Quatro anos atrás...    

.

        Vanessa entrou no quarto e viu que suas roupas estavam jogadas dentro do guarda roupas, respirou fundo e pensou em todo trabalho que sua mãe tivera para passar tudo com tanto carinho, em seguida respirou fundo e foi até o quarto de Léo que fingiu não escutar as batidas na porta audíveis até para quem estava com fone de ouvido, cansada de esperar, Vanessa colocou o pescoço para dentro e pediu licença.

- Poxa Léo, tira um pouco o fone do ouvido para me escutar...olha, eu sei que foi você, porque a mamãe falou que tinha guardado a roupa, custava por em cima da cama direitinho?, eu nunca faço essas coisas quando é a minha vez de guardar.

        Léo fingiu não escutar, levantou da cama espreguiçando o corpo, indo até a mesinha de estudo, buscando uma caixinha de madeira enquanto arrumava o cigarrinho de maconha.

- Você agora está usando isso?. Léo, se nossos pais sonham vai ser uma decepção grande, você sabe que a família paterna tem histórico de vício...

- Para hein Vanessa, aliás, não quer?, talvez com um tapinha na pantera você ficasse menos chata, pensa nisso...

- Eu não preciso disso, e você tem problema respiratório, pode fazer mal...

- Que nada, faz é bem, abre os pulmões para respirar melhor.

- Não sei desse história não.

        Léo acendeu o baseado, e deitada na cama passou a fumar e divagar, por fim, após umas tragadas, apagou o restinho que sobrou guardando novamente na caixinha e abriu as janelas para sair o cheiro, ascendendo um incenso de alfazema. Vanessa sentou ao seu lado e puxou a mão da irmã para falar.

- Mana, tem algo que possa te ajudar, eu sinto que você tem uma revolta, e você e eu nascemos juntas, devemos estar unidas em tudo, somos tão amadas, temos tanta sorte...

- Você que é amada...fale por você que é o anjinho da família, olha sempre fui muito mais bonita, e quem foi chamada para ser o anjinho na igreja?, você, é...sempre você.

- Léo, deixe disso, esqueceu que você chutou a canela do padre?.

- Claro, ele estava me puxando pelo braço.

- Porque você estava pulando na hora da coroação de Nossa Senhora...

- Hummmf...

            Vanessa aproximou da irmã, sentou na cama e tirou umas balinhas de dentro do bolso do short.

- Ch*pa essa bala e vê se cria juízo. 

- Onde você vai Van?.

- Vou passar de novo as roupas que amassou, não faz mais, tá?. - A bondosa morena sorriu e passou os dedos desarrumando os cabelos da irmã que deu um sorriso tímido respondendo em seguida.

- Tudo bem.

         A campainha da casa tocava insistente, Vanessa falou com a irmã de dentro do seu quarto.

- Léo, atende ai, estou com o ferro quente na mão...

        Ao ver que a campainha continuava a tocar seguiu até a porta olhando a jovem de longos cabelos negros escuros, boca farta e traços levemente indígenas.

- Oi, a Léo está ai?.

- Está sim, e você é?.

- Carolina...diz que estou aqui por favor!.

- Claro senta ai que vou chama-la.

        Vanessa voltou ao quarto da irmã falando baixinho

- Mana, tem uma moça te esperando ai, Carolina.

- Gostosa demais, diga que estou indo.

- Você não está namorando Leonarda?.

- E o que tem uma coisa a ver com a outra?.

- Tudo, se você diz que está com alguém é que aquela pessoa te completa, então, não há necessidade de outra.

- Ai, como você é careta Van, até cansa, agora dá licença que vou passar perfume e já estou indo...pior é você...sei que também curte meninas e está namorando o insosso do Marcelo dentes de cavalo.

- Se por acaso um dia descobrir que gosto de meninas eu vou assumir, mas, nunca me passou na cabeça, eu sei e o Marcelo sabe que falta alguma coisa no nosso namoro, mas, eu nunca trai, no entanto...eu sinto que sou predestinada a alguém, mas, a pessoa não chegou e vou vivendo...

- Predestinada?, hahahahah não seja imbecil...agora vai lá, faz sala para a minha visita mana.

- Eu não...

        Vanessa balançou a cabeça e foi para o quarto, trocou de roupa, prendeu os cabelos e logo ouviu uns gemidos vindo do sofá, a sorte que os pais não iam voltar no mesmo dia, pois quando a mãe saiu avisou que dormiriam no sítio, Vanessa lamentou e Léo comemorou. A morena pegou a chave, colocando dentro da bolsa e saiu pela lateral da casa, não queria passar pelo constrangimento de cruzar pela cena erótica que desenrolava no sofá. Quando deu a volta viu a namorada oficial de Léo, os cabelos loiros de Liz balançavam com o vento, rapidamente correu até lá para puxar assunto e evitar uma situação pior.

- Oi Liz, a Léo...

        Não conseguiu completar a frase pois um vento forte abriu a porta da frente, deixando evidente a cena, Carolina completamente sem roupa, estava no sofá rebol*ndo o sex* da boca de Léo, Vanessa tentou convencer Liz a sair dali, mas, ela estava resoluta parada na porta, encostada no vão.

