Héloïse
Isabel
O médico que Plínio indicou já nos esperava no consultório. Era um homem idoso, que fez quase toda sua carreira na Europa e voltou ao Brasil há alguns anos. Foi muito atencioso com Rafael e parecia ter bastante experiência com crianças, assim como Plínio me garantiu.
Héloïse ficou ao meu lado enquanto o médico virava Rafael do avesso. O menino parecia gostar das brincadeiras que o homem mais velho fazia e não chorou em nenhum momento.
– Baronesa...
– Sim, Doutor. – Me aproximei da mesa que Rafael estava deitado.
– Me chame de Raul, por favor. – Disse sorrindo.
Concordei e continuou.
– Aparentemente o menino apresenta alguns sinais de atraso na parte motora, como Plínio já havia informado as senhoras. – Disse olhando para Héloïse também. Suspirei preocupada.
– Tem algum tipo de tratamento? – Disse aflita.
Ele brincou mais uma vez com Rafael e disse.
– Não é um estado irreversível, pelo menos não posso dizer isso em definitivo. Rafael, não respondeu aos testes que fiz, mas ele pode ter somente um atraso, ser um pouco mais lento para algumas atividades que outras crianças de sua idade. – Héloïse segurou em minha mão dando apoio.
– O que podemos fazer para ajudá-lo?
Rafael resmungou um pouco e ensaiou um choro. Doutor Raul o pegou no colo e olhou para Héloïse.
– Acho que ele quer a mãe dele... – Disse sorrindo e entregando Rafael a Héloïse.
Meus pensamentos foram diretos para Carmen. Era ela que deveria estar aqui comigo e Rafael.
– A senhorita não é mãe dele. – Falei sem pensar e Héloïse abaixou a cabeça triste. Me arrependi no instante seguinte.
Raul se desculpou com o olhar e Rafael se agarrou em seu pescoço, se acalmando rapidamente.
– Como ia dizendo Baronesa, preciso fazer outros testes no menino, mês a mês acompanhar sua evolução e com alguns exercícios incentivá-lo a reagir. – Ainda estava aflita, só conseguiria me acalmar quando realmente ele mostrasse sinais de que evolução.
– Podemos trazê-lo aqui no próximo mês ou o senhor pode ir até a fazenda se não for problema? – A viagem era cansativo para a criança.
Ele pensou um pouco antes de responder.
– Creio que não terei problema para atendê-lo na fazenda. Mas os exercícios podem ser feitos em casa, vou passar as senhoritas uma lista do que deverão fazer para estimular os movimentos do menino.
Raul nos explicou passo a passo dos cuidados que deveríamos ter com Rafael daqui para frente.
– Até o próximo mês, Baronesa. – Disse me esticando a mão.
– Muito obrigada pela ajuda com meu filho, Doutor Raul! – Apertei a sua mão e assim nos despedimos.
Andei na frente enquanto ela ainda se despedia de Raul. A carruagem estava à nossa espera em frente ao prédio. Olhei para a rua movimentada e meu coração parou por alguns segundos quando a vi. Carmen estava do outro lado da rua, me olhando intensamente e um sorriso tímido saiu de seus lábios. A vontade de correr até ela e a abraçá-la era imensa, mas a raiva e decepção ainda eram maiores.
Voltei a mim quando escutei a voz de Héloïse. Ela saía com Rafael em seu colo ainda agarrado em seu pescoço. Ajudei a moça a sair do prédio, ela sorriu lindamente como sempre fazia e mais uma vez me senti mal por tê-la deixado triste há minutos atrás.
Rafael brincou seus cabelos e ganhou um beijo da francesa, ele riu alto com as carícias de Héloïse em seu rosto. Eu sabia que Carmen nos observava eu podia sentir o peso do seu olhar. Só queria ir embora dali o mais rápido possível.
– Vamos... – Disse tentando disfarçar meu nervosismo.
A francesa segurou em minha mão e subiu na carruagem. Eu precisava olhar para ela uma última vez. Carmen estava na mesma posição, só que diferente de antes seu olhar era triste e vazio e suas lágrimas molhavam seu rosto. Se estava sofrendo era consequência da escolha que fez.
– Vamos, Ma cherie! – Héloïse me chamou.
Encarei Carmen com todo a raiva e desprezo que acumulei nesses meses. Ela não merecia a criança sorridente que estava naquela carruagem e muito menos a mulher apaixonada que esteve em suas mãos. Sorri para Héloïse e entrei na carruagem.
– Isabel, está tudo bem? - Héloïse perguntou preocupada. - Está pálida...
Tentei mais uma vez disfarçar com um sorriso.
– Claro que sim, querida! Não se preocupe, só estou com um pouco de dor de cabeça.
Ela não pareceu se contentar com aquela desculpa, mas não insistiu.
Não ousei mais olhar para rua, não queria vê-la de novo. Apenas fechei os olhos e bati à porta para o cocheiro seguir viagem. Chegamos em casa e logo que a carruagem parou na porta da casa, uma legião de mulheres preocupadas com Rafael nos cercou.
– O que o médico disse, Isabel? – Lucília me cercou assim que sai da carruagem.
– O Barãozinho está bem? – Marta apareceu logo atrás aflita.
Ajudei Héloïse a descer da carruagem com Rafael.
– Fiquem calmas! Rafael está bem! – Elas suspiraram aliviadas. – O médico disse que o atraso dele não é definitivo, ele precisa de estímulos para se desenvolver, será um pouco mais difícil para ele, mas vai conseguir! – A última parte disse mais para mim do que para elas. O estado do meu filho ainda me preocupava muito.
