Esse é pra se apaixonar <3
Capitulo 34: "You give me something"
Naquela noite, Érika ouvia músicas em seu quarto redecorado, sentindo os ombros leves como não sentia há meses. Deitada em sua nova colcha de cama, lia artigos sobre doenças psicossomáticas, enquanto fazia apontamentos nas laterais dos textos, para pesquisas futuras. O ensejo de voltar ao curso de psicologia tomou força de acordo com a nova fase que a família Gonçalves iniciava. Agora ela conseguia traçar planos para o futuro sem medo.
O som estava tão alto que não ouviu a campainha tocar, tampouco as batidas na porta da frente, um tanto quanto frenéticas. Já era quase meia-noite, sequer lhe passou pela cabeça que receberia visitas naquele horário. Não fosse a súbita vontade de ir ao banheiro, não teria tirado os fones de ouvido e, enfim, escutado a insistente visitante do lado de fora. Aquilo foi o bastante para deixá-la aflita, receosa por algo ter acontecido a seus pais, uma das únicas coisas que explicaria uma pessoa bater com tanta força em sua porta tarde da noite daquele jeito.
Rapidamente colocou um roupão aleatório que viu pela frente, vide que não poderia atender ninguém só de calcinha, como estava. Não se incomodou com os cabelos amassados, como se soubesse que estava linda de qualquer jeito, afinal a exuberância lhe era inerente até em trajes banais. Se atrapalhou com as chaves, e na pressa nem se atentou a perguntar "quem é?" antes de dar acesso a uma pessoa, até então, desconhecida. Demorou a olhar para cima quando enfim abriu a porta, limitando-se a um "pois, não" sem interesse. Ao ouvir a voz da visitante, porém, estremeceu.
Catarina estava lá, parada diante dela. Os cabelos estavam um pouco diferentes do habitual, a hora era inapropriada, a roupa era de festa, o último encontro das duas foi em clima de despedida, mas, sem dúvidas, o brilho no olhar dela era o mesmo de quando compartilhavam aqueles momentos tão preciosos de meses atrás. Não conseguia dizer nada, só olhava, admirada, pensando que talvez tivesse adormecido enquanto lia e de repente se encontrava no mundo dos sonhos. Tantas outras vezes desde que se descobrira apaixonada por Catarina não havia sonhando com este momento, afinal. E ele parecia onírico, todas as vezes, inclusive na atualidade, quando na verdade era real e palpável.
- Érika, eu... posso entrar?
- Claro. Desculpa, eu congelei aqui...
- Eu quem peço desculpas... por aparecer assim, neste horário... eu... só chamei um carro e vim...
- E deixou sua festa de aniversário para trás?
- Você lembrou...
- Claro. Tenho essa data marcada na agenda do meu celular.
As duas ficaram em silêncio por alguns instantes, nervosas por simplesmente estarem novamente frente a frente. Catarina um pouco mais, diante da importância inesperada que recebeu da gerente. Érika pigarreou e deu continuidade à conversa:
- Aconteceu alguma coisa?
- Não... sim... só queria te ver. Era minha maior certeza... nossa, devo ter acordado seus pais com as batidas e...
- Não estão. Agora que meu pai está melhorando, os médicos permitiram que ele saia mais de casa, então eles viajaram para a casa dos meus avós maternos, no interior. Você... você não quer ir até meu quarto? Lá conversaremos melhor.
Cate sabia que a decoração do quarto de Érika havia mudado por conta da mensagem que recebera no ano novo, mas adentrar ao local a fez ruborizar por nunca ter respondido. Pegou o artigo que estava em cima da cama e passou a folheá-lo, para disfarçar o constrangimento recente.
- Esse assunto te interessa? - Érika perguntou animada, sem perceber o motivo pelo qual Cate folheava o artigo.
- É, parecer ser muito importante... - Catarina disse a primeira coisa que veio à cabeça.
- Se é! E bem complexo também, mas muito instigante.
Mais um momento de silêncio e de constrangimento entre anfitriã e visitante. Os olhares de ambas não ousavam se encontrar, nem por acidente:
- Ei... - A mais nova balbuciou o monossílabo sem tirar o artigo de sua vista - desculpa te atrapalhar aqui, agora, ainda mais depois de tudo... acho que... acho que devo ir embora...
