Isabel

 

    Entrei no corredor dos camarins e antes de chegar ao meu vi o do Maurício com a porta aberta. O jurado estava encostado em uma parede digitando algo no seu celular.

 

    - Foi daqui que pediram para entregar um pouco de beleza para um certo ator desprovido de tal?

 

    Ganhei a atenção do meu amigo que me olhou segurando o riso.

 

    - Suas piadas são horríveis, espanhola.

 

    Entrei no local e deixei minha bolsa em uma cadeira.

 

    - Tudo bem, Mau? - Perguntei o cumprimentando com um beijo no rosto.

 

    - Tudo certo e você?

 

    - Tudo bién. A temporada está acabando, tem algum palpite de quem ganha?

 

    - Achei que fosse a portuguesa, mas na última prova... bem, um desastre. Atuação ruim, sem sentido, faltou paixão. Sorte que a outra concorrente errou mais.

 

    - É, Philipa está caindo mesmo - divaguei.

 

    - Bom dia, Maurício. Bom dia, Isabel.

 

    Parada na porta, Helena olhava para nós dois.

 

    - Bom dia, Helena - o ator respondeu.

 

    Eu apenas sorri para ela. A paulistana está linda, o vestido preto simples valoriza seu corpo delicado. Admirei. Maurício olhou de mim para ela e balançou a cabeça.

 

    - Isa, eu vou me maquiar agora e depois te encontro no seu camarim, tudo bem?

 

    - Todo bien, eu já estou indo.

 

    - Tá gato, Mau - disse Helena já saindo pela porta.

 

    - Valeu, Helena. Você também está gata - falou alto para ela ouvir no corredor. - Viu? Alguém não me acha desprovido de beleza - brincou.

 

    O ator largou o celular em uma mesa, fechou a porta e sentou-se no sofá.

 

    - Senta aí, Isa.

 

    - No, eu tenho que me arrumar ainda.

 

    - Dá tempo, poh. Senta porque o seu velho amigo precisa te perguntar uma coisa.

 

    Sentei-me na outra ponta do sofá e esperei que ele perguntasse.

 

    - Como ficou aquele negócio da mensagem da Elisa? Você não comentou nada até hoje.

 

    - Bem, não mudou muita coisa. Lisa no respondeu a minha mensagem.

 

    - Aquela que você disse para esquecê-la, não é? - Confirmei com a cabeça. - Acha que ela pode contar para a Helena?

 

    - No! Elisa não faria isso. É triste fazê-la passar por isso, mas eu no posso fazer nada. Aconteceu, o passado não se muda.

 

    - Ok, agora vamos mudar de assunto porque não é isso que quero saber mesmo. O que está rolando entre você e a Helena?

 

    Remexi-me no sofá e quase me engasguei com a saliva.

 

    - Nada... nada... no está rolando nada.

 

    Não precisei nem esperar a sua fala para saber que eu não fui nada convincente.

 

    - Nem sabe mentir, espanhola. Vocês estão se pegando ou voltaram mesmo?

 

    - Maurício! Você está viajando, cara - tentei rir, mas falhei.

 

    - Por que você não quer me contar, hein? Sempre fui seu amigo, porr*. Até o Eduardo parece já saber. Você até tenta disfarçar, mas a Helena não. A baixinha falta te beijar na frente de todo mundo.

 

    Pensei e repensei se deveria dar uma de louca ou deixar no ar.

 

    - Não estamos juntas, mas nós duas temos conversado.

 

    - Sabia! Aposto que vocês estão de conversinha desde o aniversário da Gi, certo? A tensão que vocês estavam aquele dia dava para pegar no ar.

 

    - No está com raiva de mim?

 

    - Deveria? Eu não, Isabel. Só quero saber se você está bem.

 

    - Sei lá, na última vez que nos falamos, você disse que acredita em mim e depois ficou ignorando a Helena. Acho que eu meio que fiz você escolher um lado. Agora eu te digo que eu e ela estamos conversando.