Héloïse entrou com as outras mulheres, contou como foi a consulta em todas os seus detalhes e explicou a Marta sobre os cuidados que deveria ter com ele a partir de então.
Eu ficava mais aliviada em tê-la ao meu lado. Era bom ter com quem dividir as preocupações, mesmo não sendo a mulher que eu queria.
Segui logo atrás e subi direto para o meu quarto. A imagem dela me perturbava e a saudade apertava meu coração. Tentei por todos esses meses disfarçar o sofrimento que sua ausência me causou, mas ali no meu quarto sozinha, eu podia chorar e sofrer pela mulher que ainda amava.
Tirei a roupa que me apertava e me joguei na cama agarrada ao travesseiro. Como a saudade dela era sufocante. Eu só pensava em sair dali correndo e ir atrás de Carmen, mas meu lado orgulhoso nunca me deixaria tomar tal atitude. A imagem dela naquele salão sentada no colo de algum homem sempre rondava meus pensamentos e fazia meu sangue borbulhar de raiva.
Limpei as lágrimas quando escutei batidas na porta.
– Isabel... – Era voz de Lucília.
– Entre! – Sentei na cama e ajeitei a postura. Não queria que ela percebesse meu estado.
Lucília entrou e sentou ao meu lado.
– Tu estas bem? – Disse segurando em minha mão.
– Sim... – Falei desconfiada. – Por que?
– Héloïse me disse que saiu do consultório com dor de cabeça. Eu sei o quanto toda esse problema de Rafael te afeta, minha querida, mas estou aqui para vocês, como sempre estive para teu pai e tu!
Ela sorriu e acariciou meu rosto.
– Obrigada por tudo, Lucília. – Beijei sua mão. – Não sei o que seria de nós sem a tua presença! – Ela deixou um beijo em meu rosto.
– Agora não é só uma Baronesa, também é mãe! – Disse chorosa.
– Não chore, Lucília... – Limpei uma lágrima que caía.
– Só fico emocionada de ver o quanto cresceu. – Disse sorrindo e se levantou. – É como uma filha para mim, sabe disso, e Rafael, meu neto. Os dois agora são minha prioridade!
Levantei e a segurei de leve pelos ombros.
– Sabe que é a única mãe que conheci... Eu te amo! – Ela me abraçou apertado.
–Eu também te amo, menina! Agora chega de chorar! – Falou rindo e secando as lágrimas. – Estarei lá embaixo caso precise, minha querida!
Apenas concordei e sorri. Lucília saiu do quarto e levou um pouco do peso que estava sentindo antes. Ela não era minha mãe, mas tinha a sensibilidade de reconhecer quando eu não estava bem. Carmen ainda rondava meus pensamentos, mas achei melhor distrair a cabeça para não enlouquecer. Coloquei uma roupa confortável e desci para o almoço.
Lucília e Héloïse já estavam na sala de jantar e assim que me viram foram para seus lugares. Como era costume a mulher mais velha ficava ao meu lado direito e Carmen... Ela sempre do meu lado esquerdo. Héloïse se dirigiu para a cadeira dela e antes dela sentar fiz um pedido.
– Héloïse, se importaria de sentar ao lado de Lucília? – A governanta me repreendeu com o olhar e balançou a cabeça em negativa. Ela sabia o motivo do meu pedido.
Héloïse desfez o sorriso, mas logo se recompôs.
– Claro que não me importo, minha querida. Como quiser... – Disse dando a volta na mesa.
Aquele era o lugar de Carmen e ainda não estava preparada para ver outra mulher ocupando aquele espaço. Lucília suspirou e mandou servir o almoço. Os empregados da casa nos serviram e senti falta de alguém na mesa.
– Onde está Marta? – Disse ajeitando o guardanapo de pano em meu colo.
Lucília me olhou confusa.
– Creio que na cozinha... Rafael está sendo amamentado por Joana agora.
– Por favor, chame Marta para almoçar, Celeste. – Pedi à empregada que estava parada ao lado da mesa.
– Sim, senhora Baronesa!
– Espere, Celeste! – Lucília disse e a menina parou na hora. Olhei irritada para a governanta.
– Vá chamar, Marta... – Fale olhando para a menina que correu da sala de jantar.
– O que é isso, Isabel? Desde quando convida empregados para se juntar a mesa? – Disse me desafiando.
Levantei irritada e encarando-a.
– Desde que me tornei Baronesa e senhora desta casa! – Bati na mesa.
Lucília tinha o poder de me acalmar como fez a minutos atrás e me irritar a um ponto de querer jogá-la pela janela.
– Não foi assim que te criei! Existem regras e etiquetas que uma Baronesa deve seguir... - Não deixei ela continuar.
– Por isso agradeço todos os dias por ter sido criada também pelo meu pai! Marta se sentará nessa mesa! Carmen sempre fez questão... – Parei de falar e fechei os olhos me odiando por ainda agir como se ela estivesse presente.
– Pois tinha que ser.... – Lucília disse revirando os olhos.
– Isabel, se acalme. – Pediu Héloïse. Bufei e me sentei novamente.
– Não quero escutar gracinhas direcionadas a Marta! – Disse entredentes e segundos depois a senhora, muito tímida, entrou na sala de jantar.
– Mandou me chamar, Baronesa?
– Sim, Marta! Gostaria de tua presença no almoço comigo, aceita? – Ela me encarou desconfortável e olhou para Lucília e Héloïse.
