Adeus
Carmen
Dezembro passou voando, lembro-me como se fosse ontem da minha última festa de fim de ano na Capital. Isabel já tinha visitado o bordel uma ou duas vezes, não me recordo muito bem, mas sei que já a conhecia. Tanta coisa se passou nesse um ano, é assustador e como eu amava cada lembrança. Nada nem de longe se compara ao que vivo aqui. Tudo é perfeito e incrível.
Ajudei a preparar a ceia de Natal. Fiz questão mesmo com Marta e Isabel dizendo que não havia nenhuma necessidade, eu queria participar daquilo. As refeições eram sempre nossos momentos mais íntimos e eu queria fazer isso pela minha família. Nunca me imaginei desejando estar dentro de uma cozinha ajudando nos preparativos para o jantar, mas também nunca me imaginei mãe, senhora de uma casa e muito menos mulher de uma Baronesa. O pensamento me fez sorrir largo.
Antes da noite chegar, Ana contou à Marta e eu que estava esperando um filho de Pedro. Ficamos radiantes de felicidades e a mais velha chorou emocionada com a chegada do primeiro neto! Eles não eram apenas empregados, era quase nossa família e isso significava a casa cheia com mais uma alegria infantil, um amigo ou amiga para Rafael.
Há alguns dias perguntei à Isabel onde ficavam os outros empregados. Sempre tive essa curiosidade e então ela mais uma vez me surpreendeu com a resposta.
Dias atrás...
Isabel sorriu largo com a pergunta.
– ¿Qué pasa? – Perguntei.
– Nada, só me apaixono por ti todos os dias.
– Por que isso? – Sorri boba.
– Porque tenho certeza que tu és a melhor escolha que fiz na minha vida.
– Pare com isso, Baronesa! – Empurrei seu braço sorrindo e ela me abraçou forte depois de me beijar. - ¡Yo te amo!
– Eu também te amo. Venha, vou te mostrar. – Me puxou pela mão até o cavalo, Rafael dormia como um anjo em seu quarto e pensei que não fazia mal me ausentar por alguns instantes, Marta cuidava dele muito bem.
Levou-me até um local distante na fazenda. Era uma casa, parecia nova, recém construída.
– É a antiga senzala. – Ela respondeu o meu olhar confuso. – Eu mandei que reformassem e fizessem do local um lar.
– Tu... ¡Eres Increíble! - Beijei-a orgulhosa.
– Baronesa! Madame! – O menino que me ajudou no dia do parto veio correndo.
– Como vai, Joaquim? – Descemos do cavalo e Isabel cumprimentou. – Ele é um dos meninos que Marta cuida desde pequeno.
– ¡Yo sé! ¿Cómo te va, Querido? – Sorri para ele e o garoto engoliu seco e olhou para Isabel confuso.
– Ela perguntou como tu estás.
– Eu... muito bem, Madame, senhora, sinhá... – Disse se enrolando todo e eu ri alto, era um menino bem novo, enorme, maior que eu e Isabel, mas não devia ter mais de 15 anos.
– Garoto... – A Baronesa estreitou os olhos para ele que olhou-a assustado.
– Baronesa... Eu... Eu... Eu preciso ir até a plantação. Até mais, senhoras! – Saiu correndo em disparada.
– Rum... – Isabel resmungou irritada e eu sorri beijando os lábios da mulher que estava dura de ciúmes.
– És un niño, Isabel... não fiquei com ciúmes! - Ri dela. - Todos moram aqui?
– Não, antes de morrer o velho Barão comprou um lote de escravos. Muitos tentaram retornar ao antigo lar, outros fugiram para os quilombos e alguns decidiram viver em casas na Vila. Bastante se foram, mas os que ficaram são suficientes para manter a fazenda.
– ¡Estoy muy orgullosa de ti, Baronesa! - Abracei seu pescoço e ela, minha cintura.
– Linda! - Me beijou devagar e logo retornamos para a casa.
Isabel era a mulher mais fantástica que já conheci e eu realmente morria de orgulho da mãe do meu filho.