 

    - Não por isso, Isa. Depois daquela nossa conversa, eu não consegui ver a Helena da mesma forma. Eu te vi sofrer por meses, só não queria ver isso mais. Eu estava pensando em fazer você falar com ela, mas saber que você a amava e que isso a fazia mal, não pensei duas vezes em te apoiar. Não me arrependo, porém quero entender se alguma coisa mudou.

 

    - No mudou nada. Quero dizer, algo dentro de mim mudou. Eu realmente estou pensando em perdoar todas as traições e voltar para ela.

 

    - Caralh*... - chocou-se. - Eu nunca pensei que te escutaria falando isso.

 

    - Nem eu, Maurício... nem eu. Pero, eu tenho descoberto que soy mais apaixonada por ela do que imaginei. Ruim con ella, pior sem ella.

 

    - Mas você acha que vai conseguir mesmo? Vai ser fodido conviver com a desconfiança. Pode ser pior do que naquela época que você chegava arrasada lá no Comer&Beber.

 

    - É isso que ainda está me impedindo de voltar. Eu não me sinto segura para ter uma relação com ela. Mas também, ao mesmo tempo, gosto da companhia dela, do seu jeito, do seu beso, da nossa sintonia. Eu gosto da Helena de um jeito único. Mesmo com toda a desconfiança, quero tentar passar por cima de todo e fazer diferente. Quem sabe eu não descubra que realmente tive culpa e consiga melhorar como esposa.

 

    - Ah não, Isabel. Daqui a pouco você vai dizer que mereceu ser corna.

 

    - No, no é isso. Está vendo o que a Helena faz comigo? Eu sei que não tenho culpa, mas preciso de um motivo forte para querer voltar com ela. A razão aqui dentro grita para eu não voltar, mas o meu coração se derrete todo quando ela diz que me ama. É difícil, Maurício.

 

    - Porr*, espanhola. Vocês não conversam? Não tem uma chance de você estar enganada nessa parada de traição? O que ela alega?

 

    - De novo, Mau? Já disse que no tem a menor chance e eu no gosto de relembrar esse assunto. Estou há 15 dias evitando pensar nisso e você fica trazendo de volta - disse nervosa. - Nós duas no conversamos sobre isso. Na verdade, sobre nada. Toda vez que tentamos conversar, começa a dar sinais de brigas e então evitamos. Tengo tentado descobrir sobre o nosso casamento, no que eu falhei, mas é difícil, Helena não fala.

 

    - Mesmo com essa confusão, você pensa em voltar? Não vai durar um mês.

 

    Tive que concordar com o meu amigo. As questões dele são as mesmas que rondam a minha cabeça dia e noite.

 

    - É por isso que eu tenho que pensar, pensar e pensar. Se fosse pela Helena, já me mudaria para a sua casa amanhã mesmo. Mas eu não posso me machucar outra vez - respirei fundo. -  As pessoas mudam, ela pode estar tentando.

 

    - Ela sabe que precisa tentar mudar?

 

    - Helena mesma me diz que está disposta a consertar o nosso casamento. Ela sabe o que fez, só não admite porque quer ter a certeza de que eu sei.

 

    - Então ficam as duas pisando em ovos. Você está esperando que a Helena admita para depois perguntar o motivo, enquanto ela espera a sua fala para pedir perdão. Acha mesmo que vai funcionar? Quando esse dia chegar, vai ser o fim definitivo das duas.

 

    - Por isso yo estou disposta a começar do zero. Esquecer do passado e seguir em frente. Quanto menos esse assunto vier à tona, melhor. Quero me entregar a ela, fingir que não sei de nada e voltar a ter confiança. Só que para isso eu preciso de um tempo.

 

    - Isabel... você está entrando em uma encrenca difícil de sair. Pensa bem.

 

    - É o que mais tenho feito, Mau. Penso toda hora em alguma solução, pero até agora no vejo nenhuma. Então, eu preciso deixar ir acontecendo o que for entre nós duas.

