Espero reclamações, opiniões e lágrimas no instagram e nos comentários. Estou ficando apegada à vocês e à essa história. @veherzautora
Capitulo XIX - Água salgada é o que cura
Mafê - Grumari - Hoje em dia
Estava quente, eu sentia o sol bater no corpo mas, no início de junho, o vento é gelado e até mesmo o sol não é capaz de esquentar quando a gente está gelado por dentro. Deitei na areia sentindo o corpo tremer e doer. Doía os ossos, doía o coração e, o principal, meu minha cabeça parecia não desligar nunca.
Pensamentos em magoar Carol, em ter cedido à pressão psicológica de Isabella, ter fugido da terapia nos últimos meses por achar que estava bem e, principalmente, ter criado uma bolha perfeita com Carol e achado que estava tudo bem com a vida. Os pensamentos eram loopings, o medo de morrer ali, sozinha, no sol por qualquer motivo que me mexesse.
Estava ofegante, sentia ondas de calor em meio a calafrios, o coração parecia explodir e acalmar, como se eu tivesse feito uma sessão enorme de musculação ou se tivesse corrido uma maratona. O corpo não parecia relaxar nunca e, quando fazia, tudo começava de novo. Os músculos tensionavam até que vi o sol se pôr. E ouvi uma voz distante, talvez fosse mesmo a hora de abraçar e aceitar a morte. Ela tinha a voz de Carol, quem sabe não seria tão ruim assim.
Carol - Grumari - Hoje em dia
O sol estava se pondo quando reconheci o E-pace branco. Não lembro do que fiz direito, mas larguei o carro de qualquer jeito e corri em direção ao mar que fazia uma espécie paredão em proporções muito menores entre a água e a areia. Subi de volta à areia em busca dela, meu coração apertava, girei e não a encontrei. A praia deserta, escurecendo, corri até ver uma espécie de montinho e agarrei seu corpo molenga. Em princípio, ela estava molhada, completamente apagada e eu gritei, com toda dor que havia em mim. Molhada, gelada. Em desespero, bati em seu rosto chamando seu nome. Pensei estar com água nos pulmões, então fiz respiração boca a boca desesperada até ver que Maria Fernanda respirava, só estava desmaiada. Mas não sabia o porquê.
Sacudi seu corpo meio molenga até que ela piscou, balbuciou estar com sono e começou a chorar pedindo desculpas. Passei a mão em seu rosto ajeitando o cabelo e chorando enquanto puxava seu corpo para mim, acalentando-a em mim.
- Mafê, fala comigo pelo amor de Deus - Batia em seu rosto pedindo que abrisse os olhos. Peguei meu celular de maneira desajeitada e disquei para Danielle esperando que atendesse logo.
“Achou?”
- Sim, no Grumari não falando nada com nada e parece estar desacordada.
“Consegue colocar ela no carro? Posso mandar Felipe para aí mas é melhor se você trouxer ela logo para cá. Pode ser que seja uma descarga de adrenalina ou ela pode ter usado remédios e precisamos levá-la até o hospital para uma lavagem estomacal. Pensando bem, melhor levar ela para o hospital direto”
- Vou dar um jeito de levar ela para o hospital agora. Encontro vocês lá. No perto da casa dela, é o mais perto daqui.
Ao desligar, a segurei pela cintura e passei suas mãos em meus ombros. A carreguei meio arrastada e coloquei dentro do Porshe, tentando fazer com que falasse alguma coisa, que me contasse se havia usado algum remédio. Qualquer coisa. E a única coisa que ouvi foi “Você é um anjo, Carolina. Eu nunca amei tanto alguém, não me abandona”. E chorei, tudo o que estava engasgado em minha garganta. Chorei muito enquanto, por vezes, batia em seu rosto na tentativa de fazer com que ela recobrasse a consciência.
