A Última Rosa -- Capítulo 15

Michelle parou diante da porta fechada do escritório. Lá dentro o silêncio era completo. Sabia muito bem o que significava aquele chamado à sala da Marcela. A mansão dos Parker, ia se transformar numa recordação.

Hesitante, bateu à sólida porta de carvalho, depois abriu-a e entrou. Parou diante da enorme mesa e cruzou as mãos, nervosa.

-- Me chamou, dona Marcela?

-- Sente-se Michelle

A moça se sentou com nervosismo na beirada de uma cadeira com estofado macio. Estava tão nervosa, quase sufocada pela expectativa. Por isso, conservou-se como estava, com o olhar fixo na mulher à sua frente.

-- Desculpa, eu sei que está de folga, mas preciso de um favor. Será que posso contar com você?

Michelle escutou em silêncio, e secou o suor da testa antes de responder.

-- Claro, o que quiser -- O alívio sentido foi tão grande que Michelle sentiu vontade de chorar.

-- Preciso de alguém de confiança -- disse Marcela, observando-a, com uma expressão estranha -- Posso confiar em você, Michelle?

A pergunta pegou Michelle de surpresa, e ela vacilou um pouco antes de responder:

-- Sim, pode confiar -- sua voz saiu trêmula.

-- Excelente -- seu tom de voz foi casual, mas não havia nada de casual na forma como ela a olhou -- Tenho certeza que a minha esposa está me traindo.

Michelle levantou uma sobrancelha, num ar de surpresa. Permaneceu em silêncio, olhando para ela, cada vez mais admirada, será que Jessi havia mudado tanto assim? Ou será apenas o delírio de uma mente doentia? Pensou ela. 

-- E o que quer que eu faça?

-- Que descubra qualquer coisa que me dê motivo para demitir a Natália.

Seria cômico se não fosse trágico. Seu lema sempre foi resolver um problema, e logo em seguida arrumar outro, mas dessa vez ela se superou. Na busca desesperada de uma saída para a situação, Michelle tentou argumentar.

-- Mas, eu não sei como isso será possível?

-- Você será os meus olhos e os meus ouvidos dentro da empresa. Quero que você descubra se existe algo entre elas -- Marcela girou sua cadeira de rodas de modo que ficou de frente para a janela -- Não se preocupe com os detalhes, deixe tudo por minha conta.

Jessica caminhava pela praia deserta, imersa em seus pensamentos. A sua frente estendia-se a faixa de areia, ainda quente sob seus pés descalços. 

Ela andava lentamente, com o rosto sério e pensativo. Gostava de passear pela praia sempre que sentia-se angustiada e deprimida. A visão do oceano, tinha o poder de acalmá-la, com as águas de um tom esverdeado e claro, ao tocarem a praia. Mas nesse dia, pelo jeito, essa paisagem não conseguiria tranquilizá-la. Jessica fechou os olhos com força, assustada com a intensidade de seus pensamentos. Passara o resto da manhã pensando coisas duras e cruéis, ansiosa por alguma forma de vingança. Seria uma maneira de descarregar sua raiva e frustração acumulada durante anos.

Suspirou e olhou para o céu sem nuvens. Sentia-se irritada e nervosa, mas não tinha coragem de pedir a  Marcela que a demitisse. Odiava-se por isso.

Desde a decepção com Maya, ela tenta esquecer que sentiu amor por uma mulher. Esteve tão desesperada, sentindo tanto medo e raiva, que não queria admitir a si mesma que, certa vez, uma mulher fora tão importante em sua vida.

E, naquele momento, tendo ela tão próxima, tão linda, algo parecia se quebrar em seu coração. Era o muro de defesa que havia construído para se proteger do mundo e do amor. Agora, que ela reapareceu em sua vida, precisava reunir todas as forças para não cair em tentação.

"Preciso me recompor", pensou, e empurrou seus sedosos cabelos loiros por cima dos ombros. Começou a andar rapidamente de volta à casa. 

Michelle sorriu quando Valquíria colocou um prato cheio na frente dela. 

-- Não estou com fome.

Valquíria franziu as sobrancelhas, como se desaprovasse.

-- E por que não está com fome?

-- Porque não estou -- Ela não conseguiu disfarçar a irritação. Como se lesse os pensamentos da amiga, Michelle foi logo dizendo: -- Mas lhe garanto que fisicamente estou bem!

-- Fico satisfeita ao ouvir que está bem fisicamente -- Depois de uma pequena pausa, Valquíria acrescentou: -- Porém, psicologicamente você não parece nada bem. O que está acontecendo? Vai me contar por bem ou só sob tortura?

Como Michelle esperava, a amiga não demorou a perceber seu estado de espírito. Gesticulando, ela prosseguiu:

-- Tem algo muito sério acontecendo. Não adianta tentar me enrolar. Você ficou um tempão conversando com a dona Marcela, sobre o que conversaram?

Michelle a fitou com ar pensativo por alguns instantes. Valquíria sustentou o olhar, mas, quando Michelle abriu a boca para falar algo, Pepe entrou cantando:

Amor

Eu te avisei pra não ficar me esperando

Eu não sou santa e a pista tá fervendo

Pode vir quente, que o DJ tá me chamando

Eu tô pegando o que quiser

-- Caramba! Pabllo Vittar se remexeu no túmulo -- comentou Valquíria.

-- Meu Deus!!! Pabllo morreu?

-- Depois disso, com certeza.

-- Bobiça! -- Pepe se serviu de um pouco de Bisteca Fiorentina.

-- Só isso? -- perguntou Valquíria, admirada -- Seu prato sempre foi "padrão pedreiro". 

-- Estou de regime.

-- Se está de regime deveria trocar bisteca por salada.

-- Que tal eu trocar bisteca por porr*da?

Michelle apenas observava o bate boca. Se sentia pouco comunicativa antes mesmo da conversa com Marcela, depois disso não conseguia pensar em outra coisa. E mesmo sem fome, ela se forçou a comer um pedaço de carne e um pouco de salada.

-- Está sem apetite de novo! -- Pepe observou depois de se servir de mais um pedaço de bisteca -- A sua idade já não te permite sofrer por amor. Se está triste e chorando, é porque não tem dinheiro.

-- Deixe-a em paz, ela não está bem.

-- Credo mulher -- resmungou o rapaz -- Não fique tão pra baixo. Levanta-te e anda.

-- Pepe!!! -- Vitória berrou da porta. 

Ele quase caiu da cadeira com o susto que levou.

-- Nossa, que susto!

-- Onde você estava? -- a governanta perguntou irritada.

-- Limpando o ventilador do meu bofe. Falando nisso, ventilador é uma coisa incrível, né. Como que o vento passa pelo fio e sai na parte redonda?

-- Eu não acredito que você estava fazendo isso?

-- Ele me pediu, tadinho -- Pepe fez um coração com as mãos -- Vocês notaram que a primeira coisa que pobre fala depois de limpar o ventilador é: "Nossa, o vento ficou até mais forte agora".

Vitória balançou a cabeça e apressadamente fixou o olhar em Pepe, com as mãos ao lado do corpo.

-- Você sabe onde eu estava?

-- Limpando o ventilador do seu bofe? 

-- Não. Eu estava fazendo o seu trabalho -- Vitória respondeu, sentindo-se ainda mais irritada.

Valquíria levantou a cabeça e virou os olhos para Pepe.

-- Ela foi servir o almoço. Que é o trabalho do mordomo.

-- Eu sirvo a apatacada de muitas formas, menos o almoço -- ele respondeu, sem nenhuma preocupação a respeito.

-- O que significa apatacada? -- perguntou Michelle, curiosa.

-- Vocabulário pooobre! -- resmungou -- Significa: rica, milionária, endinheirada. 

-- Hum -- Michelle balançou a cabeça.

-- A dona Jessica é o meu pretérito mais que perfeito. Ainda não percebeu, Vit? Só realizo trabalhos especiais.

-- Caraca, que coisa inútil que a dona Jessica contratou. Não faz nada, só come e dorme -- comentou Vitória.

-- Pepe é tipo bolso de pijama -- disse Michelle, rindo -- Não serve para nada.

-- Até você Mi? Deixou de brincar com a comida no prato para se juntar a essas homofóbicas reclamonas?

-- Homofóbicas? -- Vitória ficou indignada com a acusação -- Fique sabendo que eu me simpatizo muito com os LGBTHZS... Caso contrário não trabalhava nessa casa.

-- Não sou Procon para ficar ouvindo reclamações. Estou naquela fase da vida em que evito ao máximo discussões. Se você falar que 1+1 é igual a quatro, você está completamente certa e seja feliz -- Pepe saiu rebol*ndo, exageradamente.

As mulheres se entreolharam, sem entender. 

-- Sobre o que estávamos discutindo mesmo? -- perguntou Valquíria. 

-- Nem lembro mais! -- Michelle comentou, aliviada por ter terminado a pior refeição de sua vida. A comida estava boa, mas o seu humor estava horrível -- Depois dessa vou voltar para o quarto e dormir o resto do dia -- Michelle se levantou e saiu rápido da cozinha. Seu estômago se apertou quando ela deu de cara com o olhar frio de Jéssica.

-- Precisamos conversar, Maya -- Jessica foi até ela, segurou-a pelos ombros e a olhou nos olhos -- Ou, devo chamá-la de Michelle?

Fim do capítulo