Cartas
Isabel
Cheguei a casa de Botafogo com o coração apertado. Margot, se tornou uma boa amiga e sua perda me deixou muito triste. Subi direto para o quarto, queria tirar aquela roupa, tomar um banho e dormir. Logo cedo voltaria para a fazenda. Pedi a uma das empregadas para preparar meu banho enquanto descansava um pouco no sofá que ficava no meu quarto. Fechei os olhos e respirei fundo. Lutei muito contra a vontade de entrar no bordel e consolar Carmen pela sua perda.
– Me solte! - Escutei alguém gritando e por um momento voltei a fechar os olhos achando que era na rua o barulho.
– Já disse para me soltar! Não saio daqui sem falar com ISABEL! - Levantei assustada.
A gritaria era na minha casa. Desci as escadas correndo e a algazarra ainda não tinha parado.
– Chame a Baronesa, agora! - Reconheci a voz. Era Amanda.
Quando coloquei os pés no fim da escada a menina parou imediatamente de gritar.
– Amanda... O que está acontecendo aqui? - Ela olhou com raiva para um dos empregados que impedia sua passagem.
– Esses idiotas, não queriam me deixar entrar! - Falou com raiva. Respirei fundo.
– Por favor, peço para que não insulte meus empregados. - Ela se aproximou devagar.
– Baronesa, a menina entrou sem permissão na propriedade... - Cocei a cabeça incomodada.
– Desde quando preciso de permissão para entrar em tua casa, Isabel?! - Disse irritada.
– Desde o momento que não foi convidada, Amanda... - Ela me olhou surpresa. - Não acha que está um pouco tarde para uma moça andar sozinha na rua?
– Eu precisava vir até aqui e escutar da tua boca... - Seus grandes olhos azuis lacrimejaram. - Vai mesmo se casar?
Bufei irritada.
– Sim! - Disse direta.
Ela chorou e depois ficou vermelha de raiva.
– Como pode, Isabel?! Eu estava aqui o tempo todo! Fiz de tudo para que me escolhesse como tua esposa! Eu te amo! - Falou se aproximando mais. - Passei por cima até das tuas escapadas com aquela PUTA!
– CALE A BOCA, AMANDA! - Disse alto. A menina se encolheu e voltou a chorar. Bufei irritada, mas fiquei com pena de vê-la naquele estado. – Me desculpe por gritar... – Ela não me encarava. – Venha... sente-se aqui. – Peguei sua mão e a levei até o sofá. Amanda ainda chorava muito e somente me agradeceu com olhar.
– Não queria incomodá-la. – Disse entre os soluços.
– Tente se acalmar, aceita um chá? – Ela concordou. – Rute! – Chamei a empregada que logo apareceu na sala.
– O que deseja, Baronesa? – Disse curiosa encarando Amanda.
– Faça um chá de camomila para a senhorita, por favor.
– Claro, senhora. – Falou e saiu em seguida.
Amanda ainda não me encarava, apenas tentava limpar as grossas lágrimas com a mão.
Peguei um lenço que guardava no bolso e a entreguei.
– Obrigada. – Ela aceitou e voltar a enxugar os olhos. – Me perdoe por entrar assim na tua casa, Isabel. – disse um pouco mais calma.
– Olha vamos esquecer isso, está bem! – Peguei em sua mão tentando acalmá-la.
Ela olhou para nossas mãos juntas e voltou a chorar.
– Amanda, por favor se acalme. – Eu definitivamente não sabia lidar com mulheres chorando.
– Só queria saber... Se realmente iria se casar. Eu a amo, Isabel! – Disse entrelaçando seus dedos nos meus.
– Amanda... Por favor, não faz isso contigo. Não escolhemos quem gostamos, isso foge do nosso controle. A senhorita é uma moça adorável! – Ela sorriu pela primeira vez. – Tenho certeza que encontrará alguém que a ame como merece! – Amanda parecia mais conformada.
Rute chegou com o chá nos serviu.
– Obrigada! – Ela sorriu e se retirou. – Beba um pouco, te fará sentir melhor...
– O que faria me sentir melhor era tu me dizeres que não casará com a tal francesa... - Voltou a insistir.
Respirei fundo para não perder a paciência.
– Quero que fique bem, menina. Não sofra por minha causa – Acariciei seu rosto. – Sinto um grande carinho por ti, quero que sejas feliz! – Ela puxou minha mão e a beijou.
– Acho que não terei o que quero! – Disse rindo em meio às lágrimas. – Mas se está feliz, então não só me resta aceitar o fato. – Suspirou triste.
"Estou feliz?"
Eu sinceramente não sabia responder essa pergunta. Acho que estou apenas aceitando meu destino.
Forcei um sorriso e esperei que bebesse seu chá.
– Acho melhor ir para casa já está tarde, papai não sabe que saí... – Amanda preocupada e se levantou.
– Fique tranquila, vou levá-la até tua casa. – Ela sorriu.
– Sempre tão gentil, querida! Que mulher de sorte essa francesa! - Apenas sorri e chamei o cocheiro.
– Vamos?! – Ela pegou em meu braço e foi agarrada nele até a porta.
Na saída da casa cruzamos com outra carruagem e por um momento achei ter visto alguém conhecido dentro, aquele olhar... me arrepiou da cabeça aos pés. Não podia ser ela... Olhei novamente pela janela para ter certeza, mas Amanda tirou minha atenção.
– Isabel! – disse um pouco alto. – Está tudo bem? Te chamei três vezes... – falou preocupada.
– Me perdoe, acabei me distraindo. – Disfarcei e olhei de novo, mas minha carruagem já tinha se afastado.
Carmen? - Aquela dúvida martelava em minha cabeça.
– Quero pedir desculpas novamente pela forma que apareci em tua casa. – Dizia envergonhada.
– Não se preocupe, por favor. - Sorri e voltamos a ficar caladas toda a viagem.
A carruagem parou e ajudei a menina a descer.
– Entregue! - Disse sorrindo.
– Obrigada novamente... - Ela se aproximou e deixou um beijo em meu rosto. Ainda com o rosto próximo ao meu falou em meu ouvido: - Nunca irei te esquecer, Isabel. - Amanda se afastou e antes de entrar me deu um último sorriso triste.
Suspirei e voltei para a carruagem. No caminho fui recordando de alguns momentos que passamos juntas. Ela foi a primeira mulher que realmente cortejei, na grande maioria eu me limitava a alguns beijos. Conheci seu pai em um dos bailes do Barão Gusmão Maia, o homem veio diretamente me cumprimentar e segundos depois apareceu com Amanda na minha frente, empurrando a jovem para mim. Para sua sorte, me encantei por ela desde o primeiro momento. Com a permissão do seu pai, passei a visitá-la e dar alguns passeios pela cidade, era assim toda vez que estava na capital. Ela sempre me encantou, seus olhos azuis me hipnotizavam e mesmo sem querer acabava cedendo a suas vontades. Não sei se teria casado com Amanda se Carmen não tivesse surgido em minha vida. Todo aquele encanto por ela acabou no momento em que vi a espanhola descer as escadas da casa de Madame Margot. Amanda não teve nenhuma chance. Carmen me tomou por completo e meu coração passou a ser somente dela.
O destino é sábio e cruel. Foi certeiro quando tirou Amanda de meu caminho, ela nunca seria a mulher certa. Cruel, pois da mesma forma também me tirou a mulher que se encaixava perfeitamente na minha vida.
Suspirei triste e desci da carruagem.
A casa estava silenciosa. Subindo as escadas, me dei conta de que nunca trouxe Carmen aqui. Ela adoraria a casa.
