Miguel

 

- Ela não pode pisar fora dessa casa, entendeu?

 

- Sim, senhora.

 

- Se alguém vier visita-la me ligue e não deixe entrar, a não ser que seja alguma das pessoas que estão na lista que te dei.

 

- Sim, senhora.

 

- Se ela passar mal, qualquer coisa, eu estou dizendo 'qualquer coisa', me ligue imediatamente.

 

- Sim senhora. - Hera, filha do Supremo Alfa, herdeira do "trono" pelo que dizem, está claramente preocupada. Aparentemente encontrar sua companheira é cartão verde para estresse.

 

- Obrigada Miguel, ela é importante para mim, se alguma coisa acontecer com ela...

 

- Não vai, pode ficar tranquila. - Digo convencido. 

 

- Confio em você. - Hera me olha orgulhosa. - Como disse, qualquer coisa, me liga. 

 

Vejo Hera se afastar se juntando ao grupo no centro da grande sala de estar. Solto o ar que não notei estar prendendo, aliviado pelo término das ordens diretas. Subo as escadas para o segundo andar preparado para o que vou enfrentar. Se a companheira de Hera for como ela, terei sérios problemas.

 

Ao me deparar com a porta de seu quarto me viro de costas para a mesma juntando as mãos na frente do corpo, e foco meu olhar num ponto aleatório do chão. A curiosidade em saber como é a companheira de Hera surge com frequência em minha mente desde que todos ficamos sabendo que ela havia finalmente a encontrado. Não só eu como todos os outros Guardas da equipe estão curiosos, a única coisa que sabemos sobre ela é seu nome, e que aparentemente já trabalhou na escolta da Suprema. Ela é submissa, ou dará dores de cabeça para Hera? Alguns dos Guardas estão até apostando, claro que Hera não pode imaginar isso, seríamos todos punidos no treinamento semanal. A julgar pelas orientações de Hera, tenho quase certeza que a nova integrante da Família Real me dará trabalho. 

 

Suspiro.

 

Fazer parte da Guarda Real por tanto tempo é estranho. Depois de anos protegendo a Família Real é como se de certa forma já fizéssemos parte da mobília. Não só eu, como todos os outros que trabalham, quase ou a mais tempo que eu, sabem os segredos da família, e também sabemos os temperamentos de cada integrante, e Hera é a mais mau humorada de todos. Por incrível que pareça - para minha sorte - Hera e eu somos amigos, nos conhecemos enquanto treinávamos, eu para entrar nas primeiras equipes de Contenção da alcateia Suprema, antes de os condomínios serem criados e todos viverem juntos. Ela, para ser a comandante oficial da Guarda responsável pela Família Real. Assim que os treinamentos para as primeiras equipes foram anunciados me inscrevi, era um lycan jovem, apenas quinhentos anos, assim como Hera na época. Um lycan é considerado adulto depois de completar seu primeiro milênio, antes disso, ainda é considerado jovem. Apesar da minha família ser totalmente contra minha decisão de trabalhar na Contenção, eles não me impediram, e pararam de implicar quando souberam que passaria a trabalhar na Guarda Real protegendo a família do Supremo Alfa. Mesmo assim, os poucos dias que folgo e decido ir vê-los, são tortuosos o suficiente para me fazer renunciar todas folgas quanto é possível. 

 

A cumplicidade que surgiu entre mim e Hera foi instantânea. Um dia, Hera viu um grupo de lycans ricos e mimados prontos para me espancar, ela não pensou duas vezes antes de intervir e salvar minha bunda. Dias depois, nos reencontramos no primeiro dia de treinamento na alcateia, diferente dela, todos ali inclusive eu, vínhamos de famílias humildes e pobres. Por isso, nossa turma a incomodava com frequência dizendo que uma garota do nível dela não daria conta daquele treinamento. Era duvidoso? Sim, até porque Hera nessa época, era totalmente diferente do que é agora, assim como eu. Hera ainda era jovem, e antes dela entrar para o treinamento a Suprema a obrigava a ser uma dama da aristocracia. Depois que Hera entrou no treinamento e começou a mostrar talento para guerra, o Supremo começou a apoiá-la, e a Suprema deixou de incomodá-la com costumes femininos, vendo que Hera realmente não gostava ou queria aquilo. Dessa forma, foi impossível não virarmos parceiros nos treinamentos, Hera com os problemas com a Suprema, e eu com meus pais. Vimos um no outro uma forma de desabafar da vida e desde então não nos separamos mais.

 

Quando o treinamento acabou foi impressionante. Hera e eu tínhamos nos tornado outra pessoa, tanto fisicamente como interiormente, mas mesmo tão diferentes nossa amizade persistiu, e dias depois quando o Supremo Alfa a nomeou como comandante e líder da Guarda Real, Hera me ofereceu uma posição na Guarda. Obviamente, não pensei duas vezes antes de aceitar, qualquer coisa que pudesse me manter longe dos meus pais teria me convencido, e se tornar Guarda Real? Isso, foi um bônus. Aceitei e fui embora para sempre da casa que minha família vive, eles não são pessoas ruins, porém, meus pais seguem as doutrinas dos Sacerdotes, doutrinas esta que nunca concordei. Uma pessoa não deve ser julgada por sua aparência, por sua orientação sexual, ou qualquer coisa. É injusto, insensível, e errado. Me afastando da minha família pude começar a viver sem que meus pais quisessem controlar toda minha vida.