- Vou pôr um pouco de música para nós. Gostou da decoração nova? Estava ansiosa para ter sua opinião!
- Gostei muito. Nunca respondi sua mensagem sobre isso, desculpa de novo.
- Sem problemas, Cate. Você estava ocupada, não é?
- Um pouco, não o suficiente pra ignorar. É que... aquilo na praia, foi um "adeus", não foi? Eu... levo a sério quando dou adeus a algo ou alguém...
- Estou vendo...
- Ah, hoje é que... bem... ah, esquece! Nem eu sei o que estou dizendo ou fazendo...
- Não sabe mesmo?
Como não obteve resposta, Érika deu um longo suspiro e se aproximou de onde Cate estava, ficando de frente a ela e tomando delicadamente o artigo de suas mãos. Mesmo tensa, não ignorou as palavras que martelavam sua mente, tentando encontrar os olhos de sua amada:
- Pois eu sei o que sinto agora, e sei que tive saudades suas, todos os dias e também às noites.
- É... - Catarina não encarava Érika de forma alguma, trêmula ao extremo - que bom que seu pai está melhor!
- Graças a sua ajuda, não tenha dúvidas! Sou muito grata, de verdade. Assim que terminarmos de pagar o financiamento do carro, o venderemos e poderei te pagar, sem falta!
A mudança repentina de assunto surtiu efeito e Cate conseguiu formular frases maiores, falando mais rápido do que normalmente:
- Não quero que tome como uma dívida dessa maneira. Acho até que fui meio egoísta em meu discurso... aquele papo de "lembre de mim quando olhar pra ele", me senti como a heroína do seu mundo, mas não é bem assim. Saiba que já é recompensador demais pra mim, saber que ele está melhor! Isso basta.
- Eu sei... eu... pensava em você, Cate. Pensava antes de você ter feito isso pela gente. Antes até de te conhecer, como te disse uma vez.
- Vejo que agora você poderá retomar o curso de psi...
- Pra mim nunca foi um adeus pra valer, naquela noite. Eu te esperei, te esperaria muito mais e...
- Ouviu alguma coisa que eu disse?
- Ouvi. Quer tanto mudar de assunto assim? Quer tanto ir embora?
- Não... é que... estou com medo...
- Medo de quê?
- Do que eu não conheço, da possibilidade de acontecer algo que antes eu pensei que nunca se realizaria...
- Não sabia o que esperava quando bateu na minha porta há pouco?
- Não. Quando vi, já estava aqui. Eu queria olhar pra você, era tudo que eu sabia.
- Eu também queria olhar pra você. Há muito tempo. Me dê suas mãos.
Érika pegou as mãos de Catarina e as levou ao lado esquerdo de seu próprio peito:
- Está sentindo? Há diferenças em nossas batidas?
- Bem... é... e a música que ia colocar? - Cate tirou as mãos rapidamente do lugar onde estavam.
- O que você quer ouvir? - A gerente se afastou um pouco do contato, indo em direção à caixa acústica na cabeceira da cama. Retirou os fones de ouvido para deixar o som ambiente e voltou para perto da visita.
- O que estava ouvindo antes da minha chegada?
- James Morrison. Conhece?
- Não.
-Também pudera, acho que você tinha uns oito anos quando as músicas dele tocavam nas rádios.
O perfume familiar que exalou com a proximidade de Érika, sua voz tranquila e aconchegante e as palavras acolhedoras e recíprocas que ela falava fizeram com que Catarina enfim a encarasse e percebesse que se segurava à toa, não havia mais o que temer naquela noite. Reuniu coragem, sorriu e disse:
- Vou conhecê-lo agora, com você.
- Levanta, então.
- Por quê?
- Porque é uma música boa para dançar junto.
- Não sei dançar.
- É só fazer o que não fizemos todo esse tempo - Érika estendeu a mão para que Catarina a pegasse - se deixar levar.