– Pare de ser idiota, Isabel! - Praguejei.
Tirei a roupa e cai na cama.
Lembrei daqueles olhos que me encaravam na outra carruagem e de novo senti um arrepio.
Ficar na capital era perigoso, tinha vontade de ir atrás de Carmen a todo momento, nem que fosse para brigar. O melhor era ir embora assim que o sol nascesse e não voltar a Capital do Império por um longo tempo.
***
Respirei o ar puro da fazenda assim que chegamos. Coloquei a cabeça para fora da janela, eu amava ver o longo caminho de palmeiras imperiais e ao fundo a grande casa. Águas Claras era uma fazenda magnífica. Vi de longe Héloïse em pé na entrada da casa com Rafael em seu colo. Quando a carruagem parou meus olhos se fixaram no lindo sorriso do meu filho. Sempre me lembrava Carmen.
– Que saudades, meu amor... - Disse o pegando no colo.
– Como foi a viagem? - Héloïse se aproximou e deixou um beijo em meu rosto.
– Oi, minha querida! Foi tranquila e cansativa. - Disse rindo e beijando as gordas bochechas do meu filho. - Se comportou direito, Rafael? - Ele riu alto como se tivesse entendido o que falei e deitou a cabeça em meu ombro, me fazendo derreter de amor.
– Ele senti a tua falta, ainda tão pequeno, mas sabe quando a mãe não está por perto... - Héloïse me deu o braço e subimos as escadas.
– Chorou muito? - Perguntei preocupada. Fazia um carinho nas costas do pequeno.
– Logo quando saiu e um pouco antes de dormir. - Deixei outro beijo em seus cabelos. Me cortava o coração ficar longe dele.
– Mamãe já está de volta, meu pequeno. - Rafael me olhou e brincou com alguns fios soltos do meu cabelo.
Amava tanto aquela criança... Era um amor tão puro e verdadeiro. Só entendi o que Lucília dizia, quando me tornei mãe. Sempre deixava claro que eu era umas das únicas alegrias do meu pai e que ele dedicou toda sua vida e tempo a minha criação. O Barão, tinha uma grande tristeza pelo amor que nunca viveu com Margot e meu nascimento trouxe a ele uma nova razão para continuar a vida. Era exatamente assim comigo. Rafael era minha razão para continuar e não cair no abismo de tristeza que era a saudade de Carmen. Dedicaria a ele todos os meus dias e esforços. Seria criado para ser um homem digno e de princípios e deixaria para ele o mesmo legado que meu pai me deixou. Só torcia para que a má sorte no amor, comum aos Albuquerque de Castro, não o acompanhasse.
Héloïse pegou Rafael do meu colo e o beijou antes de entregá-lo à Marta. Talvez não fosse tão azarada assim, a francesa me amava, era bonita e gentil, só não conseguia entender o porque aquele buraco em meu peito nunca era preenchido. Talvez eu devesse dar mais valor ao que tenho agora e parar de me lamentar pelo que perdi.
Héloïse me puxou pela mão até meu quarto e me beijou mais intensamente.
– Senti saudades... - Disse entre os beijos. Apenas sorri e voltei a beijá-la, ela me abraçou apertado.
– É muito bom te ter aqui, Querida. - Falei beijando o topo de sua cabeça. Era uma grande verdade, sua presença naquela casa me deixava tranquila.
Ela se agarrou ao meu corpo e deitou a cabeça em meu peito.
– Eu te amo, Isabel!
Puxei Héloïse pelo queixo, passei meus dedos por toda a extensão de seu rosto. Como era bonita. Por que eu simplesmente não podia me apaixonar por ela? As coisas seriam tão mais fáceis, mas não mandamos em nosso coração. Na maioria das vezes me sentia culpada por nunca respondê-la, por não sentir o mesmo por ela. Héloïse sabia que eu ainda amava Carmen e mesmo assim escolheu ficar. Não sei se um dia chegarei a amá-la, mas faria o possível para sempre deixá-la feliz.
***
Se passou uma semana desde que voltei da capital. Ainda estava um pouco abatida pela morte de Margot. Andava mais quieta pelos cantos e por vezes passava longos minutos em frente ao quadro do meu pai. Me aquecia o coração imaginar que agora os dois estavam juntos. Mirava o quadro de minha mãe ao lado do quadro do Barão e ao mesmo tempo que me alegrava por papai e Margot, sentia um aperto no coração ao pensar que minha mãe nunca foi amada de verdade. Meus dias passaram a ser mais melancólicos pois constantemente comparava minha vida com a dele.
A casa ainda estava silenciosa, só escutava as vozes vindo da cozinha e delicioso cheiro de café. Peguei o cavalo e partir rumo às plantações, hoje não faria a refeição da manhã, estava um pouco enjoada. No caminho passei pelo orquidário, desci do cavalo e reparei que a porta estava aberta. Poderia ser o jardineiro, mas essa hora não costumava ter ninguém por ali. Entrei devagar e levei a mão ao coldre. Depois do ocorrido na noite do incêndio, sempre saia de casa com a minha arma na cintura. O orquidário não era muito grande, então não teria muito espaço para a pessoa se esconder.
Assim que entrei vi uma mulher de costas para porta. Não podia ser...
– Lucília?! - A mulher se virou assustada.
– Que susto, menina! - Disse levando a mão ao peito.
– O que faz aqui? - Perguntei curiosa. A última pessoa que imaginaria encontrar naquele lugar, era ela.
A governanta me sorriu triste e mexeu delicadamente em uma orquídea.
– Pensando em Jorge... - Respondeu sem me encarar.
Achei um pouco estranho ela estar ali para pensar no meu pai, logo no lugar que ele construiu para Margot, talvez ela não soubesse disso.
– Ele gostava tanto desse orquidário, passava horas aqui cuidando das plantas... - Seu olhar ficou distante. - Quando sumia no meio da tarde, eu vinha até aqui e o encontrava sentado nesse banco e debruçado sobre essa mesa plantando uma nova orquídea que colheu de algum jardim da capital ou que ganhou do Imperador.
Olhei surpresa para Lucília. Minha família era amiga da família Imperial, mas achei que os laços mais íntimos tinham se perdido depois da morte de meu avô.
– Teu pai era amigo do Imperador, tinham em comum o gosto pela botânica, no caso do teu pai o amor pelas orquídeas. Dom Pedro sempre o convidava para ir ao Jardim Botânico e Jorge voltava cheio de novas mudas de todos os lugares do mundo. - Sorriu. - Acho que com o tempo acabou encontrando uma paixão nova no meio das flores.
Ela se sentou no banco e me chamou.
– Venha aqui, sente-se um pouco ao meu lado... - Andei até onde estava e sentei ao seu lado, pegou em minha mão e beijou de forma carinhosa. - Faz tanto tempo que não conversamos, minha querida.
– Muitas coisas aconteceram no último ano, Lucília. - Falei sem encará-la.
– Sim... tu cresceu tanto, Isabel. Se tornou mãe e como me orgulho de ti por ser para Rafael essa pessoa tão dedicada. Essa criança foi um presente para todos nós... Talvez a única coisa boa que Carmen trouxe para tua vida. - Falou a última parte um pouco irritada.
– O que tens contra ela? Sei que sofri muito por esse amor que sinto, mas ela nunca te fez nada, Lucília. - Ela bufou.
– Essa mulher me lembra Margot! - Disse revirando os olhos. - Não são parecidas fisicamente, mas tem o mesmo olhar abusado, esse jeito atrevido como se o mundo fosse delas! - Podia sentir o quanto falar dela ainda a irritava.