Margot não veio para as festas como prometeu, mas compreendi que as meninas precisavam de sua presença, mesmo assim, sentia que tinha algo a mais e não estava enganada. Tive certeza disso depois de uma carta que chegou no meio de janeiro.
"Amo-te com todo meu coração, minha filha."
Recordei das palavras finais e um aperto enorme surgiu em meu peito. Culpa. Margot estava sozinha e lembrei de uma conversa boba que tivemos em um dia qualquer logo depois que chegamos ao Brasil.
– ¿No te da miedo nada? - Perguntei, eu ainda era uma menina e neste dia acordei gritando depois de um pesadelo.
– Sí, Cariño. Tengo miedo de muchas cosas que he vivido y muchas que todavía tengo que vivir. - Eu ainda não dominava o português e ela sempre conversava comigo em minha língua, me dizia que era linda e que eu nunca deveria perder esse charme, de fato nunca perdi.
– ¿Que cosas?
– La muerte es una de ellas, Carmensita. - Sorriu doce me fazendo entender que o medo era normal para todos..
– ¿Tiene miedo a morir?
– Tengo miedo de morir solo, creo que no hay un destino más cruel. - Suspirou perdida em pensamentos.
– He querido morir muchas veces. - Desviei o olhar do seu, triste.
– Lo siento, espero que nunca vuelvas a sentirte así. - Acariciou meu rosto terna e eu sorri para ela. - Tu sonrisa es muy hermosa, Niña.
– Nunca me sentí solo otra vez desde que me encontró y nunca quise morir de nuevo. - Margot sorriu e me abraçou. - Si todavía estoy aquí, prometo que no te dejaré solo.
– ¿Me cuidarás? - Perguntou divertida.
– ¡Sí! ¡Cómo me cuidas cuando tengo pesadillas! - Ela me apertou mais em seus braços.
– Eres un hermoso regalo de Dios para mí, Cariño. - Se afastou e acariciou meu rosto. - ¿Quieres dormir en mi habitación esta noche?
Concordei e dormi agarrada a ela. Era assim sempre que sentia medo.
Chorei desesperadamente. Isabel ainda não estava em casa e Rafael dormia em meu colo. Meu Rafael. Tirei-o de seu quarto apenas para segurá-lo em meus braços. Ele já não passava tanto tempo comigo, outra mulher o amamentava agora e ele dormia nos braços dela. Meu leite secou. Marta disse que isso acontece, que era comum e por vezes Baronesas e outras mulheres da alta sociedade nem amamentavam seus filhos por opção, mas não eu. Eu amava esse momento. E me senti culpada quando o ouvi chorar por uma noite inteira de fome sem que eu pudesse fazer absolutamente nada. Ele não precisava mais de mim.
– Te quiero mucho, hijo mío... - Trouxe seu corpinho para perto do meu peito. - Me perdonas... Perdóname por todo lo que te hice. Por hacerte sentir dolor, por ignorar tu existencia en mi útero y... y por no ser la madre que merecías, pequeño Barón.
Sorri triste e ele se remexeu em meus braços, solucei.
– No... no... - Pedi embalando-o na esperança de que o menino não chorasse, foi em vão. - Lo sé, es hora, ¿No?
Ouvi batidas na porta e autorizei a entrada.
– Madame... - Marta me olhou com pena. - O Barãozinha precisa...
– Eu sei. - Beijei a testinha do menino que já chorava alto e o entreguei a mulher.
– Madame Carmen, a senhora precisa sair desse quarto. O dia está tão lindo... Me deixe abrir essas cortinas. - Olhei para o vão onde entrava o sol e concordei com um sorriso forçado.
– Pode deixar que abro... Vá, ele está faminto. - Rafael gritava a plenos pulmões. Marta assentiu e saiu.
Assim que fiquei só acendi um cigarro e sentei na poltrona onde antes passava as madrugadas alimentando-o. Escondi meu rosto nas mãos e chorei. É tão assustador como as tempestades chegam em nossas vidas. São imperceptíveis e devastadoras. Fumei um cigarro atrás do outro enquanto bebericava uma taça de vinho. Lembrei de Margot e senti vontade de fazer algo que, assim como quase tudo em minha vida, foi ela quem me ensinou.