Entrei na emergência do hospital em tempo recorde e rapidamente a colocaram em uma maca e levaram para dentro. Eu, em estado de choque, fiquei parada na recepção após entregar seus documentos. Sentei estática por tanto tempo que parece não ter sido nada, mas parecia ter sido tudo. Felipe me sacudia pelos ombros, pedindo que voltasse à realidade.
- Carol, fala comigo - Mais sacudidas e estalos na frente do rosto. Pisquei e vi que estava acompanhado pela mãe e o irmão de Mafê, por Jenyffer e Danielle. Senti todo o corpo tremer e chorei, chorei muito. Chorei a ponto dele me segurar no colo e pedir que me dessem algum calmante.
- Achei que ela estava morta, Felipe. Encontrei com o corpo virado de lado, o rosto enfiado na areia. Eu não sabia se estava dormindo - soluços, engasgos, pânico - ou se estava morta. Foi quando ela balbuciou alguma coisa que não entendi e liguei para Dani.
- E o resto a gente já sabe, fica calma agora - Ele me abraçava, a mãe de Mafê me dava água enquanto Danielle já dava carteirada de médica para conversar com o responsável pelo atendimento.
- Felipe, ela disse que me ama. Como ela diz que me ama e faz isso?
- Calma, a gente só encontrou ela nesse estado de crise uma vez na vida - Era Jenyffer abaixando para ficar na minha altura - Ela sempre te amou, Carol. Mas vai custar mais para assumir isso sóbria - Sorriu de canto de boca para mim.
- Porque é extremamente orgulhosa - Eu ri balançando a cabeça de maneira negativa. A mãe dela passou a mão em meus cabelos e sorriu de maneira terna.
- Carolzinha, vocês sempre estiveram com esse destino entrelaçado de maneira complicada. As meninas me contaram que os últimos dias pareciam uma lua de mel - Eu concordei sorrindo em meio às lágrimas - Mas a realidade é essa. Maria Fernanda foi destruída por aquela falsa da Isabella e precisa desatar essas amarras que foram muito bem amarradas e se quiser ficar do lado dela, você não pode assumir essa dor - Ela falou passando a mão em meu rosto e secando minhas lágrimas - Porque o amor é paciente e partilha. Vocês precisam se partilhar em cura e esse processo envolve dor. Essa é a parte da dor. É a parte que você pode sair por aquela porta - apontou para a porta do hospital - sem que ninguém te julgue. Ou ficar ao lado dela e encarar que dias ruins existem e demoram a passar.
Depois de um sermão desses a gente fica até reflexiva. Abaixei a cabeça segurando com as duas mãos e pressionei as têmporas. Poderia deixá-la? Não, dessa vez não. Mas encarar essa obscuridade seria um pouco mais complicado que o normal. Exigiria mais de nós duas, como a conversa do hotel. Era uma merd* que tivéssemos nos encontrado, mas era uma merd* maior ainda amar alguém a tanto tempo e ser incapaz de tirar aquela dor que corrói a pessoa que amamos.
Danielle retornou informando que havia sido uma descarga de adrenalina, que Mafê estava sob controle de remédios para que seu corpo recuperasse a energia gasta. Disse que era comparável a fazer uma maratona de 42km sem parar para respirar e sugeriu que a deixassem em observação. A decisão unânime era a de que eu ficasse para que ela acordasse e soubesse que encarei aquilo tudo e não a abandonei.
Jane chegou com roupas para mim e para ela. Disse que pegou minha chave que Mafê esqueceu no quarto antes de fugir. Me ajudou e agradeceu por estar ali. Fernanda dormia serena, havia tomado banho dado pela equipe de enfermagem e estava linda, como ficou no dia em que precisei trabalhar até mais tarde e a fintei dormir por horas e horas. Ela tinha o hábito de contrair a testa algumas vezes, esboçar pequenos sorrisos e era a coisa mais linda. O local para visitas me impedia de tocá-la pela distância, então, após Jane sair, optei por puxar uma cadeira, entrelaçar nossos dedos e dormir com a cabeça apoiada em sua perna. Enfermeiras entraram algumas vezes e, por volta das 2h da manhã, um médico adentrou a sala e me chamou, informando que a esposa dela estava na recepção e queria subir e tinha os resultados dos exames toxicológicos e só poderia falar com ela ou com algum membro direto da família, fazendo com que eu me sentisse um verdadeiro lixo por ser apenas a namorada e, nesse cenário, ficar conhecida como amante. Já ligando para Jenyffer, que se materializou na recepção antes mesmo de eu chegar, encontrei Isabella visivelmente alterada. Notei que Jenyffer e Felipe chegaram juntos, mas ignorei a informação por não ser relevante. Eles conversaram por alguns momentos e eu me limitei a ficar sentada próxima à cantina, esperando autorização para segurar a mão imóvel de Fernanda. Ouvir sua respiração era o suficiente.