 

    - Certo, espanhola teimosa. Você sabe que vou te apoiar sempre, não é? Tenho certeza de que o nosso grupinho ainda vai se reunir para fazer um belo almoço e vamos dar risada de tudo isso.

 

    Acompanhei o seu sorriso e devolvi com outro. Tomara que o Maurício esteja certo. Não preciso nem rir no fim, apenas quero não ter que sofrer de novo.

 

    - Bem, agora tengo que ir. Preciso trocar de roupa e passar na maquiagem.

 

    - Vai lá, fica bem bonita para deixar a Helena babando do palquinho.

 

    Dei risada e beijei o seu rosto em despedida.

 

    - Obrigada por me entender, meu amigo.

 

    Recebi apenas um aceno de volta antes de sair do local.

 

    O meu plano de me encontrar com a Helena foi por água abaixo quando as profissionais da beleza me sequestraram no meio do corredor para me arrumar.

 

    No meu camarim, a maquiadora e a cabelereira faziam o seu trabalho enquanto conversavam. Na minha cabeça só reproduzia o quase aviso do Maurício:

 

    "Você está esperando que a Helena admita para depois perguntar o motivo, enquanto ela espera a sua fala para pedir perdão. Acha mesmo que vai funcionar? Quando esse dia chegar, vai ser o fim definitivo das duas."

 

    O que eu estou fazendo com a minha vida? Eu preciso encontrar uma solução.

 

    Quando as meninas terminaram a produção, troquei de roupa e vi que o horário está no laço para me apresentar ao estúdio de gravação.

 

    Apressada, saí do meu camarim andando rápido, entrando o Eduardo no caminho.

 

    - Isa, meu bem, como vai? - Perguntou gentil.

 

    - Bem, eu estou bem e você? O Rô, como vai?

 

    - Nós estamos muito bem. Ele viria hoje, mas acabou se comprometendo com outra coisa. O coração daquele homem é enorme.

 

    Concordei com ele e juntos entramos no estúdio ainda com pouca luz e sem movimentação. Logo nos aproximamos do Maurício e da Helena que estavam sentados nas cadeiras postas para nós jurados.

 

    - O que aconteceu? - Edu perguntou.

 

    - Vão atrasar em 15 minutos, parece que dois queimaram dois refletores e eles estão trocando.

 

    Helena esticou os seus braços me chamando para perto dela. Mesmo com minha cabeça cheia de dúvidas, aproximei-me dela e sorri. É difícil resistir aos seus lindos olhos.

 

    - Faz uma massagem em mim? - Pediu fazendo cara de cachorro abandonado.

 

    Se não podemos ficar de namoro, melhor que o contato seja por toques inocentes, pensei.

 

    Posicionei-me atrás da mais velha e comecei a massagear dos seus ombros, nuca e pescoço. Troca de carinho era uma cena comum entre nós duas no comecinho do programa. Sempre foi uma forma de me fazer ficar mais à vontade em um ambiente pouco conhecido por mim.

 

    Os competidores entraram no estúdio subiram no palco, o ambiente silencioso passou a conter várias conversas paralelas.

 

    Mesmo concentrada na massagem, senti os olhos de alguém sobre mim. Levantei a cabeça para dar de cara com os olhos tristes de Philipa. Olhei sem jeito para ela e não reparei que minhas mãos não se moviam mais.

 

  - Isabel, se você parar essa massagem porque a portuguesa olhou para cá, juro que não respondo por mim.

 

    Um arrepio percorreu a minha espinha. Eu já vivi isso antes, já estive com essa angústia no coração. Voltei a apertar os seus ombros com mais intensidade.

 

    - Eu no gosto quando você fala assim - reclamei.

 

    - Assim como, amor?

 

    - Como uma ameaça, no gosto. Nunca gostei e sempre deixei bem claro.

 

    Helena colocou uma mão por cima da minha e jogou o seu corpo no meu.