 

A porta atrás de mim se abre de repente, e me viro deixando a curiosidade vencer.

 

- Bom dia. - Ela cumprimenta. Lorena, a pessoa mais comentada na alcateia no momento por ser companheira de Hera, me encara com o cenho franzido. 

 

- Bom dia. - As lembranças do dia em que ela parou no corredor olhando fixamente para a sala de estar, voltaram em minha mente. 

 

"Então foi por isso que ela ficou daquele jeito? Foi quando ela viu Hera pela primeira vez? Interessante..."

 

- O seu posto é na minha porta?

 

- Sim, senhora. - Ela fecha os olhos, claramente irritada. Lorena respira fundo antes de abrir os olhos e focá-los em mim.

 

- Não me chame de senhora, por favor, não sou senhora de nada, e com certeza não sou uma 'senhora' no sentido da palavra.

 

"Definitivamente não é."

 

Lorena é linda, e faz jus ao que me disseram sobre ela. Não possui mais que um metro e sessenta e cinco, é baixa, mas isso é um charme. Seus cabelos longos com cachos rebeldes caem em cascatas pelas costas, sua pele bronzeada naturalmente parece ser aveludada e macia e seus olhos castanhos são exigentes e irritados. Hera tem bons motivos para ser tão protetora com ela, no entanto, se considerarmos as histórias aleatórias de outros casais, um dos companheiros sempre é mais possessivo e ciumento que o outro, Hera ser essa pessoa na relação não é uma novidade.

 

Uma brisa fresca vem do quarto, e o cheiro forte da ligação das duas atinge meu nariz, com certeza Hera quis garantir que quem chegasse perto de Lorena sentisse seu cheiro. Recado bem dado.

 

- Você está aqui para me escoltar? - Ela diz lentamente como se estivesse a beira de um colapso nervoso.

 

- Sim. Lorena. - Sua mão direita, a que segurava a porta aberta, apertou a madeira deixando seus nódulos brancos de tanta força, ela inspirou e expirou mais uma vez. - V-você está bem? Precisa de alguma coisa?

 

- Onde Hera está?

 

- Deve estar no Centro Empresarial, pediu para te dizer que chegará as cinco da tarde.

 

- Ela pediu mais alguma coisa? - Ela semicerra os olhos.

 

"Ah! Sim! Ela está falando das ordens."

 

- Ela disse que você não tem permissão para sair de dentro da casa até ela voltar, e que...

 

- Filha de uma puta! - Ela me dá as costas entrando novamente no quarto. A porta se fecha com um estrondo que ecoa pelo corredor, me deixando impedido de ver o que ela está prestes a fazer, se ela for fazer alguma coisa. Torço interiormente para que não, mesmo assim, sem pensar duas vezes pego o celular discando o número de Hera.

 

- Ela está bem? - Hera me atende no primeiro toque.

 

- Está ótima, o problema é que ela não gostou da ideia de ter que ficar dentro dos limites da residência. - Hera amaldiçoa.

 

- Está vendo ela? O que ela está fazendo?

 

- Não, ela entrou no quarto. Tenho a impressão de que ela vai fazer alguma coisa...

 

- Abre a porta e confira com seus próprios olhos. - Nervoso por me sentir "invadindo" a privacidade da companheira da minha chefe, entro no quarto sem reclamar, afinal, ela é minha chefe. Nos primeiros passos que dou noto o cômodo vazio e Lorena em nenhum canto. A porta do banheiro está fechada, me dirijo até ela e forço a maçaneta.

 

- Lorena? Vou entrar! - Abro a porta aos poucos com medo de ver alguma cena íntima proibida, contudo, o que encontro é o vazio. Caminho de volta para o quarto e noto a cortina esvoaçante pelo vento e a janela aberta.

 

- Miguel? Ela está aí? - Engulo a saliva irritado. Nunca falhei em nenhuma missão ou qualquer ordem que me já foi dada, essa é a primeira, e não gostei da sensação.

 

- Ela não está aqui, acho que pulou a janela. 

 

- Filha da mãe teimosa... - Hera desliga sem me dar nenhuma ordem.

 

- Inferno. - Desço as escadas correndo. Na porta de entrada uma das seguranças do condomínio designada para guardar a Suprema está parada ao lado da porta.

 

- Tudo bem? - Ela pergunta desconfiada.

 

- Lorena fugiu pela janela. - Digo passando por ela e correndo para o gramado na frente da mansão. Paro em baixo da janela do quarto de Hera. - Que porr*. São uns três ou quatro metros. - A risada da segurança do condomínio chama minha atenção.

 

- Desculpa. - Ela cobre a boca com uma das mãos para segurar o riso. - Desculpa. 

 

- Qual a graça?

