Meus pedaços por Bastiat
De volta para trás
Isabel
Derrubei a taça de vinho ao me levantar apressada. Saber que a Helena mentiu de maneira tão banal fez a minha cabeça dar um nó.
Parece que estou revivendo o dia que a flagrei beijando o Gustavo e depois ela chegou no camarim como se nada demais tivesse acontecido.
"Tropeçando ao entrar, vi o corpo pequeno da minha mulher passar pela porta e entrar de vez no mesmo ambiente que estou.
- Oi, amor - disse Helena sorrindo.
- Olá, cariño - sorri fraco.
Pelo espelho, vi a apresentadora começar a tirar seu vestido. Suspirei.
- Helena... donde estabas? - o nervosismo me fazia falar em espanhol.
‘Por favor, não minta para mim', meu coração apertava enquanto meu cérebro pensava.
- Conversando com o pessoal sobre a final.
Mentiu".
De novo, como antes, mentiu. Talvez ela depois de mentir fosse realmente fazer amor comigo como planejara aquele dia. Sinto-me uma tola por sonhar em me deixar envolver-se. Tão boba que planejei um jantar que ela não faz questão de estar.
Por um momento desejei voltar o tempo para antes da conversa com o Rodrigo e deletar tudo, pois pelo menos eu ainda a teria em meus braços por mais uma noite. Talvez algumas, até redescobrir suas mentiras.
A verdade é que eu queria me submeter a acreditar nela novamente. Foi tão difícil decidir me separar. Eu queria ter aguentado por mais tempo. Queria que tudo não passasse de um engano.
Andei na direção do restaurante, mas um aperto firme no meu braço impediu-me. Helena mostrava-se desesperada. Achei que ela não viria atrás de mim. Eu não teria essa cara de pau se estivesse no seu lugar.
- Isabel, olha para mim - pediu.
Sua voz mexe comigo. Tentei sair, mas a baixinha me segurou pelos dois braços. Evitei olhá-la.
- Eu estava com a Elisa e a... a Natália - a encarei. - É isso, eu estava com a Nat, por isso não queria te falar. Nós fizemos as pazes.
Se é apenas isso, por que mentir? Não faz sentido.
- MEN-TI-RA! Mentira, Helena. Você mentiu no passado, mentiu há pouco e mente agora.
Entramos uma batalha para provar se estava mentindo ou não. Eu não queria ouvir que ela precisa me provar alguma coisa.
Perder a confiança é uma das piores coisas na vida, principalmente envolvendo tanto amor. Está claro que ela pode realmente ter tido receio da minha reação. Porém, o que ela não entendeu é o jeito que mentiu.
- Mentiu...
Eu não consegui falar. Há um nó na minha garganta que não desata.
Em uma tentativa de me acalmar, suas mãos passaram a fazer carinho no meu braço. O que era para ser reconfortante, deu-me mais aflição.
- Isabel, acalme-se. Para de chorar.
- Está doendo, Helena. Está doendo muito.
O amor não deveria ser dor. Eu estou cansada de ver a Helena e sentir-me feliz apenas na cama.
- Eu sei, meu amor. Não deveria ter feito isso. Eu nunca menti para você antes...
- No é mais uma mentira que está doendo. Sabe o que mais dói, Helena? No é te ouvir falando que mentiu por isso ou por aquilo. Eu até poderia acreditar...
Tive que respirar fundo antes de continuar. Os mesmos olhos castanhos que me causam tão mal estão me encarando cheios de compaixão.
- O que mais dói é olhar em seus olhos e no saber o que eles dizem. Seus olhos mentem. Sua boca falou e eles não te entregaram. O que mais doeu foi olhar em seus olhos e te escuchar dizer que estava com a pessoa que ficou aqui te defendendo, incentivando-me a hablar contigo. Eu acreditei, até me recordar que seus olhos mentem.
- Não... eles não mentem. Para mim foi um esforço enorme te olhar e mentir. Mas eu realmente achei que estava fazendo a coisa certa. Errei. De novo, eu errei.
15 dias atrás Helena assumia os seus erros. Foi o que me fez começar a querer enxergá-la com outros olhos. Por que não consigo hoje? De tantas mentiras contadas, a de hoje é tão insignificante.
- Por que insiste? Qual o seu interesse ainda? Qual o prazer que você sente em mentir e no outro dia sorrir como você fazia antes? Por que quer voltar comigo, se vai cometer os mesmos erros?
