CAPÍTULO 35 A LEI DA SELVA
— Sales, os cachorros foram soltos ou fugiram. Pare tudo que está fazendo e vá até a chácara dar uma boa olhada no que está acontecendo por lá. Fique por longe, não deixe que ninguém te veja por lá, se isso acontecer eu vou ter problemas — a voz do delegado era forte ao comandar.
— Nós vamos ter, né? Afinal, aqui é outra jurisdição, nós nem deveríamos estar por aqui. Mas, pode deixar comigo — desligou o celular e o guardou no bolso do jeans de onde tirou a chave do carro.
Sales chegou à chácara trinta minutos depois Ao longe percebeu algumas pessoas, era a primeira vez que via alguém por ali, foi se chegando, ligou o mini gravador preto presente da sua mão e que sempre carregava no bolso. Nunca se sabia quando iria precisar gravar algo sem que a pessoa percebesse.
— Morreu alguém por aqui? — perguntou a ninguém em particular sabendo que essa estratégia sempre funcionava.
Dito e feito, logo uma senhorinha de mais ou menos sessenta anos, gordinha, baixinha e com um brilho no olhar, apesar do óculos fundo de garrafa, se prontificou a ser a portadora da notícia.
— Meu filho, ontem à noite nós ouvimos uns gritos horríveis, mas ninguém deu muita importância, às vezes o vento traz coisas horríveis. Os gritos duraram por um bom tempo, depois parou e ficou só o vento cantando nas plantas. Aí hoje pela manhã os meninos vinham para a casa quando avistaram um homem caído no mato todo mordido por uma fera imensa.
Sales ficou curioso e perguntou a um homem que também estava ali por perto
— O senhor chegou a ver o homem? Como é que ele era?
— Vi não, quem viu foi meu filho. Ele disse que o homem estava muito mordido, que a fera mordeu o corpo todo e em alguns lugares chegou a arrancar o pedaço. Vou dizer uma coisa, se esse homem sobreviver, será um grande milagre. Tem sangue por aí, por toda parte.
Sales começou a andar por perto por onde passava tinha sangue, não teve dúvidas de quem seria.
— Delegado, manda uma viatura para cá e aquela repórter. Pelo que eu estou apurando os cães atacaram Alberto que foi encontrado no meio da estrada muito ferido, as pessoas aqui não sabem se ele está morto ou vivo e não sabem para onde foi levado.
— Não saia daí que eu estou chegando com uma equipe de especialista, segure as testemunhas. Se Deus quiser esse desgraçado não resiste — afirmou o homem por trás da linha.
Trinta minutos depois duas viaturas estacionaram equipada com material para isolar o local. Pararam junto a casa e assim que desceram já foram isolando todo o ambiente, afastando as pessoas, alguns policiais pegando depoimento das pessoas o mais rápido possível, antes que a polícia local chegasse. Sales avistou o delegado que distribuía ordens para que agissem rápido, Sales foi ao seu encontro.
— Dei uma olhada, o portão está aberto e as gaiolas todas abertas.
— Só um minuto, falo já contigo — Se afastou rápido e baixou o tom de voz para que os curiosos não ouvissem — senhorita Daniela, aqui está o seu crachá e da sua equipe. Peça ao seu fotógrafo que todas as fotos precisam ir direto para minha mesa até a noite, sem falta. Se a equipe da polícia local chegar, não vazem nada para eles, sigilo absoluto. Acho que o que aconteceu aqui tem a ver com os cachorros que estão fugindo, seja rápida e discreta — pediu baixinho.
— Confie em mim. Tem algum lugar que devo me prender em detalhes?
— As jaulas onde os cães estavam presos, quartos e se encontrar alguma porta trancada me chame imediatamente. Sejam rápidos, essa não é minha jurisdição e o delegado local não vai gostar nadinha se souber que eu estou no quintal chafurdando na sua lama. Rapidez e descrição Daniela, é tudo que preciso — voltou de encontro a Sales — O desgraçado encontrou o que procurava, quis tanto fazer isso coma a ex-esposa acabou sendo feito com ele — falava enquanto passava os olhos experientes em todo local em busca de informações.
— Encontrei dois dedos no chão, ou melhor, dois pedaços pequenos. Não sei se os bichos comeram ou somente arrancaram. Nessa jaula tem muito sangue, tudo indica que ele estava pelo lado de dentro tentando escapar dos cães — afirmou Sales apontando com a mão direita o local onde encontrou o material.
— Para eles atacaram dessa forma seu dono, deveriam estar muito famintos — Sales estava conversando quando foram interrompidos pela repórter.
— Vocês precisam ver isso — falou e já foi se afastando para os fundos da casa onde o matos estava alto.
Ali perto havia dois cachorros mortos, eles fizeram o sinal da cruz diante da cena horrível que estava vendo. O marrom foi morto por pauladas e teve seu crânio esfacelados, o outro a situação era pior, parecia ter se metido em briga com outro cão, pois estava muito ferido, sem um dos olhos e parte da mandíbula arrancada com um mordida, uma parte da musculatura da pata de trás foi arrancada e ainda estava pendurada o que mostrava a cena de uma briga violenta.