Jenyffer fez três ligações e, em meia hora, dois estagiários de Fernanda chegaram com liminares. Uma de restrição para Isabella e uma de autorização para que eu representasse sua família. Em um abraço, perguntou como eu estava enquanto tiravam Isabella do saguão e Felipe retornava coçando a nuca como se fosse arrancar um pedaço da pele.
- Tenho certeza que ela bebeu demais. Falou até que você enforcou ela.
- Mas eu fiz isso - Falei sem mudar meu tom de cansaço, vendo os dois arregalarem os olhos para mim - O quê? Valia o réu primário. Preciso que subam, parece que saiu o exame toxicológico e havia alguma coisa no resultado.
Me acompanharam até o andar em que o quarto de Fê ficava, os médicos estavam em volta comentando sobre medicações e sinais vitais, coisas que eu não entendia, até que Jenyffer resolveu intervir a pequena aula de anatomia em que o corpo da minha namorada era usado como modelo.
- Queridos, a aula acabou. Cadê o médico responsável? - Ela falou e uma mulher absurdamente bonita saiu do meio dos estagiários a olhando e me olhou.
- Carol? - Me olhou e sorriu largo.
- Allie? - Respondi abrindo os braços para recebê-la em um abraço.
- Como pode ficar tão mais bonita assim, vamos tomar um café qualquer hora - Felipe a interrompeu, pois eu estava meio em choque pelo fato de um ex caso meu estar nitidamente dando mole enquanto minha namorada estava sei lá em que dimensão planetária.
- Então, Allie - Felipe disse meio irônico - Como a namorada da Carol está?
- Sua namorada? - Concordei com a cabeça - Teve uma descarga de adrenalina tão forte que achamos inicialmente que ela estava usando cocaína ou algum tipo de estimulante. Mas pelo laudo toxicológico ela está limpa, apesar de ainda ter níveis muito altos de adrenalina, o que pode acarretar alguns tipos de delírio - Comentou olhando para mim e mordendo o lábio - Desculpa pelo convite, foi completamente fora do momento.
- Nossa, amada, fora do momento é pouco - Disse Jenyffer rindo para amenizar a situação.
- Então essa é a famosa Maria Fernanda? - Allie perguntou me olhando com aqueles imensos olhos verdes que cruzaram os meus em uma colônia de férias em São Paulo em um final de ano que eu e Mafê brigamos e pedi para ir para bem longe do Rio de Janeiro.
- A própria - Falei sorrindo e chegando perto da cama, afagando seus cabelos em meio a uns dez estagiários. Alguma notícia boa?
- Mais ou menos. Já falei a boa que é o fato dela não ter usado nenhum tipo de narcótico. Mas ela precisa de acompanhamento. Sabem o que desencadeou a crise? - Jenyffer a interrompeu com a mão levantada.
- Suspeitamos que tenha começado com um ataque de comentários maldosos nas redes sociais sobre ela estar namorando essa coisa linda chamada Carolina - Eu sorri para Jenyffer mas voltei rapidamente o olhar para Mafê, suspirando de alívio que não houvesse usado nada de entorpecente - A partir daí ela começou a receber ligações sucessivas de uma ex-namorada abusiva e acredito que isso tenha a levado à sensação de impotência e abandono. Descobrimos que ela estava fugindo da terapia há um tempo - A médica concordou.