 

    - Foi só o modo de falar, Isa. Desculpa, exagerei. Mas é que a garota olhou para cá de um jeito estranho, não gostei.

 

    - Philipa não olhou de um jeito estranho, ela ficou triste. Sinto-me culpada por vê-la atuando tão mal.

 

    - Que culpa você pode ter? Ela já é adulta, sabe que entrou para uma competição de atuação e não em um programa de namoro.

 

    - Você não entende...

 

    Helena virou-se de frente para mim e me encarou de maneira severa.

 

    - Não entendo mesmo. Explica-me, por favor.

 

    Olhei em seus olhos castanhos e tentei:

 

    - Dei corda demais para ela. Por eso errei e sinto-me culpada. Você pode achar que é coincidência as últimas provas ela ter se saído pior, mas eu sei que é por minha causa. Não quero que ela perca porque eu não correspondi o seu querer. Entendeu?

 

    - Era exatamente assim que eu me sentia em relação ao Gustavo. Cuidado.

 

    - Só existe uma grande diferença.

 

    - Você está solteira e eu estava casada.

 

    - No. A grande diferença é que eu sei com quem estou lidando.

 

    Deixei a Helena sozinha e caminhei para fora do estúdio.

 

    Eu nem precisei pensar muito para saber onde a portuguesa está. A encontrei pensativa e observando o jardim próximo ao refeitório da emissora.

 

    - Hola, querida - aproximei-me dela.

 

    - Olá, Isabel - deu um sorriso leve.

 

    - Mais uma prova de eliminação. Achei que usted detestava essas provas e evitava ao máximo.

 

    - É... eu não sei o que está a acontecer.

 

    A toquei no braço, tentando tranquilizá-la.

 

    - Philipa, você precisa voltar a atuar bem. És uma grande atriz, sabe disso. A atuação reflete todos os nossos sentimentos, quando sai ruim é efeito da sua falta de concentração.

 

    - Eu sei que a senhora se sente culpada, mas não deverias. Eu me apaixonei. Somente eu. Achei que tivesse chance e descobri que não tenho. Não vou lutar pelo seu coração, ele já tem dona. Só lamento ter chegado tão perto e em questão de dias tudo mudar.

 

    - Eu não deveria nem estar aqui, nunca fiz questão de saber dos problemas dos outros competidores. Mas nos envolvemos, criamos uma amizade, não posso ignorar. Só voy sentir-me menos culpada se você voltar a atuar bem. Talento você já provou que tem e acredite: ganhar o programa pode te abrir muitas portas.

 

    - Eu só queria abrir uma porta: a do seu coração, Isabel - abaixou a cabeça.

 

    - Philipa... - hesitei e tentei achar palavras que não a machucassem.

 

    - Está tudo bem, Isabem. Você não é a primeira pessoa pela qual eu me apaixonei na vida e nem será a última. Eu vou fazer sucesso na prova de hoje, voltar a ser uma grande atriz e ganhar esse programa. Só de a senhora ter vindo aqui, significa que acredita no meu potencial e isso já é um ânimo a mais.

 

    - Daqui uns anos você nem se lembrará mais disso e vamos dar risada na premiação do Oscar. Por favor, vá bem hoje.

 

    - Eu poderia dizer que vou atuar por você, mas tem que ser por mim.

 

    - Isso mesmo. Sempre por você.

 

    A portuguesa me abraçou e eu correspondi com um forte e longo aperto.

 

    - Obrigada, minha atriz favorita.

 

    - De nada, querida.

 

    Nos separamos e  vi a Helena aproximando-se de nós.

 

    - Bem, tenho que voltar e ainda me concentrar para a prova.

 

    - Boa sorte, Philipa.

 

    A portuguesa passou pela apresentadora e a cumprimentou com um aceno.

 

    Helena não está com as suas melhores feições. O ciúme grita.

 

    - Conversaram? Já está se sentindo menos culpada? - Perguntou com ironia.

