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A Cortesã e a Baronesa por Nanda Cristina e JuliaSoares

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Palavras: 7822
Acessos: 909   |  Postado em: 29/12/2020

Miedo

 

Carmen

" – ME TROCOU PELA VIDA DE CORTESÃ OUTRA VEZ! – Isabel gritava com raiva. – DEIXOU O NOSSO FILHO PARA SER UMA PUTA!

– No, Isabel... no es lo que piensas... escúchame... - Tentei explicar.

– Nem hoje, nem amanhã, nem nunca! Não quero ouvir o que tens a dizer. Jamais te perdoarei."

Abri os olhos assustada outra vez. Era sempre o mesmo sonho. Já se passaram duas semana. Há quinze dias que estou aqui e a saudade me mata. Suspirei triste e cansada, ainda era madrugada e Margot dormia um sono inquieto na cama. Eu estava sentada na poltrona ao seu lado lendo um livro quando cochilei. Meu sono se limita a isso. Pequenos cochilos durante a noite.

Olhei para a senhora que gemia durante o sono, desde que cheguei vejo ela piorar a cada dia. As dores, os tremores pelo corpo, a dificuldade para respirar. Me doía vê-la assim.

Levantei da poltrona, apaguei as lamparinas e me direcionei ao meu quarto. A música alta no andar debaixo me incomodava. Sentia falta do silêncio da fazenda. Entrei e tranquei a porta como fazia todos os dias. Tentaria dormir outra vez, mesmo sabendo que não conseguiria.

Admirei cada canto daquele cômodo, me sentia vazia. Isabel estava tão presente ali e a saudade que senti fez meus olhos se encherem de lágrimas. Pedi para as meninas manterem o cenário exatamente como estava: a cama perfeitamente arrumada com a manta de Rafael esticada sobre meu travesseiro, a camisa dela pendurada na guarda da cadeira em frente à penteadeira como se estivesse estado ali há poucos minutos. Pensei que ver isso me confortaria, mas só me trazia a lembrança de uma vida que talvez eu jamais vivesse novamente.

Ainda sentindo o peso de estar ali e com meus pensamentos na mulher que amava, afrouxei o laço do espartilho e desfiz meu penteado. Senti meus cachos caindo sobre meus ombros e o vestido escorregar devagar do meu corpo.

"– Tu és a mulher mais linda que já vi. – Isabel sussurrou com os lábios contra o meu pescoço enquanto descia a alça do meu vestido."

Fechei os olhos com a lembrança e senti as lágrimas quentes em meu rosto. Com o corpo nu, caminhei até sua camisa e levei-a ao meu rosto, seu cheiro ainda estava no tecido, mas aos poucos ia embora. Como eu sentia saudades da minha mulher. Vesti a peça de roupa, Isabel era maior e mais forte que eu, sua camisa batia em minhas coxas, as mangas compridas em meus braços e, mesmo com os botões fechados, ficava larga. Me trazia conforto e com seu cheiro ali eu quase sentia seu abraço.

Acendi um cigarro e fui até a janela, a noite estava linda. A lua iluminada. Sentei na beira da enorme abertura. Fiquei ali tragando o cigarro calmamente, ouvindo a algazarra do andar debaixo e pensando que essa não era mais a minha vida. Quando cheguei aqui algumas meninas me questionaram sobre quando voltaria a ser a cortesã que fui um dia. Nunca mais. Essa é a resposta. Não há espaço para outros toques em meu corpo que não sejam os da mulher que eu amo.

Quando o cigarro acabou continuei ali ainda observando a lua. Ouvi um movimento no corredor e senti meu corpo inteiro gelar, olhei aflita para a porta mesmo sabendo que ela estava trancada. Risadas masculinas encheram meus ouvidos e involuntariamente me encolhi dentro da camisa.

– Venham, Queridos... – A voz de uma das meninas da casa se fez presente.

– Vamos, Orlando. Já dividimos a bebida, vamos dividir essa bela mulher.

As risadas invadiram novamente o corredor, mas logo cessaram. Respirei finalmente, nem me dei conta de que prendia a respiração. A cortesã audaciosa, sem medos e intocada pelos traumas de uma infância medonha estava distante, em um lugar dentro de mim que eu já não conseguia alcançá-la. Sobrou aqui uma mulher frágil e amedrontada.

– Eu amo vocês. – Sussurrei olhando para a lua na esperança que chegasse até eles. – Amo com todo mi corazón.

Abracei os joelhos e chorei o resto daquela noite de saudade. Quando levantei dali o sol já brilhava forte e novamente não preguei o olho.

***

– Bom dia, Carmensita. – Margot disse quando entrei em seu quarto com uma menina trazendo seu café da manhã.

Agora o bordel não tinha mais escravas e sim empregadas. Leopold, o investidor que comprou uma parte da casa, era um homem inglês, a Inglaterra é evoluída em muitas coisas e abomina as práticas escravagistas existentes aqui neste Império. Margot, movida pelas atitudes da Baronesa de Vassouras e os relatos do inglês alforriou todas as escravas e deu abrigo e trabalho para elas. Me orgulhei muito quando ela contou.

– Buen día... – Sorri para ela. – Como passou a noite?

– Bem. Depois de tomar o chá e o remédio consegui dormir até de manhã.

– Fiquei aqui até que pegasse no sono. – Ela sorriu agradecida.

– Não precisa disso, Carmen. Nem deverias estar aqui.

– Claro que sim, Margot. Já conversamos sobre isso, tu não estás bem e ficarei aqui até que melhores.

Deixei um beijo na bochecha da mulher que, apesar de ainda estar sentada na cama, já estava maquiada e vestida para o dia. Era assim sempre. Margot era uma mulher muito vaidosa e as empregadas tinham o dever de ajudá-la a se vestir adequadamente na primeira hora da manhã.

Ajeitei a bandeja em seu colo e ela bateu na cama para que eu sentasse ao seu lado.

– E Isabel e Rafael? Era com eles que deverias de estar.