Fui até a sala do piano. Sentei-me e dedilhei as notas que me levaram direto a lembranças com ela.
"Pensão de Luxo de Madame Margot, 1852.
Margot tocava uma música triste, eu sentia a dor dela em cada nota.
– Nossa... - Disse me aproximando quando ela terminou.
– Menina! Me assustou! - Margot secou as lágrimas que molhavam seu rosto disfarçadamente.
– Está tudo bem? - Ela sorriu triste e concordou. - Mentira! ¡Tú estas llorando!
– Venha cá. - Bateu no banco ao seu lado e me sentei. - Queres aprender?
– Sim! - Sorri largo.
– Assim... - Dedilhou duas notas e eu imitei-a. - Mais suave, Carmen...
Tentei outra vez mais delicadamente
– Isso! - Elogiou.
– Por que estava chorando? - Perguntei.
– Nada com que precises te preocupar, minha menina. - Beijou minha testa e continuou a me ensinar."
Hoje desconfio o motivo de seu choro. Lembro-me que sempre ficava assim quando recebia a visita daquele homem. Eu não fazia ideia de quem se tratava na época. Mas o odiava por fazê-la sofrer.
"– Por que não larga isso e vem viver comigo, Margot? Já não somos mais aquelas crianças. Meu pai se foi e minha esposa também.
– Sua esposa... - Ouvi ela rir sem vontade.
Eu estava bisbilhotando atrás da porta, queria saber o que discutiam.
– Ela morreu, Margot! - Ele parecia desesperado. - E tu bem sabes que isso não foi minha culpa, nem dela.
– Sei, Jorge! Mas isso não diminui o que sinto. - Gritou chorosa.
– Eu te amo, Margot! Sempre te amarei. - Ficaram algum tempo em silêncio. - Nada mais nos prende, minha amada. Venha ter a vida que sempre sonhamos ao meu lado. A vida de Senhora respeitada que sempre mereceu.
-– Eu não posso mais. - Margot chorava. - Entenda que não podemos.
– Por que não?
– Tu tens uma filha, Jorge. Eu tenho uma filha! E tu és o Barão de Vassouras. Será que não consegue pensar?
– Traga Carmen para a fazenda. Ela ainda é jovem, poderá viver como irmã de Isabel. Se a ama como filha, amarei também.
Ouvir meu nome me deixou ainda mais curiosa.
– Não sejas louco, Barão!
– Não sejas teimosa, Madame!
– Eu tenho uma vida aqui. Uma vida feita neste lugar e não posso abandonar tudo, nem por ti, meu amor.
– A verdade é que jamais deixará de ser uma cortesã. - Ouvi um estalo e tenho certeza que foi um belo tapa.
– TU SABES QUE DEIXEI DE SER UMA CORTESÃ DESDE QUE SURGIU EM MINHA VIDA.
– NÃO SEI, MARGOT! DEIXOU DE ATENDER EM TUA CASA E CONSTRUIU UM BORDEL!
– CONSTRUÍ PORQUE NÃO AGUENTAVA OUTRO HOMEM ME TOCANDO. Jorge, eu passei tanto tempo sendo tua que já não consigo mais ser nem minha.
– Sabes bem que também sou só teu. - Ouvi sua gargalhada falsa.
– Meu, de Antônia, daquela governanta... - o desdém em sua voz me assustou, ela não era assim.
– Meu coração sempre foi teu, Margot. Antônia morreu.
– E a outra?
– Não passa de uma governanta e boa amiga, ela cuida bem de Isabel.
– Pois te case com ela, então.
– Não é ela que eu desejo. - Logo se calaram e saí dali correndo, não precisava ouvir o resto."
Eu chorava tanto pensando nela que minha cabeça doía. Eu sentia que Margot jamais envelheceria. Achei que sua beleza, que eu tanto admirava permaneceria intacta, que seu sorriso materno estaria sempre ali, que seu abraço sempre me acolheria. Será que eu saberia sobreviver sem ela? Será que a mulher que me tornei permaneceria? Sem ela, eu sentia que me tornava aos poucos a menina que vivia acuada nas ruas de Madrid.
