Capitulo 43: Rodolfo
A última coisa com que Rodolfo se preocupava era em levar uma multa. Seguia pela rodovia a toda velocidade, o ódio guiando-o pelo trajeto até a casa de Érika. Ignorava os sinais vermelhos, os buracos na pista e demais obstáculos que pudessem atrasar o que estava decidido a fazer. No meio do caminho, porém, teve que redobrar os cuidados ao passar por uma fiscalização rodoviária. Duvidava muito que seria parado, mas resolveu não tentar a sorte, escondeu rapidamente o revólver por baixo do banco do passageiro. O carro, entretanto, realmente seguiu viagem sem ser incomodado pelos policiais, que estavam ocupados demais interrogando o dono de uma velha pampa caída aos pedaços.
Em virtude da alta velocidade com que conduzira o veículo, Rodolfo chegou ao seu destino antes do horário que ele mesmo previra. Resolveu se certificar de uma coisa antes de prosseguir com sua ideia. Não houve demora do outro lado da linha:
- Pai? Eu já ia ligar, mas fiquei com medo de te acordar ou algo do tipo.
- Sua mãe não te contou da minha alta? Por que não foi com ela ao hospital?
- Eu... não dormi em casa...
- E onde dormiu?
- Na casa de uma amiga. Você está bem? Posso ir visitá-lo mais tarde.
- A Audrey?
- Não, outra amiga, você não conhece. E aí, posso ir?
- Hoje não, bebê, deixe para amanhã. Estou realmente muito cansado.
- Tudo bem, amanhã de manhã irei. Ah, pai, sobre aquele assunto que conversamos outro dia, amanhã podemos falar mais sobre?
- Claro, amanhã, sem dúvidas. Mal posso esperar. Te espero.
Catarina continuava na casa de Érika, reunindo forças para seguir seu coração ao lado da amada, certa de que aquela conversa com o pai seria decisiva para ambos. Diria que não se afastaria mais dele, mas também que não poderia fazer o que ele estava pedindo. E iria se restringir a isso, sem dar maiores satisfações da própria vida que pudessem fazê-lo desabar. O que Cate não sabia era que, naquele mesmo instante, na esquina, Rodolfo polia o revólver calibre 22 com a flanela que antes o envolvia, matutando os meses anteriores, os últimos passos que havia dado, sem obter o sucesso esperado.
Enquanto colocava as balas no tambor, lembrava de Marta Ramos, a principal administradora de uma das melhores redes de plano de saúde do país, que ele conhecia dos jantares de caridade que tantas vezes participara com Débora e outros figurões da capital. Mulher com quem ele mantinha um relacionamento casual pautado unicamente em sex*, sempre que sentia entediado de Débora e dispensado por Érika. Foi muito fácil para ele, portanto, pedir favores à Marta, em nome da "amizade" de anos que nutriam. A magnata tampouco estava interessada em fazer perguntas, desde que Rodolfo continuasse o que estavam fazendo. O homem recordava a conversa que tiveram na banheira de hidromassagem de um motel, meses antes daquele dia:
- Acha que consegue mandar sua equipe fazer essa mudança só pra ela?
- Pra uma cliente só é mais complicado, vamos ter que incluir outros para não levantar muitas suspeitas. Mas ainda assim conseguiremos manter os conformes das cláusulas contratuais, já que ela e seus dependentes são clientes com menos de dois anos de adesão.
- Ainda esta semana?
- Minha equipe consegue fazer essa mudança amanhã mesmo se eu mandar.
- E não vai me perguntar por que deixei a caridade de lado?
- Não me importo, mas imagino que sua ninfeta tenha lhe dado mais trabalho do que o esperado.
- Ela só precisa aprender que, ou paga o valor real das coisas ou valoriza o homem que tem, estou errado?
- Está falando muito, quero sua boca trabalhando em outro lugar agora.
- Como quiser, madame. Está merecendo uma caprichada!
De volta ao presente, o inconformado Rodolfo molhava o banco de couro da C300 com suas lágrimas de rancor. De nada adiantara seus planos sujos, friamente arquitetados e desprovidos de qualquer empatia. Érika não havia cedido, não retornara aos seus braços como ele previa e dava como certo. Agora, um fator a mais terminava de lhe tirar o escrúpulo, transformando o ego ferido em desejo de matar. E lá estava sua vítima, depois de horas em que ele remoía o fracasso, pronta para o cruel abate. Segurou o soluço, verificando novamente seu visual no espelhinho da frente. Estava pronto:
- Esse circo vai embora da cidade hoje, sua puta! Putinha desgraçada! Pensa que é a única do mundo?! Pensa que pode esfregar a bocet* em quem bem entender? Não, não, não, não, não...
Sentindo um inesperado arrepio na espinha, Érika levou as mãos à nuca antes de abrir a porta. Como uma cobra, Rodolfo espreitou-a, dando o bote antes que ela pudesse ter uma reação defensiva. Ela se assustou com o toque em seu ombro:
- Boa tarde...
- Ro... Rodolfo... O que você quer?
- Quero conversar, será que a futura psicóloga pode me dar a honra?
- Érika? Quem está aí com voc... Pai?! - Catarina ouviu o barulho da porta semiaberta e perguntou, se aproximando e vendo os sapatos de Rodolfo pela fresta.
- Ora, veja quem também está aqui, Cate, meu bebê! - A certeza da presença de Catarina no lugar alterou a voz de Rodolfo, que voltara a chorar instantaneamente.
- Rodolfo, entre, vamos conversar apropriadamente... - Érika notou as lágrimas e o nervosismo crescente do homem.
- Pai, calma, senta e...
- Claro, claro, claro, claro... resolver as coisas no meio da rua né? Que falta de educação seria, e se tem uma coisa que minha Érika não é, é mal educada...
