Ausência
Isabel
Saí de casa com o coração apertado. Carmen me pediu tantas vezes para que não fosse a reunião, um apelo sofrido. Eu fiquei perto de não sair, mas essa reunião era importante, eram alguns investidores e fornecedores novos que Louis me indicou. Amava meu amigo, mas os franceses conseguiam ser entediantes quando queriam.
Estava sentada com o olhar longe, meu pensamento estava na mulher aflita que deixei em casa e o aperto no coração não passava. Por fim, dei por encerrada aquela reunião. Subi no cavalo e junto com mais três empregados, fui rumo a plantação de cana. Tudo estava finalmente entrando no eixo e fazia parte da minha rotina passar longas horas verificando e auxiliando meu pessoal no plantio e organização do engenho.
Estava agoniada. Alguma coisa me dizia que eu deveria voltar para casa. Parei o cavalo e meus empregados pararam em seguida.
– A senhora está bem, Baronesa? – Um deles perguntou preocupado.
Parecia que algo me sufocava.
– Preciso voltar para casa! Sigam para a plantação, logo mais irei encontrá-los! – Eles se olharam confusos, mas concordaram e partiram.
Eu corri com meu cavalo como corri no dia do nascimento de Rafael. Quando avistei a casa, tudo estava aparentemente normal. Só podia ser coisa da minha cabeça.
Deixei Pérola no estábulo e me apressei para encontrar Carmen e Rafael. Meu medo era que alguma coisa tivesse acontecido a eles, mas se isso fosse real alguém já teria me tirada da reunião. Tanta coisa se passava na minha cabeça, mas o maldito aperto no coração não diminuía.
Tirei o chapéu assim que entrei na casa e corri até nosso quarto.
– Carmen! – Falei quando abri a porta, mas o cômodo estava vazio.
Corri até o quarto de Rafael e o menino dormia como um anjo.
– Carmen! – Chamei assim que entrei na sala do piano. – Onde essa mulher se met*u?
Procurei por cada canto daquela casa. Minha aflição foi aumentando. Ela sempre estava por perto, com nosso filho ou com Marta e Ana. Entrei na cozinha e assim que me viu Marta arregalou os olhos e em seguida me olhou com tristeza e ternura.
– Onde está Carmen? – Perguntei aflita.
Ela não respondeu de imediato. Olhou para Ana que abaixou a cabeça triste.
– Por Deus, mulher, onde está Carmen?! – Falei um pouco impaciente.
Ela me puxou pela mão até o quarto de Rafael e pegou, em cima da cômoda, um papel dobrado. Só reparei que estava tremendo quando segurei o que parecia uma carta em minhas mãos. Marta me fez um carinho rosto e saiu do quarto.
Meu coração batia forte. Eu não queria e não podia acreditar na ideia que se passava em minha cabeça. Ela não seria capaz de fazer isso comigo... Não faria isso a Rafael... Faria?
Fui até o meu quarto e criei coragem para abrir o papel. Logo nas primeiras linhas meu coração se despedaçou. Ela estava se despedindo...
"Minha Amada Baronesa,
Eu nem sei por onde começar, mas a primeira coisa que devo dizer é obrigada. Obrigada por me mostrar tantas cores, tanta luz e tanto amor. Obrigada por entrar naquela casa, por bagunçar completamente a minha vida e por me mostrar que eu era muito mais que uma cortesã. Obrigada, Isabel, por me mostrar quem sou e quem quero ser até o fim dos meus dias: Mãe e completamente apaixonada por ti.
Mesmo que eu viva por toda a eternidade, Meu Amor, não haverá um único dia que não me recorde de todos os momentos ao teu lado. De todas as vezes que visitou meu quarto, todas as vezes que me afrontou, que me dominou, que me mostrou que eu já era tão tua mesmo sem saber. Isabel, mesmo que eu viva pela eternidade eu lembrarei de todas as vezes que fizemos amor. Ficará aqui, guardado dentro de mim. Para sempre.
Sinto que deixei minha alma sentada na varanda a tua espera e meu coração dentro de Rafael. Saio daqui como um corpo vazio, mas preciso sair. Minha vida não estará completa se não cumprir essa parte dela. Ainda tenho uma última obrigação na Capital e não posso deixá-la para trás.
Isso não é um adeus, Minha Baronesa. Ainda hei de cruzar teu caminho só para ver teus olhos negros. Ainda hei de observar teu sorriso, mesmo que minha sina seja vê-lo de longe. Mesmo que meu castigo seja vê-la sorrindo, mas não mais para mim.
Cuide do nosso filho e deixe que ele cuide de ti. O faça se sentir amado e saibam que em qualquer lugar do mundo eu amarei vocês.
Me perdoe por sair assim sem me despedir, mas sei que não conseguiria partir olhando para ti. Sempre voltaria para mais um beijo.
Com todo o amor que existe dentro do meu coração,
Tua Carmen."
Eu larguei a carta no chão e me sentei na cama. Estava vendo tudo girar. No primeiro momento eu não chorei. Acho que estava em choque. Não queria acreditar que ela tinha ido embora. Olhei para o roupeiro na minha frente e abri todas as portas. Seus vestidos tinham sumido, deixou ali somente algumas peças de roupas penduradas. Abri as gavetas e, como armário, estava vazio. Levei as mãos à cabeça. Agora o desespero me abateu.
– CARMEN! – Gritei.
Olhei novamente para o roupeiro e vi seu vestido vermelho ali pendurado. O vestido que dei a ela de presente, se tornou seu preferido. E como ela ficava linda dentro dele.
Peguei a peça de roupa ainda com seu cheiro e chorei. Chorei como uma criança agarrada ao seu vestido.
– Carmen... – Dizia entre um soluço e outro.
Me passou uma ideia pela cabeça. Ela podia estar perto ainda, dava para sentir seu perfume no quarto, não faz muito tempo que saiu. Larguei o vestido na cama e corri para a sala.
– Marta! – Chamei a mulher que veio rápido ao meu encontro.
