CAPÍTULO 11

                                           TERCEIRO ANO

As aulas começaram e mais uma vez e a rotina do dia a dia também era a mesma.

                      Primeiro dia de aula, quase todo mundo se conhecia, foi uma distribuição de abraços e beijos que não tinha mais fim.

                                Minha futura cunhada Rosely, e minha porquê, esse ano havia voltado as aulas e estávamos torcendo para ficar na mesma sala.

—   Atenção, rapazes e moças, todos no pátio.  —  A voz da diretora ressoou nos alto-falantes espalhados pelo corredor do colégio.

—   Vai começar a mesma besteira de todo ano.  —  Uma garota passou puxando outra. As duas pareciam cantoras de música pop, os cabelos cheios de dreads, os jeans tinham mais buracos do que a Avenida Francisco Sá. Rapidamente se formou uma multidão de alunos no pátio, todos falando uns com outros, afinal, foram dois messes de férias e a saudade era grande. Eu e minha turma do 2º B do ano passado ficamos muito juntos, passamos boa parte do tempo trocando os novos números de WhatsApp e mostrando fotos do namorado, da namorada, essas coisas.

—   Meninos, esse ano para os que estão no último ano aqui conosco, vou avisando: Não será moleza! Os demais, as regras são as mesmas. Esse ano foi criado mais duas salas de 3º Ano, para receber os alunos do Colégio Marvin que, como todos sabem, vai passar a ser profissionalizante...

—   E o que a gente tem com isso?  Somos do 1º Ano, ainda tem é chão para vocês aguentarem a gente né mesmo galera.  —    Interrompeu a garota que achei parecida com cantora. Uma turma, que parecia ser a dela pois todos usavam o mesmo estilo, pareciam tão inquietos como ela. Usavam alargadores, piercings e as roupas eram iguais.

—   Senhorita, como a senhorita é novata nesse colégio passem na diretoria, todas as oitos para pegar o estatuto do colégio. Eu sugiro aprender cada cláusula caso eu venha pedir por acaso para me dizer uma por uma. Essas normas vão sim, afetar vocês do 1º Ano, já que no fato de entrarem às 8:00 e sair às 14:00 horas. Todas as séries do ensino fundamental ao 2º Ano obedecerão a esse horário. Vocês entrarão uma hora mais tarde e saíram uma hora mais tarde também.

—     Isso e injusto diretora!  Nós vamos passar o dia estudando!  O que é isso, minha gente?  Vamos pirar, quando chegar no 3º estaremos todos loucos.  —  Uma imensidão de garotos concordou, foi preciso muito esforço para colocar ordem novamente.

—   A turma do 3º Ano, o horário e de 8:00 às 17:00 horas.  —  Agora foi a nossa vez de discordar e a algazarra foi geral.

—     Para que tudo isso diretora?  Isso é escravidão.  —  Natanael da mesma sala de Marina ano passado, gritou.

—   Durante este ano, todos os dias teremos laboratório de redação voltado para o ENEM e três vezes por semana simulado. Não vai ser moleza, o 3º piso está pronto para receber vocês que estarão isolados das outras turmas. Na porta de cada classe está a lista com o nome de vocês, o 3º Ano vai da letra A até a letra H, está em ordem alfabética. Se seu nome começa com a letra A sua sala será uma das primeiras e assim sucessivamente. Procurem suas salas e bem-vindos a mais um ano ao colégio Santa Maria Gorete. Estão dispensados e boas aulas.

— Vamos procurar nossa sala Rosely.  Pela nossa inicial é bem provável que fiquemos na mesma sala.  —  Sai arrastando pela mão minha amiga que vinha toda de lado parecendo um caranguejo da forma que eu estava puxando pelo corredor.

— Tomara― ela falava um pouco alto pela nossa distância ―Eu me sinto tão enferrujada, foram dois anos fora do sistema.  Ainda bem que tenho minha cunhadinha gênio para me dar uma força.  —  Argumentou soltando minha mão e se agachando para pegar o estojo de canetas que tinha caído e corria pelo corredor, eu ajudei para não perdermos muito tempo, em frente a sala deveria estar infernal com todos querendo achar sua sala, seria tão mais fácil no momento em que entramos uma moça perguntar o nome, olhar no computador e dizer em qual sala estaríamos, mas não a madre diretora tinha pena de gastar dinheiro.

—   Você vai tirar de letra.  Agora esse negócio de passar o dia no colégio é de lascar o cano. Vai ser muito puxado. —Me lembrei do ano passado quando Bia passava o dia no colégio a noite quando chegava, mal tinha forças para namorar um pouquinho, esse ano que estaria do mesmo jeito, a salvação, e que agora dormíamos juntas sempre, ela ainda morava na casa da frente, mais dormíamos juntas.

— Já sabe o que vai fazer ano que vem?  —  Estava curiosa diante da incerteza de Marina.

— Sei lá, todo dia eu quero uma coisa diferente. —Verdade eu ainda não tinha decidido para que profissão iria me inscrever no vestibular.

— Mas qual profissão você mais se identifica? —Rosy insistia por que desde sempre ela sabia que queria ser admin misturadora de empresas e achava estranho eu não saber o que queria.

—   Gosto de Medicina na área da Neuro, estou lendo a respeito é bem provável que escolha isso ou cardo, mas também sou apaixonada por direito. E acho lindo a mulher ser delegada Federal. Vou acabar fazendo direito. Ainda não falei em casa para evitar cobrança e expectativa. Aí vai que mudo de ideia. Nada é certo ainda.