– Baronesa, melhor eu almoçar na cozinha...
– Por favor, Marta! Ficaria muito feliz se ainda me fizesse companhia nas refeições... – Ela entendeu meu olhar triste.
Por muitas vezes Carmen convidava Marta para realizar as refeições ao nosso lado, acabou se tornando rotineiro e muito agradável.
– Tudo bem, Baronesa! – Disse sorrindo. Ela foi para o lado de Héloïse.
– Sente-se aqui do meu lado – Bati do meu lado esquerdo.
Marta me olhou em conflito e Lucília bufou novamente.
– Está com algum problema nos pulmões, Lucília? Posso chamar um médico. – Héloïse soltou uma risada, mas se conteve.
Marta, ainda sem graça, deu a volta na mesa e sentou ao meu lado. Carmen gostaria disso. Se fechasse os olhos poderia ver seu sorriso de aprovação.
"- Preciso parar de agir como se ela estivesse presente em minha vida! Isso é doentio, Isabel!"
Lucília não falou mais nada, passou todo almoço em silêncio. Marta estava nitidamente sem graça, mas quando me olhava sorria agradecida. Estávamos acabando de almoçar quando Joana entrou com Rafael no colo.
– Olha quem resolveu aparecer! - Disse me levantando e indo em direção a criança. Rafael estava meio sonolento e se jogou em meu colo.
Lucília levantou e se aproximou.
– O que acha de dormir com a vovó? - Falou acariciando seus cachos. Ele coçou os olhos e deitou no meu ombro.
– Acho que ele quer ficar com a mãe dele. - Falei beijando sua cabeça.
– Pode deixar que o levo para o berço, Baronesa... - Marta de boa vontade se levantou.
– Não se preocupe. Vou colocá-lo em meu quarto e dormir um pouco com ele... - Rafael resmungou mal humorado pelo sono.
– Essa criança se parece tanto contigo, Isabel! Fica de péssimo humor com sono e fome! - Lucília falou nos fazendo rir.
– Rafael... - Chamei e o menino saiu do meu ombro e me encarou. - Peça licença as damas, vamos nos retirar... - Ele coçou novamente os olhinhos e sorriu fraco.
– Acho que ele atendeu do jeitinho dele. - Héloïse disse rindo e acariciando suas bochechas.
– Com a licença de vocês, Senhoras... - Falei me retirando com o menino no colo.
Ele novamente se encaixou no meu ombro e escutei sua respiração pesada. Quando entrei no quarto ele já cochilava, o coloquei na cama e deitei ao seu lado.
Me remexi a tarde toda e não dormi. O sol foi embora e a noite chegou aos poucos. Abri a porta do quarto e escutei barulhos de risadas e conversas no andar de baixo. Eu definitivamente não queria socializar hoje. Fui até a janela e olhei para a lua que aparecia tímida, peguei minha carteira de cigarro e fumei tentando acalmar um pouco daquela angústia que tomava conta de mim desde que a vi mais cedo.
– Carmen... - Falei com os olhos fechados. Como eu queria esquecê-la e quanto mais tentava mais sua imagem não saia da minha cabeça.
Olhei para cama e Rafael ainda dormia tranquilo, daqui a pouco acordaria aos berros com fome. Sorri ao olhar para sua carinha tão inocente. Era um menino lindo. Tão parecido com ela. Eu já devia saber que nunca iria embora da minha vida, estava ali um pedaço seu e que mostrava a cada sorriso e olhar que sua mãe nunca sairia de mim.
Suspirei triste e continuei fumando. Escutei uma música alta e alegre. Fui até a pequena sacada que tinha no quarto e vi que o barulho vinha de uma casa no final da rua. Ainda era cedo para uma festa, mas as pessoas estavam animadas, reparava pelas risadas altas.
Lembrei da casa de Madame Margot. O acaso, em uma noite quente, já tão distante, me levou até a rua da sua casa e a curiosidade fez o resto. Eu era uma Isabel tão diferente agora. Entrar naquela pensão de luxo mudou minha vida completamente. Nunca poderia imaginar que naquele dia e naquela casa encontraria o amor da minha vida. A mulher responsável pelas maiores alegrias da minha vida e as tristezas mais profundas. Olhei de novo para Rafael ele era o maior presente que Carmen poderia me dar.
Eu precisava vê-la, poderia ser loucura, mas eu precisava olhar para aquela ingrata uma última vez antes de ir embora da capital. Apaguei o cigarro e discretamente mandei que preparasse meu banho. Era uma loucura, mas eu precisava ir até a casa, nem que fosse para ficar na porta e ter um vislumbre dela pela janela.
– Aguenta firme, mulher! - Pensei. - Não vá!
– Preciso vê-la, pelo menos de longe...
Estava em uma guerra interna. Eu sempre fui uma mulher impulsiva e sabia que lado ganharia.
Depois do banho, me arrumei como fazia quando ia vê-la. Coloquei a colônia que ela adorava, por mais que não fosse entrar. E não entraria! Decidi isso alguns minutos atrás.
– Vou ficar na carruagem. - Falei tentando me convencer.
Rafael já resmungava e antes que chorasse alto e chamasse atenção de toda casa, preferi ir atrás de Marta. Para minha sorte ela subia as escadas quando sai do quarto.
– Marta! Que bom que está aqui! - Falei puxando a mulher para o meu quarto. - Preciso que fique com Rafael agora. Ele já está acordando...