Ela me olhou triste.
– Isabel... – Falou se aproximando.
– Ela saiu faz pouco? – Perguntei chorosa. – Ainda dá tempo de alcançá-la! Vou pegar meu cavalo e ir atrás dela! Carmen não pode fazer isso comigo, Marta... não pode! – Disse já chorando. Estava desnorteada.
– Ela foi embora daqui um pouco depois que a Baronesa saiu a cavalo, acho que já está longe. – Disse segurando em minhas mãos.
– Não! Eu consigo alcançar ela! – Fui até a porta da casa e avistei José saindo do estábulo. – José! – Gritei. Ele me olhou imediatamente. – Prepare Pérola, rápido! – Disse descendo as escadas.
Marta vinha atrás de mim, mas parou quando escutou o choro de Rafael. O menino gritava. Eu parei onde estava e fiquei dividida. Uma carruagem se aproximou da entrada da casa e corri em sua direção, na esperança de ser Carmen arrependida do que fez.
Abri a porta com força e Lucília me olhou assustada.
– O que houve, Isabel?! – Falou descendo.
Eu abaixei a cabeça e bufei irritada.
– Meu cavalo! – Gritei a José. A mulher a minha frente me olhava assustada.
– Isabel, olhe para mim! – Falou firme.
– Não tenho tempo, Lucília! Preciso ir... Ainda dá tempo, sei que sim! – Falei chorosa.
Ela me pegou pelos ombros e me fez encará-la.
– Ela foi embora, não foi? – Quando Lucília falou eu desabei no choro.
A mulher me apertou em seus braços.
– Eu tenho que ir, Lucília! Ela vai voltar comigo... Ela não quis fazer isso, eu sei! Preciso ir buscá-la... – Me debatia em seus braços, ela me segurava firme.
– Isabel, olhe para mim! – Repetiu.
José chegava com meu cavalo. Empurrei Lucília que se desequilibrou, mas não caiu.
– Me solte! – Gritei.
Peguei o cavalo da mão de José, o homem me olhava assustado.
– ELA NÃO VOLTARÁ, ISABEL! – Lucília gritou assim que subi no animal.
– MENTIROSA! – Gritei de volta. – Tu nunca gostou dela aqui, NUNCA!
– Por favor, Minha Querida... Não te tortures assim! – Lucília chorava vendo meu desespero.
Rafael gritava forte e alto. Olhei para dentro da casa e em seguida Marta apareceu com ele no colo.
– Baronesa, o menino não se acalma... – Disse preocupada.
– Chame a ama de leite! – Falei. Mas sabia que aquele choro dele não era de fome.
– Ela tentou amamentá-lo.... Mas ele não para de chorar! – Era primeira vez que via Marta sem saber o que fazer.
Olhei para frente e depois olhei para a criança em desespero no colo da senhora.
Desci do cavalo e corri até meu filho. Marta o colocou no meu colo, mas Rafael chorava cada vez mais.
– Eu sei, meu filho... – Disse o segurando em meu colo e chorando junto com ele. – Ela se foi... Me perdoe, Querido! Eu não consegui fazê-la ficar... – Sentei na cadeira, a mesma que ela costumava me esperar chegar toda a tarde e chorei agarrada ao meu filho. – Me perdoe, Rafael...
Lucília se aproximou e nos abraçou.
Coloquei a cabeça em seu colo e chorei. Em pouco tempo, todos estavam à nossa volta preocupados. Rafael foi se acalmando com muito custo em meu colo, mas ainda soluçava. Marta tentou pegá-lo, mas o menino chorava em toda tentativa.
– Deixe-o comigo, Marta... – Saí dos braços de Lucília que me olhava preocupada. Levantei com Rafael em meu colo e fui em direção ao nosso quarto. Nosso quarto. Acho que agora passaria a ser somente meu outra vez.
Deitei na cama e o coloquei ao meu lado. Seu vestido estava na cama entre nós dois. Ver meu filho naquele estado era torturante. Seu olhar me dizia que estava sofrendo. Era somente um bebê, mas parecia entender o que a outra mãe tinha feito.
Eu chorava por Rafael, por mim e por Carmen. Chorava pela nossa família que era tão bonita e ela desfez. Chorava pelo futuro que planejava para nós três e ela jogou pela janela.
A dor da sua falta era quase física. Mas o sentimento de raiva e revolta começou a tomar conta de mim. Carmen tinha destruído tudo que planejamos. Me deixou e deixou nosso filho. Como alguém é capaz de abandonar o seu próprio filho?
Olhei para o vestido e o tirei de perto de nós dois. A criança dormiu soluçando de chorar e Carmen era a culpada pelo seu sofrimento.
Me levantei e joguei seu vestido de qualquer jeito no roupeiro.
Ela tomou sua decisão e de novo eu não fui a escolhida. Se ela queria viver aquela vida outra vez, que nunca mais voltasse. Rafael ainda era um bebê, superaria a falta dela e eu? Eu não sei se um dia esqueceria Carmen ou a saudade dela. Mas precisava ser forte por aquela criança que não tinha culpa de nada.
Ela destruiu meu coração. E o que restou dele, seria somente de Rafael.
Sai do quarto com os olhos inchados e cansada do choro. Fui até a varanda e com raiva joguei sua cadeira escada a baixo.
– Eu te odeio, Carmen! – Falei com raiva.
Me sentia vazia. Estava triste e decepcionada.
Ela se foi. Me deixou e naquele momento eu jurei que nunca a perdoaria.
Aquela noite foi uma das piores da minha vida. Rafael não dormiu direito, tinha o sono agitado e acordava chorando sempre. Eu passei parte do dia e da noite velando seu sono e sem conseguir manter a mente vazia. Meus pensamentos estavam em Carmen, tentando entender como ela foi capaz de ir embora daquela forma.