Ainda dedilhando notas no piano me lembrei do dia em que vi a mulher que, para mim, era tão forte, desabar. Eu já era uma cortesã e Margot já não era tão nova.
1865
Novamente eu ouvi o som do piano, vê-la tocando era uma das coisas que mais amava. Eu já tinha trinta anos, mas ainda ficava fascinada. Me aproximei sorrateiramente, como sempre fazia e ao chegar no palco onde o instrumento estava, ouvi seu choro sofrido. Dessa vez era descontrolado. Eu sabia o porquê, não precisei perguntar.
Caminhei até ela, enlacei os braços em seu pescoço e descansei minha cabeça em seu ombro.
– Minha menina... - Sussurrou de olhos fechados.
– Nem tão menina, Margot. - Sorri.
– Sempre será minha menina. - Acariciou meu braço e encostou a cabeça na minha chorando novamente. - Ele se foi...
– Eu sei... - Beijei sua bochecha e ela sorriu em meio às lágrimas. - Eu sinto muito.
– Eu também.
Dormi com Margot, como fazíamos nas noites em que eu chorava de medo. Dessa vez foi ela que deitou no meu colo e chorou a noite inteira.
No outro dia ela levantou junto ao sol, pegou uma das orquídeas que cuidava muito bem, vestiu um vestido preto e saiu. Nunca a vi tão triste e depois daquele dia, também nunca mais a vi tocar piano.
– Que lindo! - A voz de Isabel me tirou dos devaneios, sequei minhas lágrimas tentando disfarçar, mas foi em vão. - Oh, meu amor...
A Baronesa me abraçou e em seus braços eu desabei e chorei. Por Margot, por Rafael, pela culpa... Ela não disse nada, apenas me levou para o quarto em seu colo e passamos longas horas assim, eu em seu peito e Isabel acariciando meus cabelos. Adormeci cansada.
Senti uma cócega em meu rosto e franzi o cenho ainda sonolenta.
– Olha quem veio te acordar para o jantar. - Abri os olhos e sorri. Isabel segurava Rafael que olhava-a encantado.
– Oi, meus amores. - Peguei o menino e ele fez bico e chorou. - Shiu... Es tu mamá, mi pequeño...
Não resolveu, ele continuou a chorar mesmo embalando-o e cantando para ele.
– Pegue-o, Isabel. - Pedi nervosa.
– Não... - Ela via o quanto eu e nosso filho estávamos distantes. - Fique com ele, tem tanto tempo que não o vejo em teus braços.
– Isabel... - Falei um tanto desesperada quando ele começou a espernear.
– Calma, amor. - Ela beijou a testa de Rafael e me puxou para o seu colo enquanto acariciava o corpinho dele por cima da manta, aos poucos nosso filho se acalmou.
– Acho que ele não me ama mais. - Sussurrei e deitei minha cabeça em seu ombro, chorosa.
– Não diga bobagens, Carmen! Veja como ele olha para ti. - Olhei para o menino e seus olhinhos brilhavam para mim, sorriu quando acariciei sua cabecinha. - Tem estado tão distante de nós...
Ela tinha razão, mas eu não sabia como agir e nem o que dizer, por isso apenas suspirei e me calei. Naquela noite jantei com Rafael em meus braços e dormi assim com ele, até o menino reclamar de fome e Isabel levá-lo. Quando ela voltou, me puxou para seu colo, sabia o quão difícil era para mim.
Os dias passaram torturantes e meu pensamento estava na capital, em Margot. Só Deus sabe o quão confusa eu tenho estado. Só sinto culpa e mais nada. Acho que Rafael também sente meu desespero, ele só fica em meu colo quando dorme, não sei o que aconteceu, mas sinto como se ele me rejeitasse. Talvez seja a culpa agindo novamente e me fazendo ver coisas que não existem, ou meu filho não me suportava. Eu sinceramente não sei.