– Eles entenderão, Margot. Já cansei de dizer que não quero que te preocupes com isso. – Pedi suspirando. - Estou onde devo estar nesse momento, um dia eles entenderão...

– Sentes falta deles, não é? – Perguntou olhando para mim.

– Todo instante. – Respondi sinceramente, ela pegou minha mão e acariciou.

– Volte, Minha Menina. Eu ficarei bem.

– Margot, se alimente e melhore. Quando estiveres bem, voltarei. – Disse impaciente.

Continuamos ali com ela fazendo comentários sobre minhas olheiras, que sabia que eu não estava me alimentando corretamente. Me limitei a revirar os olhos e beber minha xícara de café forte. Ouvimos batidas na porta e Margot autorizou a entrada. Era Sofia. Entrou sorridente, mas logo que me viu seu sorriso desapareceu. Passei pouco tempo com as meninas e com ela, evitando suas provocações.

– Só queria saber como estava. – Me olhou com cara de poucos amigos e virou as costas.

– Espere, Sofia. – Margot pediu e me olhou por alguns instantes pedindo silenciosamente para que eu me retirasse.

Suspirei, me levantei e caminhei contrariada para fora do quarto. Assim que passei pela menina parada em frente a porta, observei alguns hematomas em seu pescoço e braços. Parei imediatamente olhando-a intrigada. Sofia era uma menina irritante, sempre me levou ao extremo, mas a conheço desde que era uma criança tímida que chegou aqui aos treze anos. Me preocupei com ela.

– Onde está a Baronesa de Vassouras, Carmen? Cansou de ti? – Sofia debochou disfarçando os machucados quando percebeu que eu estava vendo.

Abri minha boca para revidar a provocação, mas Margot nos interrompeu.

– Isso não é da tua conta, Sofia. – Disse séria. – Carmen, por favor, me deixe a sós com ela.

Saí do quarto bufando e bati a porta com força, mas não movi um músculo. Eu queria saber o que era aquilo e prestei a atenção nas vozes no outro cômodo.

– Como a senhora está? – A menina perguntou.

– Bem, criança.

– Não sou uma criança! – Disse petulante.

– Eu estou bem, mulher. – Margot respondeu risonha.

Elas ficaram um tempo em silêncio, mas logo Sofia continuou.

– Sentimos a tua falta.

– Eu sei que sim. - Respondeu gentilmente. - Como estão as coisas? Leopold está cuidando bem de vocês?

– Sim, ele sim. Mas o homem que vigia o salão durante a noite não se preocupa conosco como tu te preocupavas.

– Eu sinto muito por isso. Já pedi que ele tivesse atenção com essas coisas.

– Quando Leopold está, os homens têm o mínimo de respeito, mas quando é só o empregado as coisas ficam descontroladas. – A voz de Sofia vacilou. – Eles não sabem ouvir não, não conhecem o limite.

– Eu sei, criança... – Margot estava preocupada e ouvi a mais nova soluçar, estava chorando. – Eu darei um jeito nisso. Daqui a pouco descerei ao meu escritório e chamarei o rapaz. Cobrarei dele atenção.

– Obrigada, Margot. Sinto tua falta.

– E por que não sobe mais para passar as tardes aqui comigo? Só te encontro quando desço para tomar sol.

– Porque Carmen voltou e agora tens a péssima companhia dela. – Senti ciúmes em sua voz e Margot riu alto.

– Eu sei que essa é a tua forma de admirá-la.

– Puff... Nem morta. – Mentirosa, eu sabia que a implicância dela era isso, sempre soube. – Vou sair para comprar algumas coisas, quer que eu traga algo para a senhora?

– Não se incomode, menina. Qualquer coisa que acontecer, não importa a hora, corra até aqui e venha me contar.

Saí dali antes que Sofia deixasse o quarto mas questionaria isso logo mais. Essa menina atenciosa era novidade para mim, quando Margot me escreveu dizendo que ela não saía de seu lado, não imaginei que estivesse realmente preocupada, mas acabo de descobrir que a arrogância dela escondia coisas muito bonitas em sua personalidade. Sofia nem imaginava, mas eu via nela muito de mim. Um eu imaturo que ficou para trás há mais de uma década.

A tarde passou devagar como todos os outros dias. Lenta e torturante. Levei Margot ao jardim, a cada dia sua firmeza diminuía, as dores nas costas aumentavam, a falta de ar se tornava angustiante até para mim que observava a dificuldade que ela sentia ao respirar depois de fazer coisas que há poucos meses conseguiria perfeitamente. Nem de longe era a mulher forte que me levou até a fazenda.

Como prometeu a Sofia que faria, quando o céu avermelhou denunciando o crepúsculo, ela me puxou para o escritório junto com Leopold e o empregado.

– É bom encontrá-la novamente, minha cara. - O senhor que aparentava ter quase a mesma idade de Margot pegou delicadamente a minha mão e deixou um beijo seguido de uma reverência. - Senti tua falta nas reuniões de negócios. Depois de conhecê-la naquela quando fechamos o contrato sobre as bebidas, não lhe vi mais. Senti falta da tua sagacidade.

Piscou gentil para mim e sorri.

– Não minta para ela, Leopold. Já a conhece há anos. - Estreitei os olhos para a mulher, o homem me era familiar, mas não me lembrava de onde o conhecia.

– Não é mentira, Margot. Essa mulher nem de longe se parece com a menina assustada que levou à Inglaterra. - Agora me recordei de onde o conhecia. A primeira viagem que fiz com ela. Leopold não era apenas um investidor, era amigo de longa data de Margot e, por alguma razão, isso me trouxe conforto. Ficamos em sua casa nos meses que passamos na Inglaterra antes dela abrir a casa.

Sorri gentilmente para o homem e ele olhou para Margot que me admirava com orgulho. A reunião fora tranquila e regada de risadas deles. Era bom vê-la assim, se distraindo, sentia que ela ficava pior por estar presa em cima da cama nos dias em que as dores estavam muito fortes.

