Era sexta-feira de manhã. O sol surgia no horizonte com toda sua beleza. Aos poucos, os pássaros nas árvores cantavam alegres anunciando um novo dia.

Rita, que estava sentada em uma espreguiçadeira no jardim, prolongou o seu olhar para o nada. Havia acordado cedo naquele dia. A verdade é que estava ansiosa após os últimos acontecimentos. O seu filho retornara à casa e finalmente parecia estar começando a ter uma aproximação com a filha.

— Por está tão pensativa, mamãe? – Ricardo surgiu na porta dos fundos, chamando a atenção de Rita. – Bom dia!

— Bom dia, meu filho! Sente-se comigo – disse ao olhar para a espreguiçadeira que estava ao lado. – Estava pensando no quanto estou feliz com os últimos acontecimentos. Você aqui comigo... e Raquel voltando a me querer por perto. – Teve um certo receio ao pronunciar as suas ultimas palavras.

Ricardo sorriu com o temor da mãe.

— A senhora não precisa ter receio ao falar sobre minha irmã comigo. Eu não pretendo mais guardar mágoas que só fazem mal a mim.

— Eu me sinto mal por tudo o que houve, meu filho. – Deslizou os seus dedos pelos cabelos. – Fui culpada por toda tragédia que você teve que passar.

— Mãe – Ricardo sussurrou —, o único erro que a senhora cometeu e fez muito mal a mim, foi nunca ter deixado eu assumir os meus erros. Ter sempre pego para si as minhas responsabilidades como homem... pessoa. Já desejei coisas horríveis por conta de meu egoísmo.

— Filho...

— Mãe, não tente me fazer passar por uma pessoa indefesa, pois eu não sou.

— Desculpe-me! – Rita disse e sentiu uma mão quente tocando a sua. – Eu só queria te defender... eu só queria o melhor para você. Eu fiz tudo por você...

— E nada por Raquel que também é sua filha.

— Isso me dói hoje, as minhas más ações.  Quero ser uma pessoa melhor, mas será que um fruto podre ainda tem solução?

— Às vezes, nesse fruto podre pode haver sementes que dá chances para surgir um novo começo – Ricardo comentou, fazendo Rita sorrir de suas palavras. – Falei algo errado?

— Não, meu filho. Só te achei muito esperançoso com algo que acho que não há solução, eu.

— Ah... Não diga isso.

— Claro que digo. Muitas pessoas não gostam de mim por conta de tudo que fiz.

Um silêncio começou a tomar conta do ambiente após a fala da senhora.

— Mãe, a senhora se arrependeu de tudo que fez. Agora, é só deixar isso evidente. – Ricardo segurou a mão de sua mãe tentando passar segurança.

Rita sorriu fraco.

— Acho, meu filho, que quando fazemos o mal a alguém, é algo muito simples. Você pode simplesmente chegar e falar palavras duras ou agredir. Mas quando temos que pedir desculpas, não é tão simples.

— Não é. É um processo voltar a ganhar a confiança de alguém. Talvez no final de tudo isso, você pode reconquistar o que foi quebrado, no entanto, você também tem a possibilidade de nunca conseguir isso de volta – Ricardo disse com calma. – Na hora da raiva, mãe, podemos dizer coisas que pode nos afastar para sempre de quem amamos. – Percebeu que uma lágrima solitária começou a deslizar pelo rosto da senhora. Isso era algo admirável, visto que Rita não era de deixar transparecer suas emoções. – Vamos tomar nosso café-da-manhã? – perguntou ao se levantar.

Rita assentiu com a cabeça e começou a seguir o seu filho.

No meio do caminho, segurou o braço do filho.

— Eu tenho muito medo de ter a perdido – disse se referindo a Raquel.

Ricardo sorriu de uma forma gentil.

— Bom... É uma possibilidade, mas não vamos pensar dessa forma. Ela virá no fim de semana, as coisas podem melhorar entre a gente até lá.

— Espero que você esteja certo, meu filho.

_*_

Era o horário do almoço quando Raquel se sentou à mesa de um restaurante que ficava próximo ao trabalho de sua amiga.

