E chegamos ao fim!
Gratidão à quem nos acompanhou até aqui e se querem continuação, estamos em outro site com o livro dois, mas infelizmente encerramos nossos trabalhos no Lettera por enquanto.
Obrigada de coração à todes.
Muito sucesso e amor! <3
Rafael
10 anos depois...
RAFAEL
– Rafael, tu vais cair daí e a madrinha vai arrancar minha cabeça.
– Para de ser frouxo, Carlos, está me atormentando por medo de subir mais alto!
– Não sou eu que vivo caindo pelos cantos, moleque!
– Cala boca, frouxo! - Gritei para o imbecil do meu amigo.
–SEU MERDA!
Ri da cara dele e subi três galhos mais alto.
– SE TU CAIR DESSA ÁRVORE EU VOU VIRAR AS COSTAS E TE DEIXAR MORTO AQUI.
– Minha mãe te mata.
Ignorei os resmungos do idiota e continuei subindo o mais alto que podia.
– Quer saber, oh filho da mãe, agora eu quero mais é que tu caía daí mesmo.
– FROUXO! Parece a Gabriela chorando pelos cantos. - Gabriela é a irmã mais nova de Carlos, ainda é um bebê chato que vive chorando por tudo.
Subi mais um galho e sentei admirando os vales da fazenda. Era o lugar mais lindo do mundo, minha mãe Isabel ama a fazenda e eu também. Minha outra mãe gosta mais da capital, mas eu prefiro Barão, o meu cavalo e Fubá, o meu cachorro. As pessoas são idiotas. Principalmente os filhos dos Barões do Vale, aqueles velhos chatos amigos da mamãe. Eles vivem implicando comigo porque tenho duas mães e não um pai e uma mãe como todos eles, mas eu gosto assim. E afinal, qual é a diferença? Uma delas usa terno, gravata e cartola como todos os Barões e a outra vive cheia de joias e vestidos como as Baronesas. Minha mãe Isabel também é Baronesa, mas a mais legal delas. Eu também amo minha outra mãe, mas ela nos obriga a vestir roupas irritantes e apertadas toda a vez que tem visita na fazenda.
– Rafael...! - Ouvi o grito da minha mãe e gelei. O Fubá latiu alto, ele também sabia que ela ia me matar.
– Puta merd*! - Tentei descer o mais rápido que podia.
– Eu te avisei, seu moleque! - Carlos estava uns três galhos abaixo e desceu pulando.
– Cala boca e me ajuda a descer logo.
– Eu te odeio, Rafael! - Meu amigo me deu apoio e me ajudou a descer mais alguns galhos.
– Rafael, Carlos!!! - Minha mãe gritou mais perto
– Fique quieto, Fubá. - Pedi ao cachorro que não parava de latir.
– Ela vai matar nos dois. - Carlos choramingou.
Apoiei meu pé no ombro dele e desci mais um pouco. Segurei no galho debaixo, minha mão escorregou e assim que eu caí estatelado no chão...
– RAFAEL! - Minha mãe gritou descendo rápido da Pérola e vindo até mim.
Eu só tinha duas opções: fingir que estava morto pelo tombo ou morrer assim que ela descobrisse que eu estava em cima da árvore. Pensei em fingir um desmaio, mas o tio Otávio, o médico amigo da mamãe, me denunciaria como ele adorava fazer. Antes que ela chegasse até mim eu já chorava desesperadamente, não sei se pela dor que sentia no meu corpo inteiro ou se pelo desespero da bronca que eu ia levar.
Minha mãe me ajudou a levantar e se ajoelhou na minha frente.
– Onde está doendo? - Ela estava preocupada. Antes de qualquer bronca ela sempre me revirava pelo avesso.
– Meu braço! - Chorei mais alto. Realmente doía muito, mas achei que se insistisse no choro ia fugir da bronca que levaria.
Olhei de rabo de olho para Carlos, que revirava o olho me vendo chorar.
– Calma, Rafael... - Ela pegou com cuidado no meu braço ralado e com um pouco de sangue. - Carlos, tu estás bem? - O meu amigo só balançou a cabeça concordando.
Mamãe me pegou nos braços e escutei a risada alta de Carlos.
– Cala boca, seu idiota! - Gritei ainda chorando.
Minha mãe me olhou brava nesse momento. Eu e Carlos costumávamos falar palavrões longe de nossas mães, mas estava com tanta raiva que soltei sem perceber.