Ela me olhou de cima a baixo e sorriu.
– Vai encontrar Madame Carmen! - Disse rindo.
– Fale baixo, mulher! - Falei rindo de volta.
Estava me sentindo de novo com quinze anos, quando fugia de Lucília para encontrar as namoradas que fazia pelas fazendas vizinhas.
– Não encontrarei Carmen... - Disse séria agora.
Marta não pareceu acreditar.
– E por que a senhora se arrumou assim?
– Que bobagens, Marta! Nem estou arrumada, só vou dar uma volta... Peço que não avise a ninguém que estou saindo.
Ela riu de novo e concordou.
– Tudo bem, Baronesa! - Falou indo até a cama.
Pegou Rafael no colo e antes de sair me encarou.
– Diga a Madame Carmen que sinto sua falta e que logo nos veremos de novo! - Falou rindo enigmática e saiu do quarto.
Revirei os olhos e peguei a cartola em cima da cama.
Saí com cautela do quarto e desci as escadas sem fazer barulho. O andar de baixo parecia vazio. Aproveitei o silêncio e o escuro da sala e corri até a porta. O cocheiro estava fumando perto do grande jardim.
– Firmino... - Chamei baixo e o homem nem se moveu. - Firmino! Chamei um pouco mais alto e ele me olhou assustado.
– Baronesa! - Disse alto e se aproximou. - Vai sair?
– Shiu! Fale baixo homem! - Falei indo em sua direção. - Preciso que me leve aquela pensão de luxo que costumava ir alguns meses atrás, lembra? - Ele sorriu e concordou.
– Madame Carmen! - Falou feliz.
– Qual o problema de vocês?! - Falei indignada. - Me leve até lá agora, mas não se preocupe não demorarei, ficarei só na porta. - Lá estava eu dando desculpas para outras pessoas, quando na verdade era para mim.
– Vou pegar a carruagem, estarei aqui em um minuto, Baronesa! - Disse saindo, mas o parei.
– Não. Espere! Eu o encontrarei na entrada da casa... - Ele concordou e sumiu pelo jardim.
Andei rápido até o grande portão de ferro e minutos depois a carruagem chegou. Entrei e em seguida Firmino estava correndo pelas ruas da capital.
Estava ainda em conflito dentro da carruagem, me perguntando o que estava fazendo ali e porque iria procurá-la. Quando chegamos, senti meu coração parar por alguns segundos. Olhei pela janela e estávamos em frente a casa de Madame Margot. Como sempre, estava cheia. Permaneci ali quieta observando por longos minutos. Me remexia inquieta no banco da carruagem. Eu queria entrar e olhar para Carmen, mas um lado meu tinha medo do que veria.
A imagem dela sentada no colo de um homem qualquer voltou me perturbar e fechei os olhos e os punhos com raiva. Eu precisava entrar e ver com meus próprios olhos e não ficar refém de uma alucinação. Porém, a grande pergunta era: O que eu faria quando encontrasse-a? Não tinha nem ideia.
Em um impulso, abri a porta da carruagem e saí noite afora. Subi as escadas e entrei pelo grande portal.
Olhei para o salão a minha frente a sua procura ou a caça da ilusão que me perseguiu durante todos esses meses. Tirei a cartola e a apertei em minha mão, nervosa. Estava quase desistindo quando meus olhos encontraram os dela. Ao contrário do que tanto imaginei ela não estava no colo de um velho, mas sentada em frente a uma mesa bebendo e conversando com um homem negro e alto. O ciúme logo tomou conta de mim, mas segundos depois o homem saiu de perto de Carmen deixando-a sozinha. Ela estava em um misto de surpresa e tristeza. Eu não conseguia me mover. Somente a olhava e apertava a cartola em minhas mãos.
Carmen se levantou da mesa e nesse instante eu consegui sair do lugar. Como ímã caminhamos em direção uma à outra. Ela não falou nada, muito menos eu. Paramos próximas demais, dava para sentir seu perfume doce. Fechei os olhos e meu corpo teve todas as reações possíveis. Olhei para a escada e ela seguiu meu olhar. Apenas caminhei e subi, sem dizer nenhuma palavra e Carmen me seguiu. Parei em frente ao seu quarto e abri a porta. Fiquei de costas e só me virei quando escutei a porta se fechando. Não sei o que aconteceu naquela hora, mas a lembrança dos nossos momentos juntas ali me fez partir direto para seus lábios.
Carmen retribuiu com intensidade e vi que a saudade não era só minha companheira. Ela enlaçou seus braços em volta do meu pescoço e se agarrou mais a meu corpo.
– Isabel... - Falou meu nome com aquele sotaque que me deixava louca. Só gemi assim que escutei e minhas mãos avançaram para todas as partes de seu corpo. - Senti tanta saudade... - Disse entre os beijos.
Soltei Carmen e meu lado racional veio a tona.
"O que eu estava fazendo naquele quarto? Ela subiu tão rápido comigo, quem poderia me garantir que não fazia isso com todos? Afinal, era uma cortesã!"
Fechei os olhos e toda raiva e decepção me consumiram. Ela me olhava confusa. Se Carmen escolheu aquela vida para ela, era assim que seria tratada por mim.
Avancei de novo em seus lábios e ela retribuiu, como no começo, mas diferente de antes, da minha parte, não deixei demonstrar saudade, somente desejo.
Como sentia falta de seu corpo encaixado no meu. Pressionei-a contra a porta e desci meus beijos nada delicados por seu pescoço e seios. Carmen gemia no começo, mas logo endureceu e começou a reclamar da minha brutalidade.
