se conhecem?
一 Acho que há uns cinco meses só... 一 respondeu reflexiva. 一 Nós assistimos uma palestra juntos, ele se sentou ao meu lado e não parava de fazer comentários engraçados sobre o assunto.
一 É a cara dele fazer esse tipo de coisa! 一 Massageei as têmporas.
一 E foi assim que começamos a conversar, e também tem a questão que estudamos no mesmo prédio, então sempre nos esbarramos aos intervalos.
一 Ele gosta de você, dá pra perceber. 一 assegurei.
Conversar com a Stephanie parecia ser mais simples do que eu imaginava, mesmo que nossos gostos e personalidades fossem totalmente distintos. Eu era mais introvertida, realista e desconfiada, já ela era extrovertida, otimista e mente aberta para tudo. Seria estranho eu falar que o seu senso crítico sobre as coisas me assustava um pouco, mas que ao mesmo tempo me tranquilizava? Porque na minha cabeça não faz sentido algum.
Nós ficamos batendo papo por um tempo até que a fome bateu, e junto com ela, a insistência da garota em preparar algo também, mesmo eu tentando insistir em me deixar ajudá-la. Eu me incomodava um pouco com essa situação, mas visto que ela fazia questão acabei deixando pra lá, o que valeu a pena pois ela cozinhava super bem.
Depois de comermos, decidimos assistir um pouco de TV. Deixei que ela escolhesse um filme de sua preferência, não me surpreendendo ao ver que ela escolheu um da Disney chamado Enrolados. Admito que não era muito chegada a animações, mas até que essa história era bonitinha e nos rendeu algumas risadas.
一 Até que o desenho é legal, gostei! 一 admiti animada.
一 Eu amo os filmes da Disney, quem sabe não faço você assistir todos eles um dia? 一 sugeriu esperançosa.
一 Qual é o seu favorito?
一 Hm... acho que Frozen... 一 respondeu imersa em seu próprio mundo. 一 Eu me identifico bastante com a Ana.
一 Não sei quem é, mas tenho certeza que ela deve ser adorável.
Sabe aquele momento no qual você simplesmente diz o que vem à sua cabeça e passa a se arrepender no mesmo instante? Pois é.
一 Seu rosto ficou vermelho... 一 Ela tampou a boca com a mão para conter o riso.
一 Hey! Isso não tem graça! 一 retruquei tentando esconder meu nervosismo.
一 Não se preocupe, vou aceitar o elogio. 一 provocou toda brincalhona e dando um longo bocejo em seguida.
一 Com sono? 一 perguntei o óbvio e ela assentiu.
一 O dia foi longo hoje...
Stephanie era uma pessoa bem transparente em relação a expressões, sendo fácil deduzir todas elas só de encará-la. Eu ainda me sentia mal por conta de tudo o que aconteceu e devido ao que ela teve que passar. Caminhei em sua direção e acariciei o topo de sua cabeça, gesto que a fez me olhar surpresa, e admito que eu também estava, pois sou completamente desajeitada em tentar demonstrar qualquer coisa que eu estivesse sentindo.
一 Você precisa descansar, vem! 一 falei antes de começar a andar em direção ao meu quarto, mas ela permaneceu parada no mesmo lugar. 一 Que foi?
一 Pensei que o Samuel fosse dormir com você... 一 Ela me olhou confusa e eu comecei a rir.
一 Samuel vai chegar duas horas da manhã, e não, ele não dorme comigo por roncar extremamente alto. 一 respondi tentando conter o riso. 一 Sendo assim, teremos que dividir a mesma cama.
Fim do capítulo
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