– O que disse, Rafael? - Ela me colocou sentado em um galho e abaixei a cabeça.
– Desculpa, mamãe... - Ela bufou.
– O que estava fazendo em cima dessa árvore? Quer se matar, garoto?! - Agora que ela já sabia que estava inteiro, chegou a hora de escutar o sermão.
– Eu avisei a ele para não subir! - Carlos disse se aproximando e se pudesse acertaria um soco na sua cara.
– Nenhum dos dois deveria estar aqui! Carlos, tu sabes bem o limite que podem brincar. Os dois estão distantes da casa grande! - Minha mãe dava a bronca em Carlos e enquanto ela não olhava eu ria da cara do meu amigo.
– Ele está rindo de mim, madrinha! - Ela me olhou na mesma hora e fechei a cara fingindo um choro.
– Chega de dramas, Rafael! - Chorei um pouco mais alto.
– Meu braço está doendo de verdade, mãe! - Eu sempre conseguia tocar seu coração quando chorava.
– Vamos para casa e chamo Otávio para olhar esse teu braço... - Ela deixou um beijo de leve perto do machucado, o que sempre me fazia sorrir. Era assim desde que me lembro. - Tua mãe irá me matar, Rafael! - Falou soltando Pérola da árvore. - E eu vou matar vocês dois!
Carlos se aproximou e me olhou com medo.
– Venham! - Subi na égua, depois foi a vez de Carlos e minha mãe.
– Vem, Fubá. - Chamei e o cachorro saiu correndo na frente em direção à casa.
Ela não parava de falar o quanto era perigoso se afastar da casa e que não deveríamos subir em árvores tão altas.
– Já tenho dez anos, mamãe! Sou quase um homem! - Ela revirou os olhos e riu.
– Um homem que ainda chora quando cai no chão. - Carlos riu alto e minha mãe ria junto.
Fechei a cara e cruzei os braços.
– Não fique bravo, tu procuraste por isso... - Ela disse bagunçando meus cabelos.
Já avistava a casa e senti um frio na barriga. A outra parte da bronca estava próxima.
– Madrinha, por favor não conte para o papai... - Carlos sempre levava uma surra do seu pai quando aprontava. Na maioria das vezes por minha culpa, eu sempre o metia em enrascadas.
– Por favor, mãe... Não deixe tio Pedro bater no Carlos. - Já me sentia mal pelo que poderia acontecer a ele.
Ela nos olhou irritada.
– Os dois mereciam um castigo! - Respirou fundo. - Mas não se preocupe, Carlos não contarei nada ao teu pai! - Ele sorriu e respirou aliviado. - Quanto a ti, Barãozinho... - Arregalei os olhos. - Não tenho como esconder da tua mãe, vai ter que aguentar a bronca.
Chegamos em casa e para minha sorte minha outra mãe não estava. Mamãe nos ajudou a descer e Carlos se despediu e correu em seguida para casa.
– Frouxo... - Falei baixinho. Ele estava fugindo da bronca que levaria da minha outra mãe também.
– Vamos limpar esse machucado! - Segui minha mãe até dentro de casa.
– O que aconteceu, Barãozinho? - Tia Marta correu até a porta.
– Aí! - Reclamei quando a senhora segurou em meu braço.
Mamãe que estava em nossa frente revirou os olhos e riu.
– Chega de tanto drama, Rafael! Ele estava subindo na figueira e acabou caindo... - Disse a Tia Marta. - Onde está minha mulher?!
– Foi até a vila de Vassouras, acredito que já esteja voltando. - Escutei o barulho da carruagem e meu coração acelerou.
Mamãe se aproximou da porta e me olhou rindo.
– Olha, Rafael... tua bronca chegou de carruagem, filho!
Comecei a chorar antes de ouvir o trotar dos cavalos pararem, se minha mãe Isabel não brigava tanto comigo pelo choro, minha outra mãe até esquecia da bronca. Ou pelos menos eu rezava para isso.
– Meu amor! - Mamãe abraçou-a e deu um beijo na boca dela.
– Eca! - Revirei os olhos e as duas riram alto e a mulher cheia de sacolas que acabara de chegar arregalou os olhos quando me viu.
– Rafael! - Seu sotaque saiu mais forte, eu sabia que estava perdido. Deixou as sacolas com o Tio José, se aproximou e ajoelhou em frente a poltrona onde eu estava sentado.