 

    - Sí, Helena. Nós conversamos e estou feliz porque consegui com que ela ficasse mais tranquila para fazer uma boa prova. É isso que precisa saber?

 

    - Queria que você fizesse tanta questão de me tranquilizar também.

 

    Olhei em seus olhos e sem saber o que dizer, passei um dos meus braços em sua cintura, puxando-a para colar em mim.

 

    Helena beijou-me e passou a língua em meus lábios. Senti o meu corpo inteiro se arrepiar. Se a dúvida de que a amo aparece, é só me lembrar do nosso encaixe perfeito para saber que fomos feitas uma para a outra.

 

    Entre a exploração lenta do beijo, paramos aos poucos. Senti o meu lábio inferior entre os seus dentes e uma puxada de leve. Sedutora.

 

    Abri os olhos ainda entorpecida pelo clima amoroso.

 

    - Você me ama? - Perguntou.

 

    Mapeei o seu rosto inteiro com o olhar e os meus dedos. A mulher mais linda do mundo.

 

    - Você sabe a resposta, Helena.

 

    - Eu sei, mas eu quero escutar. Me diz, você me ama, Isabel?

 

    Beijei os seus lábios com carinho, afaguei a sua cintura.

 

    - Sí, eu te amo.

 

    Saindo dos meus braços, Helena olhou para o relógio no seu pulso e disse:

 

    - Espero que da próxima vez eu não precise perguntar, quero te escutar falando sem pedir. Já vai começar, vamos?

 

    A apresentadora estendeu a sua mão para mim. Vendo-me hesitar, cruzou os braços e saiu andando. Caminhei ao lado dela sem dizer nada. Sempre esse clima de amor e ódio.

 

    Assim que chegamos, a gravação começou. Eu ficava de longe observando a Philipa dedicando-se ao máximo, concentrada no roteiro. Desviei o meu olhar diversas vezes  para não chatear Helena.

 

    A portuguesa começou a sua apresentação com a mesma garra que via nas primeiras gravações. Perdi o fôlego tamanha obra bem representada. Do começo ao fim, eu e meus dois colegas ficamos arrepiados. Não fiz questão de fazer algum comentário. As minhas lágrimas falaram por mim.

 

    O prova ocorreu sem nenhum grande acontecimento. Ninguém conseguiu superar a Philipa, mas todos entregaram um bom trabalho, será difícil as nossas avaliações.

 

    Nossa discussão foi para quem seria o eliminado de hoje,  pois a vitória da Philipa foi uma decisão unanimidade.

 

    O anúncio da vencedora foi feito por mim, não contive a minha empolgação e rasguei todos elogios como faria com qualquer um.

 

    Depois, Eduardo anunciou o eliminado e o clima de tristeza tomou conta do local. Foi um participante muito querido, uma pena ter sido apenas um detalhe que o tirou da competição.

 

    A diretora Miriam anunciou o fim da gravação. Para a minha complicação, Helena revirou os olhos para o meu lado. Sei quando está com ciúmes e precisa de espaço.

 

    Baguncei o meu cabelo e voltei para o meu camarim pensando na vida.

 

[...]

 

    Quando cheguei no meu trabalho preferido e meu funcionário me disse que o Rodrigo Menezes estava me aguardado na minha sala, não imaginei que teríamos um final de tarde e começo de noite tão agradável no Arte.

 

    Descemos até o pequeno restaurante da Companhia, comemos, conversamos bobagens, falamos sobre a Giovanna e até reclamamos do Eduardo. Tudo sempre com bom humor e elegância. Não havia mais espaço para aquele velho atrito entre nós.

 

    Rô sempre me pareceu uma pessoa justa. Mesmo ele ficando ao lado da Helena, como imaginei que fosse acontecer, eu não guardo mágoa dels. Sinto-me até feliz se um dia voltarmos a amizade como antes. Das grandes amizades da minha ex, essa eu fiz questão de ter na minha vida. Mais do que marido de uma pessoa que admiro como o Edu, Rodrigo criou o seu próprio espaço nas nossas vidas.