Quando a noite se aproximou retornei com Margot até o quarto e aproveitei que estávamos a sós para questioná-la sobre a conversa que tivera com Sofia mais cedo e alguns detalhes da reunião.

– Carmen, quando perderá a mania de ouvir atrás das portas? - Me repreendeu divertida.

– Yo estaba curiosa. – Encolhi os ombros. – ¿De qué estaba hablando ella?

– Dos homens. Alguns são sem escrúpulos. Por isso era sempre tão importante que eu estivesse vigiando.

– Como assim? - Perguntei, mas eu sabia do que ela falava.

– Os clientes pensam que elas são obrigadas a fazer o que querem, mas nós sabemos que não é assim, são cortesãs como já fomos um dia, mas... - Suspirou pesado. - Talvez somente nós sejamos capazes de enxergar que além do ofício há uma mulher com desejos, sentimentos, medos e vontades.

– Pagam pelo corpo mas não tem o direito de fazer o que querem, somos... elas são personas! - Falei indignada.

– Vender o corpo, Carmen, quase sempre significa vender tudo. A dignidade, integridade, renunciar ao amor e até a própria alma... Todo mundo esquece que prostitutas também são pessoas. Mulheres, muitas vezes, sem outra opção. - Havia em seu olhar uma lembrança melancólica e pela primeira vez na minha vida eu percebi que não conhecia nada de sua história. - Preciso voltar ao salão. Enquanto vigio, cuido das meninas também, elas precisam da minha segurança. – Margot suspirou preocupada. – Não posso mais passar as noites fingindo que não sei o que se passa na minha ausência.

– ¡De ninguna manera! No estás en condiciones. - Disse imediatamente.

– Percebeste como estava Sofia, não?

– Sí... – Sussurrei preocupada com a garota.

– Nenhuma delas merece isso, Carmen. – Margot se levantou com dificuldade, agarrou a bengala e foi até a penteadeira. – Já chega de ficar em cima dessa cama.

– ¡No! – Disse firme, ela nem tinha condições de se levantar sozinha, muito menos passar uma madrugada inteira em pé lá embaixo. Ponderei por alguns segundos e me dei conta de que era meu dever fazer isso. – Eu vou... - Sussurrei.

– O que disse?

– Que eu vou, Margot. Quédate aquí, eu cuidarei delas! – Respondi um tanto insegura.

– Não, Carmen. Não veio aqui para isso.

Suspirei pesado antes de continuar a falar. Eu não desci nenhuma noite e, por vezes, me peguei apavorada pensando nos olhares que aqueles homens me lançariam. Olhares que eu sabia que me lembrariam da menina amedrontada que vivia em um casebre na Espanha. Eu estava com medo do que causava neles. Logo eu que já fui uma mulher que amava esses olhares de desejo. Pensar neles me trazia lembranças terríveis, me fazia sentir como se traísse Isabel, me fazia sentir culpada por tudo que aconteceu desde sempre. Como se aquele primeiro homem já soubesse o que eu me tornaria, já enxergava, naquela criança com medo, a cortesã inescrupulosa. Como se tudo o que ele fez por anos era exatamente o que eu merecia. Mesmo assim, descer e cuidar de tudo era o certo a se fazer.

– Eu vim até aqui para ajudá-la. Elas são minha responsabilidade na tua ausência, enquanto não está bem, eu cuidarei de tudo. – Tentei ser o mais firme possível, se vacilasse, Margot saberia e acho que ela soube, mas não tinha outra opção.

Balançou a cabeça derrotada e sentou na cama, os pequenos passos que deu até a penteadeira a deixaram com a respiração ofegante, não tinha a mínima condição de fazer o que pretendia.

– Mandarei trazer o jantar daqui a pouco. - Caminhei até ela, ajudei-a a se acomodar na cama e beijei sua testa com carinho. - Me prepararé para la noche.

– A Baronesa não te perdoará se descer, Carmen. - Disse firme, acho que ela já esteve nesse lugar. - Ela não acreditará que não subiu com ninguém...

– Isabel tendrá que aceptar mi palabra, Margot. Si no lo creo, desafortunadamente no podré hacer nada. - Respondi triste.

– Não vacile. Não demonstre fraqueza, se fizer isso, eles perderão o respeito por ti. - Alertou. - Se sentires medo, corra para mim como fazia antigamente.

Sorri para ela e Margot deixou um beijo carinhoso em meu rosto.

– Eu tenho tanto orgulho de ti. Sei o tamanho do sacrifício que fez para estar aqui, mas não vou mentir, Carmen. Meu coração se alegra com a tua presença, minha filha.

Sorri triste e meus olhos se encheram de lágrimas. Deixei mais um beijo em seu rosto e fui até o meu quarto, novamente tranquei a porta e sentei na cama um tanto atordoada, a lua já estava alta e eu precisava me arrumar.

Pedi que preparassem meu banho e o tomei rapidamente, procurei não pensar, não queria chorar e não podia desistir, Margot precisava de mim lá embaixo. Fui até a arara de roupas e procurei um vestido mais discreto, não o encontrei e no fim, vesti qualquer um. Fiz um penteado e disfarcei meu cansaço com uma maquiagem forte. Me admirei no espelho e vi a cortesã que amei um dia. Não amava mais. A figura que eu queria ver ali refletida era a mãe. Eu estava linda, deslumbrante como sempre, mas, se o espelho refletisse a minha alma, como minha mamá costumava dizer, provavelmente eu veria meu próprio corpo sem vida.

Peguei o binóculo que usava quando ia ao teatro e saí do quarto sem olhar para a manta de Rafael, sentia como se ele ou Isabel pudessem me ver e tive vergonha.

Fiquei no andar de cima, próximo à escada, exatamente no lugar que costumava ficar antigamente. Com os olhos atentos ao que se passava lá embaixo, presenciei coisas que, quando estava aqui, nunca me dei conta, sempre fui egoísta demais para ver além de mim. Observei um homem agarrar os cabelos de uma das meninas e beijá-la a força, outra estava sendo tomada no sofá ao lado do bar. Podia ver o sofrimento em seus olhos, com o binóculo, vi que ela estava distante dali e senti pena. O bordel não era sinônimo de liberdade para todas como eu pensava ser.