Minha mãe não é daqui, nasceu em outro lugar e ela falava diferente de todos, era engraçado e eu quase sempre ria quando ela estava brava ou nervosa, mas achei que ela me mataria se eu risse.
– O que aconteceu? - Perguntou me olhando atenta, fechei os olhos com força quando ela tocou meu braço e chorei. - O que houve com ele, Isabel?
– Ih, eu não tive culpa, não! Pergunte ao teu filho o que ele estava fazendo. - Olhei bravo para mamãe, ela nunca me defendia nessas situações.
– Rafael? - Seu olhar amoroso já estava longe. Levantou da minha frente, ergueu uma sobrancelha e colocou as duas mãos na cintura.
Chorei mais alto.
– Eu caí, mamãe... - Expliquei entre soluços e vi seu olhar menos bravo.
– Oh, meu amor... O que houve? - Tirou as mãos da cintura e isso já era um bom sinal.
– Eu estava brincando com Carlos, escorreguei e caí... - Tentei enrolar.
– Rafael, conte a história inteira e não só a parte dos teus dramas. - A minha mãe Baronesa falou e eu revirei os olhos internamente.
Minha mamãe olhou curiosa para ela e depois estreitou os olhos para mim, sabia que não tinha escolha.
– Estávamos brincando na figueira...
– Hum...? - Ela cruzou os braços esperando o resto.
– E caí...
– De onde?
– Da... árvore. - Solucei mais alto e chorei. - Eu escorreguei, mamãe...
– ¿Cuántas veces te he dicho que no te subas a los árboles, Rafael?
– Perdóname, mamá...
– ¡Es la segunda vez solo esta semana, chico!
– Yo sé, mamá... - Chorei mais.
– ¿Se lesionó?
– Si, mi brazo...
– Oh, Rafael! - Minha mãe andava de um lado a outro me deixando zonzo, ela fazia isso toda vez que estava nervosa. - Isabel, ¿por qué dejaste trepar al árbol?
– E desde quando o teu filho teimoso obedece?
– Cuando hace estas cosas, es tu hijo.
Eu ri baixinho e mamá olhou brava para mim.
– ¡Préstame mucha atención, Rafael! - Ela me olhou brava, minhas broncas eram quase sempre pela mamãe Isabel, mas quando mamá fazia isso eu ficava doido de medo. Ela era assustadora. - Es la última vez que quiero saber de ti trepando árboles, ¿me oyes?
– ¡Sí, mamá!
– ¡Te haré quedar atrapado en tu habitación toda tu vida si me desobedeces de nuevo!
Ela saiu batendo os pés.
– Sabe que ele vai te desobedecer, é teimoso como "usted", Carmen. - Mamãe sussurrou, mas eu ouvi ela imitando-a e ri baixinho.
– ¡Te callas, Isabel! - Gritou para ela e ri mais. - Y tú, llamaré a Otávio para que te dé esa medicina que amas!
– No mamá, por favor... - Chorei mais. - Me duele mucho cuando el tío Otávio pone esa medicina. - Mamá bufou brava e olhou novamente para o meu braço, vi seus olhos ficarem menos bravos, outra vez e eu sabia exatamente o que dizer para ela não brigar mais comigo.
– Te amo mamá... ¡perdóname! - Pedi chorando e ela sorriu doce.
Ganhei!
– ¡Yo también te amo, hijo mío! - Ela veio até mim e me abraçou forte como sempre fazia. - ¡Mucho!
Me aconcheguei em seu colo e fechei os olhos.
– Moleque manhoso! - Mamãe gritou rindo e mamá deixou um beijo em minha testa, ainda bem que Carlos não estava aqui.
– ¡No me desobedezcas! - Sussurrou carinhosa e dei um beijo em sua bochecha.
A bronca não foi tão ruim, mas mamãe Isabel me deixou de castigo toda aquela tarde. Não era tão ruim ficar em meu quarto com meus brinquedos, mas sentia falta de correr pelos campos com Fubá. Mamá tinha Lady, que ficava quase sempre dentro de casa, mas ela era un perro que não gostava de brincar, era preguiçosa e mamãe sempre disse que era igual a Mamá nisso. Ainda mais agora com os filhotes, ela sempre rosnava para mim e Fubá e ficava assustadora como a Mamá Carmen.
Estava deitado na cama olhando para o teto. Escutei seu latido e corri para janela. Fubá era um cachorro grande, mamá quase nunca o deixava entrar em casa.
