Capitulo 33
A Última Rosa -- Capítulo 33
Havia um suave som de passos pelo quarto, e Michelle sentiu a presença de alguém ao lado da cama. Pensando que fosse Jessica, abriu os olhos, ainda sonolenta.
-- Onde você... -- a voz sumiu e, por um momento, apenas respirou. A rapidez com que raciocinou foi impressionante. Em uma fração de segundo ela reagiu à presença ameaçadora de Augusta com um controle emocional surpreendente -- Oi doutora. Que bom vê-la aqui -- sorriu para ela, mas, por dentro, se retorceu.
A médica estranhou a atitude de Michelle. Disfarçadamente, ela baixou o braço lentamente até guardar a seringa no bolso do jaleco.
-- Estou de plantão, então dei uma passadinha para ver como você está -- suas pálpebras tremeram ligeiramente, quando ela olhou para Michelle.
-- Estou com a cabeça latejando e dores por todo o corpo, mas é normal, não é mesmo? Me disseram que tive muita sorte em sair viva do acidente.
Augusta olhou para ela com uma expressão ao mesmo tempo surpresa, aliviada e receosa.
-- O que você lembra do acidente?
-- Lembro-me apenas de ter deixado a Valquíria e a Vitória na feira e retornado para buscar o celular que esqueci. Não lembro-me de mais nada, minha cabeça é um grande vazio -- Michelle viu, pela expressão dos olhos dela, que Augusta foi pega de surpresa, então, fez questão de reforçar a sua história -- Confesso que não faço a mínima questão de lembrar. Deve ter sido horrível.
-- A memória é um processo que ocorre em diversas regiões cerebrais, por isso, nem todas as situações podem ser revertidas. Só nos resta esperar.
-- Eu sei -- Michelle fingiu pesar.
Fechou os olhos e respirou aliviada quando ouviu o barulho da porta sendo aberta.
-- Augusta? O que você faz aqui?
Quando viu que era Jessica, Michelle sentiu vontade de pular em seu colo. Augusta engoliu em seco, rezando para que sua voz não falhasse ao responder.
-- Eu trabalho nesse hospital, e você? O que faz aqui? -- havia um tom malicioso na pergunta.
Jessica aproximou-se de Michelle e entregou-lhe uma barra de chocolate.
-- Vou fazer de conta que não ouvi a sua pergunta -- o tom de voz saiu tão ameaçador que a médica se arrependeu de ter perguntado.
-- Bem, espero que se recupere o mais breve possível, Michelle.
-- Obrigada doutora.
-- Agora se me dão licença -- a médica saiu quase correndo do quarto.
Michelle virou-se para Jessica, surpresa e curiosa.
-- O que foi isso?
-- Isso o que? -- Jessica sentou-se na beirada da cama e encarou-a com a fisionomia carregada.
-- Essa descortesia toda, com a doutora.
Sacudindo os ombros com indiferença, Jessica cruzou os braços junto aos seios, uma postura que sempre repetia quando estava irritada.
-- Nunca fui com a cara dessa mulher. Há algo de ruim nela, que me deixa preocupada.
A capacidade de julgamento de Jéssica surpreendeu Michelle.
-- Porque você acha isso?
-- Ah, é só pressentimento, mas prefiro que ela fique bem longe de você.
Aquelas palavras deixaram Michelle bem mais tranquila. Ela encolheu os ombros e sorriu como uma boba apaixonada.
-- Vou comer o meu chocolate -- ela abriu a embalagem e provou um pedaço -- Delicioso! Obrigado amor.
As duas se entreolharam em silêncio. Michelle ficou sem jeito e Jessica rapidamente disfarçou, roubando um pedaço de chocolate.
-- Ei, o chocolate é meu! -- Michelle reclamou, fingindo estar brava.
-- Eu mereço um pedaço. Você não faz ideia de tudo o que eu enfrentei para chegar até lá, sem contar a fila quilométrica que tinha no caixa da lanchonete.
Michelle gargalhou e deu-lhe um tapinha de leve na face.