- Bom, isso tudo virou uma grande bola de neve e ela explodiu. Esse é o resultado disso tudo o que vocês relataram - Ela apontou para Mafê - Vamos reduzir alguns remédios para que ela acorde, mas é possível que tenha algumas alucinações e desorientação. Talvez precise ficar aqui mais uns dias. Alguma objeção em relação a isso? - Jenyffer entregou a liminar que me colocava como representante familiar, assinada pela mãe de Mafê e pediu que adicionassem ao prontuário.
- Nenhuma, ela só precisa sair bem daqui - Falei fitando Carol e Allie segurou minha mão e sorriu, tentei dar a entender que era um total de zero interesse mas ela estava insistindo como insistiu na Colônia e Felipe deu um pigarro interrompendo ela e me permitindo soltar a mão rápido.
- Carolzinha, vou levar Jenyffer para casa e, qualquer coisa, você grita que eu apareço aqui, mas acredito que não haverá mais problemas - Ele olhou para Allie - Nenhum problema - Me abraçaram e saíram junto com todos os estagiários e eu me sentia em um episódio de Grey’s Anatomy com tanta gente no quarto. Allie fez questão de ficar.
- Desculpa por isso, são tantos anos que esperava nunca te ver, ainda mais com o amor de infância - Ela comentou com um sorriso meio sem graça.
- É, o destino nunca separou a gente oficialmente, acho que a gente precisava amadurecer para chegarmos onde estamos hoje. É foda ter a pessoa que você sempre sonhou estar e encontrar ela quebrada por dentro - Me sentei ao lado de Fernanda, imóvel, dormindo como um anjo - Mas não solto a mão de quem não soltaria a minha. Independente da quebra, a gente cola e as marcas são aprendizagem da vida.
- Me falaram que a esposa dela estava lá embaixo. Você não é amante não, né? - Ela disse rindo dessa vez.
- Muito a explicar. História para drama mexicano. Ela não quer assinar o divórcio há um ano - Revirei os olhos e olhei para Mafê - A gente está namorando oficialmente há sei lá, cinco dias.
- E a ex-atual-ex-esposa resolveu infernizar - Assenti - Acho que cheguei uma semana atrasada para te chamar para sair.
- Acho que qualquer pessoa chegaria atrasada em relação a ela - Allie me olhou e deu um sorriso torto.
- Enfim, espero que ela acorde bem. A confusão mental é bem normal, pode ser que ela lembre de umas coisas e outras não. Te sugiro embarcar nas viagens para ser menos pior - Levantei uma sobrancelha e questionei o que isso significava - Às vezes as pessoas não lembram de coisas tipo de uma semana, outras de anos, mas é temporário. Só estou falando que se ela acordar achando que tem dezesseis anos, é melhor você fingir que tem mesmo ou fala a verdade e vê como ela reage. De qualquer jeito, ela vai ter sessão de terapia diária, só não consigo te precisar o tempo de alta porque não sei como vai estar quando acordar - Ela chegou perto de mim e beijou minha bochecha - A gente se vê.
Voltei à posição de sentar ao seu lado e segurar sua mão. Não senti quando os olhos fecharam, talvez vencida pelo cansaço. Não sei quantas horas passaram até que a luz acendeu para que a enfermeira trocasse o acesso e fizesse a medicação. Questionei quanto tempo até ela acordasse e a senhora simpática disse que em uma ou duas horas. Exausta, apaguei de novo e senti sua mão apertar a minha algumas vezes. Pisquei fundo e a olhei, sorri com o sorriso mais largo do mundo por vê-la acordada. Por sua vez, Mafê me olhou confusa e arregalou os olhos.
- Carol, o que você está fazendo aqui? - Ela disse puxando minha mão para si e a beijando - Meu Deus, a Isabella te viu? Ela vai te matar por isso, você precisa sair daqui rápido. Aliás, onde eu estou? Como você entrou aqui?