- Boa tarde Leonarda...

- Liz, eu...

        Carolina pediu licença, vestiu rapidamente a roupa e saiu entre a confusão formada, era Liz chorando, Léo tentando inventar mil desculpas e Vanessa tentando apaziguar as coisas.

- Poxa Vanessa, porque não trancou a porta?.

- Eu sai pela porta lateral...depois eu tranquei a porta depois que abri para sua visita...

- Ah, tem razão, a vizinha veio aqui atrás da mãe e esqueci de trancar de novo, mas, que droga...

        Liz deu um grito e saiu correndo deixando as irmãs para trás.

- Léo, vai atrás dela...

- Eu não, se quiser vai você, nem vai fazer falta uma chata dessas, já vai é tarde.

        Vanessa saiu correndo tentando alcançar Liz que chorava copiosamente.

- Vem, vamos dar uma volta...vai te fazer bem desabafar.

        Liz balançou a cabeça tristemente e seguiu calada acompanhada de Vanessa.

- Aceita tomar um sorvete?.

- Claro, gostaria de ter encontrado contigo e não com tua irmã naquela noite infeliz.

        Vanessa ainda pensou em retrucar, mas, achou melhor calar e apenas balançou os ombros falando um "acontece" sem muita convicção. As duas olharam o enorme boneco propaganda da sorveteria, era o monstro de Marshmallow segurando uma taça de sorvete.

- Eu acho esse monstro sinistro... - Falou Vanessa olhando o boneco. Liz sorriu para responder.

- Quer saber?, eu também...

        As taças de sorvete foram o motivo do início da conversa, contaram seus planos, seus hobbies, gostos musicais, filmes e encontraram diversas coisas em comum, no meio de uma piada Vanessa sorriu e Liz encostou delicadamente sua mão morena.

- Acho que fomos feitas uma para outra...

         Vanessa sorriu novamente, achando que ela não era "A PESSOA", mas, sentiu que havia uma gostosa sintonia então deixou rolar o clima de paquera, quando terminaram o sorvete e a água, Liz ainda perguntou.

- Eu sei que você gosta de café, a Léo comentou comigo, sei fazer um café com caramelo delicioso, receita da minha avó, aceita tomar, moro na rua detrás...

- Claro, vamos sim...

        As duas seguiram silenciosas, a casa vazia tinha apenas uma luz na sala deixando um clima aconchegante, Liz tentou se aproximar para beijar Vanessa, mas, foi impedida por uma delicada mão

- Ainda não, está magoada e pode ser o calor do momento, e tenho um namorado, não posso fazer isso, não é que não queira, não me parece certo...

- Claro, eu te entendo, mas, o café caramelo não vai rejeitar não é?.

- De jeito algum que café não rejeito.

        Liz ficou preparando o café na cafeteira italiana enquanto Vanessa ficou na mesa admirando o pote com biscoitos em diferentes formatos.

- Pode provar, são caseiros...prova esse em formato de anjo, acho a sua cara...é de chocolate com cappuccino,

- Hummm, olha que vou provar mesmo, hein?.

        Vanessa provou e fechou os olhos para sentir melhor o sabor.

- Que gostoso, essas asas de chocolate são divinas...

- Que bom que gostou, eu quem fiz todos os biscoitos.

        Mal terminou de comer o biscoito quando um café quentinho, com um cheiro delicioso foi entregue. Vanessa provou e novamente fechou os olhos.

- Nossa, como isso é bom.

- Sempre que quiser venha e faço para você.

- Olha que vai me acostumar mal, eu adoro café e esse sinceramente é um dos melhores que já tomei

- Fique a vontade dentro dos meus mimos.

- Obrigada!. - Respondeu Vanessa sentindo o rosto corar.

- Que bonitinha você é tímida...

        Após tomar o café e conversarem mais um pouco Vanessa pediu licença, mas, já estava na hora de ir. Liz lamentou e prontamente a convidou para uma pizza no sábado, a morena sorriu avisando que no decorrer da semana ligaria para combinar, antes de sair deu um beijo na face da loira, falando.

- Lamento muito a cena que presenciou.

- Não lamente, se não fosse assim não estaríamos aqui, não concorda?.

- Tem razão querida, agora preciso ir.

        O caminho de volta para casa pareceu muito mais curto do que de fato era, se não fosse pelas dúvidas e incertezas que povoavam a cabeça de Vanessa, entre elas pensava...será que Léo sempre teve razão e nunca havia se percebido gay?, não sabia, mas, tinha uma certeza, era preciso terminar o namoro com Marcelinho, afinal havia se sentido atraída por uma outra pessoa e não se sentia bem em continuar uma relação depois do ocorrido. Chegou em casa cabisbaixa e foi cercada por Léo.

- E ai?, acalmou a fera?, tu acha que posso passar por lá daqui uns dias...

- ÔOOOoo você não disse que não queria mais nada?, a menina não quer nem te ver...

- Você devia ter me defendido, pô...

- Como te defender Léo?, a menina te pegou no flagra com outra, não tive nem o que dizer sobre isso...