-- Tadinha! Você merece, sim. Então, vem pegar -- ela prendeu um pedaço de chocolate entre os lábios e fechou os olhos à espera dos lábios tão desejados.
Jessica sentiu a boca seca e, quando Michelle suspirou, suave, mas excitada, não conseguiu evitar umedecer os lábios com a língua.
Jessica aproximou-se mais dela, convencendo-se que pegar o chocolate era o seu único objetivo. Os lábios estavam praticamente colados, o beijo inevitável...
-- Oiê! Comendo chocolate às escondidas. Safadinhas!
Jessica deu um pulo da cama e caiu sentada no chão.
Marcela sentiu uma raiva violenta e explodiu.
-- Eu não acredito que você se arriscou dessa forma! Você é louca?
Augusta baixou a cabeça imediatamente, apertando os lábios com força.
-- Não tinha outra saída, ou você prefere ser presa?
Marcela saiu da cadeira de rodas, andou lentamente pelo quarto, atravessou o corredor e entrou na grande varanda, Augusta a seguiu, olhando em volta.
-- Você devia ter mais cuidado -- comentou -- Alguém pode vê-la.
Marcela deu uma risadinha e balançou a cabeça.
-- Qual o problema? Só mais uma testemunha para você eliminar.
-- Isso não é nada engraçado -- falou Augusta, irritada -- Tudo o que eu tenho tentado fazer é protegê-la. Não tenho culpa se o seu pai foi um crápula.
Marcela se virou com os olhos faiscando. Deu um passo, e explodiu novamente.
-- Cala a boca! -- berrou -- Cala essa maldita boca!
Augusta se assustou com a expressão de raiva que dominou o rosto de Marcela.
Pareceu-lhe estar olhando para uma estranha. Elas se conheciam há dois anos. A princípio foi um relacionamento médico-paciente, mas bastaram alguns meses para que surgisse uma grande amizade. Os dias passavam rapidamente e a confiança aumentava de tal forma que Marcela sentiu-se segura em dividir com ela todos os seus problemas pessoais.
-- Eu vou ajudá-la a manter o seu casamento.
-- Vai? -- perguntou Marcela, sorrindo.
-- Eu sei o que fazer, mas você terá que ficar algum tempo em uma cadeira de rodas. Tem certeza que é isso o que quer?
E ela riu e a abraçou, dizendo:
-- Sim, é isso que eu quero.
E o que era para durar apenas alguns meses, transformou-se em uma imensa bola de neve. Uma mentira puxou a outra e a partir daquele momento, nunca mais conseguiram sair dela.
-- Desculpa, por ter me excedido -- disse Augusta, mostrando arrependimento.
Marcela deu as costas para ela e continuou a olhar para o mar. Ela ficou em silêncio por alguns segundos, observando a paisagem, e então se virou.
-- Ela poderia estar fingindo ter perdido a memória?
A doutora Augusta pensou por instantes, considerando seriamente a pergunta, depois sacudiu a cabeça.
-- Poderia ser, mas, na minha opinião, ela não está fingindo.
Marcela assentiu. Era exatamente o que queria ouvir, mas não serviu para amenizar a preocupação.
-- Corremos o risco dela se lembrar do acidente de uma hora para outra?
-- A recuperação das memórias depende da gravidade e da causa da lesão. Muitas vezes a lesão não é grave, ou a causa é temporária. Nesses casos, a amnésia muitas vezes tem a duração de apenas alguns minutos ou algumas horas, e a maioria das pessoas recupera sua memória sem tratamento. No entanto, quando o dano é considerável, muitas vezes, não é possível recuperar a memória.
-- Não vou conseguir ficar em paz sabendo que a qualquer momento essa mulher vai se lembrar de tudo.
-- Cada pessoa tem sua própria forma de reagir a situações de risco de vida ou experiências inesperadas. As reações podem variar muito de pessoa para pessoa. Michelle pode estar traumatizada, cada pessoa tem um limite diferente frente a um evento. Para um grande número de pessoas, as reações a eventos traumáticos são completamente normais, temporárias e desaparecem com o tempo. Mas para um pequeno número de pessoas isso não ocorre.