– Lucília, esse lugar... - Tentei lhe falar que ali tudo exalava Margot, por mais que fosse até lá buscar Jorge.
Revirou os olhos no primeiro momento e depois me encarou com as lágrimas já escorrendo pelo rosto.
– Sei que fez tudo isso para ela. - Disse olhando em volta. - Eu tinha tanta inveja de Margot... - Lucilia soluçava.
– Não chore... - Disse pegando em sua mão.
– Tudo bem, minha querida.... Já estou acostumada a derramar lágrimas pelo teu pai. - sorriu triste. - Quando mandou que construíssem esse lugar, eu o questionei sobre o porque fazer um orquidário, ele nunca tinha se interessado por flores antes. - Acariciava sua mão tentando acalmá-la. - No primeiro momento mentiu e disse que era um projeto antigo de tua mãe, mas eu conhecia Jorge com a palma da minha mão, ele não conseguia mentir para mim. Depois de um tempo me contou que era para Margot... Ele estava aqui mesmo nesse banco quando entrei e o peguei chorando. Fiquei preocupada e ele me contou que ela tinha voltado da Europa e o tinha recusado outra vez... Ficou desolado durante dias, passava dia e noite aqui dentro trancado. Antônia já havia falecido e tu estavas com quase um ano. Cuidava de ti o tempo todo nesse período, foi a pior fase do teu pai e sabe o que era mais triste, Isabel? - Disse chorosa.
– Não...
– Ele nunca deixou de me contar nada, sempre fomos amigos e acho que Jorge nunca entendeu que a última coisa que queria escutar era seu lamento por outra mulher... Mas sempre o consolava, amava tanto esse homem que a única coisa que desejava era que não sofresse mais por ela. Por muito tempo quis que ela morresse e o deixasse em paz! - Disse irritada. - E mesmo sofrendo ele nunca deixou de amá-la. Margot tinha tudo, Isabel! - Soluçou. - Eu só tinha alguns poucos momentos, mas perdi tanto... - Chorou mais alto.
– Lucília, se acalme... - Ela encostou sua cabeça em meu ombro e senti as lágrimas molharem minha blusa.
– Eu perdi meu filho... - Disse baixo.
– Filho? - A peguei pelos ombros e encarei Lucilia.
– Eu tive um filho com o teu pai, Isabel. - Arregalei os olhos.
– E onde está essa criança? - Disse ainda surpresa.
A mulher mais velha voltou a chorar alto e vi tanta dor em seus olhos.
– Meu filho nasceu morto... - Fechei os olhos e respirei fundo. Essa história do meu pai com Margot e Lucília tinha muito mais coisas escondidas do que podia imaginar.
– Eu sinto muito. - Abracei a governanta que se agarrou em meu pescoço. - Por tudo...
– Perdi tanto! E essa mulher sempre o teve mesmo depois de expulsar teu pai de sua casa, Jorge sempre voltava para ela!
– Não precisa dizer mais nada... - Falei encarando seu olhar triste.
– Tudo bem... É bom desabafar um pouco, guardo isso comigo há tanto tempo!
– Quando aconteceu? - Perguntei curiosa.
Ela riu e depois virou o rosto envergonhada.
– Na mesma época que Antônia estava grávida de ti... - Essa história ficava cada vez pior. - Ele tinha pouco tempo de casado. Em uma noite foi chorar em meu colo, por saudades dela... - Suspirei triste. - Dormimos juntos e fiquei grávida, tua mãe engravidou meses depois...
– Nunca me contaram nada sobre essa gravidez. - Ainda estava confusa.
– Porque não tive o bebê na fazenda. Contei para o te pai sobre a gravidez e ele ficou perdido sem saber o que fazer, tua mãe já estava aqui e não tinha cabimento outra mulher grávida do Barão de Vassouras. Teu avô descobriu e exigiu que eu tirasse meu filho! Eu nunca faria isso! - Falou irritada. - Jorge me disse que nunca me perdoaria se tirasse o bebê, então, contrariando Heitor, ele me levou para a casa de Petrópolis escondido de todos e foi lá que passei todos os meses de gravidez.
– Sozinha? - Meu coração estava apertado.
– Jorge sempre me visitava mas Antônia também estava grávida e constantemente passava mal, com isso suas visitas ficaram mais espaçadas, se comunicava comigo por cartas. Lembro dele conversar com o bebê... - sorriu em meio às lágrimas e levou a mão a barriga. - Estava feliz pela criança. Me dizia que quando o bebê nascesse eu voltaria para fazenda e daríamos um jeito dele ser criado ali junto dele, nem que para isso precisasse enfrentar a ira do pai. - Era uma bela confusão, mas ficava feliz por saber que meu pai nunca a abandonou. - Eu tive o bebê sozinha, no meio da madrugada. Senti as primeiras contrações e uma das escravas da casa era parteira, gritava tanto por teu pai. Eu estava com medo, só o queria do meu lado.
Acariciava sua mão enquanto contava.
– Mas o bebê não estava na posição assim como foi com Rafael... Sofri durante horas, até que consegui, mas a criança estava morta, enrolada no cordão umbilical... - Suas mãos tremiam debaixo da minha. - Não cheguei nem a escutar o seu choro... Era um lindo menino, Isabel! - Me encarou chorando. - Quando vi Carmen sofrer o mesmo que passei no parto, eu revivi todo aquele momento outra vez, só pensava que com aquela criança seria diferente... E foi! - Disse sorrindo largo. - Rafael chorou alto. Era tudo que queria ter escutado no dia que meu filho nasceu... Me apaixonei pelo teu filho naquele momento, Isabel! - Sorri para Lucília.
– E meu pai, como ficou sabendo?
– Eu enterrei meu filho sozinha, não deixei que ninguém o avisasse. Voltei a fazenda dias depois e contei sobre a morte da criança. Jorge chorou no meu colo como sempre e me pediu perdão por não estar do meu lado quando tudo aconteceu. Era um bom homem... - Disse séria e percebi quanta mágoa havia nela. - Um mês depois, tu nasceu e novamente senti inveja de outra mulher de Jorge, elas sempre tinham tudo... - Abaixou a cabeça. - Nunca desejei a morte da tua mãe, ela era uma menina inocente ainda jogada no meio daquela confusão que era a vida do teu pai. Ela se foi e passei a cuidar de ti, era um bebê tão chorão e meigo, como Rafael. - Disse rindo. Acariciou meu rosto. - Todos nós perdemos muito, menos Margot, ela sempre teve Jorge. - Disse com raiva. - E agora eles devem de estar juntos! - Sorriu triste. - Aquela maldita mulher sempre ganhou!
– Margot também sofreu muito... - Falei triste. - Nunca puderam viver o amor deles, acho que nessa história ninguém ganhou nada além de dor e sofrimento.
Agora chorávamos as duas abraçadas.
– Quero que seja diferente para ti, minha menina! Não quero te ver afundada na mesma tristeza que teu pai, por isso não gosto de Carmen. Sabia que faria a ti o mesmo mal que Margot fez a Jorge. - Acariciou meu rosto. - Então aproveite a segunda chance que a vida está te dando, Héloïse é uma mulher encantadora e que ama vocês, se agarre a isso e esqueça o passado, por favor! - Ela me abraçou novamente.
– Queria que fosse tão simples assim... - Disse chorosa.
– Venha cá, minha menina... - Bateu em seu colo e como uma criança com medo me deixei ser consolada por Lucília. - Sempre terá um colo... tu e Rafael. Assim como teu pai teve a vida toda! Eu te amo, Isabel! - Beijou meu cabelo e me apertou em seus braços enquanto chorava.