Inconscientemente me afastei de Isabel dia após dia e mais uma vez a culpa me invadiu. Eu sentia seu olhar tristonho em mim, seu suspiro aflito entre nosso beijos, seu abraço apertado me chamando de volta. Mas eu não conseguia. Eu me perdi e não sabia mais onde me encontrar. Me sinto no olho do furacão.
Novamente dormi agarrada ao pescoço da mulher que eu amava.
"– ¡Prometiste cuidar a tu hermano y huiste, Cobarde! - Eu estava na casa onde nasci, novamente. Um casebre caindo aos pedaços e uma mulher gritava comigo. - Me lo prometió y lo dejó.
-–¿Mamá? - Era ela, eu sabia.
– Carmen... - Quando me aproximei já não era minha mãe, agora meu pai me olhava com o olhar doentio de sempre e senti medo. - ¿Por qué te fuiste?
– Papá, no... no...
Corri do homem apavorada e de repente a casa já era o lugar onde vivi grande parte da minha vida, o bordel.
– Margot... - Subi até seu quarto e encontrei seu corpo sem vida na cama, estava sozinha. - No, Margot... ¡No!
Chorei abraçada ao seu corpo.
– Prometeu que estaria comigo! Prometeu que não me deixaria morrer sozinha.
Sua voz invadiu meus ouvidos e me afastei para olhá-la. Ela me encarava com um misto de raiva e tristeza e seus olhos não eram mais aquela imensidão azul, estavam brancos e sem vida.
– Fez comigo o mesmo que fez com Santiago, Carmen.
– ¡No, Margot, estoy aquí!
– É tarde! - Gritou.
Fechei os olhos com força e quando os abri meu pai me encarava com raiva.
– ¡Puta! - Me encolhi me preparando para o soco que ele me direcionou."
Acordei de sobressalto e puxei o máximo de ar que meus pulmões aguentavam. Sentei na cama assustada e acendi a lamparina que ficava em cima do criado-mudo. Isabel dormia como um anjo ao meu lado e agradeci por não tê-la acordado.
Fui até o quarto de Rafael, mas ele não estava lá, caminhei sorrateiramente até a sala e o que vi me partiu o coração. Joana o amamentava e ele segurava seu dedo enquanto a mulher acariciava a sua cabecinha, seu filho dormia tranquilo em um moisés ao lado dela. Era a primeira vez que eu via aquela cena. Não tinha coragem de ver meu filho sendo amamentado por outra mulher, não queria ver esse contato que perdi por ser incapaz de alimentá-lo. Voltei para o quarto desolada. Deitei na cama novamente mas não consegui mais dormir.
"Tengo miedo de morir solo, creo que no hay un destino más cruel." - A voz de Margot não me deixava dormir.
"Fez comigo o mesmo que fez com Santiago, Carmen." - Santiago, mi hermano. Faz tanto tempo que não o vejo, nem o reconheceria se cruzasse com ele.
"Tengo miedo de morir solo, creo que no hay un destino más cruel." - Levantei da cama e acendi um cigarro. Fui até a janela, a lua brilhava no céu.
"Tengo miedo de morir solo, creo que no hay un destino más cruel."
A frase se repetia incessantemente em minha cabeça. Eu não posso deixá-la só. Não posso! Margot cuidou de mim todas as vezes que senti medo, toda a vez que fraquejei ela segurou minhas mãos, quando chorei ela enxugou meu pranto. Eu devia isso a ela. Eu devia e não podia simplesmente fingir que não.
Olhei para a cama e Isabel dormia lindamente. Chorei porque morreria por deixá-la. Morreria por deixar meu filho. Mas eu precisava, era o que tinha de ser feito, por mais que isso destruísse o resto de sanidade que eu tinha.
Enxuguei minhas lágrimas e olhei para a lua. Me odiei naquele instante. Me odiei porque a última coisa que eu queria era deixar a minha família, eu me sentia um monstro, eu não era nem de longe a mulher que Isabel merecia e muito menos a mãe que Rafael precisava. Eu não queria ir embora.
EU NÃO QUERIA.
"Tengo miedo de morir solo, creo que no hay un destino más cruel."