 

    -... e então botei ele para dormir no sofá.

 

    Dei risada de mais uma história que ele contou do marido.

 

    - Não querendo defender o Eduardo, mas acho que você exagerou, Rô.

 

    - Ah, Isabel, homem é assim, se você deixar eles falam besteira o dia inteiro.

 

    - Se você ligar tanto para as besteiras que o Eduardo fala, ele nunca mais dorme na sua cama.

 

    O negro concordou comigo e bebeu mais do suco em seu copo.

 

    - As horas passaram e eu nem percebi. Me senti como antigamente.

 

    - Nem me fala. Acho que colocamos todos os assuntos em dia - bati com os meus dedos na mesa. - Menos um: Helena Carvalho.

 

    - Antes que você comece a imaginar coisas, ela não me pediu para vir conversar com você. Vim por vontade própria, porque eu quis, porque nunca tivemos essa conversa antes e acho que posso me meter um pouco na vida das duas.

 

    - Desde o momento que te vi me esperando, sabia que uma hora ou outra o assunto seria sobre a Helena. Acho que já estamos calmos o suficiente para evitar qualquer discussão.

 

    Rô fez questão de pegar na minha mão. Eu correspondi o aperto amigável.

 

    - O que era uma separação definitiva está virando um rolo que nem eu que acompanhei tudo de perto consigo entender.

 

    Coloquei a minha outra mão no óculos escuro pendurado no meu decote querendo na verdade tocar o meu coração, respirei fundo.

 

    - Eu no tenho explicação. No pensei que viveria essa situação com a Helena. É ridículo, eu sei. Somos duas mulheres adultas, já fomos casadas e estamos agindo como se nos conhecêssemos agora. Na verdad, quem me dera se fosse assim. Se conseguíssemos agir dessa forma. Eu não consigo esquecer-me do passado.

 

    - Sabe, Isabel, demorei a perceber que vocês não tinham um casamento tão feliz quanto aparentava. Não que eu acredite em casamento perfeito, porém achei que vocês passavam longe de uma crise - fez uma longa pausa antes de continuar. - Você era carinhosa com a Helena, mas algo a sua volta gritava. Quando ouvi que vocês não estavam muito bem nada cama, espero que isso não te ofenda - neguei com a cabeça - imaginei que fosse uma dessas crises pelos anos de casadas. Errei feio. Eu nunca escutei a sua versão, o que aconteceu?

 

    A cadeira, de repente, ficou desconfortável. Uma bola impediu a passagem das minhas palavras. Limpei a garganta, levantei-me para pegar um copo d'água e voltei a sentar-me de frente para ele.

 

    - O meu casamento foi para caminhos que nem eu reconheço. Estava tudo bem, tivemos a Giovanna e um tempo depois não reconheci mais a minha mulher. No tengo explicación.

 

    - Você sabe que a Helena me conta tudo, não é? Não precisa disfarçar, ficar nervosa e nem nada. Não vou te julgar.

 

    - Mas vai acreditar em mim?

 

    - Depende, Isabel. Você pode falar o quanto quiser que Helena te traiu que eu não vou acreditar. Tenho certeza de que tudo foi um mal-entendido.

 

    - Rô, a sua amizade com a Helena só ficou mais forte depois da separação. Desculpe-me, mas a sua convivência com a gente era apenas em festas. É por isso que você achava a nossa vida perfeita. Se você quer acreditar nas palavras dela, não farei questão de dizer nada.

 

    - Isabel, - disse de maneira severa - a história com o Gustavo foi um erro. Eu até posso entender como traição o beijo. Mas, se você se esforçar, dá para perdoá-la e compreendê-la. Heleninha não te traiu e deve ter alguma dúvida dentro de si. Do contrário, não estaria trans*ndo com ela agora.

 

    - Eu a amo, caramba. Eu a quero de volta. Os olhos dela é a minha única esperança de que o nosso casamento ainda pode dar certo.