Eu sabia que esse dia poderia chegar. Afinal, ela nunca me deu certeza de que ficaria ali, mas por que não conversou comigo sobre sua decisão? Eu ficaria de coração partido também, mas teria escutado de sua boca que essa vida não era para ela. Ir embora dessa forma, escondida, calculando o momento que eu sairia para partir, foi cruel demais. Eu acho que merecia pelo menos um adeus dito pessoalmente e não do modo covarde que fez, me deixando uma carta.
Andava atordoada pelo quarto com maldito papel na mão. Reli umas vinte vezes e todas eu chorei. Olhava para o bebê deitado em nossa cama e minha raiva pelo que ela fez aumentava mais ainda. Carmen não merecia aquela criança.
Amassei o papel com raiva e fui até a vela em cima da cômoda. Relutei um pouco, mas o queimei. Não precisava daquelas desculpas escritas ali. Muito menos Rafael precisava.
Bateram à porta. Larguei o papel dentro da bacia e o deixei ali para queimar totalmente. Bateram novamente.
– Entre! - Disse um pouco alto e Rafael resmungou.
– Isabel... - Era Lucília com uma bandeja nas mãos. - Não comeu nada o dia todo, trouxe o teu jantar.
– Pode levar de volta, não estou com fome! - Disse sem encará-la.
– Precisa se alimentar! Daqui a pouco vais desmaiar por estar com a barriga vazia tanto tempo. - Disse preocupada.
– Já disse que não quero! - Falei irritada.
Ela deixou a bandeja em cima da cama e se aproximou.
– Minha querida, precisa ser forte pelo teu filho. Como cuidará de Rafael se não te cuidar?! Ele só tem a ti agora. - Fechei os olhos tentando conter as lágrimas.
– O engraçado é que falando assim parece que a outra mãe dele está morta, quando não... Só fugiu e o deixou para trás! - Lucília fechou a cara.
– Aquela mulher... Eu sabia que faria isso! Eu te avisei, Isabel! - Disse me irritando. A última coisa que precisava agora era isso.
– Eu realmente não quero escutar o que achas, Lucília! - Disse sendo grosseira.
Virei de costas para ela e olhei pela janela. Escutei a mulher bufar.
– Não falarei mais nada sobre isso. Como quiser! Só peço que tente comer alguma coisa, por favor! Se precisares de mim, estarei em meu quarto. - Falou e em seguida escutei o barulho da porta fechar.
Ali parada na janela, me lembrei da noite passada quando ela estava na mesma posição que estou agora fumando seu cigarro. Foi uma noite maravilhosa. E pensando melhor agora, ela já estava se despedindo. Chorei mais uma vez. Passei tanto tempo com Carmen aqui do meu lado, que agora estava completamente sem chão. Teria que encontrar um jeito de seguir em frente e viver sem sua presença nesta casa todos os dias. Sem seu corpo grudado ao meu. Sua voz no meu ouvido. O jeito como falava o meu nome e de Rafael. Sua risada alta e gostosa. Seu colo. Carmen se tornou tudo. Ela ocupou cada espaço daquela casa e do meu coração.
– Eu te odeio! - Falei olhando para fora. - Odeio!
Não sei se estava praguejando a noite ou Carmen. Talvez as duas. A noite roubou o meu amor. A noite com todo seu encantamento e glamour, levou para longe a mulher que eu amava. Encontrei uma rival a minha altura. Na verdade, melhor do que eu. Porque no fim das contas, foi ela quem levou o grande prêmio. Carmen seria só dela novamente, a Cortesã havia voltado.
***
Uma semana se passou desde sua partida. Rafael aos poucos voltou a rotina normal. Passava o dia com Marta e a noite fazia questão de dedicar meu tempo a ele. Minha vida agora se resumia a sair de casa às seis da manhã para o trabalho e voltar no começo da noite para casa. Assim eu distraía minha cabeça para não pensar nela. Tentava a todo custo afastar Carmen de minha vida. Era torturante lembrar de tudo que passamos juntas e depois me deparar com a realidade.
Estava quase anoitecendo e eu cavalgava de volta para casa quando passei em frente àquela grande figueira. Eu nunca tomava esse caminho, evitava aquele pedaço da fazenda. Mas hoje parece que meu lado racional perdeu a guerra. Desci do cavalo e fui até as letras esculpidas na árvore. Passei os dedos pela letra de seu nome.
– Eu odeio não conseguir te odiar, Carmen! - Disse chorando. Peguei o canivete no bolso da calça. Fui com a lâmina até o C. Ela não queria mais fazer parte de nossas vidas, então não merecia mais ficar gravada ali. Forcei um pouco a ponta do canivete contra a árvore, mas não consegui riscar a letra. Eu não tinha coragem. Acho que nunca teria.
Me lembrei do dia que a trouxe até a figueira. Do seu sorriso quando viu nossos nomes ali gravados.
"– Tu no existes, Isabel! - Carmen repetiu aquela frase que ela tanto gostava de falar sobre mim.
– Existo e agora estamos marcados para sempre aqui. - Ela sorriu lindamente."
Eu chorei de novo. E chorava toda vez que pensava nela. Eu precisa parar de pensar em Carmen e chorar por ela. Aquela saudade sufocante tinha que passar.
Olhei mais uma vez para nossos nomes ali gravados e passei os dedos pelo I.C.B. Meu pai criou um templo para seu amor com Margot. Aquilo de alguma forma o ajudava a superar. A figueira, de agora em diante seria isso, um templo do meu amor a Carmen e, diferente da realidade, ali seria imortal.
Subi em meu cavalo e voltei para casa. A terceira parte daquele amor estava me esperando e agora só ele me importava.
A casa estava silenciosa. Marta e Ana estavam na cozinha preparando o jantar e Rafael estava no colo da sua ama de leite. Me aproximei deles e beijei o topo da cabeça da criança que dormia tranquilo no colo da mulher.
– Como ele passou o dia? - Perguntei a Joana.
– Se comportou muito bem, o Barãozinho... - Falou tocando seu rostinho.
Sorri da forma como o chamou. Marta tinha o costume de chamá-lo assim e o apelido acabou pegando entre todos.