– Pare, Isabel... - Pediu chorosa.
Não a escutei. Estava sendo movida pelo desejo e raiva. Trataria aquela mulher como a puta que nunca a tratei. A encarei com desprezo e beijei seus lábios com força. Carmen já não sentia mais prazer, só choramingava. Rasguei seu vestido, como fiz tantas vezes antes e levei meus lábios direto aos seus seios.
-–Pare! - Dizia me empurrando. - Isabel, por favor... - Ela pediu e chorou alto.
Me afastei e a olhei, de verdade, pela primeira vez naquela noite. Carmen estava tão magra, completamente diferente da mulher cheia de curvas que costumava ter em minha cama. Seus olhos chorosos estavam vazios, amedrontados, não era mais a mulher ousada que sempre foi. Eu, que conhecia aquele corpo tão bem, percebi seu cansaço atrás daquela maquiagem e algo que eu não entendia por trás daqueles olhos tristes. Ela tentava se cobrir com o vestido rasgado e me olhava com... Medo.
– Não foi por isso que largou o teu filho?! Não foi por essa vida que me deixou, Carmen!? - gritei.
– ¡Cállate, Isabel! Tu não entendes! - Disse chorando.
– Realmente não entendo como pode ser tão ingrata! - Falei segurando em seu rosto com certa força, ela não se moveu. - Não quer ser uma puta, Carmen?! Então será tratada como tal! - Ela se soltou e deixou um tapa estalado em meu rosto.
– ¡No soy una puta, Isabel! ¡No soy! - Disse gritando.
Levei uma das mãos ao meu rosto e no impulso empurrei Carmen. Ela se desequilibrou e caiu sentada no canto do quarto.
– Vá embora daqui! - Me arrependi de imediato pelo que fiz a ela. Acho que por tudo. - VAI EMBORA! - Gritou tampando o corpo como podia com o vestido rasgado. A mulher se encolheu em um canto e abaixou a cabeça.
Saí rápido e desnorteada. Não podia acreditar que tinha tratado uma mulher assim, ou pior, a mulher que eu amava. Deixei a raiva tomar conta de mim. Eu nunca devia ter entrado naquela casa. Do lado de fora escutava seu choro alto. Meu coração se apertou e a imagem dela ali no chão assustada fez eu me sentir o pior ser humano da terra. Dei alguns passos em direção a escada, mas não tive coragem de descer. Ainda podia ouvi-la chorando. Ela era a mãe do meu filho. Independente de sua decisão, a mãe de Rafael não merecia isso.
Levei a mão a boca e sufoquei um soluço de choro.
Voltei rápido até seu quarto e quando abri a porta novamente Carmen se encolheu. Nem de longe parecia a mulher abusada e cheia de si que um dia conheci. Me abaixei e ela se encolheu mais.
– Não farei te mal... Eu prometo. - Disse calma. - Me deixa ajudá-la. - Ela ainda estava desconfiada, mas permitiu que eu a tocasse. Devagar levei meus braços ao seu corpo e a levantei do chão.
– Me perdoe por isso, Carmen... - Pedi chorando. - Eu não queria machucá-la. - Ela deitou sua cabeça em meu ombro e escondeu o rosto. - Eu sinto muito. - A levei até a cama e com cuidado a deitei. Seu vestido não cobria direito seu corpo. Peguei o lençol e joguei por cima dela. Sorriu triste e me agradeceu com o olhar. Ajoelhei ao lado de sua cama e mexi de leve em seu cabelo.
– Eu não queria machucá-la... Nunca deveria ter vindo aqui, Carmen. - Ela não falava nada só me olhava triste. - Eu sinto tua falta. - Levei meus lábios até o seu e deixei ali um beijo delicado. - Eu te amo... - Disse baixo e me levantei.
Carmen chorou baixinho e repetiu antes que eu saísse.
– Baronesa, eu a amarei por la eternidad y más allá de la eternidad... - Chorei e antes de sair olhei-a. Aquela seria a última vez.
Virei as costas antes que me faltasse coragem e saí daquela casa mais ferida que entrei.
***
Uma semana se passou desde que fui até o bordel. Eu ainda tinha nojo da pessoa que fui e do fiz Carmen sentir. Essa não era eu, me odiava por ter feito que fiz, ela pode ter nos deixado para viver aquela vida, mas eu nunca, jamais seria igual aqueles homens que frequentam a casa de Madame Margot.
Estava parada em pé na varanda olhando para o campo a minha frente. Era um sábado de manhã e o céu estava, muito bonito, seria um bom dia para pegar Rafael para um passeio pela fazenda. Por vezes, saíamos ainda na primeira hora manhã e o levava até a figueira que gravei nossos nomes e assim como fazia com Carmen, estendia uma grande toalha no chão e deitávamos ali, olhando para o céu azul.
Carmen ainda era dona de cada parte de minha alma. Tudo pertencia a ela, porém sabia que isso deveria acabar. Precisava seguir minha vida e deixá-la seguir a dela. Era o certo a se fazer.
Suspirei triste e fechei os olhos. Senti alguém me abraçar pela cintura e encostar o rosto em minhas costas. Por um momento, tive a ilusão de ser seus braços e seu corpo ali encostado ao meu, mas fui trazida a realidade por um sotaque que não era o seu.
– Bom dia, minha querida! - Héloïse falou me apertando em seus braços. Eu sorri triste.