Haviam combinado de se encontrar para conversar sobre os últimos acontecimentos, pois, nos dias anteriores, a vida das duas estava sendo muito corrida. Decidiram se encontrar naquele dia, pois Sófia iria experimentar o vestido de noiva e não teria tempo para ficar com a engenheira.

Perdida totalmente em seus pensamentos, ela começou a olhar para algumas imagens de arranjos em seu celular.

— Realmente está empolgada com o casamento – a voz da ruiva começou a tomar conta do ambiente.

— Oh! Eu estava olhando enquanto te aguardava – disse tentando conter o sorriso que surgia em seus lábios todas as vezes que pensava no casamento.

— Imagino que esteja muito feliz. – Norma se sentou à mesa e pegou o cardápio para poder escolher o prato.

— Muito, eu nunca imaginei que planejar um casamento pudesse trazer uma felicidade tão grande como esta que estou sentindo. – Prolongou o olhar na amiga. – E com você está tudo bem?

Norma sorriu.

— Muito, eu estou amando e sendo muito amada – falou demonstrando todo seu amor com as palavras.

Sua relação com Laura estava sendo perfeita. Dificilmente discutiam. Quando acontecia, elas logo resolviam com uma boa conversa.

— Ainda bem, pois Laura iria se ver comigo se caso não tivesse sendo boa contigo. – Raquel quis brincar com a amiga.

Norma gargalhou.

— Acho que você está um pouco atrasada para isso. Deveria ter tomado essa atitude quando começamos a nos envolver.

— Eu sei. – Riu também. – Mas é que não podia perder a graça.

— Diga-me, aconteceu algo? Mesmo você assim animada, parece que não está tudo cem por cento.

— Hum... – Raquel forçou um sorriso. Sua amiga a conhecia muito bem. – Minha mãe...

— O que houve?

— Um dia, eu estava passeando no parque com Nino e Nina... Nino escapou e foi parar onde ela estava.

— Nino tem esse costume de te levar às pessoas que você precisa conversar – Norma comentou e Raquel deu razão a amiga. – Bom... Mas o que houve depois?

— Ela estava diferente – disse pensativa. – Acho que nós duas estávamos diferentes.

— Minha amiga, alguns meses se passaram, mesmo tendo motivos para manter a mágoa, você nunca foi disso. Agora, não seria diferente.

— Sim, não seria, mas... – Balançou a cabeça algumas vezes, para ver se conseguia colocar os pensamentos no lugar.

— Mas o quê?

— É estranho me aproximar parecendo que nada ocorreu no passado. – Abaixou o seu campo de visão.

— Ei... – chamou a atenção da amiga. – Você não precisa fingir que nada ocorreu. Para algo se resolver, é necessário uma conversa franca. Deixar claro o que te magoou ou mágoa. Não vale de nada, você se aproximar de seus pais guardando tudo que te fez mal e fingir que tá tudo bem, sendo que não está.

— Você tem razão. Não esconderei o que ainda se passa dentro de mim, porém tem algo que ainda não lhe disse.

— O que é?

— Minha mãe me chamou para um almoço na casa dela. – Raquel disse e Norma ficou um pouco surpresa com a novidade.

— Então Rita está realmente desejando uma aproximação... Sua mãe não é uma santa, porém, acho que ela está tentando ser uma pessoa melhor com você.

— Ela estava demonstrando isso no pouco que conversamos da última vez.

— Você pensa em não ir?

Raquel forçou um sorriso. Estava um pouco nervosa por estar falando sobre aquele assunto tão delicado para ela.

Antes de dizer algo, Raquel encarou ao ambiente a sua volta, parecendo que as pessoas presentes lhe dariam uma resposta para aquela pergunta.

— Já conversei com Sófia e iremos. Além disso, decidimos convidar os meus pais para o casamento. Eu sei que estamos afastados, mas não custa tentar. – Deu de ombros querendo passar a amiga que a presença de seus pais não era algo muito importante.

— Você tá falando como se eles não fossem se caso você convidasse. – Norma riu do jeito da amiga.

— Ah, Norma, eu não quero criar expectativas com relação a esse almoço, mesmo já passando um monte de coisas por minha cabeça.