– Quer segurá-lo? - Ele dormia tão tranquilamente que fiquei com pena.
– Não quero atrapalhar seu sono. Já está tarde também. Levo-o para o quarto, mais tarde irei até lá dar boa noite ao meu filho. - Ela sorriu e se retirou com o menino.
Entrei no quarto, agora sempre tão arrumado. Carmen deixava o cômodo todo revirado com seus vestidos e joias. Passava horas tirando as roupas do armário e vestindo todos até que um a agradasse no dia. Seus sapatos em cima dos meus, seus perfumes em cima da penteadeira. A mesma que mandei que trouxessem da capital para ela. Tinha um grande espelho e Carmen adorava se admirar. Agora estava vazia e sem utilidade. Eu não era muito fã de espelhos. Abri o roupeiro e alguns dos seus vestidos ainda estavam pendurados, o vermelho era o único que não. Eu dormia todas as noites com ele do meu lado.
Suspirei e olhei para cama. Aquela tortura precisava acabar, para assim conseguir seguir em frente.
– Marta! - Chamei a mulher da porta do meu quarto. Ela apareceu no corredor rapidamente.
– Baronesa... - Falou sorrindo como sempre.
– Se não estiver muito ocupada, poderia me ajudar a arrumar o roupeiro?
– Claro, senhora! Logo volto para lhe ajudar... - Marta sumiu pelo corredor.
Minutos depois ela apareceu. Eu estava de frente para o armário com as mãos na cintura, tomando coragem para tirar aqueles vestidos de dentro.
– Abra essa mala na cama, Marta. - Peguei uma grande bolsa de viagem e entreguei a mulher.
Parei de novo. Suspirei. Senti uma mão delicada em meu ombro.
– Deixa que eu pego os vestidos, Baronesa. - Disse carinhosa.
Marta percebeu que eu não conseguiria. Foi pegando um a um e colocando na mala. Meu coração apertou, mas era necessário.
– Pegue os sapatos depois. - Pedi e ela sorriu.
Marta tirou tudo que pertencia a Carmen do armário e de outros cantos do quarto. Faltava apenas o vestido vermelho estendido na cama. Ela se abaixou para pegar e a parei.
– Não... - Peguei-o e senti seu cheiro ainda nele. - Sua ingrata! - Falei apertando o vestido.
Lá estava eu novamente derramando lágrimas por ela.
– A Madame faz falta... - Marta disse triste. Balancei a cabeça irritada, mas não queria ser grossa com a mulher.
– Carmen não é uma Madame, Marta! Ela é só uma cortesã! - Joguei o vestido na mala e a fechei junto com todos os pertences dela.
Marta nada falou, apenas pegou em minhas mãos.
– Não fique assim, Isabel... - Solucei alto, mas logo contive o choro. Aquela choradeira toda precisava parar.
– Peça para José levar a mala para o porão, por favor. - Me afastei sem encará-la.
– Sim, senhora! - disse e em seguida saiu.
José entrou alguns minutos depois com Pedro ao seu lado.
– Que bom que veio, Pedro! Preciso que também leve essa penteadeira.
– Onde quer que coloque, senhora?
"No lixo" – Pensei.
– Leva-a para o porão também. - Ele concordou e os dois saíram.
Fiquei sozinha naquele quarto que, outra vez, era somente meu.
Suspirei triste e fui até o quarto de Rafael. Joana já o tinha colocado no berço. Ele dormia como um anjo. Inocente de tudo que estava acontecendo. Olhei para dentro do seu berço e senti falta de sua manta. Na verdade fazia algum tempo que não via Rafael usá-la. Andei pelo quarto a sua procura e uma coisa brilhante perto do berço chamou minha atenção. Quando me abaixei, vi o broche de minha família caído, costumava ficar pregado na manta. Peguei o objetivo e coloquei no bolso.
Fechei a porta do quarto devagar e andei pela casa a procura de Marta. Ela podia ter simplesmente colocado para lavar. Achei a mulher na sala ajeitando alguns pertences de Rafael espalhados por ali.
– Marta... - Disse me aproximando.
– Achei que já estava dormindo, Baronesa.
– Não consegui... Fui até o quarto de Rafael e achei isso no chão. - Tirei o objeto do bolso e a entreguei.
Ela suspirou.
– Não achei a manta dele, sabe onde está?! - Ela desviou o olhar, mas em seguida me respondeu.
– Madame Carmen a levou no que dia que saiu da fazenda.
Apertei as mãos com raiva. Fechei os olhos e pensei em praguejar Carmen.
– A Madame não saiu bem daqui, Baronesa. O que fez não foi por não amá-los, mas porque tinha uma missão a cumprir. - Disse me fazendo um carinho no braço. - Um dia a senhora entenderá! - sorriu.
– A missão de Carmen foi me deixar de coração partido e Rafael sem mãe. Essa foi a missão dela, Marta. Não creio que um dia eu entenderei... - Suspirei triste. - Obrigada. - Sorri fraco e Marta retribuiu sempre maternal.
Dormi aquela noite sem seu vestido ou qualquer pertence dela por perto, sem seu cheiro que ainda estava na peça de tecido vermelha. Carmen agora só passava de uma lembrança dolorosa.
***
Um mês se passou rápido. Ainda sentia sua falta, mas posso dizer que me conformo mais a cada dia. Passei toda a manhã com Rafael na varanda. Agora minha companhia para o café era meu filho. Todo tempo vago que tinha era dele. Começava a balbuciar algumas coisas sem sentidos e dar gritinhos animados. Estava cada dia mais esperto.
– Tu adorarás andar a cavalo, meu filho... - Dizia a Rafael e a criança me olhava atentamente como se entendesse tudo que falava.
Ele dava gritinhos me respondendo e eu ria boba.
– Sim! Comprarei um pônei para ti! - Ele riu. - E vamos andar por todos esses campos, só nós dois!