Não era a pessoa que desejava ali, mas ela era a mulher que estava fazendo o papel que Carmen deveria fazer. Assim como precisava esquecer a outra mãe de Rafael, também precisava começar a dar mais valor a todo cuidado e dedicação que a francesa nos dava a cada dia.
Enlacei minhas mãos na sua.
– Bom dia, Héloïse! - Respondi.
Ela se aproximou e me olhou carinhosa. Seus grandes e bonitos olhos azuis sorriam para mim como sua boca rosada e delicada fazia. Era uma linda mulher, não podia negar.
Tive uma ideia diferente nessa hora e resolvi começar a colocar em prática meu plano de seguir em frente.
– O que acha de sair para passear comigo e Rafael? - Ela sorriu mais largo e seus olhos marejaram.
–- Esperei muito por esse convite... - Disse emocionada. Eu nunca a convidava e nessa hora percebi o quanto isso afetava Héloïse. - Claro que j'accepte!! - Disse feliz.
Sorri de sua animação.
– Vou ajudar Marta a arrumar Rafael... - Ela soltou minha mão e a puxei de novo.
– Acho que nunca agradeci adequadamente a senhorita por todo cuidado e amor que dedica ao meu filho. Então, muito obrigada, Héloïse! - Ela sorriu tímida e me beijou no canto da boca. Não me esquivei de seu carinho.
– Não precisa agradecer, ma chérie! J'aime Rafael... et je t'aime, Isabel. - Disse sem me encarar.
Héloïse nos amava, era tudo que precisava para me dar a certeza do caminho que deveria seguir daqui para frente. Às vezes não temos o que queremos, mas o que precisamos.
Peguei seu rosto com carinho e deixei um beijo delicado em seus lábios, selando meu destino.
***
Um mês se passou depois de nosso primeiro beijo. Meu laço com Héloïse estava mais forte a cada dia, ela era uma ótima amiga, recolhia os pedaços do meu coração partido e aos poucos os colocava em seu devido lugar. Rafael estava cada dia mais apegado a ela, era lindo de ver a interação dos dois.
Doutor Raul passou a consultar Rafael na fazenda, como combinamos em seu consultório no mês passado. Marta, Héloïse e Lucília, todas dedicadas aos exercícios de Rafael, que aos poucos mostrava sinais de melhora, o que me deixava radiante. Eu, sempre que ficava em casa, me dedicava inteiramente a isso. Meu menino já conseguia pegar alguns objetos e sentava por alguns segundos, Doutor Raul nos disse que era um grande progresso e que mostrava que sua condição não era irreversível, que sua parte motora só demorava um pouco mais a responder, comparada as outras crianças. Nos pedia paciência com o menino e que com a nossa dedicação ele logo mostraria sinais de melhora efetiva.
Os dias passaram a ser mais alegres com a companhia de Héloïse. Estava sempre acordada quando saia de casa e fazia questão de fazer as refeições ao meu lado. Me esperava com Rafael em seus braços, sempre no jardim em frente a casa. De longe, ainda em cima do cavalo meu olhar sempre era atraído primeiro para a cadeira na varanda, onde Carmen me esperava. Não consegui tirar essa mania de ainda procurá-la. Muitas vezes minha saudade era tão grande que tinha a ilusão de vê-la sentada na cadeira sorrindo para mim. Eu sorria largo e me emocionava sempre, para depois de alguns segundos voltar a realidade e ver seu lugar vazio, meu coração apertava tanto que a dor era física, mas quando a tristeza insistia novamente em se aproxima de mim, Héloïse aparecia em meu campo de visão com meu filho em seu colo. Era o remédio que curava a tristeza do meu coração.
Faziam quase dois meses que Héloïse estava na fazenda. Nossos contatos mais íntimos se resumiam a carinhos no rosto e mãos dadas, nos passeios que fazíamos. Alguns beijos delicados e nada mais. Íamos devagar, eu precisava desse tempo e ela entendia isso perfeitamente. Até a madrugada que ouvi batidas na porta do meu quarto.
Levantei rápido, tinha o sono leve e para alguém me acordar no meio da madruga, era porque algo de grave tinha acontecido. Imediatamente lembrei da noite que colocaram fogo na plantação de cana.
Com o coração disparado abri a porta e levei um susto quando vi Héloïse.
– Aconteceu alguma coisa com Rafael? - Perguntei assustada.
– Calme, Isabel! Rafael está bem! - Disse segurando delicadamente em meu braço.
Suspirei aliviada.
– Que susto, mulher! - Disse levando a mão a cabeça. Ela riu. - Tu estás bem? - Falei preocupada.
– Sim... - Disse tímida.
– Então o que... - Ela não me deixou terminar.
Envolveu seus braços em meu pescoço e me beijou. Héloïse me empurrou para dentro do quarto e fechou a porta com pé. Seus beijos, antes delicados, agora estavam mais quentes. Não ousei me soltar dela, não posso mentir, estava gostando.
Comparar seus beijos com o dela era inevitável. Mesmo sem querer lá estava eu procurando Carmen naqueles beijos quentes, mas tudo era diferente, a textura de língua, a forma como mexia boca, a ausência da mordida ousada que Carmen dava entre os beijos.
O que encontrei foi uma mulher apaixonada tentando conquistar o meu amor. Seus beijos eram desesperados e me mostrava o quanto Héloïse tentava me agradar. Ela soltou seus lábios dos meus e respirei fundo quando a vi desfazer o laço de seu robe. Vestia apenas uma camisola branca e quase transparente. Podia ver suas curvas e seus seios pequenos. Arfei de desejo.
