Capítulo 09 - Quando os sinos batem

       A Delegada Nadine acompanhou o enterro de Renata em uma distância regulamentar, não queria atrapalhar a despedida da carioca, mas, queria observar e quem sabe constatar a tese que alguns assassinos em série gostam de acompanhar esse momento. O tempo passou,  percebendo que não havia nada de suspeito no entorno do cemitério e nem dentro dele, foi embora ladeada por outros policiais, voltou ao Supermercado Águia com um único objetivo, descobrir pistas do assassino, infelizmente as imagens do dia do crime haviam sido apagadas, da mesma forma que as informações do computador onde havia todas as vendas e cadastros feitos no caixa de Renata foram deletadas. Nadine balançou a cabeça desanimada, e Samantha percebendo seu estado resolveu anima-la  nem que fosse minimamente.

- Ao menos sabemos que a assassina é uma mulher, não é mesmo?.

- Como sabemos?, isso é uma especulação da imprensa Sam, só porque a vítima era lésbica, pode ser um homem replicando os crimes da Pierrô, pode ser um fã e não uma fã, tudo é possível, você é antropóloga, pense?, nem na Polícia e muito menos na Antropologia podemos trabalhar com o "Se", isso não existe.

- É tem toda razão Nadine.

      Nadine cruzou os braços, não sem antes deixar um sorriso acolhedor. Quando tudo parecia nebuloso, teve uma lampejo e pediu as imagens do estacionamento, foi e voltou as cenas várias vezes, até que pode ver bem ao longe, Renata andando por entre os carros e sentando no banco do carona de um Jeep, provavelmente importado, infelizmente não pode anotar o número da placa nem ver com perfeição o rosto de quem estava na direção, mas, pela imagem que capturou do espelho da lateral do carro...era realmente uma mulher, isso foi constatado ao ampliar pelo zoom da câmera vendo apenas o borrão feminino.

     A delegada aproveitou a ocasião e conseguiu vários depoimentos de outros caixas e todas comentaram que nesse dia, Renata conversou animadamente com uma das clientes, no entanto, o retrato falado de Cristina feito a partir da memória de tantos em nada casava com a sua imagem real, tanto que a assassina riu ao ver o esboço espalhado por toda cidade que em quase nada fazia lembrar suas características físicas, para ter certeza ainda voltou ao supermercado para testar, mas, não foi reconhecida por ninguém.

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       As folhas do calendário correram e mais um fim de ano chegou, trazendo junto com ele o Natal, seus enfeites coloridos e músicas. Sophia e Renée terminavam de montar a árvore de uma forma bem organizada enquanto Babi, a doce gatinha capturava as vezes uma bola, outras um enfeite e corria para brincar no meio da sala.

- Re, meu amor, você não acha que essa música do Bee Gees não está combinando muito com o clima natalino?.

- Realmente não está combinando nada, mas, Night Fever me parece bem mais divertido do que "Então é Natal" com a Simone. Hahahahah.

- De fato, o tempo passa e essa música parece que está impregnada na nossa cabeça, também as lojas não nos deixam esquecer, se não tocar Simone em alguma delas, nem parece que é Natal.

       Quando terminaram de montar a árvore, se afastaram para ver como havia ficado elegante o trabalho que haviam finalizado, a árvore de Natal era enfeitada em tons de vermelho, dourado e verde, com enfeites, laços, sinos, anjos e outras imagens na medida certa, além da estrela no topo e do singelo pisca pisca de luz de fadas, realmente tinham montado uma bela árvore. Renée abraçou Sophia por trás deixando uma série de beijinhos em seu pescoço, e sorriu sem entender quando a namorada se afastou por uns instantes.

- Espera um pouco amor, vou buscar o seu presente de Natal.

- Ah tá...

       Sophia voltou com dois presentes, um maior embrulhado em uma espécie de sacola de tecido, que exalava um cheiro delicioso de lavanda, o outro era uma caixinha pequena que guardou no bolso, Renée sorriu ao ver os presentes.

- Amor, não precisava tanto.

- Claro que precisava, você merece minha linda. 

       Renée agarrou o presente maior, e abraçou sentindo uma fofura que não entendia o que era, seria uma almofada?.

- Nossa, não consigo descobrir o que é, mas, que é cheiroso é, adoro esse cheirinho de lavanda.

- Não tente adivinhar meu amor, abra logo, quero ver se você gosta.

       Renée abriu o presente começando a tirar o laço vermelho, quando desembrulhou viu uma boneca toda enrolada segurando um girassol.

- Amor, não acredito, é a boneca da Marielle Franco?.

- Eu sei que você sempre achou a boneca Mariellinha da viúva de Marielle uma fofura, então, resolvi encomendar uma de outro estilo para você.

       Sophia escolheu uma artesã especializada em bonecas para reproduzir as feições de Marielle, vereadora assassinada em março de 2018, que filiada ao PSOL, elegeu-se pelo Rio de Janeiro com a quinta maior votação, Marielle defendia o feminismo, os direitos humanos, e criticava a intervenção federal no Rio de Janeiro e da Polícia Militar em sua cidade, tendo inclusive denunciado vários casos de abuso de autoridade por parte de policiais contra moradores de comunidades carentes. Sabendo que Renée era fã e mantinha uma relação de amizade com Marielle Franco e que inclusive lutaram juntas pelo movimento LGBT, injustiças sociais e por uma sociedade melhor, achou que seria um presente delicado deixar sua companheira de luta eternizada em uma boneca.