Procurei Sofia, estava preocupada com todas, mas com ela em especial. Quando encontrei-a próxima a um sofá do outro lado do salão, senti meu sangue borbulhar. Desci correndo as escadas escondidas atrás do bar e fui em direção a ela. Um homem segurava seu pescoço com força e tinha ódio no olhar, Sofia era petulante, ria debochada e senti medo do que ele poderia fazer com ela.

– Com licença, Coronel Antônio. - Já o conhecia e o desprezava. Assim que ouviu a minha voz ele soltou a menina que caiu sentada no sofá.

– Madame Carmen! - Disse alto e alguns homens me olharam surpresos. - Finalmente teremos a honra da tua presença outra vez! Diga, depois de todo esse tempo veio me dizer que subiras comigo?

Se aproximou de mim insinuante e pensei em correr, mas sorri para ele.

– Não, Coronel. Hoje não. - Nem nunca - Mas terei que pedir para se retirar da minha se vê-lo tratando as meninas assim novamente.

Eu ainda sorria, mas o homem lançou um olhar colérico para mim.

– Quem tu pensas que é? - Se aproximou ameaçadoramente e senti meu corpo gelar, mas não deixei que soubesse.

– Madame Carmen Montenegro. Dona desse lugar na ausência de Margot e uma mulher que não tem medo das tuas ameaças, Coronel.

– Pois deveria, meretriz. - Sussurrou e segurou meu rosto com força.

Com a ponta dos dedos afastei sua mão de mim e olhei para ele com um sorriso debochado, eu estava com muita raiva.

– La próxima vez que me ponga las manos encima, será la última.

– Isso é uma ameaça? - Suas mãos cercaram meu pescoço em uma pegada forte.

– ¡Sí, Coronel, es una amenaza! - Respondi com dificuldade e pensei que ele quebraria meu pescoço ali mesmo.

– Solte-a, homem, ou terei que pedir às damas que fechem o local mais cedo e catem o que restar dos teus miolos pelo chão. - Um homem que eu não conhecia engatilhou o revólver contra a nuca do outro.

Antônio me olhou com ódio e soltou meu pescoço, respirei fundo e meus olhos escureceram um pouco.

"¡Hijo de una puta!"

– Levanta o teu revólver para defender uma puta, Barão? Foi contigo que ela andou enquanto estava sumida? - Alguns homens riram da provocação.

– Não, Coronel. - Respondeu calmamente. - Sei da fama de Madame Carmen, mas é a primeira vez que estou em sua presença. A verdade é que nem conheço essa mulher.

– Então por que te incomoda em defendê-la?

– Porque não gosto de homem covarde. - Respondeu sério.

– Ora, Marcos. És tu que estás ameaçando um homem desarmado.

Ele guardou a arma e continuou encarando o Coronel.

– Vá se divertir, Antônio. Deixe essas mulheres em paz. Há dezenas de outras aqui.

– Como está? - Sofia me perguntou e segurou meu braço.

– ¿Bien y tu? - Ela balançou a cabeça concordando.

– Desgraçado. - Disse baixo.

Eu não entendi como aconteceu e nem porque. Sofia parecia ter sussurrado o xingamento para que somente eu escutasse, mas um segundo depois ela estava no chão. Antônio lhe acertou um tapa com as costas da mão. Me ajoelhei para ver como ela estava e sua boca e nariz sangravam.

– RASPA FORA, CORONEL! - Marcos agarrou o homem pelo colarinho e o atirou para longe de onde estávamos, sacou novamente o revólver e atirou no chão ao lado de onde o outro estava caído, a bala abriu um rombo no assoalho de madeira.

– Isso não ficará assim! - Gritou para nós dois.

– Tu tens a audácia de ameaçar o Barão de Campo Belo, Antônio?

– Tu pagará com a tua vida, puta. - Apontou para mim e saiu, eu sei que ele não estava brincando, não me arrependo de defender Sofia, mas sei que isso poderá me custar um preço muito alto.

– Estão bem? - O Barão perguntou.

– ¡Sí, gracias! - Ele concordou com a cabeça e ajudou Sofia a se sentar no sofá. Respirei fundo e levantei a voz, todos estavam atentos a nós depois da cena. - Señores, disculpen las pequeñas molestias. A noite está linda, continuem a aproveitá-la.

Todos concordaram e segundos depois a música estava alta outra vez.

– Venha. - Peguei a menina pela mão. - Obrigada mais uma vez, Barão.

– Não há razão para agradecer, Madame. - Baixou a ponta da cartola em uma reverência e nos deixou a sós.

Subi com Sofia pelas escadas atrás do bar e arrastei-a para o meu quarto.

– Sente-se, deixe me ver o teu rosto. - Apontei para a poltrona e fui até o roupeiro em busca de uma pequena caixa com alguns tecidos para curativo.

– Eu não preciso de ti, Carmen! - Revirei os olhos.

– Deja de ser arrogante, Garota! - Olhei brava, mas logo senti pena, seu rosto estava inchado e ainda sangrava. Nem ela merecia isso. - Fique aqui, já volto.

– Já disse que não preciso...

Não deixei que terminasse, virei as costas e tranquei a porta do quarto com ela dentro. Desci as escadas correndo até o bar e peguei uma garrafa de uísque. O homem que deveria ser responsável por elas estava ali perto e senti raiva. Deixei a bebida em cima do balcão, fui até ele e o puxei para o canto.

– Que foi, Madame? - Acertei um tapa estalado em seu rosto e ele me olhou assustado.

– Pare de fingir que não vê o que está acontecendo. - Gritei. - Vais me dizer que também não viu a cena de minutos atrás? ¿Donde estabas?

– Madame... eu... - Gaguejou.