Beijei sua bochecha rosada. Ele sorriu. E caramba como seu sorriso me lembrava o dela. Meu olho encheu de lágrima, mas não derramei nenhuma.
– Baronesa! - José se aproximou da varanda. - Acabei de voltar da vila. Tinha uma carta para a senhora no correio. - Me entregou o envelope e meu coração deu um pulo quando reconheci o grande M de Montenegro, o mesmo Brasão sempre estampado nas correspondências de Margot. Era uma cartade Carmen. Peguei o envelope, mas não o abri.
– Obrigada, José! - O homem sorriu e se retirou.
Com Rafael no colo andei para dentro da casa e fui direto para o escritório. Peguei uma pequena faca para abrir correspondências e parei no instante seguinte.
A criança tentava pegar meu cabelo e ria.
Eu não precisava de Carmen. Nem de ler suas desculpas. Abri a gaveta da mesa e guardei a carta ainda lacrada.
– O que achas de darmos um passeio de charrete? - Ele se remexia em meu colo animado. - Como o senhor quiser, Barãozinho! - Falei brincando.
Foi uma manhã agradável que passei com meu filho. Era o único que me fazia sorrir verdadeiramente.
***
Louis chegou ao Brasil de surpresa e veio ao meu encontro assim que desembarcou. Era noite na fazenda quando ouvimos o barulho da carruagem. Ninguém costumava chegar àquela hora. Lucília me olhou curiosa e eu levantei imediatamente. Por um momento, meu coração acreditou que pudesse ser ela voltando para casa. Fui rápido até a varanda, mas segundos depois escutei a voz do meu velho amigo.
– Isabel! – Disse alto e animado assim que me viu. Ele correu as escadas e me pegou em seus braços em um grande abraço. Sorri e o abracei de volta. Era bom ter ele por perto naquele momento.
– Que bom que veio! – Disse beijando seu rosto.
– Sinto muito em desapontá-la, Má Cherie, mas vim pelo meu afilhado! – Disse rindo. Dei um tapa de leve em seu braço.
– Muito obrigada pela sinceridade, caro amigo! – Estava tão distraída que não vi que outra pessoa desceu da carruagem logo atrás dele.
– Isabel... – Era voz suave de Héloïse.
Saí de trás de Louis. Ele era mais alto do que eu e tapava toda a minha visão.
– Que bom vê-la! – Disse se aproximando e deixando um beijo em meu rosto. Em seguida a mulher se afastou e olhou para os lados assustada, acho que procurava por Carmen.
– Onde está Carmen?! – Louis disse seguindo o olhar de Héloïse.
Cocei a cabeça e tentei disfarçar minha cara triste.
– Por que não entramos? Devem estar exaustos! – Os dois concordaram e me seguiram até a sala de jantar.
Lucília abriu um largo sorriso assim que viu Héloïse.
– Minha querida! – Disse deixando um beijo em seu rosto. – Parece que foi Deus quem te enviou! – Héloïse riu sem entender e eu pigarreei tentando chamar atenção de Lucília.
Todos se cumprimentaram e em seguida um choro se fez presente.
– Marta, busque Rafael, por favor? – A mulher estava a caminho do quarto da criança.
– Sim, Baronesa!
– Rafael! É um menino! – Louis disse animado. - Um Barãozinho! – Eu e Lucília rimos alto.
– Marta colocou esse apelido no menino e agora não tem quem o chame diferente! – Lucília disse orgulhosa.
– De qualquer forma, é o que ele será daqui há alguns anos. – Héloïse disse e Lucília prontamente concordou sorrindo.
Marta entrou com Rafael em seguida. Louis imediatamente ficou encantado. Seus olhos brilharam como nunca vi antes. Meu filho havia roubado o coração de mais um.
– Posso pegá-lo? – Perguntou educadamente a Marta.
– Vá com ele, Barãozinho... – Disse a criança que olhou desconfiada a Louis, mas depois cedeu ao seu pedido.
– Ele é lindo! Meu Deus, como se parece com Carmen! – Disse rindo e abraçando a criança que resmungou um pouco.
– Ele não gosta muito que o apertem. – Falei rindo.
– Pois irá se acostumar! Apertarei muito essas bochechas! – Pela primeira vez meu filho riu para Louis, o que deixou meu amigo mais apaixonado.
– Ele gosta de mim... – Disse emocionado.
Héloïse se aproximou e acariciou suas bochechas. Rafael sorriu de um jeito tímido e se jogou para seu colo.
– Acho que ele gostou mais de mim! – Falou abraçando o menino.
Louis revirou os olhos e sorriu em seguida para mim.
Fiquei paralisada olhando a interação dos dois. Rafael era uma criança agradável com todos, mas sua simpatia com Héloïse foi imediata. Lucília se aproximou dos dois e me encarou. Eu sabia o que aquele olhar significava.
"Ela é uma boa moça e gosta do teu filho..."
Posso apostar que ouvirei isso daqui a alguns dias. Não era minha intenção desposar ninguém e deixaria isso claro a Lucília antes que ela tentasse me casar com a moça francesa como fez antes com Amanda.
Louis aproveitou que todos estavam distraídos e me perguntou discretamente.
– Isabel, onde está Carmen? – Falou entredentes.
– Depois conversamos... – Foi o que limitei a dizer.
Não queria dividir a minha tristeza e decepção com todos na sala.
Rafael passou parte da noite sendo mimado pelo padrinho e Héloïse. E assim que todos se retiraram para descansar ele me puxou para o escritório.
– O que está acontecendo, Isabel? – Perguntou assim que entramos.
Eu andei até a mesa e me escorei. Louis cruzou os braços e me olhou preocupado. Bufei. Não queria falar de Carmen e de tudo que estava passando com sua ausência.
– Não adianta bufar! Ela foi embora? – Se aproximou e tocou em meu ombro.
Balancei a cabeça concordando.
– Eu sabia! – Disse alto. - Sabia desde o momento que cheguei aqui e vi sua cara de tristeza!