- Aposto que se aproveitou e já pegou a menina, sacanagem isso, você é minha irmã ouviu?....não pode ser sacana assim...

- Ei, para...eu não fiz nada, jamais faria isso sem conversar antes com você..

- Quer dizer que rolou um clima?.

- Sim, não vou mentir, mas, não rolou nem um beijo...me ajuda irmã, eu estou tão confusa...

- Ah, mas, vai se fuder Vanessa.

        Léo saiu batendo a porta do quarto com raiva, enquanto Vanessa seguiu para o seu com o coração apertado, mas, fez o que achou certo, chamou Marcelo para um conversa, o rapaz não demorou nada e estacionava a moto na porta da casa, vestindo no rosto o seu melhor sorriso, Vanessa respirou fundo e logo convidou para dar uma volta sentando no banco da praça.

- Marcelo, você sabe do grande carinho que sinto por você, não sabe?.

- Sei Van, mas, também sei que nunca foi muito além disso...

- Me perdoa Marcelo, você cresceu comigo...sempre tão presente, foi natural a gente ter namorado.

- Natural nada, eu sei que forcei a barra...mas, enfim, você está terminando comigo?.

- Sim, não consigo mais levar adiante isso tudo...

- Você...está com um brilho diferente nos olhos, quem é ele?, eu tenho direito de saber quem é o cara Vanessa?, você me deve ao menos isso...

- Não tem cara algum...

- Tem sim, eu posso ver nos seus olhos Van, como você falou, cresci contigo, sou apaixonado por ti desde que era apenas um piá, que fazia gol e te oferecia, que buscava florzinhas para te dar...

- Nós podemos ser bons amigos Marcelinho, sempre fomos, me perdoa!.

- Desculpa Van, mas, não dá, ainda não consigo te ver apenas como uma amiga, talvez mais pra frente, agora tenho que ir, espero que você seja feliz, agora preciso ir..

        Marcelo voltou até onde a moto estava estacionada e partiu antes que derramasse suas lágrimas na frente de Vanessa, sabia que a última coisa que ela queria era magoá-lo, portanto, não era justo fazer com que se sentisse culpada, pois apesar de tudo, Van era uma das suas melhores amigas, e tinha sido assim sua vida toda, e no fundo, esse fim já  era esperado por ele,  Marcelo sentia que cedo ou tarde ele chegaria quebrando seu coração em pedaços, como estava agora.

        Vanessa entrou em casa chateada, olhou a irmã esparramada no sofá pronta para sair.

- Vai sair Léo?. - Sua pergunta ficou sem resposta, mas, ela tentou novamente. - Léo, perguntei se vai sair...

- Sou solteira graças a você, esqueceu?.

- Graças a mim?, de forma alguma Léo, você traiu a menina e ela viu...

- E você com esse coração de ouro foi ajudar, nossa como você é generosa Vanessa.

        Não demorou nada e duas meninas estavam batendo na porta, entraram se esparramando no sofá.

- Antes de sair vamos fazer a base aqui, trouxe as cervejas e o tira gosto, tem algo ai para a gente dar uns tapas?.

- Sempre tem lindas, e vocês estão arrasando, dá uma voltinha ai....

        Quando Vanessa apareceu estava arrumada, um vestido indiano ia até a altura dos joelhos, Léo olhou de cima a baixo e perguntou de forma debochada.

- Vai sair maninha?, quem diria...

- Vou Léo, estou esperando uma amiga, preciso dar umas voltas...

        As amigas que estavam com Léo olharam lascivas perguntando "chama a irmã para sair com a gente", mas, Léo fingiu não ouvir.

- Van, deixa te apresentar as gatas, essas duas são Campineira e Biro Biro, duas amigas, seja educada e dê boa noite...

        Vanessa olhou as duas de cima a baixo, desejou boa noite, depois se despediu quando ouviu a buzina do carro da amiga.

- Oi Van, como você está?, vim correndo...você nunca é de pedir ajuda.

- Ai amiga estou encrencada, vamos dar uma volta...

- Conhece a Burgueria Don Carlos?.

- Não amiga...

- Vou te levar lá...fica calma amiga.

        Paloma sentou com Vanessa em sua frente, calmamente ouviu toda a história, depois respirou e iniciou sua fala.

- Uau, é muita história amiga, você está encantada por uma mulher, e essa mulher é a ex ficante da tua irmã?, é isso?.

- Sim...

- Amiga, se a menina está correspondendo...vai fundo, você sabe muito bem que Léo sempre foi jaguara, pega uma aqui, outra ali, sempre foi assim, então, não se preocupe, vá viver isso Vanessa...o tempo voa.

- Eu sei Paloma, mas, sinto que ainda não é a minha pessoa, sabe?.

- Sim, eu entendo esse vazio que sente, mas, pode até ser que não encontre nessa vida com essa pessoa, então vá viver...deixa de ser tão certinha amiga, o tempo voa e não sabemos quanto tempo temos nessa Terra.

- Quer saber?, tem toda razão, obrigada, conseguiu deixar meu coração mais tranquilo...

 

Fim do capítulo