– Ei garoto! - O cachorro pulou e latiu alto. Me chamava para brincar como fazia toda manhã. - Não posso sair estou de castigo! - Latiu de novo. - Desculpe, garoto! - Sai da janela um pouco triste, quando tive uma ideia que poderia me custar mais alguns dias de castigo. Eu só precisava ser cuidadoso.
– Fubá, vá para a porta da casa! - Era um cachorro esperto. Correu e sumiu de vista.
Abri a porta do quarto e não vi ninguém pelo corredor. Andei rápido e para minha sorte a sala também estava vazia. Fubá estava parado na varanda e assim que me viu correu me derrubando.
– Fique quieto! - Levantei e o puxei pela coleira. Apressei o passo e entrei correndo com o cachorro em meu quarto, ele imediatamente subiu em minha cama. - Não Fubá, saia daí! - As patas sujas de lama do cachorro ficaram marcadas em todo lençol branco.
Ele pulou em cima de mim e saímos rolando pelo chão do quarto. Senti uma ponta de dor quando cai em cima do braço machucado. Tive sorte por mamãe não chamar tio Otávio. Marta fez o curativo e colocou algumas ataduras. Deitei com o cachorro ao meu lado na cama, era sempre bom ter Fubá por perto.
A noite foi chegando e Marta bateu à porta.
– Barãozinho, se arrume para o jantar. - Falou ainda do lado de fora. - Precisa de ajuda? - Olhei para minha roupa suja de lama e com as patas do cachorro no meu peito.
– Não! - Gritei um pouco alto demais.
– Está tudo bem? - Ela perguntou preocupada.
– Sim, Tia Marta! - disse correndo até o armário a procura de uma camisa limpa. - Diga a mamãe que já estou indo! - Ela concordou e escutei seus passos se afastando.
Fubá andava atrás de mim.
– Olhe o que fez? - Disse olhando para o meu rosto sujo no espelho. - Mamãe irá me matar se descobrir que o deixei entrar! - O cachorro latiu. - Fubá! - Disse alto.
Vesti a camisa branca e limpei o rosto com a água da bacia. Meu cabelo ainda estava desarrumado, um pouco grande era difícil pentear. Deveria estar apresentável para o jantar, alguns costumes que mamãe fazia questão. Ajeitei a atadura e fui até a porta.
– Não Fubá, precisa ficar aqui! - Ele chorou um pouco. - Prometo que volto logo! - Com muita dificuldade consegui empurrá-lo para dentro.
Todos já estavam na mesa do jantar. Minha mãe Isabel me olhou desconfiada.
– Por que demorou tanto? - Perguntou.
– Acabei dormindo, mamãe! - Me sentei e vovó Lucília assim que me viu arregalou os olhos.
– O que houve com meu neto? - Falou se aproximando.
– Só um tombo, Lucília... - Mamá respondeu.
– Vocês deveriam cuidar melhor dessa criança, todo dia é um machucado diferente! - Falou irritada olhando para minhas mães.
– ¿Ahora quieres enseñarme cómo cuidar a mi hijo? - Mamá disse irritada.
As duas viviam discutindo por bobagens.
– Lucília, ele é uma criança é natural que se machuque! - Minha mãe Baronesa disse levando as mãos a cabeça.
– Se me deixasse cuidar de Rafael, não haveriam esses problemas! - Falou olhando para Marta.
Que olhou irritada para de volta para a vovó.
– Cuido bem do Barãozinho! Baronesa e Madame sabem disso! - Quase nunca via Tia Marta irritada.
– Isabel não caía assim quando criança... - Vovó Lucília disse desafiando as duas.
Mamãe que estava sem saber o que fazer respondeu:
– Eu caia o tempo inteiro! Não posso prendê-lo no quarto!
– Rafael deveria estar estudando no colégio que teu pai frequentou! - Falou brava.
– ¡Mi hijo no había salido de esta casa, Lucília! - Mamá já estava de pé com as mãos na cintura.
A discussão começou. Mamãe Isabel me olhava assustada e eu devolvia a ela o mesmo olhar. Nunca sabíamos o que fazer.
As três mulheres falavam sem parar e por vezes minha mãe tentava acabar com a discussão sem sucesso. Fubá apareceu na porta da sala de jantar, não fazia ideia de como saiu do quarto. Lady quase não saia do cantinho com os filhotes, mas levantou as orelhas atenta.