***
Depois da conversa com Lucília passei a dar mais valor a tudo a minha volta, como ela mesmo disse estava tentando aproveitar a segunda chance que a vida estava me dando e acima de tudo me dando a chance de seguir em frente. Focaria meus pensamentos e ações no meu filho e no meu relacionamento com Héloïse. Ela estava tentando me conquistar, agora eu precisava lhe dar a chance para isso. Não facilitava muito a vida de Héloïse, pois meu coração estava totalmente fechado para um novo amor.
Minha mudança incluiu a passar mais tempo com a francesa e me dedicar mais aos preparativos do casamento.
– Gostou dessa renda, querida? - Ela estava com várias na mão.
– Parece a mesma que me mostrou há dois minutos... - Disse rindo e Lucília revirou os olhos.
– Claro que não, Isabel! Olhe os detalhes e a cor é diferente, essa é uma renda Chantilly e anterior era uma renda Alençon, que é francesa e belíssima! - Disse sonhadora.
– Entendi... - Disse fingindo.
– Por Deus, Isabel! Devia ter feito seu pai ter deixado tua criação na minha mão, como uma moça não sabe identificar uma renda simples?! - Disse perplexa.
Agora foi a minha vez de revirar os olhos. Mirei o quadro do meu pai e juntei as mãos em agradecimento.
– Obrigada por ter me criado como um garoto, papai! - Lucília e Héloïse riram alto.
A francesa me puxou pelo queixo e deixou um beijo delicado em minha boca.
– Pas de problèmes, Mon cher! (Não tem problema, minha querida!) - Disse sorrindo entre o beijo.
As duas mulheres voltaram a se concentrar nas milhares de rendas espalhadas pela mesa da sala e levantei indo até o bar da casa. Enchi um copo com cachaça e voltei a olhar para as duas. Era um grande esforço estar ali há quase duas horas ouvindo sobre rendas, doces e flores... Mas como tinha prometido agiria diferente daqui para frente.
Héloïse decidiu por uma cerimônia simples na fazenda Águas Claras, com poucos convidados. Louis viria da França, junto com alguns parentes da minha noiva. Marcamos a data para daqui a cinco meses, seria primavera e o local que ela escolheu ficaria coberto por lindas flores do campo. Lucília insistia na ideia de que alguém deveria me levar ao altar, mesmo eu dizendo que não via sentido nisso, seria somente uma cerimônia simbólica, já que o casamento de duas mulheres não era aceito e muito menos bem visto na sociedade. Enfim, depois de muito me encher a paciência resolvi atender seu pedido da minha maneira e escolhi o Barão Gusmão Maia para ficar ao meu lado no altar, não era bem o que ela queria, mas se contentou com o fato de ter alguém ao meu lado representando meu pai.
– Já escolheu a cor do terno, querida?! - Héloïse me trouxe de volta a realidade.
– Ainda não pensei nisso, meu bem... - Falei tomando um grande gole de aguardente.
Respirei fundo. Casar dava mais trabalho do que imaginava.
– Héloïse, se for deixar por Isabel, ela se casará com trajes de montaria! - As duas mulheres riram.
– Muito engraçado... - Me fingi de ofendida. Voltei a me sentar ao lado de Héloïse. - Juro que logo decido. - Ela sorriu.
– E onde passarão a lua de mel? França talvez?! - Lucília disse animada.
– Isabel não quer ficar longe de Rafael por tanto tempo... - Héloïse falou. - Então decidimos ir para a parte Sul do país, na fazenda de sua família.
– Aquele asqueroso do Klaus Buchmann... - Lucília torceu o nariz.
Héloïse nos olhou sem entender.
– Klaus é meu tio, irmão mais velho da minha mãe. - Apontei para seu quadro na parede. - Quando ela faleceu, herdei metade da estância, meu pai nunca gostou do meu tio, mas precisava de alguém para cuidar da minha parte da herança e Klaus se propôs a cuidar pela memória da minha mãe. - Ela me olhava atenta.
– Tive o desprazer de conhecê-lo quando trouxe Antônia para a fazenda, é um homem metido e sem sentimentos! - Falou irritada.
– Quase não o conheço, a última vez que fui ao Sul ainda era uma menina, mas ele sempre cuidou bem da estância e minha parte dos rendimentos é enviada todo o mês corretamente... Então Klaus pode ser um homem asqueroso, Lucília, mas cumpre seus tratos! - Falei encerrando aquele assunto.
Ela revirou os olhos.
– Então... Decidimos passar a lua de mel na estância! - Héloïse disse sorrindo.
– É um lugar muito bonito, vai adorar! - Disse beijando-a.
– Vão levar Rafael?! - Lucília perguntou.
– Não... Vamos ficar no máximo uma semana e não quero tirar o menino do tratamento. Conto contigo e Marta para cuidarem dele na minha ausência.
– Rafael ficará bem, não se preocupe! - Disse me tranquilizando.
– Estou ansiosa... - Héloïse disse sonhadora.
– Logo será Baronesa de Vassouras, minha querida! - Lucília se levantou e pegou Héloïse pela mão. - Agora vamos lá no jardim quero lhe mostrar algumas ideias para arranjos de flores! - As duas saíram empolgada.
***
As semanas seguintes quase não tive tempo para pensar em nada, estávamos na época da colheita do café e todos os dias ficava até tarde no meio da plantação auxiliando o meu pessoal.
Cheguei por volta das oito da noite na casa grande, todos já haviam jantado e Lucília como sempre deixou meu jantar pronto. Passei no quarto de Rafael como fazia toda noite antes de dormir. Assim que entrei no quarto escutei sua risada. Marta já o tinha colocado para dormir, mas pelo jeito a criança tinha enganado bem a babá.
– O que está fazendo acordado, rapaz? - Disse beijando seus pezinhos. O menino riu alto, ele se remexia no berço e levou seu cavalo de madeira a boca. José tinha esculpido esse cavalo em miniatura e deu a Rafael de presente quando ele nasceu. Sorria boba ao ver ele agarrar firme o cavalinho, era um movimento que há poucos meses meu filho ainda tinha dificuldades de fazer. Era um pequeno lutador.
Peguei o bebê no colo e sentei na poltrona embaixo da janela.
– Seu cavalo é muito bonito, Barãozinho! - Ele mordia as pernas do brinquedo. - Mas precisa deixar as perninhas intactas se quiser que ele ande por aí! - Peguei o cavalo de sua mão e o levei até a cabeceira da poltrona, imitando o cavalgar do animal. - Acho que esse cavalo precisa ser domado, Rafael! Ele é muito arisco... - Levei o brinquedo até sua barriga fazendo cócegas e vendo a criança rir alto. - Espero que goste de cavalgar, meu filho! Vou te ensinar a andar por aí e vamos apostar corridas, como seu avô fazia comigo! - Sorri com a lembrança e meus pensamentos me levaram para o dia que ganhei dele pela primeira vez em uma corrida.
" – No três, papai! - Disse alto. O Barão estava um pouco afastado. - Até a figueira!
–Vamos logo com isso, Isabel! Sei que ganharei! - Disse rindo.
– UM... DOIS – Pérola relinchava na expectativa. - TRÊS! - Disse e saímos em disparada.
Acho que tinha quase quinze anos na época e como toda manhã, nos dois saímos pelos campos e disputávamos a nossa corrida diária. Eu nunca conseguia ganhar, meu pai sempre era mais rápido, mas fazia alguns dias que andava treinando e hoje iria surpreendê-lo.
Estávamos lado a lado, até que ele disparou na frente.