Mas não podia deixar Margot morrer sozinha. Eu sentia tanto. Eu corria o risco de Isabel jamais entender ou me perdoar. Infelizmente eu ainda tinha uma missão a cumprir na capital. Isso poderia destruir a minha vida, mas não importava, precisava ser feito.
Pela primeira vez na minha vida, eu me senti presa a uma obrigação. Sempre fui e fiz o que bem entendi. Dessa vez eu simplesmente não podia. Senti um abraço gostoso e me derreti em seus braços.
– Perdeu o sono? - Sorri fraco para ela tentando disfarçar.
– Sí... Estava quente na cama, me levantei para tomar um ar. - Menti.
Isabel beijou meus ombros e afastou a alça da camisola devagar, pensei em contestar, mas quando seus lábios alcançaram meu pescoço eu senti meu corpo amolecer. Me virei e beijei seus lábios com todo o meu amor. Ela caminhou comigo até a cama, tentou me virar para me jogar nela como sempre fazíamos, mas não deixei. Eu a queria dessa vez. Tudo bem se ela não quisesse, eu respeitaria, mas queria tanto senti-la dessa forma.
– No... - Sussurrei para ela que me olhou confusa. Desabotoei cada botão de sua camisa devagar, deixando beijos em todas as partes que lentamente ficavam despidas, sem pressa, Isabel merecia calma.
Segurei seu seio com força e delicadeza, ela suspirou, estava séria, prestando a atenção em cada toque meu. Olhei em seus olhos e sentia o quanto estava surpresa. Era novo tocá-la assim e por suas reações entendi que ninguém o havia feito antes. Me inclinei delicadamente e levei a boca ao seu seio, a Baronesa sempre tão imponente, gem*u gostoso e segurou minha nuca.
– Carmen... - Disse gem*ndo, um gemid* diferente do habitual, sofrido, tão suave. Me deixou louca.
– ¿Me dejaras tomarla esta noche, Isabel? - Me olhou surpresa, mas sorriu logo depois. Que sorriso mais lindo.
– Sim, meu amor! - Disse e me beijou.
Sorri doce e joguei-a na cama como sempre fazia comigo. Ela sorriu mordendo os lábios e eu beijei sua boca com amor, Isabel não merecia meu sorriso depravado, nem minhas provocações em seu ouvido, merecia amor e era tudo que eu podia dar a ela.
Beijei cada centímetro de seu corpo nu que eu já conhecia tão bem, mesmo assim, cada movimento ali era novo para nós duas. Delicadamente passei as mãos entre suas pernas, estava tão pronta para mim...
– ¡Yo te amo, mi Isabel! - Sussurrei invadindo-a e ela gem*u fechando os olhos com força.
Não ousei tirar os olhos dela. Era a cena mais linda do mundo. Guardaria em minha memória junto com cada momento nosso. Eu sussurrava o quanto ela era a mulher mais perfeita do mundo entre seus gemid*s gostosos e ela se agarrava em mim cada vez mais. Tê-la assim era maravilhoso.
– ¡Yo te amo, mi Isabel! - Era a única coisa que eu conseguia dizer.
Senti seu corpo rígido e chamei por ela em seu ouvido, Isabel se agarrou mais forte a mim, gem*u mais intenso e senti as reações de seu corpo.
Ela logo caiu na cama com a respiração ofegante e eu sorri orgulhosa. Eu sabia que era a primeira vez, podia sentir e fiquei muito feliz de ter a certeza de que havia sido tão bom para nós duas. Principalmente para ela. Beijei sua barriga nua.
– Ahora es el momento de probar mi Baronesa...
Isabel gem*u alto quando sentiu minha boca. Ela era deliciosa. Maravilhosa em todos os sentidos. Mesmo com o sabor metálico das pequenas gotas de sangue que eram naturais para uma primeira vez. Novamente ela se derreteu com meus toques, por vezes precisei parar e dizer para tomar cuidado com os barulhos, a casa inteira acordaria! Ela sorria sem jeito e me dizia que eu era escandalosa também. Uma menina. Minha menina mulher.
