Capítulo 3

Dias atuais

Terminei as aulas, e me levanto com uma certa dificuldade, meu tornozelo ainda incomoda. Vou até a cozinha atrás de comida e nada, a bandida nem pra fazer um jantar. Preparo um lanche e como por ali mesmo, olho para a pia e está cheia de pratos, talheres e xícaras e tenho vontade de largar tudo e ir deitar, mas só de pensar na gritaria pela manhã desisto.

Cozinha limpa, vou para o quarto e do corredor escuto o ronco alto de Cris, dou um suspiro, entro e pego meu pijama, vou ao banheiro, escovo os dentes e volto para sala, estou sem sono. Tento ler um livro, mas não consigo, as palavras de Flavinha ficam martelando na minha cabeça.

Olho para o celular e fico esperando que milagrosamente uma mensagem apareça... Nada...Pego o aparelho, abro a galeria e fixo meu olhar na foto de Helena, seu sorriso de Monalisa, seu charme me encanta...Há um semana mandei uma mensagem e até hoje não respondeu, fico tentada a mandar outra ou até mesmo ligar, mas desisto, lembro do que Silvinha me disse.

“Essa sua história com a Helena é tão esquisita, mal resolvida... Dá um jeito nisso, sua vida tá uma zona!”

Silvinha tem razão, minha história com a Helena é mal resolvida, platônica, preciso dar um jeito, mas não sei como, estou perdida, minha vida está estagnada.

Me assusto com o celular tocando, deixo cair no chão, pego o aparelho trêmula e quando olho no visor é meu pai.

- Oi pai.

Meu pai percebendo meu desânimo pergunta:

- O que foi filha, está tudo bem?

- Está sim, só cansada.

- Cansada? Te conheço bem Maria Eduarda, o que a outra aprontou?.

Meu pai também não fazia parte do fã clube da Cris.

- Nada não, é cansaço mesmo, ficar em casa de repouso é chato.

Há alguns meses durante um treinamento lesionei meu tornozelo esquerdo, precisando de cirurgia, com isso fui afastada do trabalho na polícia e apenas continuei com as aulas de direito penal da faculdade de forma online.

- Não vou insistir, só liguei para avisar que resolvi sua questão dos impostos e sua restituição sai em 15 dias.

- Ai pai, obrigada!

Há semanas vinha brigando com meu contador, pois ele fez lançamentos errados e com isso precisei ir algumas vezes na receita federal. Felizmente a namorada da Flavinha e meu pai conseguiram resolver.

- Dessa vez use esse dinheiro com juízo. Advertiu meu pai seriamente, ele se referia a um dinheiro que recebi após a morte de minha avó e dei para Cris dar entrada em um apartamento, que posteriormente ela deu para o filho problemático.

 - Pode deixar.

- Quando você vem nos visitar?.

- Ah não sei, mas quero ir em breve.

- Só acredito quando te ver saindo no aeroporto.

- Exagerado!

- Que exagero nada! Quantas vezes você marcou e cancelou as viagens?

- Mas era por causa do trabalho...

- Uma única vez, o resto foi por causa da sua esposa.

Fiquei em silêncio, mais uma verdade mostrada, mais um tapa na cara.

- Duda desculpe, não quis ser grosseiro...

- Tudo bem pai, não tem problema.

- Filha o que aconteceu com você? Não reconheço mais aquela menina alegre, bem humorada.

Suspirei, solucei e engoli o choro.

- Ela está aqui pai...

Ficamos os dois em silêncio, até que ele desistiu e desligou, voltei para o sofá, olhei novamente para a foto de Helena, fiz um carinho em seu rosto e deitei na esperança que de pelo menos um boa noite, mas ele não veio, só me resta tentar e dormir.

Olho para o relógio e marca 01:34.... Solidão.

 - Duda! Acorda Duda!.

Acordo com Cris me puxando, abro os olhos e a vejo com os olhos vermelhos.

- Ei  que houve? Pergunto ao me  levantar preocupada.

- Felipe está preso!

Nem me espanto com a informação, Felipe é o filho caçula de trinta anos, que já se envolveu em todo tipo de encrenca, da última vez foi preso por agredir a ex namorada.

- O que foi dessa vez? Pergunto bocejando e voltando a deitar.

Cris anda em círculos pela sala, ela aperta as têmporas e responde:

- Ontem a noite, ele encontrou a Karen na rua e eles discutiram.

- Só isso? - Pergunto desconfiada, pois esse cara nunca prestou, além de preso por agressão, ele tem passagem por tráfico e furto.

Cris me olha magoada, até sinto pena, ela é mãe, mas como disse, Felipe nunca prestou, o conheço há dez anos e ele está sempre encrencado.

- Me ajuda Duda, por favor.

- Como Cris?

- Ele precisa de um advogado.

- Ué pede pra ele chamar o dele ou contrata outro.

Cris vem até mim, se ajoelha na minha frente e num gesto de carinho, segura minhas mãos.

- Ele não tem dinheiro, e eu consegui algumas restaurações, mas não recebi nada.

 Mais uma vez sou jogada no olho do furacão, olho para a cara de desespero da Cris e minha vontade é de ajudar, mas aí penso no nojento do filho dela e respondo:

- Ele pode pedir um na defensoria, são ótimos advogados...

- O que? Você bebeu? Esses advogados são todos estagiários...Não, meu filho precisa de um bom advogado.

- Não posso ajudar. - Respondo simplesmente.

Cris então tem um ataque de fúria, seus olhos parecem que vão saltar das órbitas, ela pega um vaso da mesinha da sala e arremessa no chão, chuta a poltrona e começa a gritar:

- Sabia! Sabia que não podia contar com você! Não sei por que ainda perco meu tempo, pedindo ajuda.

Não me dou o trabalho de responder, continuo no mesmo lugar, enquanto Cris continua suas lamentações e choro. Suspiro cansada e me levanto, percebi que não vou mais conseguir dormir. Olho para o relógio e passa das cinco horas, vou até a cozinha preparar o café, enquanto ouço Cris falando com a filha, pedindo ajuda. Me desligo do mundo.

Minutos depois, estou sentada tomando meu café e mexendo no celular, quando Cris entra feito um furacão, não tenho tempo de reagir e ela sai me puxando pelo braço.

- Ei para! Onde vamos? Pergunto sendo arrastada e mancando.

- Você vai comigo pra delegacia, Felipe precisa de nós.

- Eu não vou a lugar nenhum, ficou maluca? Paro e a encaro séria.

- Você tem que ajudar, por favor. Seu tom de voz é manso, penso em recuar, mas sei que preciso ser firme.

- Vai na defensoria, lá eles podem arrumar um bom advogado.

Cris me olha surpresa, pois não está acostumada a ser contrariada, ela balança a cabeça e vai em direção ao quarto buscar sua bolsa, na volta me encontra na sala, deitada novamente e diz:

- Quando voltar, vamos conversar.

Seu tom embora sério é neutro, mas sinto uma leve ameaça, dou de ombros e volto a deitar, olho mais uma vez para o celular na esperança de ter alguma mensagem, mas não tem nada. Sinto um desconforto no tornozelo, olho e percebo um leve inchaço, vou até a cozinha, pego gelo e faço uma compressa. Deito novamente e o sono vem com facilidade.

Acordo com o barulho da porta batendo, é Cris que está de volta, aparentemente mais calma. Sento e fico observando ela ao telefone, conversando com a filha.

- A delegada não quis soltar o menino!.

“Menino?” Pensei, o cara tem mais trinta anos!. Balanço a cabeça e continuo a prestar atenção nos movimentos dela.

Fim do capítulo