 

- Lorena é a melhor da equipe de Segurança, ela luta bem, ela vigia bem, ela faz tudo bem, você acha mesmo que só você vai mantê-la presa? Aliás, você acha mesmo que qualquer pessoa é capaz de manter ela presa? Não conheço ela muito bem, mas do pouco que conheço, ela é uma pessoa bastante independente, duvido muito que ficar trancada dentro dessa casa, que para começar não é dela, vai ser algo que ela faça voluntariamente. 

 

Suspiro passando uma mão pelos cabelos, meu celular vibra no bolso, atendo sem ver de quem se tratava.

 

- Alô...

 

- Vai para casa da Profeta Miranda, se ela estiver lá não desgruda dela. Eu vou para casa dela ver se ela foi para lá, me avisa se a encontrar primeiro que eu.

 

- Sim. senhora. 

 

"Francamente..."

 

"Quantos minutos depois que deixei Hera na sala de estar? Vinte? Trinta?"

 

Lorena não precisou de uma hora para para provar o ponto da guarda da Suprema.

 

- Ei! - A guarda da Suprema ainda ria de mim, e já se afastava voltando para dentro da casa.

 

- Sim? - Ela me encara limpando as lágrimas pela crise de risos.

 

- Sabe onde a Profeta mora? - Sem entender, vejo a garota cair na risada mais uma vez. 

 

"Inferno!"

 

                                                                                          ~*~

 

Lia 

 

Entorpecida. Me senti entorpecida pela bebida que desceu queimando pela minha garganta. A música soou pelos altos falantes tão alta que acreditei estar com uma caixa de som colada nos ouvidos. A mine saia e o cropped que vestia estão ensopados de suor, minha perna direita está grudando devido uma cerveja derrubada nela por um desconhecido que não me lembro o rosto. Balanço meu corpo conforme as batidas da música, e mexo a cabeça sentindo meus cabelos voarem em meu rosto, uma mão puxa minha cintura e me deixo levar me deparando com um par de braços musculosos e um homem muito atraente. Despreocupada continuo dançando, sentindo o corpo do desconhecido colado ao meu. Num piscar de olhos nos beijávamos em algum canto escuro do cômodo, as mãos do desconhecido correm por meu corpo lentamente, deixando claro que não se trata de um homem afobado para trans*r com qualquer uma - no caso, eu -. Suas mãos entram por debaixo da minha mine saia apertando minha bunda com força. Depois de alguns minutos de amaços, sinto ele subir uma de suas mãos pelo interior das minhas pernas apertando meu sex*.

 

Ele segura cada uma das minhas pernas me fazendo contornar sua cintura com elas. A angustia e preocupação com Lorena diminuíram quando Luís me ligou a tarde para dizer que tinham encontrado Lorena, e que ela está numa espécie de coma. Desde então, três dias se passaram depois do jantar, e nesses três dias liguei para Luís, para saber como ela está, e em todas as vezes, Lorena ainda não havia acordado. Agora? Faz um dia que Lorena acordou e ela não me ligou para conversarmos. Ciúmes? Talvez. 

 

Saber que Lorena encontrou sua companheira vem me atormentando durante os dias, a bebida me ajuda a entorpecer o sentimento de tristeza que se apodera de mim toda vez que me lembro da companheira dela. Musculosa, forte, linda. Totalmente diferente de mim. 

 

" Ops! Acho que estou ficando sóbria de novo..."

 

Pego um copo parcialmente cheio numa mesa ao nosso lado, e despreocupada bebo todo o conteúdo. Lycans não tem doenças venéreas ou qualquer uma das doenças que atingem os humanos. Temos sim nosso grupo de doenças, mas são tão incomuns e tão raras de se ver, que não vale nossa preocupação. Com certeza não vou contrair nenhuma herpes. 

 

Jogo o copo no chão assim que termino o conteúdo. Meus lábios colam novamente no cara bonitão, sinto sua mão afastar minha calcinha e seus dedos me penetram, depois de alguns minutos sou atingida pelo meu primeiro orgasmo da noite, e deixo o desconhecido continuar me tirando da nuvem de prazer, para me jogar em outra. Mais alguns minutos e atinjo meu segundo orgasmo. Cansada do desconhecido, faço o que todos homens odeiam.

 

- Qual seu nome? Me dá seu número? - Grito em seu ouvido. A musica está realmente alta. Como se o tivesse pedido em casamento e não o número, vejo o olhar desconfortável do desconhecido. Ele diz que vai pegar mais bebida, e eu concordo, sabendo que é uma desculpa para desaparecer, assim ele some na multidão. Sorrio satisfeita.

 

"Próximo..." 

 

É ridículo achar que beber e trans*r com vários desconhecidos vá ajudar em alguma coisa, mas não sei o que fazer para matar o amor platônico pela minha melhor amiga.

 

"Você tem que ficar feliz por ela Lia, ela é sua amiga e merece ser feliz com a companheira dela..."

 

"Fique feliz por ela..."

 

Com uma careta, peguei outro copo de bebida e me deixei levar pela música e pelos corpos suados ao meu redor.

Fim do capítulo