Deitei meu corpo ao lado do seu por alguns instantes, mas logo fizemos amor de novo. Um amor intenso. E mesmo Isabel não sabendo, era um amor de despedida. Passeei por seu corpo, beijei cada pedacinho dele, admirei seus olhos negros enquanto nos amávamos, degustei seus beijos com todo o meu coração, porque eu sabia que eram os últimos. Senti dentro de mim que eram. Senti dentro de mim que ela não me perdoaria pelo que eu estava prestes a fazer.
Eu não me perdoaria.
Isabel dormiu em meu peito naquela noite, aninhada a mim e eu a ela. Desejei que essa noite não tivesse fim. Desejei que fosse a minha última, mas não foi e como um passe de mágica o sol surgiu entrando sorrateiro por entre as frestas da cortina.
Senti a mulher se remexer e acordar com um sorriso lindo no rosto.
– Bom dia, meu amor. - Sussurrou e me beijou gostoso. - Acordou cedo.
Concordei com a cabeça e puxei-a para cima de mim. Queria senti-la mais uma vez. Ela entendeu e me beijou com paixão, me derreti em seus braços e segurei o choro diversas vezes durante seus toques.
– Linda! - Sussurrou entre nosso beijo, eu já estava deitada em seu peito nu. - Preciso levantar.
– No... - Pedi.
– Eu tenho um milhão de coisas para resolver hoje, meu amor. - Justificou tristonha.
– No vayas. Quédate conmigo hoy... - Pedi outra vez.
– Minha Rosa Espanhola. - Sorri com o apelido. - Eu tenho uma reunião importante hoje, mas prometo que voltarei logo e poderemos ficar aqui agarradinhas.
Não podíamos. Eu não queria que ela saísse porque se fosse eu precisaria ir embora. Tinha que ser assim, sem me despedir. Não conseguiria ir olhando em seus olhos.
– No vayas... - Quase implorei uma última vez me aninhando mais em seu abraço.
– Prometo que me livrarei o mais rápido possível e voltarei para ti e Rafael.
Engoli seco e segurei o choro disfarçadamente. Sorri fraco para ela e concordei de leve. Tomamos café juntas naquela linda manhã de céu azul.
– Preciso ir, amor. - Ela me abraçou e eu me agarrei em seu pescoço, estávamos na varanda e beijei sua boca.
– ¡Yo te amo, mi Isabel! Más que absolutamente todo en este mundo. - Sussurrei e encostei minha testa em seus lábios e ela deixou um beijo terno ali.
– Eu também, meu amor. Mais que tudo! - Me abraçou forte. - Preciso mesmo ir. Até mais tarde, minha linda.
– Até, Mi Baronesa. - Respondi sorrindo, mas não sabia quanto tempo esse "mais tarde" duraria.
Assim que Isabel subiu em seu cavalo eu chorei desesperadamente. Foi dessa maneira que arrumei minhas malas. Pedi ajuda a Marta e ela se prontificou em silêncio. Arrumei o básico, não havia tempo para juntar tudo.
Enquanto jogava as coisas para dentro da bolsa, me deparei com o vestido vermelho que Isabel me deu. Abracei-o enquanto chorava e decidi que não levaria aquele. Era o favorito dela e o meu também, ficaria como uma lembrança minha. Exatamente como a camisa de botão jogada na poltrona que eu levaria comigo. Estava com o seu cheiro. Dobrei-a e guardei em uma das malas.
– Marta, eu... obrigada! O que está aí é o suficiente.
– Madame... - Ela me abraçou e eu retribuí triste, olhei-a chorosa quando nos afastamos. - Eu sei. Precisa cumprir isso.
– Como sempre sabe das coisas? - Perguntei, nunca entendi isso.
– Só sei... - Encolheu os ombros e sorriu enigmática.
– Ela me perdoará algum dia? - Perguntei aflita.
Marta suspirou e me abraçou novamente.
– O tempo tudo cura, Carmen... - Sussurrou em meu ouvido e senti aquela mesma energia de sempre. - Eu cuidarei deles!