Meu estômago afundou e revirou. Olhei em seus olhos com ternura e apoiei a mão em seu rosto.
- Meu anjo, qual a última coisa que você se lembra? - Perguntei e vi seus olhos fechando ao meu toque.
- De estar na praia, mas não lembro o porquê. Eu vou para a praia quando brigo com a Isabella - Ela disse olhando para os lados. Me inclinei para beijá-la mas acho que a assustei pois ela virou o rosto rápido - Você não pode me beijar, Carolinda, eu namoro - Tão linda, confusa e ainda assim, sendo completamente fiel aos princípios que sempre pregou.
- Você teve uma crise de pânico forte, Mafê - Ela me olhou confusa - Eu posso te contar tudo com calma, não precisa ficar olhando para os lados. A Isabella não vai aparecer, vocês se separaram há um tempo. Aos pouquinhos a gente vai conversando - Ela assentiu e afirmou estar com dor de cabeça e confusa.
- E você está aqui porque? Não que eu esteja reclamando - sorriu e levantou a mão em tom de rendição - E porque eu terminei com ela?
- Além dela ser uma vaca? Porque você me ama - Mafê sorriu meio torto e corou - Depois vamos falar disso com calma. Já chamei a equipe médica para verificarem você - Beijei sua testa e saí assim que a equipe de psicólogos chegou, me pedindo para sair e aproveitei para ligar para as pessoas avisando que ela havia acordado.
Do lado de fora do quarto, vi a psicóloga e o psiquiatra conversando com Mafê, que gesticulava e falava algumas coisas. Senti uma mão nas costas e vi Allie próxima de mim. Apoiei a cabeça em seu ombro e deixei algumas lágrimas caírem. Ela me abraçou pela cintura e beijou minha têmpora - Ela vai ficar bem - Sussurrou e eu senti os olhos de Mafê baterem em mim, queimando, doendo e a vi lacrimejar. Foi o suficiente para entender que estava perto demais e interrompi o contato com Allie de maneira brusca. Virei de frente para ela e a encarei.
- Porr*, você sabia que ela conseguia ver aqui fora. Eu te conheço, Alissa - Falei um pouco irritada.
- E ela tem problemas mentais e não te merece - Ela deu os ombros e tentou segurar minha mão. Balancei o braço desviando e a encarei.
- E quem é você para definir quem eu mereço? A gente ficou uma vez há, sei lá, mil anos - Eu gesticulava mais que o necessário, mas o olhar que Mafê lançou em mim estava doendo - Você se aproveitou de um momento de tristeza meu, isso é ridículo de baixo.
Fomos interrompidas pela psicóloga, que chamou pelo meu nome e interrompeu meu raciocínio e qualquer resposta que poderia vir dela. A médica me levou para a sala ao lado e explicou que Mafê estava com uma espécie de apagão temporário mesmo e que faria uso de mais alguns psicotrópicos para abaixar os níveis de cortisol no sangue. Agradeci e voltei ao quarto, cruzando com Alissa do lado de fora da sala. A encarei e falei de maneira que só ela pudesse ouvir.
- Espero que, a próxima vez que eu te vir, que seja só como médica. Toda amizade acabou aqui, você entendeu? - Falei firme recebendo um aceno de cabeça. Entrando no quarto, Mafê me olhou e revirou os olhos.
- Achei que você estava saindo comigo, mas acho que a doutorazinha ali chegou primeiro - O tom de ironia com uma pitada de acidez ardia a pele. Ela pigarreou quando sentei perto e completou - Você está rendendo Felipe ou minha mãe?
- Você está com ciúmes? - Questionei arqueando uma sobrancelha e cheguei perto da cama do hospital, sentindo um cheiro bom vindo de seu cabelo recém lavado.
- Você não tem nada comigo, que eu me lembre - Eu ri e peguei o celular para mandar mensagem para Felipe sacanear ela ao chegar. Resolvi ficar calada e não comentar nada. Maria Fernanda estava puta comigo e era engraçado ver os ciúmes mesmo sem lembrar que me namorava.