Ela se aproximou novamente e sorriu quando notou meu olhar de desejo.
– Faites-moi le vôtre, Isabel... (Me faça sua, Isabel) - Héloïse disse em sua língua. E como o francês era uma língua sensual. Gemi baixo com seu pedido.
Desci uma alça de seu vestido e beijei seu pescoço. Ela gem*u em meu ouvido. A segunda alça de seu vestido deixou seus seios a mostra e minha sanidade foi para o ralo.
Minhas mãos desceram até seus seios os apertando devagar, ela voltou a me beijar e seus gemidos já tomavam o quarto. Desci minha boca por seus ombros até chegar em um dos seus seios. Héloïse ficou mole em meus braços e sorri com sua reação. A peguei no colo e coloquei delicadamente na cama. Seu corpo embaixo do meu e suas pernas enlaçadas em volta de minha cintura. Ela acariciou meu rosto e me beijou com calma dessa vez.
– Quero ser sua, Isabel! - Sorri com seu pedido. - Como nunca fui de ninguém!
Héloïse ainda era virgem, óbvio! Como não pensei nisso antes. Estava quente de desejo, fazia tanto tempo que não ia para cama com ninguém. Não seria delicada naquele momento e acima de tudo não deixaria de procurar Carmen em seu corpo. Não era o certo. Ela merecia mais de mim, merecia minha dedicação só para ela. Ainda não estava curada de Carmen e assim, nunca poderia ser totalmente de Héloïse. Não sei se um dia deixaria de pertencer a mãe de Rafael, mas poderia tentar e entregar a mulher embaixo de mim, uma Isabel somente dela.
Sai de cima de seu corpo e Héloïse me olhou triste.
– Pardonne-moi! (Me perdoa) - Disse sentando na cama e colocando subindo as alças de seu vestido.
– Ei, calma... - Falei pegando em sua mão. - Não precisa se desculpar, eu que peço desculpas por tratá-la assim!
Ela se levantou da cama e colocou novamente seu robe.
– Sei que não sou Carmen e nem te farei sentir o que ela fazia... - Disse chorosa.
– Héloïse, não faça isso contigo. - Disse a abraçando.
– Eu te amo, Isabel! - Disse acariciando meu rosto. - Mas sei que ainda ama Carmen, terei paciência para esperar, sei que conseguirei conquistá-la. - Héloïse me beijou.
– Me desculpe por isso, Héloïse. - Pedi novamente. - Mas vamos fazer como falou, com paciência, certo? - Ela concordou. - Tua companhia me faz muito bem! Não tem noção de como me alegra saber que ama Rafael. Isso para mim é o mais importante! Fique sabendo que a Senhorita é encantadora e não duvido que conseguira conquistar meu coração! - Ela sorriu e me abraçou forte.
Eu desejava com toda a minha alma que Héloïse conseguisse roubar meu coração de Carmen e que enfim fizesse aquela dor passar.
A Francesa não voltou mais ao meu quarto, mas por vezes escutava passos no corredor e via a sombra de alguém parada à minha porta. Eu sabia que era ela. Muitas vezes tentava ser como Carmen, nos gestos, no jeito de me beijar, na forma ousada de me olhar.
Eu somente sorria para ela. Não era o melhor caminho a se seguir, mas confesso que me agradava um pouco, ter de novo uma mulher ousada na minha vida.
Os dias passaram e nossos encontros furtivos, se tornaram mais rotineiros. Ela sempre me puxava no meio da tarde para algum canto da casa para me beijar. Achava engraçado seu jeito tímido e por vezes inocente. Comparada a Carmen, a francesa era uma menina, mas uma menina que sabia me deixar louca. Isso foi dando confiança a suas investidas, até o dia em que eu comecei a puxá-la para os cantos da casa, como uma adolescente boba. Era uma sensação diferente e totalmente nova e o que mais me agradava era que enfim conseguia beijá-la sem procurar por outra pessoa.
Quando me perguntava se estava enfim curada de Carmen, a encontrava ainda nos meus pensamentos. Passei a me contentar somente com um tratamento eficiente para sua ausência, mas a cura, sabia que nunca encontraria. Creio que poderei viver assim, com Héloïse na minha realidade e Carmen nas minhas lembranças.
E admitindo isso para meu coração, eu tomei a decisão que faria minha vida mudar.
***
Estava na pequena carroça, que costumava sair para passear com Héloïse e Rafael, aguardando-os. Levaria os dois para um pequeno riacho, que ficava na antiga fazenda.
Me remexia nervosa e ansiosa.
– Héloïse! - Gritei para dentro da casa.
– Já estamos indo, Querida! - Ela gritou de volta.
Mexi no meu bolso e senti o pequeno anel de ouro que comprei na semana passada na Vila de Vassouras. Fazia alguns dias que procurava o momento certo para isso.
Héloïse desceu as escadas com uma cesta em seu braço e Rafael no colo de Marta.
Ajudei a moça a subir na carroça e em seguida peguei o menino.
– Obrigada, Marta! - Ela sorriu e acariciou meu rosto como sempre fazia agradecida. Aos poucos eu, tão bruta, me acostumei ao jeito carinhoso que a senhora me tratava. - Marta, eu...
Não tinha conversado com ninguém sobre meu pedido a Héloïse. E a mulher a minha frente sempre me olhava como se soubesse de tudo.