– ¿Donde estabas? - Perguntei mais alto e ele me olhou confuso. - ONDE ESTAVA?

– Aqui, senhorita. - Disse baixo.

– Y por que não foi até ela? Y después, por qué não foi a defendernos? Esqueceu que esta es tua obrigação o eres muito cobarde para eso?

– Eu não fui até ela porque... - Parou de falar.

– ¡Dime! - Gritei outra vez.

– Porque ela é uma cortesã, Madame, achei que essas coisas fizessem parte dessa vida.

– Qual é o teu nome?

– Lázaro. - Respondeu.

Era um homem negro, quem olhasse para ele saberia que um dia fora escravo. Se não pelo tom de pele, pela cicatriz de uma feia queimadura feita com ferro em brasa em metade do seu rosto.

– Sabes, Lázaro... - Respirei fundo e disse calma e séria. - A grande maioria desses homens que estão aqui são donos de escravos. Muitos deles os tratam como animais nascidos para trabalhar. Acredito que tu mesmo já passou por isso, no?

– Sim, Madame. - Sussurrou sem me encarar.

– Quando me diz que pensas que o sofrimento delas faz parte do ofício, percebo que talvez tu não sejas tão diferente do hombre que fez isso em tú rosto.

Ele instintivamente tocou o local e suspirou pensativo.

– Me perdoe, Madame Carmen. - Pediu. - Prometo à senhora que nunca mais deixarei isso acontecer.

– E eu espero que cumpra a tua palavra. - Respondi séria. - Peça que uma das empregadas sirva o jantar à Madame Margot e se ela perguntar o que foi o barulho do disparo, diga que está tudo bem.

Tomei a garrafa de bebida em minhas mãos e subi as escadas.

Abri a porta do quarto e me deparei com Sofia sentada em minha cama segurando a manta de Rafael admirada, eu havia esquecido que ela estava ali depois da confusão. Deixei a garrafa na penteadeira e corri arrancando o tecido de suas mãos.

– Solte isso!

– Tu tens um filho... - Disse baixo e admirada. - O filho da Baronesa de Vassouras é o TEU filho!

– ¡No digas tonterías! - Falei séria e guardei a manta na gaveta, tentei disfarçar, mas sabia que era tarde.

– Não adianta mentir, Carmen! Margot nos disse que tinha ficado muito doente depois de tirar a criança, mas não ficou doente, tu continuou grávida! - Ela estava em choque.

– Sofia...

– O filho da Baronesa não é um menino qualquer que ela adotou porque precisava de herdeiros, como Margot disse quando eu a questionei. O menino nasceu lá e é teu!

– JÁ CHEGA! - Gritei e puxei-a pelo braço até a poltrona.

– Eu sabia... - Riu, mas parecia triste. - A Baronesa Isabel adotou o teu filho...

– ¡Sofía, usted no sabes nada! - Gritei.

– Sei que é uma puta, mas sempre tem tudo o que quer. Tem uma vida perfeita enquanto o resto de nós só sofre! - Levantou apontando um dedo para mim e seus olhos se encheram de lágrimas. - Desde que cheguei aqui, há cinco anos, eu desejei ser como tu, porque tens tudo, Carmen! É linda e sedutora, uma mulher respeitada pelos homens... Tu nem fazes ideia do que passamos aqui, e até o teu jeito egoísta eu quis para mim. Mas eu jamais serei como tu, porque não fazes ideia do que é sofrimento.

– ¡Cállate! Acha que minha vida sempre foi um mar de rosas, Niña? ¿Crees que mi vida es perfecta?

– E não é? - Encolheu os ombros me olhando incrédula. - Sempre teve a vantagem de ser quem quisesse, de ter aqui em teu quarto quem quisesse. Tu e Margot só sabem dizer que sou uma menina petulante, mas não tem ideia do que eu passei antes de chegar aqui.

– ¿Y tienes alguna idea de lo que pasé? - Gritei. - Acha que eu nasci uma cortesã, Sofia? Eu cheguei aqui com a mesma idade que usted. Antes disso eu não era ninguém.

– Mesmo assim se tornou tudo isso e quando achei que não podia ter mais, arrumou uma mulher apaixonada que te levou daqui quando quase morreu e ainda adotou o teu filho. - Disse com desprezo.

– ¡Usted no sabe nada!

– Sei que sempre terá tudo o que quiser, Carmen. - Encolheu os ombros e sentou na poltrona.

– Não, Sofia. Não terei. - Suspirei triste. - Sabe, Niña, se quer ser como eu era um dia, eu espero que consiga. Mas desejo, com todo o meu coração, que nunca mais passe pelo que passou essa noite e tampouco pelo que eu estou passando agora.

Meu coração falou por mim coisas que talvez eu nem deveria dizer.

– Do que está falando? - Questionou.

– Nada... - Sorri triste. - Agora sente-se aí e deixe-me ver o teu rosto.

Ela concordou desconfiada e deixou que eu limpasse o machucado com a bebida.

– Obrigada. - Pediu antes de sair.

– Não desça mais hoje, fique em teu quarto.

– Mas, Margot...

– Não se preocupe. São minha responsabilidade enquanto ela não está bem, mas se quiser, vá até o seu quarto.

Ela concordou com a cabeça e saiu. Tranquei a porta em seguida e me escorei nela. Sofia não fazia ideia do quanto estava errada sobre mim. Sequei lágrimas que nem me dei conta que derramava, caminhei até a cômoda e me agarrei a manta de Rafael. Eu não queria ter tudo na vida, como ela achava que eu sempre tinha. Só queria ter o meu filho e a mulher que eu amava outra vez.

Há dias pensava em fazer algo que hoje tomei coragem. Fui até a pequena escrivaninha que havia em meu quarto, peguei um papel, o tinteiro e escrevi ali toda a saudade que eu estava sentindo. Escrevi ali tudo o que meu coração queria dizer a ela.

Quando o sol raiou a coragem que tive ao escrever foi embora e guardei a carta junto com os bilhetes que ela deixava aqui vez ou outra.