Eram tantos os por quês. Não há confiança, só dúvidas. Seu rosto me olhava com seriedade. Eu não consigo ver a mulher que conheci anos atrás.
- Eu no quero mais isso. No quero envolver-me mais em mentiras. Se você quer o meu perdão para seguir sua vida, saiba que já tem. Agora me solta, deixe-me fechar as cicatrizes refeitas. Seja lá o que tivemos, acabou. O nosso recomeço termina aqui.
De novo eu estou dizendo que acabou. Está acontecendo novamente. Assim como quando Helena beijou o Gustavo e depois chegou sorrindo no camarim. Falsa.
Coloquei a mão no peito na busca do colar de coração que ela me deu. Em um momento de fúria cega, arrebentei a correntinha.
- Eu te entreguei o meu coração anos atrás e tenho consciência de que ele siempre será seu. Está na hora de assumirmos que a nossa relação acabou. Vamos fazer uma última coisa juntas pela nossa história que é encarar a verdade, não tem conserto. Acabou.
Tentei entregá-lo na sua mão, mas ela não o pegou. Olhar para a Helena estava me fazendo mal. Aquele misto de proteção e rejeição. Meu coração apertou. Joguei mais um símbolo do nosso amor no chão.
Dei as costas à Helena e sai correndo. Cheguei no meu restaurante com a pretensão de sair, mas recuei por causa dos clientes e andei até o meu escritório.
Entrei e tranquei a porta. Não consegui chegar até a cadeira ou o sofá. Ajoelhei-me no chão frio. Chorei a tristeza do novo término. Eu pensei que voltaria a ser feliz. Por que ela fez isso comigo? Juramos nos amar e nos respeitar.
Olhei para o chão e vi os pingos das minhas lágrimas.
Alguém bateu na porta e tentou abrir.
- Isa. Isabel. Abre a porta, vamos conversar.
Meu choro ficou ainda mais forte.
- Me deixa em paz, Helena - falei alto.
- Isabel, se eu sair desse restaurante sem conversar com você... eu desisto.
Ela desiste? Helena mente, quer conversar como se fosse uma bobagem e ainda faz questão de decretar o fim.
- Pode ir porque eu já desisti de nós. De você.
Arrastei-me até o sofá e me apoiei nele.
Tivemos tudo. Tínhamos conexão, sex*, química, risada e compatibilidade de ideias. Não bastou. Onde nos perdemos? Queria apenas desatar o nó na garganta e ter coragem de perguntar a ela.
Eu tento fugir da pergunta pois temo sua resposta. Porém, não posso mais. Quem sabe escutando o meu coração para de amá-la.
Quando pensei em abrir a porta, ouvi os seus passos para longe. Ela já se foi. Talvez seja melhor assim.
Fiquei trancada por horas, parada na mesma posição. Horas e horas me definhando. Fique assim até as minhas costas reclamarem, só então percebi que estava tarde e que os funcionários já saíram. Sorte ver as chaves na mesa.
Sentindo-me em frangalhos, sai do Comer & Beber desnorteada. Decidi-me por não dirigir.
1:01 estacionou o motorista do aplicativo na frente do restaurante.
Entrei no carro, cumprimentei o motorista e coloquei minha cabeça no vidro enquanto via as luzes da cidade.
Meus pensamentos foram interrompidos quando ouvi um apito final no som do rádio, sinal de que o jogo do senhor chegou ao final. Pela sua cara desgostosa, seu time perdeu.
Observei quando seus dedos mudaram a estação. Uma de música, o locutor anunciou:
- Especial Marisa Monte. Depois.
Depois de sonhar tantos anos
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
" - Mirá, cariño. Estamos vendo praticamente New York inteira. É a cidade dos sonhos. Sabe qual o meu maior sonho?
- Ganhar várias estatuetas do Oscar? - sorriu colocando as suas mãos na minha cintura.
- Errou... meu maior sonho é ter um filho ou filha com você.
Os olhos de Helena brilharam.
- É o meu também, amor. Somos tão felizes juntas, mas tenho certeza de que seremos muito mais.
- Eu também acredito nisso, cariño. Precisamos começar a planejar.
- Primeiramente precisamos trabalhar menos. Eu estou pensando mesmo em deixar alguns projetos de lado.
- Te apoiarei em qualquer decisión, Helena. O que for para te fazer feliz, eu ficarei contente. Te quiero tanto.
