A Última Rosa -- Capítulo 20

Jessica tirou o tênis e sentou-se na beirada de uma grande pedra, pondo os pés dentro da água fresca.

-- Você me procurou, nesse período? -- Suspirando, ela apoiou o rosto nos joelhos dobrados.

-- Não tive como -- respondeu Michelle.

-- Por quê? -- insistiu ela, insatisfeita.

-- Porque, Jesse? -- Michelle se abaixou e sentou-se na pedra a alguns passos de Jéssica -- A única pessoa que sabia era a Samanta e pelo o que eu sei, você a proibiu de revelar o seu paradeiro.

Jessica ficou só olhando de volta, sem piscar, e não disse nada, o rosto sério.

-- Eu insisti, mas ela me expulsou do apartamento.

Jessica a olhou, desconfiada.

-- O que você pretende com essa conversa?

-- Convencê-la a mudar de ideia. Não quero ser responsável pelo fim do seu casamento, isso nunca, mas não quero que continue me achando um monstro cruel e desumano -- ela piscou para evitar as lágrimas, que sempre ameaçavam cair quando falava sobre o passado.

Jessica encolheu os ombros e olhou para o mar.

-- Em um dia nos encontramos, trocamos juras de amor e doces planos para o futuro. No dia seguinte, você apareceu dizendo que havia confundido amor com amizade e que estava apaixonada por outra pessoa -- calou-se um instante e, depois, disse: -- Você falou isso de uma forma tão dura e fria. Eu quase morri naquele dia.

Michelle ajoelhou-se perto dela.

-- Você precisa saber o que aconteceu no dia anterior -- segurou as mãos dela, e o olhar implorava compreensão.

-- Conte, então.

Foi difícil falar no começo, contar as más lembranças guardadas por tanto tempo e nunca reveladas a ninguém.

-- Eu menti quando disse que havia outra pessoa. Nunca houve outra pessoa.

-- Então, porque mentiu?

Michelle deixou escapar um profundo suspiro e parecia tomar forças antes de responder.

-- No dia anterior, quando cheguei em casa após a aula, meu pai estava muito nervoso me esperando na porta -- Michelle conteve as lágrimas a ponto de brotar em seus olhos -- Ele havia descoberto o nosso namoro e jurou que me espancaria até à morte caso eu continuasse a me encontrar com você  -- ela tomou uma profunda respiração e continuou -- Estou certa que meu pai gosta de mim da sua maneira, mas eu vi tanto ódio em seus olhos que fiquei com medo.

-- Quem contou para ele? 

-- A Isabel.

-- A sua irmã que estudava com a gente?

-- Sim, ela mesma -- Michelle conseguiu finalmente falar, sem se preocupar em esconder a tristeza que sentia -- O meu plano de terminar com você havia dado certo, todos perceberam que havíamos terminado, inclusive ela. 

-- Eu lembro que ela vivia nos espionando -- Jessica umedeceu os lábios subitamente secos -- Ela e aquele namoradinho ridículo.

-- Uns abelhudos, intrometidos e malvados -- Michelle se levantou, deu alguns passos, depois se voltou para olhar para a perfumista -- Minha raiva é porque meus pais nunca me apoiaram em nada -- ela disse, surpresa com a própria veemência ao revelar isso -- Meus pais me ensinaram a pensar por mim mesma, me deram educação, alimentação. Eles fizeram tudo, menos perguntar se eu era feliz. Nada disso precisava ter acontecido, droga! Não era para você ter ido embora.

Jessica deu um tapinha na pedra, sinalizando para que Michelle sentasse novamente.

Michelle sentou, movendo-se devagar e se sentindo fraca, como se seus ossos estivessem a ponto de se quebrar espontaneamente.

-- Eu, eu não tinha percebido que estava com tanta raiva, até chegar em casa -- ela olhou para Jessica -- Eu amo a minha família. Eu os amo a todos, amo muito, mas eu não suportaria viver sem você -- disse, balançando a cabeça -- Coloquei algumas roupas em uma mala e fugi de casa. Por isso, fui ao seu apartamento logo cedo.

-- Porque não me contou? Teríamos pensado em uma saída juntas.

-- Porque eu era apenas uma menina -- Michelle disse, baixinho -- Uma menina morrendo de medo. Porque eu não acreditei de verdade em mim mesma -- ela disse, e suspirou -- Eu devia tê-los enfrentado. Eu errei, as pessoas erram, mas na maioria das vezes erram por amor. 