- Gostou meu amor? - Perguntou Sophia, mas Renée não conseguiu responder, estava com lágrimas nos olhos e profundamente encantada com o presente.

- Não tenho nem palavras para agradecer meu amor, você sabe o quanto sofri com a morte da minha amiga de luta, uma estrela se apagou injustamente, assassinada por uma força maléfica que toma conta do nosso país.

      Renée sorriu tristemente, Sophia sentou ao lado da namorada, a envolveu com um delicado abraço e em seguida enxugou as lágrimas que se multiplicavam em sua face.

- Mas, a surpresa não acabou por ai...

- Nossa, ainda tem mais?.

- Claro que tem, me dê só um minutinho.

       Enquanto deixou rolar "Diga sim pra mim", música de Isabella Taviani, Sophia ajoelhou tirando a caixinha de dentro do bolso do short.

- Renée, você aceita se casar comigo?.

      A cantora não conseguiu responder, apenas puxou Sophia para dentro do seu abraço e encheu seu rosto, boca e pescoço de beijos.

- Eu posso considerar todos esses beijos como um sim?.

- Sim, sim, sim...claro que aceito seu pedido de casamento.

     Um abraço selou o compromisso acertado e a certeza que em junho no ano seguinte seria realizado uma linda festa.

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       Cris girava rapidamente a pequena adaga japonesa de cor dourada quando viu a morena se aproximar, rapidamente colocou a arma branca afiada em cima da mesinha, sorriu e bateu palmas animada ao ver que a sua ajudante, antigamente loira, tinha mudado a coloração dos cabelos finos e escorridos, ostentando um tom de chocolate que parecia brilhar ainda mais em sua pele alva.

- Sabe que você ficou ainda mais bonita morena?.

- Obrigada meu amor, nem acreditei quando me chamou para passar o Natal com você, nem sei o que te deu Cris, olha que desmarquei com meus pais e amigos para poder viajar contigo, e ainda pintei os cabelos exatamente como desejou.

- Fez o que te disse?.

- Claro, ninguém sabe que estou aqui e vamos viajar.

- Humm, que delícia, você vai ter o Natal que merece, fiquei ainda mais satisfeita porque resolveu pintar o cabelo de escuro, como sabe eu adoro uma morena, até já aluguei uma casa na Praia de Caiobá.

- Eu sei disso, tanto que só mata morena, não é Cris?, foi com esse punhal que matou a última vítima, não é?.

- Ai Agatha, você era estagiária da Helena, nunca escondi de ti tudo o que sinto por ela, e quando te contei detalhes dos meu planos, você aceitou e concordou que ela precisa ser vingada, homenageada, você concordou comigo. Então vamos até o final juntas, e por ser extremamente fiel a nós duas achei que merecia ser eternizada em um momento surpresa.

- Concordei porque estava louca e apaixonada igual você, mas, não aguento mais a condição de cúmplice, eu cai em mim. Sabe Cris, estava pensando, porque a gente não se entrega?, eram vidas, matar outras pessoas não vai te trazer Helena de volta. Preciso te dizer, eu estive no velório e no enterro da mulher que matou por último, eu fiquei de coração partido, uma tristeza, as pessoas chorando enquanto vários sambas eram catados para homenageá-la, Cris uma mulher jovem, cheia de planos, você sinceramente, não se importa?.

- Ah, cala a boca, já te disse que tudo o que menos me importa são com as vítimas, elas são apenas peças para homenagear o meu amor, pra mim foi tudo tão simples, matei uma e cortei os pedaços porque não sabia ainda o que fazer com o corpo, essa foi de teste, depois veio a tal Inês e agora essa Renata, está faltando alguma?. Detesto esses esquecimentos.

- Você esqueceu a que os trilheiros encontraram, com essa são quatro, se contar com a de Guaratuba.

       Cris aproximou da mesa pegando discretamente a adaga com a finalidade de machucar Agatha quando foi rendida pela delegada Nadine.

- Cristina Soares de Alencastro, você está presa pela morte de Inês de Castro, Renata Silva dos Santos, e de Rafaella Viana de Medeiros, encontrada morta por trilheiros.

- Nossa, eu nem sabia o nome completo da última.

      Cristina foi levada pelas policiais enquanto Agatha chorava o peso da sua culpa e por ter que ajudar a Policial Civil a prender a mulher que amava, no entanto, tinha certeza que provavelmente seria morta no final desse feriado e que Cris jamais pararia seus planos. Com a delação, responderia em liberdade até o julgamento.

       Samantha aproximou-se da jovem médica falando calmamente.

- Sei que está doendo, que possivelmente pegará uma pena menor, mas, essas lágrimas sinceras falam muito, reconstrua sua vida Agatha, pega esse livro, tenho certeza que vai te ajudar muito.

       Agatha sorriu ao ler "O Evangelho segundo o espiritismo".

- Agora vamos?, precisamos pegar teu depoimento.

- Vamos sim, obrigada Samantha.

- Não a de que...você agiu de forma correta!.

- Eu sei, mas, no momento...dói muito...

Fim do capítulo