– Ainda é muito lenta, menina! - Disse rindo ao passar por mim.
Era hora de usar o que treinei. Me ajeitei melhor, segurei firme na sela e bati três vezes com a espora e ela que correu mais do que esperava. Me apavorei no começo, mas sorri ao ver sua cara de surpreso ao me ver passar. A figueira estava bem próxima, olhei para trás e vi meu pai tentando me alcançar.
– GANHEI! - Disse parando o cavalo e gritando feliz.
Meu pai se aproximava com um largo sorriso no rosto.
– Como fez isso? - Perguntou surpreso.
– Um dia iria te superar, papai! - Disse rindo.
– Minha garotinha, já é uma talentosa amazona! Andou treinando? - Perguntou descendo do cavalo.
– Todos os dias no meio da tarde. - Respondi orgulhosa.
Sentamos embaixo da árvore.
– Fico feliz que tenha se empenhado para vencer, Isabel. Muitas vezes durante tua vida, terá que se preparar e dedicar para conquistar teus objetivos! Estou muito orgulhoso de ti... - Ele me puxou para um abraço apertado.
– Não me aperta, pai! - Falei saindo dos seus braços e o fazendo rir. - Promete que sempre estará ao meu lado?! - Ele me encarou e sorriu.
– Sempre estarei contigo, minha querida! Não importa como, seu velho pai sempre estará aqui para ti! - Ele tinha algumas lágrimas nos olhos.
– Não chore, Barão! Da próxima vez te deixo ganhar! - Ele riu alto.
Levantei e subi no cavalo.
– Menina...
– Aposto que não me vence em uma corrida até a casa grande... - Ele correu até seu cavalo e subiu partindo rápido sem me avisar.
– Isso não vale! - Falei cavalgando logo atrás.
– Tente me alcançar, garotinha! - Falou rindo."
Era uma das minhas lembranças favoritas. Foi a primeira e única vez que o ganhei em uma corrida.
Sorri triste para Rafael. Ele tinha voltado a brincar com seu cavalo de madeira.
– Será que um dia também irá me ganhar nas corridas de cavalo, Rafael? - Ele riu. - Hoje tu dormirá com a mamãe! - Peguei o pequeno no colo e sai de seu quarto.
Espero que tenha mais tempo com meu filho do que meu pai teve comigo. Morreu tão precocemente, tinha tanta coisa a me ensinar ainda, mas tinha certeza que nunca me abandonou, assim como um dia me prometeu.
***
Tinha acabado de chegar em casa para o almoço. Héloïse e Rafael estavam na varanda. A francesa sentada no chão brincando com Rafael. Meu coração se alegrou com aquela imagem.
– Isabel! - Ela se levantou com Rafael no colo e me deixou um beijo delicado.
– Oi, minha querida! - Disse retribuindo. - Esse rapaz se comportou? - Peguei Rafael de seu colo e o enchi de beijos nas bochechas gordas.
– Rafael é um bom menino! - Héloïse me deu o braço e entramos na casa.
– Estou faminta! - Disse indo até a cozinha. - Ana, por favor pode servir o almoço! - Falei para a jovem em frente ao fogão de lenha. Ela já estava com uma barriga enorme.
– Sim, Baronesa. - disse sorrindo.
Quando chegamos a sala de jantar, tudo estava arrumado para a refeição. Entreguei Rafael a Marta e me sentei a mesa com Héloïse.
– Obrigada, Marta! Esse menino está cada dia mais pesado! - Rimos.
– O Barãozinho tem um apetite de leão! - Rafael balbuciou algumas coisas sem sentido nos fazendo rir.
Joana nos serviu o almoço e senti falta de alguém na mesa.
– Onde está Lucília? - Héloïse estava ajeitando o guardanapo no colo.
– Foi até a fazenda de Vassouras, mas não disse o porque... - Dei de ombros.
– Provavelmente foi buscar algo na casa antiga. Então vamos almoçar sem ela hoje!
O almoço transcorreu tranquilo. Rafael estava na fase de comer papinhas, o que me deixavam um pouco enjoada de ver, mas o menino adorava. Marta sentou na mesa para alimentá-lo e fizemos a refeição todos juntos.
Logo após o almoço me despedi de Héloïse e Rafael, voltaria aos afazeres da fazenda.
Andei alguns metros com o cavalo até que escutei alguém gritar meu nome.
– ISABEL! - Virei o animal na direção que me chamavam e avistei Lucília. Ela sacudia os braços. Andei até onde a mulher estava parada.
– O que houve? - disse preocupada.
– Carmen... - Falou um pouco contrariada e meu coração parou por alguns segundos. - Está a tua espera, me disse que saberia onde encontrá-la...
Fechei a cara.
– Não tenho tempo para as desculpas de Carmen! - Falei virando o cavalo na direção contrária.
– Isabel! - Me chamou e me virei para olhá-la novamente. - Vá e coloque de vez um ponto final nessa história...
– Não vou a lugar nenhum! - Meu coração batia acelerado. Há um mês lutava contra suas lembranças e quando estava evoluindo, Carmen chegava e estragava tudo.
– Faça isso por ti e por Rafael, Isabel! Ou nunca terá paz... - Bufei irritada e corri dali o mais rápido possível. Eu sabia onde encontrá-la.
Quando me aproximava da figueira avistei a figura da mulher que tanto amei. Uma súbita vontade de descer do cavalo e correr até seus braços me dominou, mas precisava ser forte. Coloquei novamente minha máscara de mulher fria e torci para que ela não visse em meu olhar o amor que ainda não consegui expulsar.
– O que está fazendo aqui? - Falei o mais séria possível, mas, mesmo assim, minha voz vacilou.
Carmen se virou e me olhou. Tinha um sorriso triste nos lábios.
– Usted está diferente... - Me encarou. Daquele jeito que sempre fazia quando queria adivinhar meus pensamentos.
– O que quer? - Desviei meus olhos dos seus.
– Quero saber se ainda me ama? - Fechei os olhos por um instante. Todo meu corpo reagiu aquela pergunta. Meu lado irracional e apaixonado por ela gritava na minha cabeça que sim.
– Para que quer saber? - Perguntei e logo despejei tudo que estava engasgado há meses, toda a mágoa saindo em cada palavra.
Ela tentava se explicar e eu lutava contra a vontade de chorar.
– Amava, Carmen! Eu vou me casar com Héloïse, caso não saiba... - Olhei para o chão. Não conseguia encará-la ao falar sobre o casamento.
– Tu estás feliz? – Ela perguntou triste. - ¡DIME!
– Por que quer saber? - Disse brava.
- ¡PORQUE PUEDO HACERTE FELIZ, ISABEL! - Gritou. - Eu posso cuidar de usted e de nuestro niño, eu posso... enfrentar o mundo inteiro só para ser feliz com vocês de novo.
Era tudo que queria ouvir, que sonhei por noites em escutar de sua boca. Ela tentou se aproximar e só consegui rir da piada que era minha vida.
"Por que demorou tanto?" - Pensei e balancei a cabeça em negação.
Precisava ir embora dali antes que cedesse às suas mentiras. Virei as costas e fui até o cavalo amarrado no tronco da árvore.
– ¡Escúchame! - Ela me seguia e ficava cada vez mais irritada.
– NÃO QUERO OUVIR AS TUAS MENTIRAS! - Explodi e soquei o tronco da árvore.
Olhei para minha mão e algumas gotas de sangue surgiram entre os arranhões.
Discutimos por longos minutos e ouvi daquela boca linda que eu sentia vontade de beijar há todo o instante tudo que queria ter ouvido desde que pedi sua mão em Petrópolis. Meu coração se aqueceu, mesmo assim, a mágoa ainda era maior.