De volta as jaulas perceberam que as quatro estavam abertas, ou foram abertas naturalmente sem serem forçadas a abrir. Juntaram todas as provas ali e foram para dentro da casa que também estava com as portas escancaradas.
Marmitas descartáveis de alumínio e isopor com restos de comidas, garrafas de uísque, pontas de cigarros, garrafinha de água, copos sujos, roupas espalhadas por todo piso fazendo a decoração do local. Caminharam em busca dos quartos e o que viram arrepiou até o último pelinho do pescoço do delegado.
Uma cama sem colchão, na madeira ainda, vários pregos, muitos, todos de ponta para cima para esperar a quem deitasse no local. Na parede uma corrente pregada com um para de algema em cada lateral, vários chicotes e dentro de um aquário havia cobras, muitas, de vários tamanhos e cores. Ali sem sombra de dúvidas era um quarto pronto para tortura. Chamou Danielle.
— Só você pode entrar aí. Tira quantas fotos achar necessário e faça uma boa filmagem, a noite eu respondo todas as suas perguntas. Depois que tudo isso vier a tona, com certeza você será promovida.
Daniela sorriu satisfeita e se dirigiu para o quarto fazer o que lhe dava prazer: ver um furo jornalístico se formando peça a peça como um quebra-cabeça. Ela amava quebra-cabeças.
O delegado andava rápido pelo local reagrupando todos ali presentes. Em pouco tempo todos estavam do lado de fora esperando as novas ordens.
— Gente, o delegado encarregado do local está a caminho, portanto, todos nós temos que abandonar o local. Aqui só fica eu, o Sales e mais dois policiais, o resto de vocês podem ir se mandando sem levantar suspeitas. Nos vemos todos na delegacia, inclusive a senhorita. Podem ir.
Todos foram para seus carros. Segundos depois era como se nunca tivessem passado pelo local, nem marcas de pneus havia no chão de mato batido.
— Gente, obrigado por cooperar com a justiça, isso só mostra que são pessoas de bem. Vocês foram muito importantes, mais uma vez obrigado — agradeceu aos moradores locais de forma que todos se sentissem parte da investigação e com isso fazerem tudo que ele pedisse.
Logo todos foram para suas casas. Quando o encarregado da policial local chegasse, não encontraria ninguém para testemunhar nada, ele que se virasse. Entraram no carro e, por cima do mato mesmo, chegaram na pista e rumaram em direção contrária à que o delegado da região estava vindo.
O delegado, enquanto dirigia, organizava os pensamentos na cabeça. O hospital mais próximo seria dentro da sua jurisdição, portanto Alberto só poderia estar por lá mesmo. Procurou o telefone no bolso, mas não encontrou. Afastou o corpo da cadeira, olhou na lateral entre o câmbio da marcha e o porta copos, no porta luvas, nas portas e nada. Onde diabos havia enfiado o celular?
No cruzamento o sinal fechou, como estava no seu carro particular e não em viatura da polícia, parou. Olhou embaixo do seu banco, lá estava ele. Observou na tela e viu que tinha para mais de vinte chamadas, todas de números diferentes e desconhecidas. Deixou para retornar depois, agora tinha um assunto mais sério para resolver.
Rodou na tela a lista de contatos encontrando o nome desejado. Na sua profissão era bom sempre ter uma contatos sigilosos, era como sempre dizia: “Você deve ter a pessoa certa, no local certo. Um dia pode precisar”. Assim ia colecionando pessoas certas, nos locais certos.
— Evaldo, oi meu amigo, tudo bem? Preciso de um favor seu, daqueles favores — falava para o homem como sempre.
— Boa tarde, doutor. Pode falar que eu desenrolo — nunca esqueceria o que o delegado fez por ele quando estava preso.
Cumpriu sua pena e agora era um homem livre com um trabalho digno e uma família começando, agradecia primeiramente a Deus e segundo ao delegado que lhe ajudou lhe tirando daquele presídio onde ia acabar morrendo. Conseguindo aquele emprego, ninguém ali sabia que ele era um ex-presidiário, só o diretor do hospital. Assim pode começar sem sofrer preconceito dos colegas a quem ele considerava tanto.
— Pode mandar doutor, qual o problema? — aguardava as ordens, por aquele amigo ele era capaz de morrer, já que matar para ele era a coisa mais simples.
— Agora, no momento, eu quero que descubra para mim se aí no hospital deu entrada essa manhã um homem dos 45 anos, branco, cabelos grisalhos vindo das bandas de Aquiraz e com o corpo todo mordido. Provavelmente tenha perdido um ou dois dedos. Vou mandar a foto pelo celular, se achar me avise imediatamente. Se estiver de plantão hoje à noite vou contar uma história e quero que vá também — enquanto falava procurava enviar uma ou duas fotos do Alberto para que Evaldo começasse a busca no hospital.
Fim do capítulo
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