Nos dias seguintes, ela por horas lembrava de mim, por horas esquecia tudo, por horas delirava. No terceiro dia de internação, seu delírio foi nítido para mim, que sabia o que havia acontecido. Ela esticava os braços para o alto como se estivesse amarrada e se debatia gritando pedindo para parar, sem falar nada com nada, gritava por Isabella, pedia para parar e meu coração parecia se desfarelar. Me senti completamente impotente e gritei no corredor por ajuda. Injetaram algo que a acalmasse e, no quarto dia, ela parecia completamente dopada. Virava a cabeça falando meu nome, reclamava de Felipe, pedia pela mãe. As pessoas vinham visitá-la, perguntavam se eu queria trocar mas eu não queria sair de perto. Felipe mandou que eu tomasse banho, foi quando me toquei que não tomava banho desde o dia da internação.
- Carol, um banho. Eu vou ficar aqui com ela até você sair de lá - Ele falou preocupado. Assenti e corri para o chuveiro, senti a água bater na pele, nos ombros tensos e relaxei um pouco. Lavei os cabelos com agilidade e saí como se estivesse com dez quilos a menos em cada ombro. Felipe estava sentado em meu lugar e, ao me ver, sorriu - Ela perguntou onde você estava - Sentei na cama que servia para visitas e permanecia intocada - Há quanto tempo você está nesse modo automático?
- Desde que ela sumiu. Eu já li e reli nossa conversa mil vezes sem entender o que deixei passar. Me culpo por isso sabendo que não foi minha culpa - Falei chorando, deitando e deixando meu corpo se entregar à tristeza acumulada há dias - Porr*, Felipe, finalmente a gente está namorando, finalmente eu estava cem por cento feliz e o que caralh*s aconteceu? Ela teve uma crise de pânico. Eu não sei lidar com isso, estou lendo no Google - Falei chorando e soluçando - Ver a pessoa que eu gosto há anos completamente dopada há dias. Ela precisa de ajuda para tudo. Eu queria mesmo matar a Isabella, voltar no tempo, fazer qualquer coisa. Mas o que posso fazer é ajudar a juntar os cacos e ter esse montinho de caos que eu amo.
- Carol, a gente vai resolver juntos esse negócio da Isabella. Precisamos fortalecer a Mafê, física, mental e emocionalmente. Estou te pedindo isso porque sei que a barra que está pesada e você falou que passaria por isso - Assenti soluçando - Você ama Maria Fernanda desde que ela te tirou para dançar naquela festa junina - Sorri em meio ao choro. Ele segurava na mão de Mafê e me olhou - Eu sei que vocês deram um selinho naquele dia, sua trouxa - Esticou a mão em minha direção e dei minha mão à ele - Ei, vai ficar tudo bem - Assenti levantando e indo em direção à cama, ouvi Mafê balbuciando meu nome. Abaixei e beijei sua têmpora. Ela falou com nitidez.
- Estou com cheirinho de sono, mi amé? - Era a primeira vez que me chamava em catalão, a equipe já disse que ela estava começando a dar sinais de melhora, mas eu ainda não tinha visto algo palpável para mim. Concordei com a cabeça e beijei seus lábios - Estava com saudade do seu beijo, me desculpa por tudo isso - Felipe levantou e falou que ficaria do lado de fora pois estava enjoado da melação - Amor, eu não sei quantos dias estou aqui, não lembro de ter saído da sua casa, só lembro do cheiro de praia - Ela sorriu de canto - E do seu perfume - Chegou para o lado dando espaço para que eu deitasse. Fiz de imediato.
- Não precisa pedir desculpas. Só por ter mentido para mim que estava bem e que estava em tratamento com a psicóloga - Passei a mão em seu rosto - Porr*, Maria Fernanda, achei que tinha te perdido.