***

Os dias passaram e eu tinha a impressão de que não controlava mais o meu próprio corpo. Fazia um mês que eu estava na capital. Depois do acontecido com Sofia, Lázaro passou a ficar mais atento a tudo. Cuidava das meninas e as coisas pareciam tomar rumo outra vez por ali, mesmo sem o olhar atento e autoridade natural de Madame Margot.

Falando nisso, ela vem piorando. Decidimos juntas, outro dia, que era melhor que passasse a tomar sol na poltrona em frente a grande janela em seu quarto, ela não tinha mais condições de descer e subir tantas escadas. Doutor Paulo vinha, vez ou outra,visitá-la, mas Margot nunca me deixava estar junto em suas consultas, penso que ela não queria que eu soubesse a verdade, mas era óbvio que seu estado piorava a cada dia.

Já passava das duas da manhã e de novo eu estava junto ao bar observando as meninas por debaixo do meu chapéu enquanto fumava um cigarro.

– Madame Carmen! - Ouvi uma voz que eu já conhecia e antes de me virar na direção, revirei os olhos.

– Barão de Alferes. - Ele não fazia ideia de que eu estava na fazenda quando fez aquilo a Isabel, muito menos que meu filho nasceu com tamanho susto.

– Quanto tempo, minha querida!

"Não o suficiente."

Chegou mais perto e segurou minha cintura, me esquivei e ele me olhou intrigado, nunca fiz as vontades do homem, mas também nunca neguei suas carícias evasivas.

– ¡Hasta luego, Barão!

Pisquei e abaixei a aba do chapéu para ele. Virei as costas revirando os olhos e o ouvi reclamar algo que não dei bola. Subi as escadas e parei no andar de cima com meus binóculos. Continuei observando-as mais algum tempo, mas alguém na escada me chamou a atenção. O maldito velho vinha até mim com um sorriso assustador. Ali eu estava sozinha e nos olhos dele eu vi o olhar que eu mais temi. Vi em outros homens também, mas dessa vez eu estava só. Suspirei tentando disfarçar e caminhei rapidamente para o meu quarto.

– Não fuja, Querida. - Falou alto. - Sei que enquanto estava aqui andava sempre com a Baronesa de Vassouras, vou lhe mostrar o que é um homem de verdade para não precisar se rebaixar a uma mulher como ela.

Eu senti um ódio tão imenso do que eu ouvi, minha vontade era ir até lá e jogá-lo escada abaixo. Infelizmente, meu medo era maior. Apressei mais os passos e finalmente cheguei a porta do meu quarto. Guardava a chave sempre entre meus seios. Tirei-a de lá e a maldita não entrava no buraco da fechadura, nem me dei conta que minhas mãos tremiam.

– Calma, mulher... - Ele estava atrás de mim e suas mãos nojentas seguraram minha cintura.

– ¡Sueltame! - Quis ser firme, mas minha voz falhou.

– Shiu... Vai gostar.

Me virou para ele e empurrou meu corpo contra a porta, sua boca foi até meu decote. Tentei me soltar, mas ele segurou meus braços.

– ¡Déjame ir, Desgraçado!

– Pagarei bem, melhor que ela pagava, garanto.

Me soltei finalmente, empurrei o velho com toda a força que eu tinha e abri a porta. Me tranquei no quarto antes que o velho se recompusesse.

– Abra essa porta, Carmen. Não seja teimosa!

Eu estava amedrontada. Corri para o mais longe que podia da entrada, ele continuava batendo, mas ficava cada vez mais impaciente.

– ABRA, MULHER!

Socou a porta com força e achei que ela viria abaixo. Agarrei a camisa de Isabel e me encolhi no chão no canto do quarto, exatamente como fazia quando tinha medo no pequeno casebre há tantos anos. Eu tremia muito e agarrava a camisa como se aquilo me fizesse sentir segura como quando estava deitada em seus braços. O Barão continuou com as batidas, me despraguejando.

– Tengo miedo, Isabel... - Sussurrei chorando.

– PUTA MALDITA! - Deu mais um soco forte e depois o silêncio invadiu o meu quarto.

– Perdoname, Cariño Mio... - Sussurrei agarrada a roupa que já não tinha mais seu cheiro enquanto chorava desesperadamente. Eu só queria me sentir segura, mas me sentia amedrontada e culpada. - Me perdonas...

Abracei meus joelhos com a blusa ali e chorei, era o que me restava. Pensei em correr para Margot como fazia antes, mas não tive coragem de me mexer. Os meus soluços desesperados duraram toda a noite e parte da manhã.

Quando levantei daquele chão frio, vesti novamente a máscara que passei a usar. Uma para que ninguém soubesse o que se passava em mim. Peguei a carta que escrevi dias atrás, fui até o correio e enderecei à fazenda.

***

Dois meses sem Isabel e Rafael.

Nunca imaginei que depois de tanta felicidade e amor, uma tristeza assoladora se apossaria de mim. Deixei de sorrir, deixei de sentir qualquer outra coisa que não fosse tristeza e um vazio que nada preenchia. Só pensava neles e em Margot que dia após dia piorava. A mulher forte já não existia. Sobrou uma senhora frágil e doente. Continuava vaidosa, mas via em seus olhos um cansaço que ia além do físico. Isso me matava porque sabia que ela, a cada conversa que tínhamos em seu quarto, se despedia pouco a pouco de mim. Passou a delirar entre os cochilos que dava durante o dia, chamava por Jorge, me dizia coisas sobre uma criança imaginária que não existia e, algumas vezes, eu simplesmente não sabia mais o que fazer.

Doutor Paulo me chamou para conversar esses dias, logo depois de sair do quarto dela e me explicou sobre a sua fraqueza nos pulmões. Passou remédios que aliviasse as dores e pediu que eu fosse forte por ela. Eu estava sendo o mais resistente que podia e passei a vestir novamente a grossa máscara da mulher impenetrável que fui um dia. Dessa vez, para absolutamente todos.