—   Ai que orgulho ter uma amiga cardiologista ou neurologista, ou até uma delegada Federal vou ficar um nojo, além disso, você pode mudar quando quiser e a maioria de suas cadeiras são aproveitadas. Eu. já fiz minha escolha, vou fazer administração, é um sonho antigo.

— Olha Rosely.  Nós estamos na mesma sala 3º Ano G, massa né?  —  Eu

pulava de contentamento.

                       Adorava Rosely, sempre fomos boas amigas. Entramos na sala que já estava quase completa e, lá no fundo, vi duas cadeiras, mas não gostava de sentar lá atrás no fundão, a galera fazia muita bagunça. Havia uma cadeira desocupada na segunda fila e outra na terceira, fui seguindo para a segunda cadeira e Rosely para a outra, nisso senti alguém passar a nossa frente com uma rapidez que, por pouco, não cai. Foi preciso me apoiar em outra cadeira para não cair.

— Desculpa aí gata, mas essa cadeira já tem dono.  Só tinha ido lá fora. A garota sorria e Marina pode perceber que ela era muito parecida com a Bia na forma de se vestir; totalmente masculina, os cabelos cortados num corte militar que nela tinha ficado bonito. Aquela garota era tão homem que se duvidasse era bem capaz de ter um p*nis de borracha. —   Se você fizer questão de se sentar aqui.  Eu vou lá para trás, delicinha.  — Essa última palavra foi quase sussurrada só para mim que fiquei vermelha de vergonha ela juntou suas coisas e foi se encaminhando para o fundão, antes, porém, deu uma piscada para mim que estava sem reação. Assim que guardei minhas coisas senti Rosely se debruçar na cadeira e sussurrar:

— Meu Deus, o que foi isso?  Eu pensei que o capitão ia cair em cima de você.  — Rosely estava as gargalhadas.

—  Nem comece Rosely, eu e a Bia somos lésbicas.  Aquela lá deve estar dois patamares acima de qualquer classificação de reino e filo. Ia dizer mais coisas, mas a professora de matemática chegou obrigando a todos ficarem em silêncio.

— Bom dia meninos e meninas, e pra não ser homofóbica ou preconceituosa, bom dia aqueles que não se sentem nem meninos e nem meninas.

—   Olha aí nivela!  Estão falando contigo.  —  Um garoto gritou.

—     É Randelle, imbecil!  E professora eu sou trans.  —  Corrigiu a garota cheia de atitude.

—   Transmitida.  Trans imbecil.  Transviada.  — Gritaram lá do fundo da sala.

—  Silêncio...  Continue, você é trans, está fazendo algum tratamento?  Toma.   alguma coisa?  —  Perguntou a professora curiosa.

— Não professora.  Eu sou transparente e absolutamente gay.  Ativa, sem traumas. — Quando terminou de falar um grupo aplaudia. Eu tive certeza de que seria um ano puxado. A professora estava vermelha de tanto gritar mandando todos se calarem.

                       Foram dois tempos tensos, a turma não ajudava. Em seguida veio o professor de química, não falou nada, passou uma vista pela sala inteira e seu olhar foi o bastante para calar todo mundo.

— Esse é o roteiro do ano.  Anotem porque não vou repetir:

1. Propriedade da matéria
2. Fenômenos físicos e químicos
3. Separação de misturas
4. Destilação
6. Mol Balanceamento de equação

7. Ligações químicas.

—  Vamos começar pela propriedade.  Alguém pode me dizer o que vem a ser propriedade da matéria?

A classe nem suspirava. Todos com os olhos no professor que aguardava uma resposta que não veio, ele desceu o dedo na caderneta de presença e escolheu um nome aleatório.

— Senhorita Melissa, pode explicar para os seus colegas o que é propriedade? —a pergunta foi feita logo para a garota mais tímida da classe, mesmo que ela fosse uma nerd, as palavras fugiram da sua boca com o olhar que o professor dirigia a sala inteira.

—   Não lembro professor.  —  Ninguém riu, gritou, ou aplaudiu como das últimas vezes. Continuaram calados, com receio de serem os próximos. Eu sabia da resposta, mas não me senti à vontade para responder.

—   Alguém sabe?  Alguém?  —  Ele suspirou decepcionado.  —  Propriedade é o estudo dos compostos orgânicos...

               Eu me desliguei de tudo e prestei atenção só na aula e nas matérias que estavam se acumulando. Tivemos cinco aulas, um intervalo de uma hora e meia onde podíamos.  tomar banho e almoçar, tudo no 3º Piso e a tarde, laboratório de redação. Duas aulas e simulado do Enem. Para finalizar, duas aulas no final do dia.

No final do dia juntei tudo na mochila que a cada ano pesava mais. Guardei a maioria dos livros no armário e fiquei só com o de química e matemática. Eu e Rosely ficamos na portaria do Colégio esperando o rapaz que minha mãe havia contratado para ser meu segurança e outro para ficar com meus irmãos menores.

                  Se antes eu não saia só para evitar assédio, agora além do assédio ainda tinha o louco do homem que um dia eu chamei de pai. Por causa dele, eu e todos os menores tivemos que trocar o número do celular e só andávamos com segurança. Tinham três fazendo rodízio, todos com posse de arma e conhecedores de artes marciais. Minha mãe disse para mim que eles eram ex-veterano da aeronáutica, só assim ela se sentia segura sabendo que ele não podia chegar perto de mim.

                Quando minha mãe saia, também um segurança a acompanhava distante para evitar surpresas. Um carro chegou bem em frente à saída do colégio. Eu e Rosely corremos e entramos no carro sem olhar para trás, sem ver que uma pessoa acompanhava com os olhos todos os nossos passos.

 

Fim do capítulo