– Por favor! Cuide de Rafael. Deixe-o mimado, faça suas vontades e diga a ele que, em algum lugar, há alguém que o ama mais que a própria vida. - Ela concordou e enxugou as lágrimas que molhavam meu rosto. - E Isabel... Isabel...
– Eu sei. - Ela apertou minhas mãos delicadamente e sorriu triste para mim.
– Chame o cocheiro para mim, por favor? - Marta concordou e saiu.
Olhei para o quarto uma última vez. Talvez eu nunca mais voltasse aqui. Saí de lá correndo e fui até o escritório. Tranquei a porta e sentei na cadeira atrás da mesa. Lembrei das vezes em que perturbei Isabel em seu trabalho. Ela sempre largava tudo e fazíamos amor aqui mesmo. Sorri triste. Abri a gaveta e peguei um papel, o tinteiro e a pena. Fechei os olhos tentando conter as lágrimas e escrevi ali somente o que meu coração dizia.
Enxuguei as lágrimas, dobrei o papel e fui para o quarto de Rafael. Ele estava no berço, mas acordado.
– ¡Hola, mi amor! - Sussurrei e peguei o menino no colo, ele resmungou, mas não chorou. - ¡Lo siento mucho! ¡Lo siento mucho, Rafael! - Chorei com o meu filho em meus braços. Meu coração era ele. - Cuida a tu madre, ¿de acuerdo? Mamá te ama mucho... Mucho... Mucho... Mucho...
Deixei um beijo demorado em sua bochecha.
– Madame. - Marta entrou no quarto. - O cocheiro chegou.
Balancei a cabeça e ela me deixou só com ele novamente.
– Incluso si me olvidas, estarás para siempre en mi corazón, Mi Pequeño. - Beijei sua bochechinha e devolvi o menino ao berço.
Deixei a carta em cima da cômoda e saí. Lucília não estava. Foi até a vila comprar alguns mantimentos que faltavam para a casa e agradeci aos céus.
Dei um último abraço apertado em Marta e pedi mais uma vez que cuidasse deles. Olhei para a cadeira na varanda e chorei novamente. Entrei na carruagem correndo e o cocheiro logo deu partida.
– ESPERA! - Gritei e ele parou, já estava a alguns metros da casa.
Desci rápido, segurei o vestido armado e corri novamente até o quarto de Rafael em meio às lágrimas. A manta dele estava pendurada no berço, retirei o broche com o Brasão dos Albuquerque de Castro e agarrei o tecido que tinha seu cheiro. Era a única coisa que eu guardaria do meu filho. A única lembrança e certeza de que ele era real.
Fui ao berço e levei a mão até seu corpinho sonolento.
– Yo te amo, Rafael... ¡Con todo mi corazón! - Novamente corri para fora da casa, não podia continuar ali nem mais um segundo ou desistiria de ir. Subi na carruagem abraçada a manta do meu filho. - Vá! Saia logo daqui!
Eu chorei desesperadamente o caminho inteiro e quando botei meus pés dentro do bordel me senti vazia. Eu sabia que era onde deveria estar, mas não queria. Eu tinha de ser forte por Margot e por mim, mas não conseguia. Não hoje.
Passei pelas meninas correndo, algumas tentaram me cumprimentar, mas eu me esquivei delas e subi as escadas o mais depressa possível. Invadi o quarto de Margot e ela estava sentada na cama com uma aparência abatida e cansada. Me olhou assustada assim que me viu, mas seu sorriso tranquilo e acalentador me recebeu. Ela sabia que eu viria. Ela me conhecia bem o suficiente para saber.
– Minha menina teimosa... - Abriu os braços e me joguei neles como uma criança amedrontada. Ainda segurava a manta de Rafael como se aquilo me levasse de volta para ele.
– Eu estarei aqui como prometi que estaria. - Disse firme em meio as lágrimas que durante todo o dia derramei sem cessar. Margot não disse nada, apenas deixou um beijo demorado em meus cabelos e suspirou me apertando em seu abraço.
Era onde meu corpo deveria estar e estaria, mas minha alma e meu coração permanecerão para sempre com Isabel e Rafael.
Fim do capítulo
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