- Eu também te amo tanto, Isa. Tanto, mas tanto que seria capaz de gritar para essa cidade ouvir.
Afastei-me dela, peguei a sua mão e me posicionei perto do parapeito do ‘Top of the rock'.
- Gritar, sí? Como? Assim? - Tomei fôlego. - EU TE AMO, HELENA CARVALHO. TE QUIERO, CARIÑO. I LOVE YOU, BABY. JE T'AIME, MON AMOUR. EU AMO ESSA MULHER COM TODAS AS MINHAS FORÇAS.
- Isabel!!! - Heleninha ria e sorria emocionada. - Está ficando louca, mulher?
Senti os olhares das pessoas ao redor. Não me importei. O mundo precisa ouvir o quanto ela me faz bem.
- Soy loca por ti, Helena.
- E eu por você. Quer que eu grite também?
- No, eu prefiro um beijo..."
Depois de tantos desenganos
Nós nos abandonamos como tantos casais
"O único barulho que se ouvia na mesa eram os dos talheres.
Nenhum elogio sobre a comida como eu costumava ouvir. Nenhuma pergunta de como foi o dia uma da outra. Nenhuma voz.
Giovanna entrou na cozinha com seus passos vacilantes de quem ainda não domina totalmente o andar, coçando os olhos e carregando um urso.
- Oh, meu amor. Acordou, foi? - Helena perguntou enquanto a colocava no colo.
- Ela está quentinha? - Perguntei.
- Por que ela estaria quentinha?
- Por causa da febre. Te contei por mensagem, Helena.
- Eu sei, mas foi no final da tarde. Pensei que ela estivesse melhor. Por que não me falou nada?
- Você não perguntou.
- E precisa? Não sei por que ainda me surpreendo. Você só sabe ficar calada pelos cantos da casa.
Giovanna começou a chorar.
- Me entregue a Gi, estas muy nerviosa - pedi.
- Não. Perdi a fome, vou subir com ela..."
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Rapidamente enxuguei uma lágrima que caiu.
Depois de varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
"- Cariño, está dormindo?
Escorreguei os meus dedos pela sua pele exposta nas costas. Brinquei com a alça da sua camisola.
- Helena? - insisti. - Você acabou de deitar-se, já está dormindo mesmo?
- Eu estou tentando, Isa. Mas com você falando vai ficar um pouco difícil.
- Desculpa, cariño. Boa noite.
Dei um beijo em seu ombro e fiquei quieta com os meus pensamentos.
- O que foi? Por que você está tão inquieta? - Perguntou virando-se para mim.
- Eu li uma crítica sobre o programa e fui bastante elogiada. Dizem que estou cada vez mais solta, passando mais confiança ao julgar os atores.
- Só isso? Você está toda feliz só por isso?
-Sí... - respondi sem jeito.
Ganhei um selinho da minha mulher.
- Boa noite, Isa.
Ajeitei um fio fora do lugar e fiz carinho em seu rosto.
- Amanhã não vamos gravar. Vamos almoçar fora? Eu, você e a Gi.
- Tenho um monte de coisas para resolver, não vai dar - bocejou.
- Ok. Então boa noite.
Apaguei a luz do abajur e deitei-me encaixando o seu corpo no meu.
- Helena...
Ouvi um resmungo.
- Eu te amo.
- Eu sei, Isabel. Eu também te amo, você sabe.
- Se um dia deixar de me amar, você me fala?
- Falo. Agora boa noite..."
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também
Nós dois
Já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos histórias
Pra ficar na memória
E nos acompanhar
"Um lindo sol nascia aos nossos olhos. Sentadas na areia, eu abraçava a Helena por trás e ela se apoiava em mim.
- Obrigada pela surpresa e sua insistência, meu amor. Estou tão feliz.
Depois de mais um dia de trabalho encerrado para a atriz na emissora, insisti para ela entrar no carro e a trouxe à praia. Passamos a madrugada inteira conversando, namorando, tendo um tempo só nosso. Pesquisei uma praia que fosse escondida para ficarmos à vontade e pudéssemos apreciar o nascer do sol.
- És incrível como la natureza renova a nossa energia, cariño.
- Eu estava precisando disso.
- Eu sei, por isso te trouxe. Vamos passar o final de semana aqui.
- Mas, e as suas apresentações? A peça é um sucesso, principalmente aos finais de semana.
- Estão em boas mãos, preparei uma colega parar fazer a minha personagem. Eles podem me esperar na segunda para os ensaios. Minha prioridade é e sempre será você.
- Bom saber disso - apertou ainda mais os meus braços em sua cintura. - Queria a minha câmera agora para poder registrar esse momento.
- Para quê? É só você olhar nos meus olhos agora e deixar marcado em sua memória o quanto sou feliz por te ter na minha vida. Quando estivermos bien ancianas, de mãos dadas em cadeiras de balanço, nós vamos lembrar desse dia, do nascer do sol, do nosso amor e que nenhuma câmera do mundo seria capaz de conseguir registrar o amor tão grande que sinto por você.
Helena tomou os meus lábios para si em um beijo amoroso, delicado, apaixonada, daquele que deve ser apreciado.
- Vamos recordar desse dia como mais um dos inúmeros felizes que já tivemos e que ainda teremos. Confesso que eu era pouco cética no ‘felizes para sempre', mas depois que te conheci e a cada dia que se passa, eu tenho a certeza de que nada pode nos separar.
- Se depender de mim, farei de tudo para ser para sempre.
- Vamos fazer de tudo. Temos amor para esta e outras vidas..."
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também
Depois de aceitarmos os fatos
Vou trocar seus retratos pelos de um outro alguém
Meu bem
Vamos ter liberdade
Para amar à vontade
Sem trair mais ninguém
- Quero que você seja feliz. Hei de ser feliz também. Depois - cantarolei baixo.
Pelo trajeto, em mais alguns minutos eu estarei em casa.
Respirei aliviada quando o carro virou na rua do meu apartamento e menos de um minuto eu saltei para fora do veículo. A música ficou na minha cabeça.
Passei pela portaria, entrei no elevador e entrei em casa o mais rápido que consegui. Assim que tranquei a porta, andei até o sofá e sentei-me chorando.
- Isabel? Que susto, pensei que estavam tentando invadir a casa.
Olhei a Nina com os braços cruzados andando na minha direção.
- Não era para você estar com a Helena? O que aconteceu?
- Gi está dormindo? Está tudo bem? - Mudei de assunto.
- Sim, ela dormiu logo depois que a senhora saiu.
A sala está apenas com a luz que vem de fora. A babá ainda não tinha visto o meu rosto. Quando chegou, notou o meu choro silencioso.
- Ei, você está chorando? O que foi?
- Ela... a Helena... mentiu para mim.
Assim como no dia do divórcio, Nina abraçou-me.
- Eu posso saber o que aconteceu?
- Helena chegou para jantar comigo no restaurante e disse que estava com o Rodrigo, mas ela não estava.
- Você descobriu ou alguém te contou? Pode ser um engano, Isabel - tentou defender a outra patroa.
- No foi engano. É impossível que ela esteja com o Rô porque eu estava. Besta que sou, ainda pensei ter ouvido errado, mas ela teve a cara de pau de olhar em meus olhos e confirmar que passou o final da tarde e o começo da noite com o amigo.
- Que confusão. Ela disse por que mentiu?
- Sim, ela estava com a Natália. No sei se você sabe o que aconteceu... - hesitei.
- Eu sei, a Helena me contou um dia desses.
- Claro que sí, Helena e seu jeito de sempre querer colocar tudo para fora - sorri de lado. - Por fim, ela confessou que estava com a Natália cuando percebeu que eu iria embora. Elas fizeram as pazes...
- E a Helena ficou com medo de que a senhora achasse ruim e preferiu esconder para não estragar o jantar, não é isso?
- Acha que isso é uma boa desculpa para mentir, Nina? - Questionei nervosa.
- Não é isso, Isabel. Mentir nunca é a melhor opção. Mas somos seres humanos, às vezes fazemos coisas impensáveis.
- Para uma garota de pouca idade, é muito filosófica.
- Eu gosto das duas e isso me permite ver os dois lados - abraçou-me ainda mais. - Mas a senhora não me parece se importar tanto com a mentira que estava com o amigo dela. O que te incomoda?
- Helena mentiu olhando nos meus olhos. Sabe o que é isso? Sabe o que é não conseguir acreditar mais na pessoa que você confiou o seu coração?
- Nunca estive na sua situação, mas imagino ser uma sensação horrível.
- É como uma traição. Helena acostumou-se a mentir para mim.
- Acostumou-se? Como assim?
- Ela não mentia para mim no começo. Isso foi depois de... anos. Talvez eu tenha deixado, excesso de confiança. Mentiu uma, duas vezes, eu caí e tudo se acumulou.
Deitei-me em seu colo.
- Só queria entender o porquê de ela ter feito isso comigo. Começamos a nos desentender sem motivo. De repente ouvi palavras cruéis saírem de sua boca, coisas que nunca pensei que seria capaz de pronunciar. Nos perdemos, fazer amor já não era a mesma coisa. Algo estava errado, mas eu negava. Neguei tanto ao ponto de me envolver em suas amarras. Só a deixei quando chegou ao meu limite.
Apertei a sua perna, chorei.
- Eu a amo tanto. Planejei a minha vida inteira com ela e não sei mais o que fazer.
Solucei.
- Isabel... conversa com ela.
- No! É capaz de me entregar a ela novamente. Eu me conheço, vai acontecer como há 15 dias, suas palavras e carinho vão entrar no meu coração quebrado. Chega, acabou.
Desabei. Ficamos em silêncio por um tempo.
- Acho melhor você ir para o quarto, Isabel. Gi pode acordar com a nossa conversa. Te ver nesse estado vai assustá-la.
- Você tem razão, Nina.
A pequena teve força para me ajudar a andar até o quarto.
- Obrigada, Nina. Eu vou ficar bem.
- Qualquer coisa me chama, estarei no quarto de hóspedes.
Acenei aguardando e a jovem saiu fechando a porta.
Tirei as minhas roupas, preciso de um bom banho. Minha cabeça dói.
Caminhei até o banheiro, entrei no box, liguei o chuveiro, deixei a água quente me aquecer.
Agora acabou. Eu tentei, mas chegamos ao nosso fim.
A palavra ‘fim' ficou na minha cabeça durante todo o banho. Desliguei o chuveiro, enxuguei-me e fui até o closet colocar um pijama confortável.
Quando voltei para o quarto, vi uma xícara na mesa de cabeceira e um bilhete.
"Tomei a liberdade de preparar um chá para que seu sono seja leve. Nina."
Sorri, sentei-me na minha cama e bebi um pouco do chá de camomila. Um pouco doce demais para o meu gosto, mas bom.
Olhei para o lado, Helena Carvalho amanheceu nesta cama ontem. A amei pela última aqui. Seu cheiro ainda está presente.
[...]
- Mamá, é sábado, quero ficar com você.
Giovanna cruzou os braços irritada.
- Eu sei, hija. Mas não posso te levar para passear hoje. Preciso ir à Companhia. Nina pode te levar no parque...
- Não. Me deixa ir com você, posso te ajudar nas peças.
- Teatro não é brincadeira, Gi.
- Mas você já me levou lá e sabe que me comporto... por favor, mamá.
Giovanna imitou o meu sotaque e eu sorri.
- Ok, señorita. Mas enquanto eu estiver no escritório, você fica com a Nina, tudo bien?
Giovanna fez um sim com a cabeça balançando sua franja.
- Agora toma o seu café da manhã que eu vou me arrumar.
Sorri para a Nina que comia um pedaço de pão para tentar mostrar que está tudo bem e saí da cozinha.
Na verdade, dormi pouco, vários pesadelos misturados com a realidade povoaram a minha cabeça.
Arrumei-me em minutos, voltei para a cozinha, subi com a minha filha para ajudá-la a escovar dos dentes, coloquei o laço que ela insistiu e atrasada saí com a minha pequena no colo junto com a Nina.
- ¿Dónde está tu auto, mamá?
- Lo dejé en el restaurante do Maurício.
Pegamos um táxi e a animada Giovanna fazia várias perguntas para a Nina, distraindo a minha cabeça. Meu silêncio durou até metade do caminho, ela dirigiu-se a mim:
- Mamá! Se acerca el cumpleaños da mamãe. Quiero comprar un hermoso regalo.
- Ok, mi amor. Pensemos em algo más tarde.
Beijei os seus cabelos castanhos. Nina logo mudou de assunto e agradeci.
Os assuntos leves sobre os filmes e colegas da Gi fizeram o resto caminho não muito longo ficar leve. Até cheguei mais animada para o trabalho. Nos despedimos do motorista na porta do teatro. Peguei a minha pequena no colo novamente e a levei sorrindo para o meu segundo lar.
Acabei permitindo que a Giovanna acompanhasse um dos ensaios e até deixei que ela desse alguns palpites para se sentir introduzida na minha profissão.