Carmen me contou toda a sua história e eu permaneci de pé enquanto ouvia tudo, tentei não transparecer a tristeza que sentia ao escutar detalhes tão sombrios da sua infância. Eu tinha vontade de sentar ao seu lado e tomá-la em meu colo. Mas meu orgulho não permitiu.
– Essa é a minha história, Baronesa. - Carmen chorava e estava tão vulnerável, acho que nunca a vi daquele jeito.. - Talvez não faça diferença para ti saber disso, mas Margot precisava de mim e eu simplesmente não podia dizer que não.
– Eu sinto muito. – Falei sincera. – Por tudo, principalmente por Margot.
Carmen enxugou as lágrimas e se aproximou me deixando trêmula.
– Me deixa te fazer feliz? – Pediu – Me dá uma chance para eu provar o quanto te quiero, Isabel...
Como queria dizer que sim, mas não poderia.
– Carmen...
– Casa conmigo? – Perguntou me deixando surpresa. – Se quiser, me ajoelho em frente ao Paço Imperial e grito para a capital inteira ouvir o quanto yo te amo. Yo só... Eu só quiero passar toda mi vida contigo y Rafael.
Sorri triste com sua declaração. Só Deus sabe o quanto sonhei em escutar essas palavras. Suspirei e fechei os olhos buscando forças para dizer não a ela. Lembrei de todas as noites que passei chorando pela saudade e por todas vezes que me culpei por sua partida, por achar que não era o suficiente para ela.
– Não! – Disse com raiva. - Se veio aqui para isso, já tem a tua resposta. Não tem mais espaço para ti na minha vida e nem na vida do MEU filho. - Deixei que minha dor falasse por mim.
Carmen chorou alto e continuei ali firme na minha falsa indiferença.
– Pode ir embora, Carmen. Não tenho mais tempo para perder contigo. Meu filho e minha noiva estão à minha espera. - Falei sem conseguir encará-la.
Virei as costas e resolvi ir embora antes que a coragem que reuni para expulsá-la da minha vida me abandonasse.
– Na verdade, eu não vim aqui para isso, pero yo tenía que tentar una última vez.
– Veio para que então? – Falei ríspida.
– Para me despedir, Isabel. – Encarei Carmen pela primeira vez – Queria ver usted una última vez.
Estava cada vez mais difícil manter aquela postura de forte e depois de sua última frase eu desabei.
– Vai fugir de novo? - disse chorando.
– Vou... Dessa vez para o mais longe possível daqui!
Ri sem acreditar que novamente Carmen fugiria.
– Eu queria ver Rafael uma última vez também. Pegá-lo em meus braços. Mas sei que não permitirá isso...
– Não... Não permitirei mesmo! - Minha voz saiu embargada.
– Isabel... – Estava de costas mas senti Carmen se aproximar e segura em minha mão, eu não queria recuar ao seu toque, já estava cansada. – Quiero que sepas, antes de irme, que ... no habrá un solo día en el que no piense en ti y en nuestro hijo.
– É tarde demais. – Sussurrei chorosa.
– Yo sé. – Acariciou minha mão. – Eu te amo, Baronesa! Te amei no dia em que te conheci e amarei por toda a eternidade y más alla de la eternidad. – Um soluço escapou da minha garganta.
– Cala a boca! – Sussurrei e apertei sua mão delicadamente. Estava chorando.
Carmen soltou minha mão por um segundo e em seguida me estendeu anel que havia lhe dado.
– Isso deveria pertencer à mulher que ama, pero usted me deu um dia e não devolverei porque ele faz parte da nossa história. – Deixou o anel na palma de minha mão e entrelacei nossos dedos – Por este motivo eu quero dê isso a nuestro hijo. Eu não sei se algum dia contará à ele da minha existência, mas... Mas enquanto ele usar isso, mesmo sem saber, terá um pedaço de mim. Um símbolo de todo o meu amor por ele... e por ti.
– Eu te odeio, Carmen! – Virei para encará-la, minha máscara de mulher fria já tinha caído e o choro que tanto segurei, veio de forma intensa. – Para onde irá?
– Isso não importa...
– ME DIGA! – Gritei em desespero.
– Fará diferença? – Carmen se aproximou.
– Carmen... - As palavras não saiam.
– Me prometa uma coisa? – Ela tocou meu rosto e aquele calor bom que sentia com seus toques me invadiu. – Prometa?
Concordei ainda de olhos fechados.
– Que cuidará e amará Rafael. Que o ensinará a ser gentil como tu. Que o criará com amor como teu pai fez? – Ela nem precisava me fazer prometer, eu sempre cuidaria do meu filho. Concordei novamente.
Carmen se aproximou mais e meu coração batia cada vez mais rápido.
– Seja feliz, Mi Cariño. – Ela encostou sua testa em meu queixo e chorou. – Seja feliz por nós duas.
Todo esforço que fiz para esquecê-la foi em vão. O fato era que Carmen nunca sairá do meu coração. Estava gravada a ferro quente na minha alma. Ela ficou na ponta dos pés e beijou o canto da minha boca. Não consegui me mover e nem reagir ao seu beijo. Vivia uma guerra interna nesse momento. Meu lado sentimental dizia que deveria segurar Carmen e não deixá-la ir embora e meu lado racional suplicava para acabar de vez com aquela tortura e isso implicava em me despedir para sempre da mulher que me fez sofrer.
Ela segurou em minhas mãos. E fechei os olhos tentando gravar a delicadeza do seu toque. A sensação boa que sentia quando sua pele encostava na minha.
– Eu já lhe disse isso uma vez, mas direi de novo. Mesmo que eu viva para toda a eternidade, jamais esquecerei de cada segundo que passei contigo. Adiós, meu amor.
Carmen soltou minha mão e assim que virou as costas correu sem olhar para trás. Fiquei parada vendo o grande amor da minha vida sumir de vista. Aquele era um adeus diferente, senti na alma que talvez fosse para sempre. Soltei as lágrimas que tanto segurei enquanto ela estava na minha frente e tirei a maldita máscara de mulher fria e sem amor, que coloquei assim que a vi... Me sentei em uma das raízes da árvore e chorei alto, aquela ali era a verdadeira Isabel. A mulher que por meses fingiu ser forte e inatingível. Que fingiu uma indiferença a Carmen que nunca existiu. Aquela Isabel era somente uma menina assustada e que acabou de perder o grande e único amor da sua vida.
Héloïse era uma boa mulher, amava Rafael, cuidava de nós dois e recolheu todos os cacos do meu coração, deixados pela partida devastadora de Carmen. Mas eu não a amava, tinha somente um grande carinho e gratidão por tudo que fez por mim e meu filho.
– Carmen... – Dizia seu nome entre os soluços.
A verdade era que nenhuma mulher supriria a falta que ela me fazia. Nenhuma ocuparia seu lugar, nem na minha vida e nem na vida de Rafael.
Eu passei tanto tempo tentando me convencer que estava recuperada daquela perda e do amor que sentia por ela, que me afastei da dor real que me rondava todos os dias. Ela tomou conta de mim nesse momento, senti profundamente tudo que tentei negar.
Carmen me perguntou porque não li suas cartas, pois nelas explicava o porquê tinha ido embora e como a saudade a consumiu. Recebi todas, mas nunca tive coragem de abri-las. Se o que ela dizia era verdade, aquelas cartas intactas na gaveta da mesa do escritório iam me provar.