Tomei uma rotina de escrever para Isabel toda a vez que sentia medo, sempre que eu já não conseguia mais disfarçar e então, mesmo tão longe, ao escrever meus sentimentos para ela, eu me regenerava. Ao endereçar as cartas para a fazenda, eu tinha a certeza que tudo o que vivi não fora um sonho e uma pequena esperança de um dia ser feliz outra vez surgia em mim, mesmo nenhuma delas tendo resposta.

Rafael completou cinco meses na semana passada. Há dois não o via e mais do que a saudade da mulher que amava, a falta do meu filho me matava pouco a pouco. No dia, escrevi e reescrevi uma dezena de vezes, até que uma, no trecho que escrevi para ele, finalmente dizia toda a dor que eu estava sentindo.

"... Meu menino, eu sei que estou tão longe e talvez toda a dor que te fiz sentir seja a razão dessa imensa tristeza que sinto. Sei da minha culpa, sei que te deixei e talvez nunca mais te tenha outra vez. Mas eu espero e desejo com todo o meu coração que tua mãe leia para ti, o que escreverei aqui: Meu coração só se alegrará outra vez quando te ter em meus braços, minha angústia só cessará quando olhar novamente para esse par de olhos que são tão semelhantes aos da Baronesa e minha dor só terá fim se eu puder novamente ser tua mãe, como já fui um dia. Não importa o que aconteça, Rafael, eu te amarei por toda a eternidade e além dela.

Tú Madre."

Outra vez não tive respostas, mesmo assim, não desisti. Eu sabia o quanto tinha machucado Isabel por sair sem me despedir, mas tinha esperanças que um dia acreditaria nas palavras que escrevia a ela sempre.

Minha aparência mudou muito nesses dois meses que estou na capital. O meu rosto cansado e meu corpo mais magro passaram a denunciar a falta de sono e péssima alimentação, não me importei. A maquiagem sempre cobria os estragos da minha saúde que pouco a pouco ficavam visíveis.

Noite passada não desci, passei a madrugada cuidando de Margot. Passamos longas horas em uma conversa agradável, ela me mostrou as cartas que Maria mandava uma vez por mês e fiquei feliz por saber que minha amiga estava bem. Lúcia não deu mais notícias e deduzimos que o marido não gostava que ela enviasse cartas para o bordel, rimos bastante disso e de outras coisas e, vez ou outra, me peguei chorando em seu colo. Ela sempre desvendava coisas que ficavam ocultas atrás dos meus olhos.

"– Me responda, menina. - Disse depois de ficarmos um pouco em silêncio. - Quando vai parar de fingir para mim que está tudo bem?

– Margot... - Tentei argumentar, mas ela me interrompeu.

– Carmen, chega. Eu sei que não está bem. A minha menina sorridente ficou na fazenda. - Tentei interrompê-la, mas ela me silenciou levantando uma mão. Suspirou antes de continuar. - Se quer ficar aqui até que essa velha melhore, pois fique. Mas não vista uma máscara que para mim nunca passou de um véu transparente. Tu és minha filha, Carmen e eu sempre enxergarei além desses seus lindos olhos castanhos."

Essas palavras foram o suficiente para que eu corresse para seu colo e chorasse por longas horas. Eu estava esgotada. Cansada de não dormir, cansada de sentir tanta tristeza e saudade, cansada de sentir um aperto em meu peito que me sufocava, cansada de me preocupar tanto com ela, de sentir medo... Eu estava no meu limite.

O sol raiou outra vez. Me demorei na cama como fazia todos os dias, passou a ser o meu lugar favorito. Meu quarto escuro e silencioso e a companhia que eu mais prezava eram as taças de vinho e os cigarros. Havia escrito outra carta para Isabel e resolvi enviá-la. Me banhei, bebi um café forte e saboreei um cigarro, arrumei meus cabelos e saí.

A capital estava sempre movimentada demais. As carruagens, as conversas altas, o clima alegre que destoava completamente do peso dos meus sentimentos.

Caminhei pelas ruas observando tudo ao meu redor, mas foi uma carruagem que me prendeu totalmente a atenção. Pisquei algumas vezes, pensei que estava sonhando acordada, observei mais atentamente e o cocheiro que me trouxe ao bordel há dois meses me reconheceu e tirou a cartola me cumprimentando. Gelei. Era a carruagem da Baronesa de Vassouras. Pensei em correr dali, pensei em ir até lá, pensei em desaparecer magicamente naquele instante, mas só pensei, não consegui mover um único músculo do meu corpo. Senti o ar faltar nos meus pulmões, minha garganta apertou em expectativa e pavor.

Engoli seco quando ela saiu de dentro do prédio onde a carruagem estava estacionada em frente. Meu Deus, eu não fazia ideia de quanta falta senti até vê-la aqui, depois de tanto tempo.

Continuei intacta, como uma estátua, mas sorri fraco quando seus olhos negros se prenderam nos meus. Isabel pareceu sair de órbita e como sempre acontecia conosco, tudo ao nosso redor sumiu por alguns pequenos instantes. Quando voltei a mim, olhei para os lados a procura de Rafael. Pisquei algumas vezes procurando entender o que faria e então finalmente tomei coragem para ir até lá.

Pensei nos movimentos que precisava fazer para chegar até ela, ensaiei um passo, mas parei imediatamente. Parando para pensar melhor, não foi só meus passos que cessaram com o que vi, meu coração parou também.

Isabel olhou novamente para dentro do prédio e ajudou uma mulher a descer as pequenas escadas, ela carregava o meu filho nos braços e o menino, lindo e enorme, estava agarrado em seu pescoço. A Baronesa sorriu para ela gentilmente e a moça retribuiu apaixonada. Héloïse não me viu ali e que bom que não, porque eu não consegui disfarçar a dor que isso me causou.

Héloïse beijou Rafael e o menino gargalhou, mesmo distante, eu tive a impressão de ouvir sua risada gostosa, talvez fosse só a lembrança me torturando, ou, quem sabe, o menino riu tão alto que eu consegui ouvir mesmo naquela distância.