– Sai daqui, Fubá! - Disse baixo e o cachorro se aproximou mais. Para minha sorte ninguém ainda tinha reparado que o cachorro estava na sala.
– ¡Eres una entrometida, Lucília! - Escutei mamá falar mais alto.
– Chega! - Minha mãe Isabel se levantou e bateu na mesa. Ninguém lhe deu ouvidos.
– Olhe para o braço desse menino! - Vovó Lucília levantou meu braço devagar e senti uma pontada de dor.
– Aí! - Foi o suficiente para Fubá levantar as orelhas e correr. - Não, Fubá! - Disse alto chamando atenção de todas que se calaram. A cena a seguir me renderia dias e mais dias de castigo.
Fubá correu na nossa direção e achando que vovó estava me machucando pulou em cima dela a derrubando.
– ¡Dios mío! - Mamá disse levando a mão a boca.
Fubá se embolou com a vovó pelo chão da sala de jantar enquanto eu e mamãe tentávamos tirar o cachorro de cima dela que não parava de gritar.
– Isabel, tire esse monstro de cima de mim! - Dizia desesperada.
– Rafael, chame Fubá para fora! - Mamãe disse irritada.
Me afastei e chamei o cachorro que saiu imediatamente de cima dela.
Vovó levantou suja de baba de cachorro e não consegui não rir alto. Escutei em seguida a risada de mamá também.
– Esse menino não terá modos um Barão, Isabel! - Falou irritada se limpando. - Me escute uma vez na vida! - Marta e mamá ainda riam e isso enfureceu a vovó que saiu da sala batendo os pés.
– Rafael... - Mamãe falou entredentes e me encolhi. - Leve Fubá para rua agora!
– Sim, mamãe... - Puxei o cachorro pela coleira e o abracei na porta de casa. - Olha o que aprontou! - Ele lambeu meu rosto. - Agora vá, ficarei alguns dias sem te ver... - Ele latiu. - Vá deitar, Fubá! - O cachorro se virou e saiu correndo pelas escadas.
Quando entrei minhas mães já me esperavam no quarto.
– ¡Rafael, porque el perro estaba en tu habitación! - Elas olhavam para minha cama suja de lama e as minhas roupas jogadas no canto do quarto.
– Quantas vezes já disse que Fubá não pode ficar dentro de casa! - Mamãe falava um pouco alto.
– Isabel... - Mamá tentava falar.
– Ainda mais dormir no teu quarto! Ele é um cachorro imenso, Rafael, o lugar dele é lá fora! - Seu olhar irritado me deixava com medo. Mamá se aproximou e me abraçou.
– Mas a Lady fica dentro de casa, mamãe.
– Porque ela sabe s obedecer, Rafael! - Ela gritou e eu me encolhi de medo.
– Isabel, não precisa disso tudo...
– Ele me desobedeceu, Carmen!
– Desculpe, mamãe! - Falei de cabeça baixa.
Ela bufou irritada.
– Não brigue com o niño, Isabel... Usted fez isso como um pônei quando criança! ¡Tu hijo es como tú! - disse rindo.
Sorri animado.
– Posso ter um pônei?
– Não! - As duas disseram juntas.
– Mas a mamãe...
– ¡Basta, Rafael! - Mamá disse gentil.
– Limpe o teu quarto! - Mamãe falou.
– Vou pedir a Marta.... - Ela não me deixou continuar.
– O cachorro é teu, a ideia de trazê-lo para dentro foi tua, então limpará o quarto sozinho! - Olhei para mamá.
– ¡Tu madre tiene razón, Rafael! Limpia tu cuarto. - Abaixei a cabeça derrotado.
– ¡Sí, mama! - As duas saíram em seguida. Mamãe voltou segundos depois.
– Já ia me esquecendo... uma semana de castigo! - Mamãe sorriu e saiu.
-–Mas que droga! - Passei parte da noite limpando o quarto. Tia Marta me ajudou escondida.
Odiava ficar de castigo e principalmente decepcionar minha mãe. Não conseguiria dormir sem me desculpar. Saí em direção ao quarto delas. A porta como sempre estava trancada. Bati três vezes e escutei a voz de mamá.
– Quem é?
– Sou eu, mamá! - Ficaram em silêncio durante alguns segundos, até que a porta foi aberta.
– ¿Qué pasó, hijo mío? ¿Te sientes mal? - Mamá apareceu na porta.