Limpei as lágrimas, subi no cavalo e corri até a casa grande. Héloïse e Marta brincavam com Rafael na varanda. Assim que subi as escadas a mulher mais nova me olhou preocupada.
– Ma chérie, está tudo bien? – Ela se levantou e veio ao meu encontro.
Engoli o choro e falei.
– Sim... Não se preocupe! Só preciso verificar alguns documentos no escritório. - Ela pareceu entender.
Olhei para Rafael, tão inocente e alheio a tudo. Ele nunca conheceria sua mãe. A dor em meu coração só aumentou. Quando desviei os olhos de meu filho, percebi que Marta me encarava com um olhar triste, como se soubesse tudo que aconteceu.
Deixei um beijo na testa de Héloïse, era quase como um pedido de perdão, por talvez nunca conseguir sentir por ela o mesmo que sinto por Carmen.
Entrei e me tranquei no escritório. Assim que me sentei abri a gaveta e vi algumas das suas cartas fechadas. Peguei uma delas e abri. Nas suas primeiras palavras, já senti as lágrimas molharem meu rosto.
" Me perdoe por ir embora, mas Margot está doente e precisa de mim..."
Ela realmente não mentiu quando disse que o motivo de sua partida era esse.
" Por favor, não me odeie, meu amor... Logo estarei de volta em teus braços e prometo que nunca mais partirei..."
Abri outra carta e novamente ela me pedia perdão e falava da saudade que sentia de Rafael.
" Meu coração dói ao pensar no meu pequeno, cuide bem dele, Isabel... "
" A saudade que sinto de vocês dois me consome, sei que preciso estar ao lado de Margot, ela salvou minha vida, mas a vontade de correr para os teus braços é enorme. Já não sinto os dias passarem, vejo minha mãe morrer um pouco a cada dia. Queria que estivesse ao meu lado nesse momento."
" Isabel, por favor responda as minhas cartas... Minha esperança de tê-la de volta está acabando. Sinto que me odeia, mas prometo explicar tudo a quando voltar para a fazenda."
Ela voltaria. Carmen nunca quis ir embora. Não nos largou para virar uma Cortesã novamente. Ela fez isso por Margot. Mas por que não conversou comigo? Por que foi embora daquele jeito me deixando sem uma explicação?
Quando suas cartas chegaram, meu ódio e mágoa pelo que fez, não me permitiram ler e saber a verdade.
Tinha somente mais uma carta na gaveta. Era a mais triste e pela data foi a última que enviou. Suas correspondências deixaram de chegar desde fui até o bordel.
" Tuas respostas nunca chegaram, acredito que deva ter jogado todas as cartas no lixo, sem ao menos ler... Eu imploro Isabel, me perdoe. Eu não tive escolha. Meu coração está dilacerado pela saudade que sinto de vocês dois. Me mande notícias do nosso filho, por favor. Peguei a manta de Rafael antes de ir embora, creio que já deve ter sentindo falta. Durmo agarrada a ela toda noite, mas infelizmente seu cheiro já não está mais ali.
Amo vocês com a toda a minha alma e sinto que longe sou somente um corpo vazio. "
Larguei a última carta na mesa e levei as mãos a cabeça em total desespero. Meu orgulho e mágoa foram mais fortes que meu amor por Carmen, talvez eu realmente merecesse tudo que estava passando. Ela errou por ter partido sem conversar e eu errei por não ter dado a mínima chance dela se explicar após sua partida.
O que faria agora? Andava de um lado para o outro, perdida e com o coração apertado. Eu tinha assumido um compromisso com Héloïse e isso me prendia. Não tinha ideia para onde Carmen iria. Fui impulsiva em assumir aquele compromisso com a francesa. Agora estava em um beco sem saída. Eu precisava cumprir minha palavra e me casar. Afinal, como meu pai sempre falava um Albuquerque de Castro sempre honra com seus compromissos.
Meu coração foi embora junto com ela. Ali restou somente uma Isabel vazia, assim como ela falou nas cartas. Naquele momento consegui compreender exatamente o que Carmen sentiu nesses meses.
***
Alguns dias se passaram desde sua vinda a fazenda. Não tive mais notícias da mulher. Meus informantes na capital não a viam mais há algum tempo. Ela realmente cumpriu o que me disse. Dessa vez parece que partiu para sempre.
Eu andava cabisbaixa esses dias. Todos notaram, mesmo eu tentando disfarçar. Passava mais tempo trancada no escritório ou andando a cavalo pelos campos. Sua partida mais uma vez me deixou sem chão. Nunca superaria aquela mulher e dessa vez não lutaria mais contra o amor que sinto por ela. Sofreria pela minha vida toda atormentada pela sua lembrança. Assim como viveu meu pai. E eu que jurei não seguir seus passos, me dei conta que não teria escolha.
Estava sentada em frente a minha mesa com suas cartas espalhadas na minha frente. Eu reli cada uma delas uma dúzia de vezes. Escutei batidas na porta e em seguida a voz de Lucília.
– Isabel, está aí? - Não respondi de imediato. - Por favor, abra a porta... - Senti a preocupação na sua voz.
Tive pena da mulher, ela estava há dias tentando conversar comigo e eu a evitava a qualquer custo. Guardei as cartas de volta na gaveta e levantei para abrir a porta.
– Isabel... - Falou assim que abri a porta.
– Aconteceu alguma coisa, Lucília?
– O que está acontecendo contigo, minha querida? - Tocou em meu rosto e entrou no escritório fechando a porta em seguida.
Fui até a janela e olhei para o dia bonito que fazia.
– Eu estou bem... - Disse fria.
Escutei a mulher bufar.
– Não minta para mim, Isabel! Sei que não está bem... E sei muito bem o motivo. - Falou irritada.
Balancei a cabeça em negação e continuei a olhar pela janela.
– Estou bem. Já disse! Agora saia, por favor, preciso voltar a trabalhar...
Lucília não respondeu. Ficou quieta durante alguns segundos e estranhei. Quando olhei para dentro do escritório a mulher estava com uma das cartas de Carmen na sua mão.
– Largue isso! - Disse me aproximando. - Como pegou essa carta?
– Estava em cima da mesa! - Falou escondendo-a atrás de seu corpo.
Me xinguei mentalmente por ter guardado as cartas na pressa, pelo jeito uma se escapou.
– Já disse para me devolver, Lucília! - disse alto. - Não tem o direito de ler minhas correspondências!
Estava vermelha de raiva. Ela ainda escondia a carta mas, por fim, devolveu. Peguei o envelope e guardei no bolso da calça.
– Essa mulher nunca te deixará em paz, Isabel! - Disse irritada. - Sei que está assim por causa dela. Tu mudou depois da sua visita...
– Cala boca, Lucília! Apenas saia!
– Quais as mentiras que ela contou dessa vez? Disse que iria embora para sempre? - Falou com desdém. - Ela só está jogando contigo, Isabel!
– Olhe para mim e diga que não acreditou no que ela disse? - Lucília desviou o olhar. - Eu sei que ela contou que iria embora.
Lucília bufou e me encarou.
– Não, Isabel, não acho que Carmen estava mentindo quando disse que partiria...
Não contive minhas lágrimas.
– Então sabe o motivo da minha mudança, Lucília! Eu me arrependo todos os dias por tê-la deixado partir daqui, por não ter ido correndo atrás dela! Isso está me matando! - Falei chorando.
Lucília se aproximou e me puxou para seus braços.
– Minha menina... - disse acariciando meus cabelos. - Não chore, isso vai passar.
Olhei para ela.
– Deixou de amar meu pai um só dia da tua vida? - Seus olhos se encheram de lágrimas nessa hora.