Isabel ajudou-a a subir na carruagem e ajeitou a barra do longo vestido azul-claro que a francesa usava. Me olhou uma última vez e, era como se... eu nem me lembro se algum dia em todo esse tempo que nos conhecemos, a Baronesa me olhou assim. Como uma desconhecida. Ou pior, como alguém que ela bem sabia quem era, mas que preferia que não cruzasse seu caminho. Ali, no último olhar que a mulher que eu amava me lançou antes de subir sorrindo para a dama que estava dentro da carruagem, eu reconheci o desprezo dos homens que me amaldiçoavam com o olhar quando estavam com suas esposas e me viam em público.

"Isabel me miró como una puta..."

A carruagem se distanciou e eu continuei ali, ainda sem acreditar na cena que acabou de acontecer diante dos meus olhos. A carta que eu pretendia enviar estava amassada em minhas mãos, nem me dei conta de que apertava-a tanto assim, mas já não fazia diferença nenhuma. Rasguei o papel em pedaços e corri para a casa em prantos.

As lágrimas dolorosas embaçavam minha visão. Eu não acreditei no que vi. EU NÃO ACREDITO. Não quero acreditar. Eu corria praguejando Deus, o mundo, Héloïse, Isabel, mas principalmente a mim.

– Senhora!

Um menino disse assustado assim que esbarrei nele ou ele em mim. Não entendi o que aconteceu, só sei que em um piscar de olhos eu estava caída no chão e me sentia zonza, minha cabeça doeu e só depois de alguns segundos me dei conta de que havia batido-a em uma pedra na calçada.

– Meu Deus, senhora, está bem? Me perdoe! - O garoto me ajudou a levantar e enxuguei minhas lágrimas rapidamente.

– ¡Estoy muy bien! - Disse ríspida e limpando o vestido, estava zonza, não sei se do que acabara de assistir ou da pancada forte contra a pedra.

Me desvencilhei da ajuda do rapaz, mas ele segurou meu braço, olhei com ódio, mas vi o meu sofrimento refletido nos olhos dele. Senti pena, talvez do choro que ele tentava a todo custo disfarçar ou de ver naquele menino muita dor, algo que eu também sentia.

– Me desculpe, senhora. É um dia difícil. - Pediu e eu concordei com a cabeça. Logo já estávamos os dois novamente correndo em direções opostas.

Entrei no bordel, subi as escadas o mais rápido que pude, entrei em meu quarto e bati a porta com toda a força que eu tinha.

– ¡Yo te odio! - Gritei sem me importar se alguém ouviria. Ainda não sei para quem eu gritava, acho que para mim.

– ¿Estás enojado por la mirada que Isabel te dio? ¿Por qué? ¡Es lo que eres, es lo que siempre has sido y siempre serás! - Meus pensamentos diziam repetidamente coisas que eu não queria ouvir. Não adiantava tentar não pensar, tudo vinha em minha mente rápido demais. - ¿Viste bien? Sabes que estás donde deberías estar. ¡Isabel y Rafael están muy bien sin ti!

– Ya llega... - Pedi tapando meus ouvidos e chorando sem cessar. - No quiero escuchar más...

– Héloïse es la mujer que Isabel merece. Y creo que lo has visto. ¡Ya es la madre del niño que diste a luz!

– ¡NO QUIERO ESCUCHAR MÁS! - Gritei mais alto e joguei a penteadeira com todas as coisas no chão.

Os vidros se quebraram, algumas de minhas maquiagens e perfumes se espatifaram pelo assoalho de madeira, a caixa com os bilhetes que guardava de Isabel caiu e eles se espalharam pelo quarto. Caí sentada no chão, minha visão estava turva, a minha cabeça doía muito. Toquei o local machucado e estava inchado, foi uma pancada e tanto. Eu ainda chorava desesperadamente.

Um pequeno bilhete escrito por ela estava próximo a mim e abri para lê-lo:

"Bom dia, minha linda! Tinha compromissos e precisei sair cedo.

Não disse que era dorminhoca?

Ps.: Roubei um beijo antes de sair.

Voltarei à noite."

Eu me recordo que já estava tão apaixonada por ela nesse momento. Já era tão dela. Mas senti, ao lembrar de tudo que aconteceu, que Isabel foi minha um dia, mas que jamais seria novamente. Nem ela, tampouco o nosso filho. Eu perdi, naquele momento ao chão, tudo que já tive um dia. Inclusive a pequena esperança de que as coisas voltariam ao normal e que eu teria a chance de ser feliz outra vez.

Eu chorei até o dia acabar, continuei sentada naquele chão até que não houvessem mais lágrimas em mim e quando elas cessaram, ainda sim continuei ali. Levantei uma única vez, apenas para me agarrar a manta de Rafael, procurava pensar nele me direcionando aquele olhar infantil e apaixonado, mas só conseguia lembrar da risada que deu a Héloïse.

Quando a noite chegou, pensei em não descer, mas já tinha ficado com Margot na noite anterior. Leopold estava em uma viagem de negócios e eu não podia deixar a casa sozinha duas noites seguidas. Apesar da dor e do rombo imenso em meu peito, eu me levantei do chão, lavei o rosto, cobri minha tristeza com uma maquiagem e com a máscara que eu usava todos os dias, vesti um vestido qualquer e desci.

Sentei em uma cadeira em frente ao bar. Enchi uma dose de uísque e bebi, depois outra e mais uma. Nem prestava a atenção no que acontecia ao meu redor, tampouco ao que acontecia dentro de mim. Estava em outro lugar, completamente fora daqui. Fora de mim.

– A Madame está bem? - Lázaro tocou meu ombro delicadamente.

– Sim, querido. - Sorri fraco, ele estava olhando para mim e de costas para a porta. - Graci...

A minha voz sumiu assim que direcionei meus olhos para ele e desafortunadamente tive um vislumbre da porta.


Fim do capítulo


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