Capítulo 2

10 anos atrás

Depois de uma noite intensa, acordo com beijos por todo o corpo, me recuso a abrir os olhos, mas a voz suave de Cris me chama carinhosamente:

- Acorda Duda, você tem trabalho logo cedo!

- Eu sei Cris, espera mais um pouco. Respondo sonolenta e puxando os cobertores volto a dormir.

- Não!. Está tarde!

Cris levanta e volto a dormir, logo depois sinto o suave cheiro do perfume floral se espalhando pelo quarto e abro os olhos, minha mulher está impecavelmente vestida, finaliza sua maquiagem e me olhando através do espelho, pergunta:

- Quer uma carona?

- Quero sim, hoje o dia vai ser cheio, tenho um monte de coisas para analisar.

- Então levanta e toma banho, vou fazer um café rapidinho.

Levanto e completamente nua, me encaminho até ela e enlaço seu pescoço.

- Bom dia meu amor! Beijo carinhosamente aqueles lábios carnudos...  Me sinto feliz.

- Bom dia! Agora vai pro banho, não posso chegar atrasada na galeria. Cris diz e me empurra delicadamente até o banheiro.

Tento puxá-la para vir comigo, mas ela é mais rápida e sai correndo. Entro no box e deixo água cair, sinto uma ardência nas costas e olho no espelho algumas marcas de unhas. Mordo meus lábios e lembro da noite pra lá de quente que tivemos, Cris estava insaciável.

Meus pensamentos são interrompidos por Cris, me chamando para o café. Saio do banheiro secando os cabelos e já encontro minhas roupas separadas, calça preta, camisa social branca e botas. Coloco o distintivo e sigo para a cozinha.

- Alguém estava animada ontem. Comento enquanto me sirvo de café e uma torrada.

Cris fica vermelha, dá um sorriso, mas nada responde, olha para o celular e diz:

- Vamos logo, hoje tenho uma reunião importante.

Minha esposa trabalha numa importante galeria de artes e está tentando trazer uma exposição que já rodou o mundo para galeria.

Termino o café, pego minha mochila e sigo com Cris, durante o trajeto conversamos amenidades, fazemos planos para o fim-de-semana que se aproxima.

Desço em frente ao prédio da Polícia Civil e sigo para minha sala, começo a analisar algumas provas e fazer relatórios.

- E aí Duda tudo bem?

Levanto os olhos e vejo Lara impecavelmente vestida na porta.

- Tudo sim.

Lara é formada em química assim como eu, mas trabalha na inteligência da polícia e além de tudo é uma perdição de linda.

- O que vai fazer hoje à noite?.

- Hã?. Como assim? Me faço de desentendida.

- Você entendeu, vai fazer o que? Tá afim de ver uma palestra da Ana Alencar?.

Ana Alencar, a mestra das mestras, a expert em cenas de crimes, tenho todos os livros dela.

- Ah não sei...

- Qual é Duda? É sua ídola que eu sei! Consegui os lugares com muito esforço.

Olho pra Lara e volto a atenção para o relatório que estou digitando.

- Duda presta atenção, todo mundo sabe que você é um prodígio e tem tudo para ser uma das melhores peritas da civil, mas você precisa sair dessa bolha que vive.

- Que bolha Lara? - Tento desconversar.

- Essa vida de trabalho e casa ...Você precisa viver, sair, ver gente.

- Também não é assim...

- Claro que é!. Quantas vezes te chamei sair e você recusou?

- Não dava né? A faculdade me consumia demais e depois tinha o estágio.

- Mas agora a faculdade acabou minha querida.

- Eu sei, mas tenho a Cris, ela não se sente bem nesses ambientes.

Lara deu uma risada e respondeu de forma irônica:

- E você gosta de frequentar vernissages com um monte de gente com o dobro da sua idade, falando de arte sem parar?

- Eu gosto. -  Respondo sem convicção.

- Você não percebe, mas faz isso pela Cris, vai em várias exposições e faz os programas que ela quer, mas e você?.

- O que tem eu? - Tentava ganhar tempo e pensar numa resposta.

- Você só tem vinte e dois anos, acabou de se formar, tem uma vida pela frente e deixa de aproveitar para viver com uma mulher de quarenta e dois anos, que pensa em arte vinte e quatro horas por dia.

- Que exagero! Ontem saímos para jantar...

- Depois de meses de insistência.

Fiquei em silencio, Lara tinha razão, há meses queria jantar fora, mas Cris está sempre cansada, ontem estranhei quando ela ligou avisando que íamos jantar para comemorar uma possível nova exposição.

- Lembra quando você me disse, que seu sonho era fazer direito na São Francisco?

Lara perguntou me tirando dos meus devaneios.

- Claro que sim! Vou fazer. - Respondi com firmeza.

- E está esperando o que? Já fez a inscrição?

- Ainda não falei com a Cris....

- O que? Vai pedir autorização é isso mesmo? Perguntou indignada.

- Não! Só vou avisá-la. - Respondi sem olhar para Lara - no fundo estava protelando esse assunto com a Cris, pois ela era veemente contra continuar estudando, na opinião dela, a minha profissão não exigia uma nova faculdade.

- Tudo bem Dudinha, vou deixar você trabalhar, mas não enterre seus sonhos.

Lara saiu me deixando com a cabeça à mil, tentei focar ao máximo no trabalho, mas não dava, pensava em tudo o que a Lara tinha me dito, pensava nas muitas coisas que deixei de fazer por causa da Cris, como festas, baladas, churrascos e viagens como os amigos.

Cris achava meus amigos chatos e barulhentos e segundo ela, eram uns bêbados, tentei fazê-la mudar de ideia algumas vezes, como na vez que a levei ao aniversário da Silvinha num sítio em Itatiba, Cris foi o caminho todo reclamando, pois achou longe e tinha trânsito.

Quando chegamos ao local, Silvinha veio correndo me abraçar toda feliz, notei que na hora Cris fechou a cara, mas Silvinha fofa como sempre, fingiu que não percebeu e abraçou minha namorada carinhosamente.

Durante o dia todo, Cris se manteve longe de tudo e de todos, reclamou do calor, da comida, do barulho, da música e até dos insetos. Tentei me divertir, mas a cada brincadeira o bico aumentava, o auge foi quando Ricardo, namorado da Silvinha me pegou no colo e jogou na piscina, vi de canto de olho Cris marchando em direção ao carro, saí correndo atrás dela toda molhada e descalça.

- Ei o que foi? - Perguntei puxando seu braço.

- Me solta Maria Eduarda, você está me molhando! - Seu tom era baixo e seco.

- Desculpa. - Disse largando o braço dela e baixando a cabeça.

- Vamos embora! Essa festa já cansou e está tarde. Seu tom seco e imperativo, não deixava margens para argumentar, mesmo assim tentei de forma carinhosa:

- Não, é cedo ainda, vamos ficar mais um pouco!

Cris entrou carro, me olhou mais uma vez, deu partida e foi embora, isso mesmo, foi embora dirigindo o meu carro e me largando ali completamente perdida. Nesse dia tivemos nossa primeira grande briga e ali conheci a verdadeira Cris.

Fim do capítulo