– Não precisa me falar nada, Baronesa. Apenas faça o que seu coração mandar, o resto a vida se encarrega de fazer. - Marta disse essas palavras no meu ouvido quando beijou meu rosto.
Me alegrou saber que ela não me julgaria. Agradeci com o olhar e subi na carroça.
Héloïse estava com Rafael no colo e agarrada em meu braço. Chegamos ao riacho e procuramos um lugar perto da água e com uma sombra boa. Ela ajeitou tudo e sentei com Rafael ao seu lado. O menino brincava com seu cabelo que ficava dourado quando o sol batia. Peguei Rafael de seu colo e ela me olhou confusa.
– Héloïse, eu e Rafael queremos te fazer uma pergunta...
– O que os dois estão aprontando?! - Perguntou curiosa.
O menino deu um dos seus gritinhos nos fazendo sorrir.
– Tu sempre és tão gentil e boa com nós dois... Nos deu amor todos esses meses e nunca nos faltou um carinho quando mais precisamos. - Ela sorria largo, acho que já desconfiava. - Por toda essa dedicação e amor, queríamos saber se aceita fazer parte de nossas vidas... para sempre! - Héloïse já tinha os olhos marejados. Tirei aliança do bolso. - Héloïse aceita se casar comigo? - Ela levou as mãos a boca e sufocou um gritinho de surpresa.
– Sim! Claro que sim, Isabel! - Diferente da outra vez, agora recebi um sim com alegria.
Era o sim que desejei ter escutado de Carmen em Petrópolis. E como a Espanhola ainda habitava minhas lembranças, me recordei do sim que me disse na igreja de São Rafael.
"– Por la eternidad y más allá de la eternidad..."
Meu olhos marejaram e tive vontade de desistir naquele momento, mas não seria justo com Héloïse, Rafael e nem comigo que estava tentando voltar a viver.
Carmen seria para eternidade e para além da eternidade. Mas Héloïse, era o presente e seria o meu futuro. A francesa me beijou emocionada e abraçou Rafael em seguida.
Fechei os olhos e suspirei. A eternidade pertenceria somente a uma pessoa.
***
Lucília insistiu por todo aquele mês que fizéssemos um grande jantar de noivado. Me disse que Héloïse merecia isso e por um lado, concordo. Chamei alguns amigos de São Paulo que passaram o fim de ano na fazenda e alguns Barões amigos de meu pai e que com o tempo se tornaram meus amigos também. Fiz questão de convidar pessoalmente, o Barão de Campo Belo e sua família. Marcos se tornou um bom amigo e um aliado nos negócios com o passar tempo.
A casa estava cheia e me alegrou saber que tinha o apoio de todos. Héloïse estava linda e feliz. Ela merecia. Eu estava dividida, mas feliz por dar um passo rumo a minha felicidade. Torcia para que conseguisse ser feliz ao lado da francesa.
O jantar foi agradável, cercado de alegria e pela primeira vez, Héloïse estava sentada à minha esquerda. Olhava para a mulher contente conversando com outras pessoas e sentia meu coração doer por ainda desejar que Carmen estivesse ali. A culpa me matava nesses momentos, mas era difícil não lembrar dela.
Após o jantar, nos reunimos na sala. Héloïse adorava tocar piano o que me fez mudar o lugar do grande instrumento, da sala de música para o meio da sala de estar. Ela tocava e encantava a todos com seu talento. Depois de três músicas, todas dedicadas para mim e Rafael, como fazia questão de falar antes de começar, ela sentou ao meu lado. Lucília me olhou e sabia que estava na hora de fazer o pedido na frente de todos os convidados. Levantei e as conversas paralelas pararam.
– Quero agradecer a todos os amigos pela presença na minha casa esta noite! Acho que todos estão cientes do meu pedido de casamento a essa bela dama francesa ao meu lado. - Olhei para Héloïse que sorriu. - E por incrível que pareça, meus amigos, ela aceitou! - As pessoas riram alto e aplaudiram. - Héloïse, só tenho a agradecê-la por todo amor e dedicação à minha família. - Olhei para o meu filho que ainda estava acordado e no colo de Lucília agora. - Eu e Rafael, esperamos que aceite fazer parte dessa família e prometemos devolver todo o amor que tem nos dedicado. - Ela levantou. - Aceita se casar comigo?! - Ela acariciou meu rosto.
– Sempre direi sim a vocês! - Me beijou delicadamente.
Olhei para Lucília que estava em um estado de felicidade que nunca vi antes. Se aproximou e nos deixou um beijo carinhoso.
– Estou muito orgulhosa de ti, Isabel! - Disse me abraçando.
Deixou Rafael no colo de Héloïse. O Barão de Campo Belo se aproximou e propôs um brinde.
– A minha amiga, Isabel e sua linda família! Desejo toda felicidade para vocês! - Todos retribuíram o gesto e nos parabenizaram.
Estava seguindo em frente, por mais que meus pensamentos ainda me fizessem viver no passado feliz que tive ao lado de Carmen.
Fim do capítulo
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JackXIX
Em: 10/01/2021
Este é o meu primeiro comentário aqui, apesar de já ser uma leitora de longa data do Lettera. Mas, não teve jeito, o comportamento reprovável de Isabel acabou por me tirar da moita, foi lamentável. Aguardando para ver se a retratação será feita a altura. Apreciando muito a história. Parabéns as autoras.
Resposta do autor:
Olá!! Muito obrigada por ler!! Ficamos felizes com o comentário... Quanta a Isabel tenha paciência ela vai aprender.
Bjosss
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