Entraram, Érika trancou a porta e guardou a chave no bolso do uniforme, como o costume mandava. Catarina apontou o sofá para que o pai sentasse, mas ele preferiu ficar de pé.
- Quer beber alguma coisa? Vou buscar algo para nós. - A gerente preferiu ignorar o sarcasmo dele.
- Água, mas peça para Cate ir. Essa garota precisa fazer algo de vez em quando, nós a mimamos muito... eu e Débora...
Érika estava prestes a perder a paciência, mas se segurou ao ver como Catarina estava aflita com a situação, a ponto de ir até a cozinha buscar o que foi solicitado sem maiores protestos. Rodolfo caminhou até a estante da sala, de onde retirou um porta-retrato e se pôs a acariciar uma foto de Érika na praia. O gesto a perturbou. Ele percebeu:
- Têm sido dias difíceis, sabe? Dias não, meses muito difíceis... ficou sabendo o que aconteceu? Que pergunta, claro, minha filha deve ter te contado tudo.
- Sim, estou sabendo...
- Minha filha... Vocês têm se dado bem, não é?
- Nunca te escondi o fato de que queria tê-la por perto.
- "Tê-la por perto" ... perto até demais...
- O que você está tentando diz...
- Shhh... - Rodolfo levou o dedo indicador aos lábios, segurando o porta-retrato com a outra mão. - Não precisa se fazer de desentendida, eu sei. Está tudo bem, tudo se acaba hoje.
- Seja... seja mais claro...
- Tudo, absolutamente tudo, termina hoje, acaba agora! - Sacou a arma, derrubando o porta-retrato no chão, quebrando o vidro em vários cacos.
Érika arregalou os olhos, amedrontada e surpresa. Levantou a palma das mãos em um gesto apaziguador:
- Calma, calma Rodolfo...
Catarina correu de volta à sala tão logo ouviu o som de algo estilhaçando. Ao vê-la, o desespero de Érika aumentou:
- Fica aí, Cate, não vem!
- É, Cate, não se meta! A minha conversa com você é depois! Depois que eu ver essa vagabunda morta!
- Érika! Pai, calma! Larga essa arma, larga essa arma, por favor!
- Eu fiz tudo por você, vadia! Pelas duas! - O homem berrava, num pranto copioso. - É assim que me paga?! Comendo a Catarina pelas minhas costas?! Puta, ordinária! Vagabunda, vagabunda, vagabunda!
- Por favor, Rodolfo, abaixe a arma, vamos conversar... - Érika também chorava, nervosa.
- Agora você quer conversar? Hipócrita! Hipócritas! As duas me condenaram pelo adultério! As duas! Você, Érika! Você desgraçou as nossas vidas! Maldito o dia em que te conheci, maldita a hora em que te falei da minha família! Você vai pagar, vai pagar no inferno!
- Deixe ao menos a Cate de fora! Deixe-a ir, por favor!
- Não! Aqui quem dá as cartas agora sou eu e ela tem que ver isso pra aprender! Pra aprender a não ser mimada e obedecer ao papai e à mamãe! Pra aprender a não sair trepando com as namoradas do papai!
- Rodolfo, fazer isso não vai te...
- Cala a boca!!! CALA A BOCA!!! - Ele apontou a arma para o peito de Érika. - Já chega!
- Não, por favor, não....
- Agora tudo acaba! - Disse Rodolfo, fechando os olhos e disparando.
- Não!!! - Alguém gritou por último, mas o estampido do tiro foi mais alto. Logo, o sangue escorreu pelo modesto tape da sala de estar dos Gonçalves e sujou os caríssimos mocassins do atirador. Ele enfim largou o revólver no chão e berrou de forma mais estridente que antes:
- Aaaaaaaaah! Meu Deus, o que eu fiz? O que eu fiz?
O sangue se misturou aos cacos de vidro do item quebrado, tornando a cena trágica e bagunçada. Lágrimas, gritos, suor e sangue haviam se tornado uma coisa só.
Fim do capítulo
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Alci
Em: 23/02/2021
Aaaaaaaaah! Meu Deus, o que eu fiz? O que eu fiz?
Eu penso que todo autor é Deus da sua criação. Então Deusa de Rodolfo e Cia responda-o. Embora eu saiba sua resposta: "meus desígnios Rodolfo".
História top autora! .
Domingo estava com uma angústia e resolvi ler um pouco para disaluviar,e eis que hoje com esse começo do fim duplico a aflição e somo uma ansiedade.
O que me trouxe aqui foi a sinopse. Ela não é óbvia,como aquelas que já determinam o casal e garantem o felizes para sempre. A sinopse garantia que teria paixão determinando ritmo .Que a personagem daria seu máximo. Mas o que é o máximo de um ser em formação?
Realmente ,digo,ficticiamente o personagem Érica merece a honra de ser um anjo autora. E a personagem Catarina , que viverá até noventa e oito anos, passará 80 anos lembrando da cena.
Aaaaah! Meu Deus, o que c fez? Q que c fez?
Valeu!
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Cma24
Em: 23/02/2021
Prezada Autora,
Fica notificada sobre as mortes ficcionais e as taquicardias reais causadas nas leitoras rs
Eu não queria que a história acabasse, mas se acabar logo evitará mais danos colaterais à minha saúde hehe
Brincadeiras à parte, achei legal que a história trouxe essas questões de violência, ciúmes e machismo. Além da masculinidade frágil do Rodolfo, né? Infelizmente, sabemos que não é só coisa de livros ou filmes.
Sigo na torcida pela vida longa às protagonistas, e que o Rodolfo seja responsabilizado por suas ações.
Qdo sai o próximo capítulo?
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