– Não... Sempre o amarei. - Disse enxugando as lágrimas.
Me afastei ainda chorando.
– Então não me diga que passará! - Falei irritada.
– E Héloïse... - Ela começou a falar.
– Não se preocupe, eu vou manter minha palavra e me casarei com ela! - Falei desviando da mulher e saindo do escritório.
Passei rápido pela sala rezando para não encontrar Héloïse pelo caminho. Não saberia como explicar meu rosto inchado pelo choro. Peguei o primeiro cavalo que estava em frente e casa e corri até a figueira. Me joguei no chão e me escorei na grande árvore. Bem acima da minha cabeça estava nossas iniciais gravadas no tronco da velha figueira. Meu templo criado para o amor que nunca viveria.
***
Andava com uma dor de cabeça insistente, me deitava cedo e pouco adormecia. Rafael dormia quase todos dos dias no meu quarto o que me deixava um pouco mais calma. Sua presença ao meu lado diminuía um pouco da dor da ausência de sua mãe.
Peguei no sono assim que o menino dormiu e meus sonhos me levaram direto a ela.
" A luz forte não me deixava ver direito, mas aos poucos entendi onde estava. Na figueira. Era sempre lá.
– Carmen...?
– Isabel...
A mulher estava sentada aos pés da figueira.
– Tu voltaste para mim? - Corri feliz até onde estava.
Ela se levantou e me parou com as mãos, de imediato vi o ferimento aberto em seus pulsos, ainda sangrava. Arregalei os olhos e encarei seus olhos triste.
– Por que fez isso? – Minha voz embargou. – POR QUE FEZ ISSO COMIGO? - Levei as mãos a boca abafando um soluço alto de choro.
– Porque eu cansei, Isabel. – Carmen sussurrou chorando.
– Cansou?
– Cansei! – Ela me olhou tão profundamente, da maneira que costumava fazer quando desvendava minha alma. – Cansei de lutar contra as dores da minha infância que durante anos fingi que não existiam. Cansei de lutar com a vergonha de ter feito o que fiz com meu filho. Cansei de lutar com a ausência de Margot, a única família que eu tive em toda a minha vida. Cansei de lutar contra a saudade de Rafael que me matava a cada dia. E principalmente, Isabel, cansei de lutar contra o meu amor por ti.
– Cansou de mim? – Corri de novo para perto de Carmen.
– Jamais! Cansei de não ter usted.
– Por que me trocou de novo por aquela vida? – Segurei em suas mãos e beijei seus pulsos que exibiam cortes profundos.
– Não troquei, mi Cariño. Ainda permaneço exatamente como deixou na última vez em que fizemos amor... só achei que não podia deixar Margot sozinha no fim de sua vida. - Ela riu. - Irônico, não? Quem está morrendo sozinha sou eu.
Puxei Carmen para meus braços e a abracei forte. Ela desabou chorando em meu colo.
– ¿Prometes que me encontrarás? – Pediu acariciando meu rosto.
– Como? Tiraste de mim a chance de te ver de novo. - Falei chorando.
– Eu nasceria otra vez más só para isso. – Sorriu em meio às lágrimas. – Prometa que me encontrará em outra vida, outro tempo, outro lugar. Que me encontrará de novo? Eu prometo a ti que não serei mais uma cortesã. Eu serei só Carmen. Tua Carmen. E usted, a minha Isabel. Para sempre.
Concordei de olhos fechados e senti sua mão secando minhas lágrimas.
– Eu te amo, minha Carmen.
– Eu te amo, minha Isabel.
Ela me beijou devagar, com saudade, intenso e com todo o amor que existia em nós. Ali, em meus braços, ela deixou de ser a Cortesã e eu a Baronesa, éramos somente Carmen e Isabel, sem todo aquele peso que carregamos. Senti Carmen me abraçar forte e quando abri os olhos ela não estava mais ali.
– Isso é um adeus? - Perguntei ao nada. - Por favor não me deixe aqui sozinha... - Cai no chão chorando. - Carmen! - Gritei."
Acordei assustada e chorando. Rafael dormia como um anjo ao meu lado. O trouxe para mais perto. Ele se aconchegou no meu colo e colocou sua mão no meio dos meus cabelos, uma mania que tinha herdado da outra mãe. Chorei baixinho. O sonho era tão real e fiquei toda a madrugada me perguntando se ela realmente tinha acabado com sua vida.
***
Os dias seguintes foram piores, eu andava perturbada com a ideia da morte de Carmen. Passei a mandar alguns dos meus empregados até a capital, para saber notícias da mulher. Todas as vezes voltavam sem novidades. Ninguém tinha visto Carmen. Era como se ela tivesse sido engolida pela terra. O que só aumentava mais meu desespero. Precisava saber notícias suas, saber se estava viva e bem e principalmente saber onde estava.
Sai do escritório desanimada depois de mais uma busca sem resultados. Os dois homens vasculharam a cidade, bateram à porta do bordel e como sempre ninguém sabia da espanhola. Uma das meninas da casa soltou que ela viajou cerca de quinze dias atrás, mas não sabia o destino.
"Onde aquela mulher se met*u?" - Sai batendo o pé pelo corredor. Não desistiria.
A porta do quarto de Rafael estava aberta e parei quando escutei a conversa de Marta com a criança.
– Barãozinho não permita que sua mãe faça essa besteira... - O bebê a olhava atento. –Que os Orixás a protejam, Madame Carmen... - Falou pegando Rafael no colo e o embalando. Sentia em sua voz uma tristeza que nunca vi em Marta.
Se antes tinha medo agora estava desesperada. Meu coração doía e no fundo eu sabia que Carmen não estava bem, podia sentir. Pedi mais uma vez que fossem até a capital atrás de notícias da espanhola e só voltassem com alguma coisa concreta. Não costumava ser tão rígida, mas o desespero falava mais alto.
Dois dias se passaram e ninguém tinha voltado da capital. Héloïse alheia a tudo que se passava comigo, mandou chamar a costureira para a primeira prova do terno de casamento.
Estávamos na sala e sentada olhava perdida para o nada enquanto escutava ao longe as vozes animadas de Lucília, Héloïse e da costureira.
– Isabel, venha vestir o terno! Está tão lindo! - A governanta me puxou pela mão e sorriu triste. Ela sabia tudo que se passava e o quanto estava descontente com tudo.
– E o vestido? - Perguntei a Héloïse tentando fingir pelo menos um pouco de interesse.
– Está quase pronto, mas só poderá ver no dia do casamento, Ma cherie! - Ficou na ponta dos pés e me deixou um beijo carinhoso no rosto. Sorri e peguei de suas mãos a casaca.
A costureira andava a minha volta grudando alfinetes enquanto as mulheres davam palpites. Olhei para o grande espelho a minha frente. Estava bonita. O fraque era de bom gosto e do jeito que me agradava. Tinha certeza da participação de Lucília na escolha. Através do espelho via os sorrisos felizes. O casamento deveria ser motivo de felicidade, assim sempre imaginei, mas lá estava eu tão triste quanto no dia em que perdi meu pai.
Aquela Isabel nunca seria feliz.
Era o fim.
"Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo levará você de mim
Eu sei e você sabe que a distância não existe
Que todo grande amor só é bem grande se for triste
Por isso, meu amor, não tenha medo de sofrer
Pois todos os caminhos me encaminham prá você
Assim como o oceano só é belo com o luar
Assim como a canção só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem só acontece se chover
Assim como o poeta só é grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor não é viver
Não há você sem mim, eu não existo sem você"
Vinícius de Moraes
Fim do capítulo
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