 

    - E são os olhos dela que me dizem que ela não te traiu. Desde o dia que ela chegou em casa me contando que você foi embora, vi seu desespero por te perder. Uma pessoa que trai a outra ficaria feliz com o fim do casamento? Por qual motivo ela continuaria casada com você se poderia ser livre?

 

    - Exatamente, Rodrigo. Helena era livre. Se ela escolheu me trair, é porque não me amava o suficiente.

 

    - É mesmo? Então por que você não para de iludi-la e vá buscar uma nova cópia do divórcio? Acorda, Isa. Não é porque só você a ama e não consegue viver sem ela. Você querendo ou não, Heleninha também te ama. Não é falso, é o mais puro amor que eu já vi na vida. Ela passa até por cima da sua indiferença para tentar voltar com você. Ignora todas as suas acusações que a machucam por migalhas que você dá.

 

    - Eu também sofro, carajo - explodi falando alto. - Eu quero esquecer tudo e acreditar, mas não consigo. Eu não consigo.

 

    - Você não se esforça. Dê uma chance, abra a porr* desse seu coração de verdade. As duas precisam estancar essa sangria, precisam de vida. Conta não para mim e nem para outras pessoas, apenas diga o que aconteceu para a Helena. Esclareça de uma vez.

 

     Olhei para cima piscando os olhos. Não vou chorar.

 

    - Aceita, Isa, Helena te ama. Uma precisa da outra para ser feliz, é tudo recíproco. Não tem quem ama mais, não tem possessão. Poucas pessoas têm a chance de ter um amor assim. Aliás, poucos conseguem mantê-lo. Aproveite que o destino está te dando uma chance.

 

    - Eu... eu vou conversar nem que seja pela última vez. Vou falar tudo, independente do que ela tenha para me contar.

 

    - Sei que deve ser uma delícia, mas resista ao sex*.

 

    Consegui rir da frase dita.

 

    - Se você estiver certo, tenho certeza de que acabaremos na cama. Mas apenas depois de colocá-la de verdade na minha vida novamente.

 

    Rodrigo sorriu e mais uma vez fez questão de unir as nossas mãos.

 

[...]

 

    Isabel: Cariño, vamos jantar juntas no fundo o Comer&Beber? Maurício preparou uma mesa especial para nós (19:15).

 

    Depois que o Rô saiu, tive a ideia de conversar com a Helena longe das nossas casas. Precisamos de um ambiente diferente para controlar os nossos instintos. Liguei para o meu amigo e ele preparou a mesa que sempre ocupei para nós. Não seremos atrapalhadas e nem cair na tentação.

 

    Helena: Pode ser, Isa (19:21).

 

    Isabel: Te espero às 21:30 (19:22).

 

    Decidi ir para casa, tomei um longo banho. Sequei o meu cabelo modulando-o, passei creme por todo o meu corpo, escolhi um vestido preto com um decote generoso.

 

    Olhei-me no espelho e aprovei o que vi. Fiz uma maquiagem leve e reforcei o batom vermelho. Borrifei o perfume preferido da Helena, coloquei o colar que ela me presenteou no nosso primeiro ano de casamento. Um simples coração com as iniciais de nossos nomes unidos pelo símbolo do infinito.

 

    Uma melodia de Djavan veio na minha cabeça, cantarolei:

 

    - Quer saber?

Quando é assim

Deixa vir do coração

 

    É o que farei está noite. Deixar o meu coração em primeiro plano.

 

    - Você sabe que eu só penso em você

Você diz só que vive pensando em mim

Pode ser

Se é assim

Você tem que largar a mão do não

Soltar essa louca, arder de paixão

 

    É isso que você deve fazer, Isabel Casañas. Parar de negar, entregar-se.

 

    - Não há como doer pra decidir

Só dizer sim...

 

    Ignorei o restante da letra. Não terá ‘se', apenas sim. Não há como doer a minha decisão.

 

    "Aproveite que o destino está te dando uma chance", a voz do Rô fez questão de me lembrar.