E, assim que começou a ressoar pelo quarto as batidas de You give me something, mais Catarina entendia o que Érika queria dizer com "se deixar levar". Simplesmente envolveu os braços na cintura da mais velha, recebendo os dela de volta, em seus ombros. Corpos unidos, Morrison entoava os primeiros versos da romântica canção:
You only stay with me in the morning (Você só quer ficar comigo de manhã)
You only hold me when I sleep (Você só me abraça quando eu durmo)
I was meant to tread the water (Eu fui feito para caminhar sobre a água)
Now I've gotten into deep (Mas agora eu fui fundo demais)
For every piece of me that wants you (Para cada pedaço meu que te quer)
Another piece backs away (Há um outro que não)
- Você está rindo... - Catarina falava baixo, quase sussurrando, compenet*ada nos olhos de Érika.
- É que... a letra dessa música...
- É bonita...
- É... mas, além disso... - Sorriu próxima à boca da garota - Parece com tudo que eu sinto por você...
- Parece com tudo... que eu já te contei - Catarina também sorria, encarando carinhosamente aquela a sua frente, se aproximando ainda mais de seus lábios - com tudo...
Cause you give me something (Porque você me dá algo)
That makes me scared, alright (Que me faz sentir medo)
- Só tem uma coisa... - Érika balançava Catarina suavemente, as palavras ditas há quase zero centímetro de distância uma da outra.
- O quê?
- Impossível "não ser nada".
This could be nothing (Isso poderia não ser nada)
But I'm willing to give it a try (Mas estou disposto a tentar)
Please give me something (Por favor, me dê algum sinal)
'Cause someday I might know my heart (Pra que algum dia eu possa conhecer meu coração)
O beijo veio antes do início do próximo verso, ao fim do refrão, e continuou durante toda a música, sem que as duas falassem. O mesmo sentimento de amparo e de certeza se apoderou delas, como quando se abraçavam em meio ao caos em outros momentos. No entanto, diferente dos abraços, que de certa forma as prendiam feito nós, o beijo era livre, rompia as barreiras que as circunstâncias teimavam em lhes impor.
Para elas, cada vez que uma língua recebia a outra, que as mãos passeavam sem pudor e sem licença, mesmo de olhos fechados, era como se se enxergassem nitidamente. Catarina enfim descobria que, beijar alguém que se ama era daquele jeito, não havia leis de Newton suficientes para explicar por que dois corpos pareciam tanto estar ocupando o mesmo espaço, ou teoria das cores de Goethe que definisse o porquê de o breu ter sido substituído por tons alaranjados, como se houvessem sido transportadas para um pôr-do-sol na praia.
[...] But it might be a second too late (Mas talvez seja um segundo tarde demais)
And the words I could never say (E as palavras que eu nunca consegui dizer)
Gonna come out anyway (Sairão de qualquer jeito)
- Ei... - Érika descolou os lábios dos de Catarina e deslizou o dedo por eles, pegando o queixo dela delicadamente - eu te amo. Não quero mais fugir do nosso amor. Te amo!
Catarina voltou a beijá-la, sem responder. Seu corpo tremia de um jeito estranho. Escondeu o rosto por entre os cabelos de Érika, próximo ao pescoço. Abraçada a ela, meio na ponta dos pés, ainda em transe, concretizou o que o corpo denunciava:
- Eu também. Só não imaginava o quanto. Ou imaginava, sei lá...
- Nem eu, Cate. Eu só quis te dizer, tanto, tanto. Não queria mais falar desse amor para as pedras da praia, ou pros meus pensamentos na tela de um celular. É tão bom dizer pra você, meu amor.
- Meu amor... - Catarina repetia em voz alta, era a vez dela de se certificar que aquilo não era um sonho.
- Meu amor!
A música já havia terminado, agora outra faixa tomava de conta da cena, mas elas já não se atentavam aos detalhes que não fossem pertencentes aos corpos uma da outra. Não houve mais questionamentos ou receios, e o chão era o local correto onde o roupão de Érika deveria estar. Felizmente, a colcha da cama não era mais oriunda de um filme infantil.
Fim do capítulo
Ah, um bom clichê, minha gente, eu amo <3
Comentar este capítulo:
Naty24
Em: 30/01/2021
Realmente ambas se presentearam com algo
Foi com algo sublime,bonito,sincero,intenso e verdadeiro.
Espero que essa história seja apenas aquele famoso gostinho de qro + enredos para um futuro próximo
Resposta do autor:
Estou feliz que tenha gostado desse momento, demorou, mas foi!
Amanhã tem capítulo novo, até lá!
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]