– Estou bem... Só queria pedir desculpas por toda confusão. - Mamãe que estava sentada na cama me chamou.
– Entre, Rafael! - As duas ficaram lado a lado me encarando.
– Desculpe, mamãe! Não queria ter causado toda a confusão com a vovó! - Mamá me puxou para a cama e fiquei entre as duas.
– Precisa começar a me obedecer, Rafael.
– Eu sei. - Abaixei a cabeça. - Prometo não trazer mais Fubá para dentro de casa e amanhã mesmo pedirei desculpas a vovó! - Mamãe sorriu e deixou um beijo em minha testa.
– Tudo bem, garoto! - Passou as mãos em meus cabelos.
– ¿Quieres dormir aquí en nuestra habitación? - Mamá perguntou gentil. Eu adorava dormir com elas quando era criança.
Mamãe engasgou sozinha e teve uma crise de tosses encarando mamá que ria discretamente.
– Soy casi un hombre, mamá... - Resmunguei.
Carlos ia rir da minha cara pelo resto da vida se soubesse disso, mesmo assim, eu adoraria dormir com elas. Olhei para a mamãe esperando o que diria, mas ela levantou bufando e foi até a janela.
– Buenas noches, mamás. - Sussurrei de cabeça baixa e saí do quarto delas correndo, odiava quando mamãe ficava brava assim comigo e parece que dessa vez era de verdade.
– Rafael... - Mamá chamou, mas eu ignorei e fechei a porta do meu quarto já chorando.
Mamãe era sempre divertida e séria ao mesmo tempo. Ela brigava comigo, depois ria e quando eu pensava que tinha me safado, ela me colocava de castigo sorrindo para mim. Nunca ficava brava assim e me arrependi de ter trazido Fubá para dentro. Falando nele, ouvi seu latido na janela do quarto.
– Saía daqui, seu idiota. Isso é tua culpa. - Xinguei limpando as lágrimas. Fubá latiu e pulou, fechei o vidro e a folha da janela, não queria falar com ele.
– Rafael... - Ouvi Carlos sussurrar por debaixo da porta.
– Eu estou de castigo. - Adiantei antes de tentar me convencer a fazer alguma coisa que aumentaria mais ainda meu sofrimento.
– Eu sei! Só vim te entregar isso. - Entrou no quarto e deixou uma bandeja com suco de laranja e um pedaço de bolo de fubá. - Vovó mandou eu trazer porque "o Barãozinho não jantou direito."
Falou debochando e eu nem precisava olhar para saber que ele estava revirando os olhos.
– Boa noite... - Falou antes de chegar na porta. - Chorão!
Joguei um travesseiro, mas ele já havia fechado a porta.
– Idiota! - Resmunguei.
Tia Marta sempre sabia como me deixar feliz. Enxuguei as lágrimas e enchi a boca com um pedação de bolo, se vovó Lucília me visse comendo assim ia enlouquecer minha mamá. Ri sozinho e logo lembrei da minha mamãe que nem sequer olhou para mim de tão brava.
Alguém bateu à porta e não respondi. Não queria falar com Carlos enquanto estivesse chorando.
– Rafael... - Mamãe Isabel chamou e eu solucei, estava triste por tê-la decepcionado assim.
– Puedes entrar, mamãe.
– Quantas vezes preciso dizer para Marta não lhe dar regalias quando está de castigo? - Perguntou sentando na cama ao meu lado.
– Me desculpa. - Pedi abaixando a cabeça.
– Sabe que Lucília perturbará tua mãe a semana inteira pelo acontecido, não sabe?
Concordei em silêncio e enxuguei minhas lágrimas.
– Eu sei que ama o Fubá, Rafael, mas ele é um cachorro grande e sem ouvidos. Podia tê-la machucado de verdade, tua avó já é uma senhora.
– Yo sei...
– Então trate de pedir desculpas para ela.
– Eu vou, mamãe, eu prometo!
– Tudo bem, garoto! - Mamãe bagunçou meu cabelo como gostava de fazer e levantou. Colocou as mãos na cintura e balançou a cabeça olhando para a bandeja em cima do criado-mudo.
– Não brigue com a tia Marta, mamãe. - Pedi quase desesperado e ela riu alto.
– Tu e tua mãe acham que sou um monstro de pessoa. - Bebeu o suco e enfiou o resto do pedaço enorme de bolo na boca.