Marcela ia dizer alguma coisa, mas suspirou e mudou de ideia.
-- Onde está o seu conversível vermelho?
-- Na oficina. Estava amassado.
-- Acho melhor deixá-lo um tempo na garagem. Ao menos até a poeira baixar.
Augusta concordou com um gesto de cabeça e tocou a mureta da varanda com as pontas dos dedos.
-- Talvez exista uma saída -- disse ela, encarando-a -- Algo que deveríamos ter feito há muito tempo.
Marcela olhou desconfiada para a médica.
-- O que?
-- O grand moment!
Pepe se sentou na beirada da cama, cruzou os braços e olhou para Michelle.
-- Você está melhor do que eu esperava. Na verdade, pensei até, que já haviam chamado o padre para dar a extrema-unção.
-- Isso é jeito de falar? -- a expressão horrorizada de Jessica dizia tudo -- Apesar da perna fraturada e de não se lembrar do acidente, Michelle está muito bem.
-- Percebi assim que entrei -- comentou ironicamente, observando as expressões que se sucediam no rosto de Jessica -- Bem até demais.
Jessica se jogou na poltrona. Seus lábios tremeram e ela precisou de um momento para firmá-los.
-- O que você veio fazer aqui? Não mandei todos ficarem em casa?
Pepe pegou a mão de Michelle e a levou aos lábios.
-- Mandou, mas eu tinha que vir. Eu não sei fingir sentimentos, se eu gosto, eu cuido. Se eu não gosto, até faço macumba para a pessoa.
Michelle sorriu para ele.
-- Estou feliz por ter vindo me visitar. Obrigada.
Pepe pegou um pedaço de chocolate e levou à boca.
-- A doutora está lá na mansão.
Jessica fitou-o atentamente, com os olhos apertados, depois balançou os ombros como se julgasse a conversa pura perda de tempo. Olhou de relance para Michelle, depois afirmou:
-- Acho ótimo que ela esteja fazendo companhia para a Marcela.
-- Essa mulher é uma bruxa -- Pepe pensou um pouco -- A dona Marcela também é, então, ela ficará bem.
-- Não fala assim, Pepe -- Michelle tocou de leve em seu braço.
-- Falo sim. A chefe parece o Harry Potter, só pega bruxa.
-- Ei! -- Michelle não gostou da afirmação, Pepe olhou sério para ela.
-- Se ofendeu porque?
Michelle virou o rosto.
-- Não gosto que falem mal das pessoas pelas costas. Você é um grande fofoqueiro, Pepe.
-- Epa! Fofoqueiro, não. Jornalista investigativo do cotidiano da sociedade. É bem diferente. E só não falo pela frente, porque tenho medo de morrer.
Jessica se levantou da poltrona e ficou bem próxima da cama, Michelle corou visivelmente e lutou para disfarçar.
-- Precisamos viver mais, sem ter medo do que os outros vão pensar ou falar. A vida foi feita pra viver, e não para perder tempo.
A última frase tinha uma infinidade de significados para Michelle. Seu coração encheu-se de esperança e ela balançou a cabeça em sinal de aprovação.
-- Quando falam de mim, prefiro que exagere. Porque eu gosto de causar impacto.
-- Isso eu sei, Pepe -- Jéssica voltou sua atenção para Michelle, olhando para ela com seus potentes e hipnotizantes olhos verdes -- Preciso ir. Vou passar em casa antes de ir para a empresa.
-- Não! -- Michelle a segurou pelo braço, impedindo-a de se afastar -- Não me deixe sozinha -- a voz dela soou desesperada. Jessica queria tocá-la, envolvê-la nos braços, mas apenas sentou-se na cama e passou a mão pelo ombro dela.
-- Está tudo bem agora. Não fique assim.
Os olhos de Michelle eram de medo e angústia.