Ver a minha filha na Companhia sempre foi um prazer. Gi mostra grande habilidade para os palcos e também é bem comunicativa. Não tem vergonha da câmera como eu já tive. Helena sempre fica orgulhosa.
Helena... balancei a cabeça como se isso fizesse com que ela saísse de meus pensamentos.
Na hora em que outro ensaio começou e exigia um pouco mais da minha atenção, pedi para a Nina levar a Giovanna com ela para o restaurante. Já passou da hora do almoço.
[...]
Tranquei-me no escritório no meio da tarde. Com tantas coisas acumuladas, fiquei mais tempo do que esperava. Daqui a pouco já vai ser hora do jantar.
- Boa noite, Isabel.
Levantei os olhos ao escutar a voz que faz meu coração disparar.
- Helena? O que está fazendo aqui?
A paulistana andou até mais perto de mim e cruzou os braços. Proteção.
- Deixei o meu carro em um estacionamento aqui perto ontem, vim buscá-lo. Então a Gi acabou me ligando com o celular da Nina e por coincidência eu estava perto. Passei para deixar um beijo na nossa filha e... saber como você está.
Ajeitei-me melhor na cadeira sem encará-la.
- Eu estou bem... y usted?
- Bem como você - sorriu de lado. - É claro que não estamos bem. Ainda carregamos a carga de ontem. Continua com a mesma opinião? Acabou mesmo?
Minha boca secou. Permaneci sem querer olhá-la, não sabia o que responder. Pensei nas perguntas que queria saber. O nó que não desata.
- Acabou, Helena - disse.
- Olhando para mim, Isabel. Me encara e diz que acabou, diz que vai me mandar o divórcio de novo.
- Helena, por favor. Ya es difícil... - hesitei e olhei para ela. - Por que seu carro está em um estacionamento perto daqui? - Perguntei qualquer coisa para mudar de assunto.
A apresentadora me encarou profundamente.
- Depois da nossa briga, decidi ir à noite das meninas. Precisava distrair a minha cabeça.
- E... foi divertido?
Arrependi-me da pergunta. Minhas bochechas coraram, mas foi de nervoso. Ciúmes.
- Você me chamou de mentirosa ontem, não foi? Pois vou te dizer a verdade. Saí com as meninas de sempre e foi divertido. Conheci uma mulher e fui para um hotel com ela.
- Helena, no...
- Eu tentei, Isabel. Tentei ter algo com ela. Mas você não saía da minha cabeça. Eu procurava o seu beijo nela, seu toque e até o seu cheiro. Não consegui fazer nada, pois não parava de pensar na nossa última noite. Eu queria que você estivesse ali, não aquela mulher que queria uma noite de prazer. Sabe o que é pior? Eu estou me sentindo culpada até agora porque parece que te traí.
Eu estava em choque. Não conseguia dizer nada, ela então continuou:
- Eu fiquei até agora pensando se ainda te amo. Eu amo. Amo aquela mulher que você foi. Não te reconheço mais. Eu amei a Isabel decidida, a mulher que me fazia surpresas, que cozinhava para mim ou comigo, que me dizia me amar, que queria construir uma família e passar o resto da vida comigo. Amo ou amei as suas qualidades e defeitos. Mas não amo essa mulher que você se tornou. Amarga, confusa e covarde. Se um dia aquela Isabel voltar e se eu ainda estiver esperando-a, avisa-me.
Helena me deu as costas e saiu do meu escritório. O meu coração bate acelerado. Raiva, tristeza e perda.
Um e-mail apareceu no canto da tela. Para tentar distrair a minha cabeça, o abri. Não verifiquei quem enviou, mas acompanhava uma mensagem e um vídeo em anexo.
"Helena pediu que eu enviasse a verdade. Já que você tanto quer, aproveite-a e pegue um lenço."
Abri o vídeo e o Gustavo apareceu na minha tela.
Fim do capítulo
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Baiana
Em: 18/12/2020
A Helena falou da Isabel do passado,mas ela também se esqueceu que ela não é mais a mesma também,que é justamente essa Helena do início,que a Isabel ama,que a Isabel sente falta. As duas se perderam no meio do caminho, só espero que elas ainda tenham vontade de se reencontrarem,pois amor não falta,mas isso não é uma base sólida para um relacionamento vingar.
Resposta do autor:
Comentário certeiro. Amei a visão.
Abs!
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