– Eu não estou com cara de tristeza nenhuma! – Falei indignada e ele riu.
– Tu podes colocar essa máscara e enganar a todos! Mas eu te conheço desde sempre, sei quando não está bem. Olhe para ti minha irmã! – Louis pegou em minha mão. - Vejo a tristeza em teus olhos! É tão nítido para mim! – Eu me aguentei enquanto pude, mas quando Louis me abraçou desabei em seu colo.
– Ela me deixou... – Disse entre os soluços.
– Não fique assim, Isabel. – Me apertou em seus braços. – Carmen não é mulher de fugir, deve ter tido um motivo forte para ir embora! – Me afastei e o olhei irritada.
– Que motivo forte pode ter uma mãe para deixar seu próprio filho?! – Disse brava. – Que droga de motivo Carmen teve para nos abandonar além de querer voltar para a vida de cortesã?! – Falei socando a mesa.
– Isabel, não tire conclusões precipitadas. Carmen sempre demonstrou amor por ti e Rafael, não sejas injusta!
Olhei irritada para Louis. Foram poucas vezes na vida que brigamos e a última vez ainda éramos duas crianças birrentas. Não queria de forma alguma brigar com meu amigo por alguém que não valia a pena.
– Desde quando passou a defendê-la? - Falei bufando.
– Eu só estou enxergando o óbvio, Isabel! Tu que és teimosa como uma porta!
– Eu vou dormir, tenha uma boa noite! - Louis revirou os olhos. Bati a porta e fui até o quarto de Rafael.
Ele dormia sereno em seu berço. Acariciei seu rosto e enrolei delicadamente meus dedos em seus cachinhos.
– Me perdoe, Rafael, mas prometo que farei o melhor que posso para te criar. - Falei baixinho. - Tenho tanto medo, meu filho... - Solucei. - Medo que sofra pela falta dela, mesmo ainda tão pequeno. Medo que não me perdoe por tê-la deixado ir embora... - Enxuguei as lágrimas com a camisa longa que vestia. - Eu te amo, Rafael! E amo a ingrata da tua mãe. Mesmo querendo odiá-la... eu a amo cada vez mais.
Beijei seu rosto e passei mais alguns minutos parada em frente ao berço velando seu sono.
Suspirei cansada e me sentei na poltrona perto da janela. Carmen adorava passar horas ali com Rafael em seu colo. Deitei a cabeça no apoio da cadeira e sem perceber peguei no sono.
"Abri os olhos devagar e o sol já entrava na janela, me remexi, mas ao contrário do que pensei não estava mais na poltrona, estava em uma cama. Levantei assustada e me dei conta de que estava nua, coberta somente por um lençol. Olhei para o lado e não tinha ninguém, mas pelo amassado do lençol alguém dormiu comigo. Olhei em volta tentando reconhecer o lugar e aos poucos me dei conta que estava no quarto de Carmen, no bordel.
– O que estou fazendo aqui? - Levantei atordoada e encontrei minhas roupas no chão. Vesti minha calça e coloquei a blusa de qualquer jeito. Meu suspensório estava do outro lado do quarto e quando fui até ele levei um susto com o barulho da porta sendo aberta.
– ¡Buenos días, Baronesa! - Estava de costas para porta e gelei quando escutei sua voz. - Discúlpeme, déjala sola. - Sua voz estava mais próxima. Senti em seguida ela me abraçar pela cintura. - Não vá... - Falou beijando meu pescoço. Apenas fechei os olhos e suspirei. Que saudade que eu estava dos seus lábios.
– Me solte, Carmen! - Falei me afastando da mulher.
– ¿Qué pasa, Isabel? - Disse irritada.
Olhei para frente e quando encarei Carmen levei um susto.
– Isabel... Usted está me assustando. - Falou preocupada.
Eu parei onde estava e olhei mais atentamente a mulher a minha frente. Tinha alguma coisa errada. Aquela era Carmen, mas um tanto mais velha. Seu cabelo castanho escuro estava com mechas brancas, seu olhar mais maduro...
– Tu estás velha! - Foi a primeira coisa que saiu da minha boca.
Ela fechou a cara e colocou as mãos na cintura. Seu olhar irritado não mudou nada, mas posso dizer que ficou mais assustador. Ela deu um passo na minha direção e eu dei dois para trás me afastando.
– ¡Tú tampoco eres una niña, Isabel! - Falou me virando para o espelho.
Gritei assustada. Do mesmo jeito que o tempo passou para Carmen, também passou para mim.
– Meu rosto... - Falei tocando meu rosto com algumas marcas de expressão e meus cabelos com fios brancos. - Acho que estou ficando louca! - Falei indo até a porta.
– Isabel, por favor me diga o que está acontecendo?! Se for una das tuas brincadeiras não tem graça nenhuma! - Disse se aproximando.
– Rafael... - Falei baixinho. Me lembrei que tinha dormido na poltrona do seu quarto.
Carmen sorriu lindamente quando toquei no nome de nosso filho.
– Já te disse que precisas aprender a superar a falta do niño. Logo ele estará de volta de Paris!
Segurei Carmen pelos braços.
– O que Rafael faz em Paris?! - Disse assustada. - Louis o levou sem minha autorização? - Falei irritada.
Carmen riu.
– Cariño, acho que bateu a cabeça quando acordou... - Ela levou a mão até meus cabelos. - Rafael está em Paris estudando. Esqueceu? - Falou pacientemente.
– Impossível! Ele é só um bebê!
– Isabel, ele já é um homem! Usted mesmo o mandou estudar fora...
Que loucura era aquela. Levei as mãos a cabeça e Carmen me puxou pela mão até a cama, me fazendo sentar. Foi até a cômoda e pegou um copo de água.
– Beba um pouco... - Disse me entregando. Ela sentou em meu colo. - Esa noche fue maravillosa, ¿Cuándo volviste? - Disse baixinho em meu ouvido.
Passei as mãos pelo seu rosto e ela sorriu.
– Por que me deixou...? - Falei triste.