-- Eu não quero ficar sozinha -- ela não pôde conter as lágrimas e começou a chorar, inspirou com força, sentindo uma enorme dificuldade de respirar. Seus pulmões estavam contraídos, sua cabeça doía e suas mãos tremiam de medo.
Jessica franziu a testa e olhou para Pepe com uma expressão de quem não estava entendendo o motivo de tanto pavor.
-- Você não vai ficar sozinha -- Jessica acariciou o queixo dela, levantando-lhe o rosto para que seus olhos se encontrassem. Foi um gesto carinhoso, tentando transmitir segurança -- O Pepe vai ficar com você até eu voltar. E, ai dele sair do quarto por um minuto sequer.
-- Vou? -- Pepe fez uma careta -- Odeio hospital.
-- Lembra daquela motocicleta italiana, que você viu na loja e disse para o Nícolas que era o seu sonho impossível? Então, pensei em comprar para você -- disse Jessica, balançando a cabeça de um lado para o outro -- Acho que não vai mais rolar.
-- Engraçado como a gente se apaixona tão rapidamente pelas coisas, estou amando esse hospital. Sou até capaz de me oferecer para serviço voluntário.
-- Viu. Não tem com o que se preocupar, todos nós a amamos e vamos cuidar de você.
Com o dorso das mãos, Michelle secou as lágrimas que rolavam sobre suas bochechas. Ela não podia explicar o que sentia e isso a deixava extremamente frágil.
-- Obrigada Pepe.
-- Não tem porque, querida. Te amo! -- ele juntou os dedos e formou um coração.
-- Certo, então, até daqui a pouco -- Jessica inclinou-se, beijou o topo de sua cabeça e caminhou até à porta.
-- Chefe, vi um capacete rosa lindíssimo na loja do centro -- disse Pepe, antes que ela fechasse a porta -- Grooosssa! nem respondeu.
Assim que entrou no carro, seu celular tocou e ela rapidamente olhou o identificador de chamadas, esbravejou e depois de três toques atendeu.
-- O que foi, Marcela?
-- Oi amor, você ainda está no hospital?
-- É claro -- aquela frase curta e grossa, para Marcela, foi praticamente um tapa na cara.
-- Aconteceu alguma coisa, Jess?
-- Não -- respondeu ela -- Por que você está ligando novamente? Precisa de alguma coisa? -- Jessica respirou fundo e reteve o ar por alguns segundos. Quase tinha se convencido nos últimos dias de que ela e Marcela conseguiriam fazer aquele casamento dar certo. Fingiu para si mesma que sua irritação com a esposa era devido a presença de Michelle na mansão. Mas era óbvio que estava se enganando. O casamento já havia acabado mesmo antes de Michelle reaparecer em sua vida.
-- Você não deu notícia, eu... -- Jessica bufou impacientemente e Marcela teve a sensação de que ela estava no seu limite -- Eu tenho uma notícia maravilhosa para nós duas.
Jessica fechou os olhos e contou até dez.
-- Droga, Marcela. Eu vou chegar em casa daqui a 20 minutos. Poderemos conversar pessoalmente. Tá certo?
-- Tudo bem, meu amor. Estou esperando, ansiosamente.
Fique em casa, se puder, se não, use máscara e lave sempre as mãos.
Fim do capítulo
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Mille
Em: 02/04/2021
Michele conseguiu enganar a Augusta, e o plano delas deve ser a "volta" da Marcela a andar .
Pepe não é bobo, as duas da multa bandeira.
Bjus e até o próximo
Uma ótima semana santa
Resposta do autor:
Olá Mille.
É a hora da reviravolta. Entraremos em uma nova fase da história.
Beijos. Até.
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HelOliveira
Em: 02/04/2021
Michele foi muito rápida, mas sabe que não tá segura....
Que hora mais errada para o Pepe chegar hennn
Marcela sabe que se voltar a andar a Jéssica se separa dela, então com certeza vai aprontar mais alguma coisa.
Até o próximo
Resposta do autor:
Olá Hel!
É a hora da reviravolta. Entraremos em uma nova fase da história.
Beijos. Até.
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