— Bom... Você só vai saber como é se caso for, mas acho que vai ser algo bom. Sua mãe está disposta a ser uma pessoa melhor – Norma disse e Raquel a olhou surpresa.

— Como você chegou a isso? – Queria entender como a amiga sabia analisar tão bem as pessoas.

Norma sorriu.

— Pressentimento!

— Norma, por favor, me explique melhor! – Raquel agoniou-se com o suspense da amiga.

— Raquel, desde o dia que ela foi onde você trabalha é que ela demonstra estar diferente. Este encontro mais recente de vocês só mostra que essa mudança continua em processo – deu uma pausa para ver se sua amiga estava prestando a atenção no que ela dizia. – Sua mãe não vai se tornar a mãe dos sonhos do dia para noite. Isso leva tempo. Mas o importante é que ela está tentando ser alguém melhor com você.

— Você acha que tudo isso é sincero? – Queria saber a opinião da amiga.

— Acredito que sim, ela não tem motivos para se aproximar de ti se não for com a intenção de fazer as pazes.

— Você tem razão. É que já aconteceram tantas coisas.

— Eu entendo sua insegurança, entretanto, acho que sua mãe, mesmo com o jeito torto dela, está tentando unir novamente a sua família.

— É, você tem razão!

Após ter aquela conversa mais tensa com Norma, Raquel resolveu comentar sobre o casamento, os preparativos.

Norma ouviu tudo atentamente. Até sentiu vontade de fazer como sua amiga, formalizar sua relação com a médica. Contudo, sorriu, ao lembrar-se de como estava sendo leve e maravilhoso. Não era necessário mais pressa, já que estavam tão bem.

Às 14 horas, Raquel retornou ao trabalho com pensamentos leves. Parecia que havia tirado um peso de suas costas após desabafar suas angústias com a amiga.

— Raquel, o seu irmão está te aguardando em sua sala – Pedro avisou quando a engenheira surgiu na recepção.

Ao saber daquela novidade, Raquel ficou surpresa, pois nunca mais havia visto Ricardo.

— Obrigada por avisar, Pedro – disse ao se afastar do arquiteto.  No momento que abriu a porta de sua sala, reparou que o irmão estava sentado em uma cadeira, reparando na decoração do local. – Você era a última pessoa que imaginei encontrar aqui a minha espera – Comentou.

Ricardo virou o seu corpo em direção a porta e presenteou a irmã com o um sorriso de contentamento por estar revendo a irmã.

— Imagino que sim, mas as coisas mudam. — Levantou-se. – Queria saber como anda as coisas. Eu estive um pouco sumido.

— Comentaram comigo sobre esse seu sumiço. – Raquel caminhou até sua cadeira e depois passou a analisar o irmão. O engenheiro estava muito diferente, não somente no físico. Parecia estar mais tranquilo sem aquele ar preocupado. – Posso saber o motivo que o levou a fazer isso?

Ricardo voltou a se sentar e ficou pensando em como começaria aquela conversa.

— O peso da culpa – confessou e Raquel o olhou surpresa. – Você já sabe como ocorreu o acidente com nossa mãe?

— Sim, eu sei... — Sentou-se e balançou a cabeça algumas vezes. Aquela conversa não lhe agradava nem um pouco.

— Eu fui o culpado por tudo e não estava sabendo lidar com isso. O meu ódio por você havia me tornado um monstro.

— Espero que não esteja tentando colocar a culpa por seus atos em mim.

O engenheiro forçou um sorriso.

— Não estou. Mas no momento, eu coloquei. Coloquei a culpa da merd* que havia se tornado minha vida em você e depois... em nossa mãe. – Raquel fez menção de dizer algo, mas foi impedida. – Eu estive errado por pensar assim, eu sei. O pior foi ter usado a bebida “aliviar” a minha tenção.

— Não me diga que...

— Eu estive em uma clínica. Não somente por conta do vício que estava começando a me dominar, mas também para eu começar a repensar em mim... no que era importante para mim.

— E o que é importante para você? – Raquel queria saber qual seria a resposta do irmão.

— A minha família e Paola – falou e a engenheira ficou surpresa com o que o irmão havia acabado de dizer.

Fim do capítulo