Ela baixou a cabeça e suspirou.
– Eu pensei que tinhas superado isso, Isabel!
– Nunca superarei a falta que me fazes... Volta comigo para a fazenda?
– Estás realmente loca, Baronesa! - Disse rindo. - Usted tem una esposa... Eu tenho esta casa para tomar conta. Não podemos! Concordamos há muito tempo que nossos encontros seriam assim.
Ela levantou do meu colo.
– Então realmente me deixou pela vida de Cortesã! É realmente uma puta! - Disse irritada. Me levantei para sair do quarto.
Ela se aproximou e colocou o dedo no meu peito.
– Não sou puta há muito tempo! Tu sabe que eu voltei porque não era a mulher certa para ti!
– Sempre foste a mulher certa, Carmen!
– Não! Usted casou com una mujer a tua altura e Rafael tem a madre que deveria! - Carmen dizia isso com a voz trêmula.
– Abriu mão de tudo por uma teimosia! - Falei entredentes.
– ¡Si! ¡Y no me arrepiento! - Sabia que estava mentindo. Seu olhar me dizia o quanto foi dolorosa sua escolha. - Vá embora, Isabel! - Disse chorando. - Volte para tua esposa!
– Eu não sou casada! - Disse gritando.
Ela puxou minha mão e mostrou o anel brilhando ali.
– O que és isto no teu dedo, então?! - Olhei para a aliança de ouro no meu dedo anelar. - Para mim sobraram esses pequenos encontros... Quando sentes minha falta resolve aparecer na capital! - Falou chorosa. - Eu abri mão de tudo e o que me restou foi só migalhas do teu amor.... - Ela chorava sentada na cama. Me ajoelhei e peguei em seu rosto.
– Eu te amo, Carmen... Volta comigo? - Ela riu em meio às lágrimas.
– Se passou muito tempo, mi amor... Tú agora é de Héloïse! - Arregalei os olhos.
– Não me casei com Héloïse. Ela é só uma amiga... Héloïse..."
– Isabel, acorde! Isabel! - Abri os olhos e me assustei com Héloïse a poucos centímetros do meu rosto. Levantei em um pulo.
– Carmen! - Disse andando pelo quarto.
– Estavas sonhando, Isabel... Quando entrei no quarto chamavas o meu nome. - Disse rindo tímida.
Suspirei triste. Estava no quarto de Rafael que ainda dormia em seu berço. Olhei pela janela e já era manhã.
– Fui procurá-la para tomar café. Sei que acordas cedo, mas bati em teu quarto e não atendeu.
– Acabei dormindo aqui... - Falei beijando o rosto de Rafael. - Onde está Louis?
– Na varanda a tua espera também.
– Vou me trocar e já encontro vocês. - Héloïse concordou e se aproximou deixando um beijo em meu rosto.
– Sinto muito por Carmen ter ido embora, Isabel! - Disse antes de sair pela porta. Essa informação só pode ter sido passada por Lucília.
Eu respirei fundo e agradeci por aquilo tudo ter sido somente um sonho. Meu filho ainda era um bebê e eu não era casada. Isso era um alívio, mas o que me deixava triste era que como no sonho Carmen tinha realmente partido. Ela abriu mão de tudo. Espero que meu futuro não me reserve o que aquele sonho me mostrou.
***
Louis e Héloïse ficaram um mês inteiro na fazenda. Foi bom tê-los ali, me distraiu e a falta de Carmen não me consumiu tanto. Rafael agora estava com cinco meses. Adorava o padrinho. Louis conquistou a criança dia a dia e agora meu filho não passava um minuto sequer sem o seu colo. Fizemos um pequeno batizado na capela da fazenda e depois com muita insistência de Lucília e Héloïse fizemos uma pequena cerimônia para comemorar seu batizado.
A mulher havia se aproximado tanto de Rafael e assim como Louis ele se apegou muito a ela. Héloïse era uma boa mulher. Cuidava bem de Rafael e era gentil com todos. Muitas vezes quando me perdi ela me ajudou, sendo meu ombro amigo. Me escutou chorar e lamentar por Carmen e nunca forçou nenhuma aproximação. Era bom ter uma amiga por perto.
Marta andava preocupada pelos cantos e isso já me incomodava. Principalmente quando estava com Rafael. Ela brincava com ele na varanda e dava alguns brinquedos para o menino segurar.
– Pegue, Barãozinho... - Dizia carinhosa com um pequeno cavalo de madeira na mão. - Vamos, Rafael... - Ela não reparou que eu estava observando. Tentou de novo e Rafael não conseguia fechar mão e agarrar o brinquedo. Observei mais atentamente seu esforço, mas era sempre falho. Eu era mãe de primeira viagem, confesso que para mim aquilo era comum para uma criança tão pequena, mas para alguém experiente como Marta parecia preocupante. Me aproximei e a mulher levou um pequeno susto.
– Baronesa! Que susto! - Aisse levando a mão ao peito.
– O que te preocupas, Marta?! Faz dias que a vejo assim com Rafael... - Ela suspirou e abaixou a cabeça.
– Marta... - Ela demorou um pouco mas falou.
– Isabel... O pequeno já devia fazer algumas coisas comuns a idade dele... - Disse preocupada.
– Como o que? Sabes que não sei nada sobre crianças, Marta. Se tem algo de incomum com Rafael precisa me contar.
Peguei o menino do seu colo e puxei para o meu.
– Ele devia segurar os brinquedos com facilidade... Rafael não consegue fazer nenhum movimento para agarrar as coisas. - Olhei para o menino e testei com outro brinquedo.
– Vamos querido, pegue o brinquedo... - Ele batia tentava puxar para si mas não conseguia. - Vamos, meu filho... Tente de novo. - E nada aconteceu. Olhei para Marta assustada. - Será que isso não é comum em algumas crianças?
– Eu achei no começo, mas ele já deveria fazer esses movimentos simples, sempre foi assim com toda criança que cuidei, Baronesa... Rafael é diferente em muitas coisas.