- Eu também achei que tinha me perdido, talvez tenha perdido mesmo, mas tive você para me resgatar de mim mesma. Você ainda quer namorar comigo mesmo sabendo que estou completamente instável mentalmente? - Ela perguntou me olhando com aqueles olhos pretos.
- Se você escovar os dentes, sim. Com esse bafo de morte eu não quero não - Ela riu e me abraçou - Nunca vou cansar de você, a gente ficou tanto tempo se esperando.
- Meu anjo, vou ficar bafuda para sempre. Mas prometo que vou me tratar e vou te pedir muita paciência com esse processo - Ela disse mordendo um sorriso - Me falaram que é longo e, assim que possível, vou resolver o problema da Isabella.
- Eu bati nela - Soltei e Mafê se afastou de mim com os olhos arregalados - O quê? Eu precisava saber onde você estava e ela te ligou cinquenta vezes.
- Eu não lembro disso, mas você deveria estar furiosa. Nunca vi você bater em ninguém - Ela me apertava contra si e Allie entrou na sala. Com a boca no meu ouvido, Fernanda sussurrou - Mas lembro vagamente que essa vaca estava com as mãos em você - Virou para Allie e deu um sorriso - Oi! Desculpa minha namorada ficar aqui, mas eu finalmente acordei me sentindo melhor e com algumas memórias.
- Ela só não pode prender o seu soro - Falou em um sorriso seco - Estamos reduzindo seus remédios venosos e, talvez, amanhã você tenha alta, mas vamos precisar conversar sobre seu processo de acompanhamento psicológico - Fernanda levantou a mão e pediu a palavra.
- Eu queria saber uma coisa importante
- Pode falar - Allie disse analisando a ficha.
- Se você fez doutorado e se pretendia continuar dando em cima da minha namorada enquanto eu estava dopada - A repreendi com o olhar e fui ignorada completamente. A pessoa completamente sem filtro.
- Não fiz doutorado - Fernanda a interrompeu de novo.
- Então seu jaleco está com bordado errado. E sobre minha namorada não precisa responder - Allie olhou para o jaleco e voltou a olhar a ficha com o rosto vermelho. Interrompi para tentar quebrar o clima.
- Sobre sessões. Semanais ou tem outra frequência? E de psiquiatria? - Perguntei a olhando.
- Sua equipe solicitou duas vezes por semana, inicialmente para a psicologia e uma vez a cada quinze dias para a parte psiquiátrica. Amanhã nos falamos, espero que melhore, Maria Fernanda.
- Obrigada pela gentileza, Alissa.
Levantei, me sentando na cama e a olhando firme - Precisava disso, Mafê? - Ela apoiou a mão em minha cintura e me puxou para deitar de novo.
- De onde esse curupira saiu?
- Fernanda!
- O quê? - Ela disse rindo.
- Acho que está na hora de você tomar um remédio - Mafê segurou meu queixo e sorriu baforando no meu rosto.
- Vou baforar fedorento na sua cara até você me falar quem é essa - comecei a rir e desisti de tentar.
- Lembra que brigamos por celular uma vez e eu fui para uma colônia de férias em São Paulo?
- Aquele negócio de lago sei lá o quê? - Ela disse levantando a sobrancelha tentando lembrar.
- Isso. Nós ficamos naquela época e perdemos contato. A encontrei aqui no hospital como sua médica e ela me convidou para um café. Eu neguei e ela tentou dar em cima de mim, mas achei que não lembraria disso - comentei virando o rosto para desviar do mau hálito que ela assoprava em minha direção.
Levantei da cama esperei a enfermeira chegar para fazer a troca de soro, levá-la para tomar banho e fazer sua sessão de higiene. Acrescentamos à rotina um passeio pelo corredor para exercitar as pernas de Mafê e o fato de dividirmos a cama à noite. Nessa noite em específico, ela teve uma crise de sonambulismo que gritava estar se afogando, pedindo que soltasse sua cabeça. Precisei sentar em cima dela e sacudi-la pelos ombros até que acordasse. Essa crise nos rendeu mais três noites no hospital.
Fim do capítulo
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