Piscou para mim e saiu deixando a porta aberta. Levantei para fechar a porta e levei um susto quando ela enfiou a cabeça dentro do quarto, outra vez.
– Vem, chorão... Se eu aparecer sem o senhor naquele quarto, tua mãe me manda dormir com tua avó.
Ri alto e saí correndo para abraçá-la.
– Leve a bandeja para a cozinha. - Concordei, juntei as coisas e olhei para ela com medo, as lamparinas estavam quase todas apagadas. Mamãe riu alto e foi comigo até lá. - Corre, ou vai ficar sozinho no escuro.
– Não, mamãe... - Ela saiu correndo e eu atrás apavorado.
– Shiiiiu... - Sussurrou. - Lembra quando era pequeno e pulávamos na tua mãe?
Concordei a cabeça em expectativa.
– Eu vou abrir a porta e tu sai correndo. - Ela riu quando ensaiei a corrida.
Assim que a porta abriu, vimos mamá sentada na cama e eu corri derrubando-a deitada.
– Rafael! - Gritou rindo e me encheu de cosquinhas. - ¡Que susto, niño!
Mamãe se vingou por mim e fez cosquinhas nela.
– Pare, Isabel! - Gritou e logo estávamos os dois em cima dela. - Isso é injusto!
– Eu amo vocês dois. - Mamãe disse deixando um beijo em minha bochecha e um na boca de mamá.
– Que nojento! - Saí do aperto delas fazendo careta.
– Que cheiro de bolo de fubá é esse, Rafael e Isabel? - Mamá estreitou os olhos para nós dois e nos olhamos aflitos.
– Podemos explicar. - Mamãe disse e eu concordei. - A culpa é dele.
– MÃE! - Gritei. - No, mamá...
– Eu só quero entender porque não trouxeram um pedaço para mim. - Cruzou os braços fingindo estar brava e eu e mamãe reviramos os olhos. - Venham, minhas crianças. Já está tarde e amanhã tu tens aula cedo, Barãozinho.
Deitamos na cama e me aconcheguei na ponta, no abraço de Mamá, como era desde que me lembro.
– ¡Buenas noches mis amores!
– Boa noite, mães.
– Boa noite, meus amores! - Mamãe repetiu e fez um carinho em minhas bochechas.
Mamá fez um cafuné em meus cabelos e falou alguma coisa sobre cortá-los na próxima ida à Vila, mas eu já estava sonolento demais para responder.
Por mais idiota que as pessoas fossem comigo por causa das minhas duas mães ou por minha mamá Carmen e as coisas horríveis que falavam dela, eu não podia pedir uma vida melhor. Minhas mamães eram as mulheres mais lindas e incríveis do mundo e eu as amava mais que tudo. Pela eternidade y más alla de la eternidad.
INÍCIO...
"Não se luta contra o destino; o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos e nos arraste até onde queira alçar-nos ou despenhar-nos."
Machado de Assis.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
naoseimeulogin
Em: 29/01/2021
Que alívio ao ouvir a mãe falar espanhol haha
Radiante em saber q tem continuação
Vcs arrasam!
Resposta do autor:
Obrigada por ler!!! ????
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naoseimeulogin
Em: 29/01/2021
Desidratei mas valeu a pena
Resposta do autor:
Hahahah Obrigada por ler!!!
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Costa
Em: 27/01/2021
Uma das melhores histórias que eu já lir..parabéns autora!
Chorei..sofrir e fiquei feliz por essa duas..um amor verdadeiro que só merecia esse final lindo!
E claro que quero continuação!
Queria saber o desenrolar dessa trama até chegar nesse ponto feliz da história!
Linda ?
Por favor...nos fale o nome do outro site.. para podermos acompanhar todas as suas histórias!
Obrigado e continue crescendo ????????
Resposta do autor:
Olá!!! Em primeiro lugar queremos agradecer o carinho com a nossa história, ela é escrita por suas autoras, uma delas sou eu, que escrevo Isabel e a outra minha esposa que escreve Carmen. Ficamos radiantes ao ler comentários como o seu e ver o quanto nossa história toca as pessoas. A história tem sim uma continuação e atualmente está em andamento no wattpad, conhece?! É só baixar o app e ler! Procure por Carmen y Isabel, a Cortesã e a Baronesa tbm esta nesse site.
Grande beijo e mais uma vez nosso muito obrigada! ????
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