– O que mais tem diferente com o menino?
Ela o pegou do meu colo e colocou Rafael com as costas apoiadas em suas pernas. O pequeno caiu em seguida, mas foi segurado por ela.
– Ele já devia estar com mais firmeza para sentar. Quando o coloco no chão ele não move as perninhas como deveria... Isabel, acho que precisa chamar Plínio. - O aviso de Marta me deixou tensa e imediatamente chamei o médico.
Plínio chegou pela tarde e depois entrou no quarto com Rafael e Marta. A mulher explicava ao médico sobre as dificuldades do bebê. Ela melhor que ninguém conhecia Rafael.
Héloïse e Louis estavam ao meu lado tão preocupados quanto eu.
– Fique tranquila, tenho certeza que Rafael não tem nada... - Héloïse disse acariciando meu braço.
– Rafael é um menino esperto! Deve ser apenas um engano... - O tom de voz de Louis era preocupado.
Plínio passou mais alguns minutos fazendo testes com Rafael, que não respondia a nenhum impulso.
– Baronesa, eu não sou especialista em crianças, mas Marta tem razão, Rafael já deveria responder a movimentos simples para um bebê da sua idade.- Ele pegou de dentro da sua maleta um cartão. - Tenho um amigo que é especialista na parte motora do corpo e já trabalhou com crianças na Europa. - Disse esticando o cartão que prontamente peguei. - Procure ele o mais rápido possível, precisamos avaliar melhor o menino. - Suspirou.
– Pode ser sério, Plínio?! - Falei aflita.
– Não se lhe precisar, minha querida... Cada criança tem seus estágios de desenvolvimento no seu tempo, mas no caso de Rafael devemos nos preocupar, ele não apresenta nenhum reflexo motor, com as mãos e pernas. - Meu coração apertou.
– O que pode ter causado isso? - Héloïse perguntou.
Plínio não respondeu apenas me olhou e eu entendi imediatamente. Poderia ser consequência do procedimento feito na gravidez. Apenas abaixei a cabeça e o levei até a porta.
Lucília andava atrás de mim me dizendo que tudo isso era culpa de Carmen.
– Já chega, Lucília! - Disse entrando no meu quarto.
– Aquela mulher fez mal ao filho, fez mal a ti! Maldita hora que entrou em tua vida! - Perdi a paciência.
– Te juro que se não se calar, a mandarei para outra casa hoje mesmo, Lucília! - Ela se calou na hora.
– Só me preocupo com Rafael...
– E acha que o ajudará me perturbando dessa maneira?! - Ela balançou a cabeça e se aproximou.
– A moça francesa é uma excelente senhorita... - Sabia onde chegaria. - Seria uma boa mãe e esposa! - Revirei os olhos.
– Não estou com cabeça para relacionamentos, Lucília! Agradeço a tua preocupação com a minha vida amorosa, mas neste momento não me interessa casar! - Abri a porta do quarto e ela saiu resmungando muito contrariada.
Assim que fiquei sozinha me permiti chorar por tudo. Eu não sabia o que fazer para ajudar Rafael. Me doía o coração vê-lo sofrer por não conseguir evoluir. Estava sozinha e perdida. Carmen deveria estar ali ao meu lado. Pensar nisso só fez meu sangue ferver e minha raiva por tudo que fez aumentar.
Desde que partiu chegaram mais três cartas. Todas guardadas na gaveta do escritório. Intactas. Não tinha coragem e nem queria abrir nenhuma delas.
Louis teve que voltar para França no dia seguinte, tinha se afastado tempo demais dos negócios. Eu entendia seu lado.
– Não quero deixá-la aqui sozinha... - Dizia triste.
– Não se preocupe, amigo! Ficaremos bem! No final dessa semana temos a consulta com o médico da capital. Rafael ficará bem! - Eu repetia isso para mim o tempo todo.
"Rafael ficará bem!"
– Prometa que me mandará notícias, por favor, Isabel! - Disse aflito. Peguei em suas mãos.
– Eu prometo, Louis! - Ele me abraçou forte.
– Sinto tanto ter que deixá-la aqui sozinha...
– Eu ficarei com Isabel. - Héloïse disse firme. - Se ela assim permitir. - Completou sem graça.
Louis me olhou surpreso.
– Não deixarei a senhorita se sacrificar por mim, Héloïse. Sei que tem teus assuntos em Paris, tua vida inteira lá... - Ela me interrompeu.
– Não é nenhum sacrifício, Isabel! Fico porque amo Rafael... - Sorri para ela. - E jamais a deixaria sozinha em uma situação dessas. - Confesso que mexeu comigo. Era tudo que precisava escutar. Pena que as palavras não eram de Carmen.
– Fico muito feliz com tua postura, prima! Isabel realmente precisa de ajuda e ficarei mais tranquilo em saber que está aqui ao lado dela. - Ele sorriu com seu jeito sacana. Apenas revirei os olhos para ele e sorri.
Me levantei e peguei em suas mãos.
– Só posso agradecê-la, Héloïse! Eu e Rafael ficaremos muito felizes com tua presença aqui! - Beijei delicadamente sua mão.
Louis foi embora no dia seguinte e Héloïse ficou na fazenda me auxiliando com Rafael e sendo uma companhia agradável em meus dias solitários.
A semana chegou ao fim e a consulta de Rafael seria na manhã de sexta. Saímos cedo da fazenda. Em duas carruagens, já que toda a família queria ir atrás do Barãozinho. Héloïse, eu e Rafael seguimos em uma carruagem. Lucília, Marta, Joana e o filho em outra.
A casa de Botafogo já estava pronta quando chegamos e antes de nos acomodar eu e Héloïse seguimos com meu filho para consulta. O consultório ficava perto da Rua do Ouvidor. A mulher desceu com Rafael no colo e eu em seguida.
Era mais um dos dias agitados na Capital. Olhei para a rua movimentada e me lembrei das vezes em que o único motivo para minha vinda era Carmen.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: