A Última Rosa -- Capítulo 13

Adalberto atracou o iate no cais atrás da casa e desligou o motor. Jessica pulou do barco caminhando rápido pelo píer. Passou pela piscina e foi em direção ao jardim.

-- Nicolas! -- Jessica berrou a plenos pulmões -- Tem uma mulher na nossa praia. Você não viu isso?

O rapaz olhou sério para ela.

-- Impossível! -- ele afirmou, convicto -- Uma mulher não consegue pular o muro e muito menos se embrenhar na mata para chegar até à praia -- ele comprimiu os lábios e pensou por um instante -- Só se ela veio de helicóptero.

Jessica balançou a cabeça, irritada.

-- Sei não, Nicolas. Será que ela não chegou de drone?

Nicolas estreitou o olhar, desconfiado. 

-- Tá falando sério, chefe? -- ele observou a cara feia que Jessica fez e imediatamente respondeu: -- Claro que não. 

-- Tem certeza que quer ir? -- insistiu Adalberto. 

-- Tenho -- Jessica entregou sua mochila para ele e andou com passadas largas pelo caminho cercado de palmeiras -- Não se preocupe. Não vou ofender a mulher.

-- Eu sei disso! -- O senhor respondeu com a intimidade de quem admirava e amava a patroa desde que a conhecera -- Não se esqueça de usar seus óculos escuros e não fique muito tempo exposta ao sol.

-- Tá bom, papai -- respondeu, brincando com o homem.

 

Apesar da beleza da praia e do clima bastante agradável, Michelle não tinha ânimo para apreciar a paisagem. Sentia-se inexplicavelmente tensa. Por que, após um período de relativa tranquilidade, sua vida parecia outra vez atribulada? Seus olhos castanhos tornaram-se melancólicos, quando ela começou a pensar nos problemas que a atormentavam. Cobriu o rosto com as mãos e suspirou, procurando impedir que as lágrimas surgissem. Não tinha sido fácil abandonar a sua cidade e se jogar pelo país feito uma louca. Teve muita sorte de receber a ajuda de sua amiga Martina e também de Valquíria.

Ela se levantou e começou a caminhar pela praia. Embora estivesse embaraçada com o tamanho reduzido do biquíni, não havia ninguém para vê-la na praia e era gostoso sentir o calor do sol na pele. Melhor ainda era poder caminhar na areia molhada, onde as ondas se quebravam.

 

Jessica parou junto ao penhasco e olhou para ver a mulher lá embaixo. A mocinha passeava calmamente, parava, fazia um desenho na areia, depois continuava a caminhar despreocupadamente. Aquela tola está se arriscando a ter uma insolação. Pensou.

-- Ei moça, esta é uma praia particular -- Jessica berrou, mas em seguida percebeu que ela estava muito distante e o barulho das ondas do mar quebrando, abafou o som da sua voz.

Michelle se virou e avistou a moça.

-- Desculpa, mas não compreendi -- ela respondeu, dando de ombros.

-- Mas, que droga! -- com seus pés escorregando sobre as pedras úmidas, ela desceu até alcançar a areia. Ela caminhava rápido, pisando forte na areia fofa em direção à moça. Conforme ela se aproximava, tinha a impressão de que seu estômago retorcia. Uma sensação estranha lhe apertou o coração.

Michelle olhou na mesma direção e ficou boquiaberta. 

-- Jessica! -- disse ela, com os olhos brilhando. Seu rosto, já pálido por ter tomado pouco sol nos últimos meses, ficou branco como papel. Ela deu um passo à frente, sem saber o que fazer, mas sem conseguir desviar seus olhos da figura familiar que tinha diante de si.

-- Não é verdade -- sussurrou ela -- O que estou vendo não é verdade! -- repetia a si mesma. Fazia quase nove anos que ela não via Jessica, mas a reconheceu de imediato. Ficou paralisada como estátua, de puro choque.

Por tantas vezes perguntou-se que aspecto teria Jessica após tantos anos. Naquele momento a resposta estava à sua frente: Linda.

Por um instante Jessica ficou a olhar fixamente para ela, sem expressão no rosto. Michelle chegou a duvidar sinceramente de que ela a havia reconhecido. Além dos anos que tinham passado, ela tinha pintado o cabelo e mudado o corte. 

Michelle sorria sem jeito.

-- Jessica, que saudade! -- disse ela, suavemente -- Faz tanto tempo.

E a delicadeza de sua voz fez Jessica estremecer. Um pouco estonteada, olhou para aquele lindo rosto, tentando se controlar. Ela não mudou quase nada. Aliás, o seu envelhecimento natural e o corte de cabelo moderno a tornava ainda mais atraente. Infelizmente, Maya estava ainda mais bonita do que quando ela a havia visto pela última vez, quase nove anos atrás. Por um momento, ficou confusa e aturdida, baixando as pálpebras. Porque ficou balançada? Pensou ela, pois, estava diante da mulher que cometeu o crime hediondo de abandoná-la. O coração dela ainda doía muito em consequência disso. 

-- É. Faz bastante tempo -- resmungou ela, com o coração quase atravessando o peito -- Faz bastante tempo mesmo -- sua voz soou muito fria -- Como você veio parar aqui? -- perguntou Jessica, incapaz de controlar o nervosismo.

Antes que Michelle conseguisse dizer alguma coisa, Jessica aproximou-se dela com movimentos rápidos e ameaçadores. Ela reparou na expressão séria dos seus olhos verdes antes de lhe agarrar num braço e a puxar.

Michelle se encolheu diante do desprezo que viu no rosto dela e uma dor aguda lhe percorreu o peito. Tremia com o esforço de não deixar correrem lágrimas de frustração.

-- Como é que você me encontrou? Como soube onde eu estava? -- Nos olhos de Jessica surgiu uma nuvem que evidenciava sua confusão interior.

-- Não, não sabia -- interrompeu ela -- Foi uma grande coincidência. Eu estava procurando emprego e vim parar aqui em Hills.

-- Ah tá. Você realmente quer que eu acredite nisso? Você saiu do outro lado do país para procurar emprego neste fim do mundo?

Michelle estremeceu ante essa pitada de ódio evidente. 

-- Mas é verdade, eu juro -- conhecia a bondade e meiguice  de Jessica e sabia que as pessoas não costumam mudar tanto -- Eu conheci uma pessoa na rodoviária que estava vindo trabalhar para uma...

-- Chega! Vá embora daqui -- exigiu ela, tão fria como se falasse com uma desconhecida -- Não sei se você percebeu, mas essa é uma propriedade particular -- Jessica não conseguiu evitar a pergunta seguinte: -- Como você conseguiu entrar?

De repente, Michelle acordou para a realidade e sentiu um calafrio de medo. Ela suspirou, desviando os olhos para a areia, enquanto seu mundo todo desabava. Por que o destino não tinha sido bom com ela pelo menos uma vez?

-- Você é a esposa da dona Marcela? 

Jessica empalideceu. Seu rosto tornou-se repentinamente, um rosto de pedra. Como ela sabia?

-- Sim, a Marcela é a minha esposa -- respondeu secamente -- Você a conhece? -- perguntou ela, tentando mascarar sua ansiedade.

-- Eu sou a secretária da dona Marcela -- Michelle sentiu que seu rosto corava e torceu as mãos, nervosamente -- Comecei há alguns dias.

Jessica não sabia o que dizer, por isso permaneceu em silêncio enquanto tentava colocar os pensamentos em ordem. Não podia ser uma simples coincidência. O destino não seria tão cruel com ela.

-- Eu vou falar com a Marcela -- A voz dela não escondia a raiva da mulher que a abandonara num momento tão difícil -- Você será demitida hoje mesmo.

Michelle a encarou. Os olhos de Jessica pareciam mortos. O que estaria ela tentando ocultar? Ódio? Ou desprezo? Amor, nunca. Não era possível que ainda sobrasse um pingo de amor, depois de todos aqueles anos.

Jessica abaixou os óculos escuros que estava na cabeça e ajeitou-os no rosto. Ficou olhando fixamente para Maya, como que perdida em sua beleza. Na verdade, os raios do sol davam ao rosto dela uma tonalidade rosada e o minúsculo biquíni denunciava as lindas curvas do seu corpo.

Mesmo antes de abrir a boca Jessica odiava a si mesma pelo que estava prestes a dizer. Seu coração gritava: você sabe o que está prestes a perder novamente, não sabe? Enfim, falou:

-- Agora vá embora e não apareça na minha vida nunca mais! -- Jessica se virou e saiu caminhando pela areia fofa.  

Michelle deixou-se cair na areia, de braços estendidos. Tinha tanta coisa para dizer, mas não conseguiu dizer nada. Queria explicar, contar toda a verdade.  Sentia seu corpo dormente, morto, um pânico tão grande que quase gritou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo