CAPÍTULO 05 -  Uma Segunda-feira dessas

       Enfim a segunda chegou trazendo consigo muito trabalho e a presença de Renée a minha vida, nos encontramos no intervalo das aulas da manhã, havíamos marcado um café em frente ao bloco do Direito e não demorou muito e ela chegou, estava bem mais jovial do que no dia do show, os cachinhos balançando ao vento emolduravam o rosto bonito e bem desenhado, estava sem maquiagem, apenas um batom clarinho adornava os lábios e um discreto lápis de olho enfeitavam os olhos que mais pareciam duas jabuticabas. Estava com uma calça justa branca, com apliques de pequenos botões prateados nas laterais e uma batinha da mesma cor, bordada com apliques de pedrarias.

- Oi, demorei?.

- Não Renée, acabei de chegar, como está linda!.

      Essa segunda frase não era para ter saído, pensei que a deixaria presa em minha garganta, mas, depois que as palavras são soltas no ar, não podemos mais recolhê-las, não é mesmo?. Ela abriu ainda mais o sorriso e agradeceu discretamente, me chamando para sentarmos em uma mesinha de madeira na parte externa do café.

      Renée se aproximou, cruzou os dedos das duas mãos para segurar o queixo e seus olhos profundos me analisavam com todo respeito e carinho, senti que fazia uma radiografia da minha alma, como se buscasse uma flor no terreno árido em que me encontrava. Após um longo suspiro, coçou embaixo da nuca, com certeza buscando as palavras certas, mas, impaciente, resolveu quebrar o gelo.

- Então, o que tem a me dizer?. - Falou com o seu sorriso mais doce.

- Eu?.

- Sim, você, Sophia....não se preocupe, não vou perder o interesse se desabafar comigo...talvez prefira dar mais uma volta em conversas banais, mas, eu sugiro que vá direito ao ponto meu bem, conte a razão dessa infelicidade toda que vejo nos seus olhos e que exala por você inteirinha. Minha linda é melhor sentir a dor de uma vez só do que em pequenas doses letais.

- Eu não sei o que te dizer...são tantas histórias, nunca deixei ninguém se aproximar tanto da minha alma, vai com calma, tá?.

- Bom, se quiser também podemos fingir que nem comecei a falar desse assunto e podemos conversar sobre coisas banais como o tempo, nosso time de futebol...enfim, coisas sem profundidades, mas, ai sim, creio que perderia totalmente o interesse e provavelmente finalizaríamos nossa história nesse simples café.

- É uma ameaça?.

- Não, querida, desculpa se pareci rude, é apenas uma constatação, eu me conheço, e acho que gostaria de me conhecer também, ou não teríamos marcado esse café, não é verdade?.

- Claro que sim, quero muito te conhecer, você é uma criatura instigante, sabia?.

- Eu sei...você também é uma mulher muito interessante, não à toa escolhi sua mesa naquele bendito bar, sei que existe ai um ser humano ímpar e louco para ser livre e feliz.

- Eu não posso te prometer muito!.

- E quem disse que eu não sei disso?...você a ama?.

- Ahn?.

- Sua namorada, você a ama?.

- Bem...

- Tudo certo, nem precisa responder, já tenho a resposta que gostaria. Sei que fui dura a princípio, mas, era apenas para sair dessa zona de conforto, espero não ter te assustado, e ó, para provar que posso ser uma companhia muito bacana, tenho um convite para te fazer, você vai em casa para o almoço?.

- Não, geralmente vou em um restaurante pertinho daqui, não dá tempo de ir em casa, moro um pouco longe.

- Hoje irá almoçar comigo, gosta de comida baiana?.

- Não sei, nunca comi...

- Nunca?, deu sorte, hoje vai provar uma legítima comida baiana.

- Você é de Salvador?.

- Hahahahah mas, olha, nunca disse que eu seria o prato principal, disse?.

      Senti o rosto corar como nunca antes, não sabia para onde meus olhos deveriam olhar, senti algo queimando meu rosto, não estava acostumada a esse tipo de brincadeira.

- Eu...eu...nunca pensei isso, desculpe...será que dei impressão...

- Não precisa corar, ei...foi uma brincadeira apenas....e sim, sou de Salvador.

      Tentei relaxar e contei do meu relacionamento falido com a Cris, ela me olhava atentamente, apenas balançando a cabeça em concordância e quando terminei ela levantou e me puxou para dentro de um abraço.

- Fica aqui pequena, deixa eu te proteger, você vai sair dessa acredite, e nunca duvide que não nasceu para ser feliz.

      O abraço dela era tão quentinho e gostoso, que quando percebi estava deitada com a cabeça no seu ombro enquanto ela acariciava meus cabelos, estava tão hipnotizada sentindo seu corpo que até esqueci que estávamos em frente ao bloco de onde lecionava e que o toque nos convidava a voltar a dar aula.

- Sophia, precisamos ir...te busco para o almoço, tudo bem?.

- Claro, combinado!.

      Sai andando em direção ao bloco e só na entrada percebi que o celular gritava insistente.

- Porr* Sophia, você não atende esse celular de jeito algum, onde você estava?.

- Fui tomar um café em frente ao bloco e o celular estava no silencioso, me desculpe...não vi a ligação.

- Você sabe que odeio quando faz isso.

- Enfim, fala logo o que você quer.

- Olha isso, a franguinha está estufando o peito...quem diria.

- Não vou admitir que me diminua Cris, se não quiser me tratar com respeito e com o carinho que mereço, faça o favor de seguir a sua vida.

- Está me dispensando?, é isso Sophia?.

- Estou sim, não aguento mais ser tratada dessa forma, você não me valoriza, nem sei o que me prende a você!.

- Nossa, tomou um chá de coragem foi?. Nunca foi de me enfrentar.

- Já basta, eu jamais iria terminar tudo dessa forma, mas, já que não tem a menor consideração por mim, será pelo celular mesmo. Acabou Cris, A C A B O U, esquece que existo.

- Mas o que é isso?, eu quem falo que acabou...e por mim essa história ainda não acabou, Sophia.

- Só se for pra você, porque pra mim já era, fim...finito...

- Tudo bem, você quem sabe, não vou ficar insistindo, mas, aviso logo, não adianta me procurar mais, a minha decisão está tomada, eu não quero mais você na minha vida, te acho uma fraca, tchau, não me procure mais...acabou!.

      Eu ri demais quando desliguei, tanto de alívio, quanto por perceber que para Cris o que mais importava era que a última palavra fosse a dela, e porque discutiria algo tão desimportante quanto a autoria do término?, apenas, sorri, peguei o celular, procurei o contato de Renée no WhatsApp e escrevi.

Você: Re...acabou, estou livre, terminei com Cris por telefone mesmo. Muito obrigada pela força.

Renée: Não agradeça a mim, agradeça a você, foi você quem conseguiu, querida. Quer dizer que estou falando com a mais nova solteira de Curitiba?.

Você: Sim!. 😊

Renée: Até o almoço, preciso entrar na sala agora, um beijo bem no meio desse sorriso tão lindo seu.

Você: Outro, minha linda.

Renée: Até mais tarde, vamos encerrar ou vamos ficar desse dengo até perdermos a hora, eita, que minha mãe Iansã as vezes tarda, mas, não falha!.

Você: Quem?.

Renée: Linda desligue ai, estou sem coragem de fazê-lo.

Você: Eu também rsrsrs até mais tarde.

      Entrei na sala flutuando, parecia que o mundo estava finalmente sorrindo para mim, dei o bom dia mais animado dos últimos tempos, e vi quando meu monitor olhou admirado com meu bom humor.

- Professora, hoje seria o teste, a senhora pode adiar para a semana que vem?.

      Tinha até esquecido disso, já que havia deixado as provas trancadas no armário lá na sala dos professores, sorri e respondi "Claro, assim, vocês vão ter bastante tempo para estudar, para não ficamos à toa, vamos de revisão?. Quem trouxe o Vade Mecum abra ai...

      O tempo arrastou lentamente, liberei a última turma da manhã um pouco mais cedo e fiquei esperando em frente ao bloco, deixei o celular desligado e os minutos foram passando, até que minha ansiedade percebeu que Renée estava atrasada, então não teve jeito, tirei o celular da bolsa e apertei o botãozinho de ligue, virei os olhos quando vi que no WhatsApp haviam 34 mensagens da Cris dizendo vários ofensas inconsistentes, que não me dei ao trabalho de responder, e sorri abertamente quando vi uma única mensagem de Renée.

Renée: Meu bem, tem um aluno terminando a prova, não desiste de mim, chego o mais rápido que puder. bjssss

      Já ia responder quando a vi chegar com os cachinhos voando com o vento.

- Fiquei preocupada, você não respondia.

- Deixei o celular desligado, me desculpe.

      Renée sorriu e me deu a mão, fazia tempo que não andava de mãos dadas com alguém, um gesto tão simples, mas, para mim tão cheio de significado.

- O que foi?, fui invasiva ao segurar sua mão?.

- De jeito algum, estou emocionada.

      Ela me abraçou e sorriu, encostando aquela boca deliciosa em meu ouvido, roçando os cachinhos no meu rosto.

- Não me olha assim ou vou te beijar aqui mesmo, hein?.

      Respirei fundo e ri, um riso solto, alegre, como há muito tempo não   dava.

- Vamos no meu carro Re, já estamos pertinho dele.

- Claro...

      Renée foi me indicando o caminho e rapidamente chegamos ao seu apartamento, na sala um quadro gigante com uma pintura de Renée enfeitava a parede principal onde ficava uma sofá de seis lugares, em frente estava um rack com fotos dela com várias cantoras baianas, fora as fotos em shows diferente, todas dividindo espaço com a foto de uma menina linda de mais ou menos cinco anos.  Ela me puxou pela mão e explicou cada uma das fotos deixando a da criança para o final.

- Essa é Hanna, minha sobrinha, faz seis meses que ela simplesmente desapareceu, evaporou, o caso está sendo investigado pelo DCPC, mas, ainda sem pistas.