-- A sua mãe não fez nada? Ela não disse nada?

-- Você não faz ideia do que aconteceu -- disse, sorrindo fracamente -- Quando a sua prima me contou que você havia ido embora, até que voltei para casa -- ela fez silêncio durante um tempo antes de continuar: -- Mas, encontrei a minha mãe mentalmente desequilibrada, perigosamente desequilibrada. Ela me impediu de voltar.

-- O que você fez? 

-- Saí de casa novamente -- Michelle disse, dobrando as mãos sobre o colo -- Eu fugi, me escondi, passei fome, andei pelas ruas, e finalmente, depois de um mês, meu irmão mais velho me encontrou e ofereceu ajuda. Eu diria que ele foi, com toda certeza, a minha salvação.

-- Você foi morar com ele?

-- Sim, mas me mudei para uma comunidade estudantil assim que me formei no secundário e arrumei um emprego como balconista em uma loja de roupas. Não me sentia bem vivendo às custas dele.

-- Entendo?

-- Naquela época arrumei um namorado e depois de um ano de namoro, fui morar com ele -- Michelle fez uma pausa antes de prosseguir: -- Logo começaram as brigas e um pouco mais tarde, eu disse que queria me mudar. Disse que já que eu estava na universidade, deveria ter meu próprio apartamento -- seus olhos brilharam com lágrimas e sua voz se suavizou até que foi um pouco mais do que um sussurro -- Me senti tão só nessa época.

Jessica fez uma careta de compaixão.

-- Seu pai foi um grande babaca.

Michelle sorriu e piscou retirando as lágrimas. 

-- Ele sabia que eu estava sozinha e infeliz, simplesmente não se importou.

-- E sua mãe, o que aconteceu com ela? 

-- Talvez minha mãe não fosse tão ruim, afinal. Todo seu vergonhoso e negligente comportamento era causado pelo álcool. Eu sabia que em alguma parte, enterrado debaixo da bebida em seu cérebro, estava uma mãe carinhosa. 

-- Sua mãe já bebia naquela época? Eu não sabia.

-- Nunca tinha dito para ninguém que minha mãe era uma bêbada, de fato, fiz muitas coisas para evitar que alguém percebesse.

Por um bom tempo elas ficaram em silêncio, cada qual perdida no seu próprio pensamento. Então, Michelle começou a agitar a água com os pés. 

-- E essa é a verdadeira história. Tem algo que queira me perguntar?

-- Porque você mudou de nome?

Michelle respirou fundo. Porque tinha que ser essa pergunta?

-- Porque meu nome era horrível -- brincou, tentando se desviar da pergunta. 

-- Fala sério -- Jessica murmurou.

Para sorte de Michelle ouviram-se alguns passos precipitados que precederam a chegada do motorista de Inês. 

-- Desculpe a intromissão -- ele disse -- Dona Inês pediu que a entregasse.

-- Ah, obrigada! -- Michelle agradeceu, sorrindo.

Jessica esperou o motorista se afastar, depois, se virou para Michelle.

-- O que é isso?

-- Um livro -- respondeu Michelle, mas estava olhando para o mar.

-- Sobre o que?

Após segundos de hesitação, Michelle entregou-lhe o livro.

-- Veja você mesma.

Sem dizer nada, Jessica pegou o livro e colocou sobre o colo. Alisando a capa de cuchê fosco, preparou-se para abri-lo.

-- Eu carrego esse livro comigo desde que nos separamos, é o meu tesouro. A verdade, Jesse, é que eu nunca perdi a esperança. Nem de você, nem de nós. Sempre acreditei que de alguma forma nos encontraríamos novamente.

Jessica, finalmente, abriu o livro. Precisou segurar o fôlego para conter a emoção.

-- Guardei dentro do meu livro preferido, as rosas que você me deu. Como símbolo do quanto o nosso amor foi lindo. Demorei para compreender que você era real, quando compreendi soube que não podia deixá-la escapar, que tinha nascido para mim como eu para você. Ao descobrir que tinha ido embora para sempre, quase morri.

Uma lágrima caiu sobre uma das rosas secas. 

-- Essa foi a última rosa!

-- Sim.

 

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Fim do capítulo