-  Ah, o Serviço de Paradeiros de Crianças, dizem que são super competentes, vamos ter fé que ela será encontrada.

- É o que esperamos.

      Apesar da nuvem de tristeza em seus olhos, ela tentou explanar o que sentia e me puxou pela mão mostrando o restante do bem decorado apartamento, em seguida pediu licença e voltou com um blusão solto que ia até os joelhos com um desenho de uma deusa negra que não soube identificar quem era. Percebendo meu olhar indagador, Renée explicou a pintura na camiseta.

- Esse desenho é de minha Mãe Iansã, uma orixá maravilhosa, ela é a força dos ventos, o poder da natureza, e aquela que surge quando o céu se precipita em água e ventania. É a garra, a independência e a força feminina.

- Linda...

      Renée sorriu, sentou ao meu lado, brincou um pouco com minha franja, depois pegou uma mechinha no meus cabelos pretos e ficou enrolando nos dedos e vi que em um deles tinha tatuado um raio.

- Sophia, você é linda, acho encantadora essa beleza contrastante, os cabelos negros combinando com sua pele alva e esses lindos olhos azuis enfeitados com imensos cílios negros, você é perfeita, só me assusta que não se reconheça assim.

      Sua fala me encorajou a seguir em frente, uma mão deslizou por sua coxa enquanto a puxei pela nuca para beija-la, primeiro com carinho, diria até com delicadeza, depois com a imensa atração que estávamos sentindo.

- Meu bem, precisamos comer, você tem a primeira aula do turno da tarde, não é?, vou esquentar a moqueca e vou contigo, fico no laboratório esperando o meu tempo.

- Você não vai assim, não é?.

- Hahahahah está com medo que fiquem de olho na sua baiana?.

- Sim, estou.

- Como é gostoso isso que está acontecendo com a gente, não é?, estava com saudade de sentir o coração pulsar por alguém, eu sei, foi repentino, eu não esperava, você não esperava...vamos com calma, você terminou o namoro hoje.

- Eu sei o que quero Renée, e eu quero você

- Meu bem, sábado você estava chorando por outra, hoje é segunda, será que não é apenas um encantamento, uma forte atração?.

- Não, eu não sei explicar, quando conversamos...foi como se tivesse zerado tudo, eu estava mesmo interessada em uma pessoa que conheci, mas, veio você e...mudou tudo aqui dentro.

- Também sinto isso, mesmo assim, se quiser seguir com a outra, só me avise...eu jamais agiria como uma louca obsessiva, por enquanto, arrume sua vida, e me procure dizendo que é o que quer.

      Não respondi, não precisava explicar o que estava sentindo e a puxei novamente para um beijo, minha mão se tornou mais ousada, escorregando da coxa para o bumbum redondinho e farto.

- Sophia, vai com calma...eu quero, quero muito, mas, te disse desde o princípio...o que vai comer aqui vai ser só a minha moqueca de camarão. Hahahahah...

      Ai a frase acabou com qualquer clima possível, ri alto e fomos almoçar, achei tudo delicioso, comi e repeti até, coisa que raramente faço, depois ela veio com a sobremesa, uma torta búlgara, doce tipicamente baiano feito com chocolate amargo e servido com creme de leite, uma delícia.

- Re, tem uma chocolate no cantinho da sua boca, estou com vontade de tirar.

      Não esperei ela responder, cheguei perto daquele rosto tão bonito e lambi o cantinho dos seus lábios, ela gem*u baixinho falando em seguida.

- Menina, está brincando com fogo!!!.

- Doidinha para me queimar.

Ela riu, me abraçou e me beijou.

- Preciso tomar um banho, me espere ai quietinha, viu?, volto já.

      Ela foi e fiquei igual uma louca no sofá, vou lá?, não vou?, ela quer?, ela não quer?, mil coisas passaram na minha cabeça, como demorei, o tempo voou e fiquei sem fôlego quando ela voltou, estava linda toda molhada e com um roupão branco, fui até lá e perguntei segurando o torçal que escondia sua nudez.

- Posso?, só quero te olhar...

      Renée balançou a cabeça, desamarrei o roupão e não fiz nada, apenas olhei o seu corpo perfeito, suspirei ao ver o resto de água escorrendo no seu corpo e vi uma discreta tatuagem na costela "deixa a gira girar". Fiquei um tempão contemplando sua nudez, em seguida ela sorriu e delicadamente fechou o roupão.

- Vamos esperar um pouco, certo?, eu não vou fugir de você.

     Encachei meu corpo ao dela e passei a mão no seu rosto, por fim, esperei que trocasse de roupa e ela me puxou pela mão, sentamos juntas no sofá e finalmente contei detalhadamente toda a minha vida, minha infância, a tentativa de suicídio, meu relacionamento com Carol, o casamento com Cris, a história da vizinha, falei tudo, ela me olhou atentamente, me abraçou forte falando.

- Vou te ajudar no que puder, mas, incialmente vou marcar uma psiquiatra que conheço, você vai fechar essas cicatrizes meu bem.

      Me aconcheguei nos seus braços e pela primeira vez depois de muito tempo percebi que poderia ser feliz.

Fim do capítulo