 

    Sorri para mim mesma no espelho. Nada mais de choro. Independentemente do que ela disser, tenho que acreditar, me guiar pelos seus olhos. Preciso resgatar a confiança no nosso amor.

 

    Olhei para o relógio, 21:00.

 

    Dei uma última conferida no espelho e sai do meu quarto.

 

    - Mira, Nina. Olha como minha mamá está muy guapa - Giovanna fez questão de dizer assim que cheguei na sala.

 

    - Estou vendo, Gu. A senhora está muito bonita, Isab

 

    Sorri sem graça para as duas. Sempre fui tímida para elogios.

 

    - Hija, nada de ficar assistindo TV até tarde, sí? Te amo.

 

    Dei um beijo na testa da minha filha e chamei a Nina até a porta com o olhar.

 

    - Tem como você dormir aqui hoy? Acho que vou dormir na casa da Helena e precisamos ficar... mais... à vontade.

 

    - Posso dormir sim, Isabel. Aproveite o jantar e a noite. Helena vai adorar a produção.

 

    Acenei com a cabeça e me despedi da babá.

 

    Um frio na barriga fez questão de me acompanhar até o carro. Parece que estou indo a um encontro pela primeira vez na vida. Bem, posso considerar o jantar como um reencontro.

 

    O sorriso largo ficou no meu rosto enquanto eu dava partida e começava a dirigir. Fiz questão de ligar o som e colocar ‘I don't want to miss a thing'. Nossa música. Se antes causava dor escutá-la, hoje vai ser novamente o motivo da felicidade.

 

    Cheguei no Comer&Beber cinco minutos antes do horário combinado. Fui informada que Helena não chegou ainda e fiquei mais aliviada pois quero recepcioná-la como merece.

 

    Sentei-me no lugar que arrumado com algumas lâmpadas e velas. O buquê que pedi para entregar está em cima da mesa. Rosas brancas. As escondi na cadeira que ficará vazia, vou dar a ela em algum momento oportuno com o pedido de desculpa pela demora da minha decisão.

 

    21:50. Atrasada.

 

    Provavelmente deve ter se atrasado com o trânsito. Pode ser que ela fez questão de se caprichar na maquiagem. Neguei com a cabeça o meu pensamento. Como se Helena precisasse.

 

    Olhei com expectativa para a entrada dos fundos. 21:52.

 

    Helena atravessou a porta. Meus olhos caíram sobre ela. A paulistana está com a mesma calça jeans e camiseta que estava na emissora. Não me importei.

 

    - Desculpa o atraso, estava um trânsito infernal.

 

    - No tiene problema - disse me levantando, mas sentei em seguida porque ela assim o fez.

 

    - Você está toda produzida, pensei que fosse um jantar normal.

 

    - Eu te avisei por mensagem que preparei uma mesa especial. Mas você está linda, Helena. Muy hermosa - sorri. - Pensei ter ouvido você dizer que iria para casa mais cedo. Resolveu ir trabalhar? - Puxei papo.

 

    - Não, eu estava na casa do Edu e do Rodrigo. Fiquei o resto da tarde conversando com o Rô.

 

    Estava olhando a taça e rapidamente levantei a cabeça para olhá-la.

 

    - Rô?

 

    Meu coração tremeu.

 

    - Sim, com o Rô, Isabel.

 

    Busquei os seus olhos e nos encaramos.

 

    - Está me dizendo que você estava desde esta tarde com o Rodrigo? O Rô do Eduardo?

 

    Os castanho-escuros não desviaram.

    - Sim, foi o que disse. Depois da gravação encontrei-me com o Rô na casa dele e estava lá até agora.

 

    Pensei em tentar dar mais uma chance para Helena tentar se explicar, mas escutei por duas vezes que ela passou um pedaço da tarde com a Rodrigo. Ela disse olhando nos meus olhos. Não tem por que me iludir.

 

    - Ficou bem bonito aqui - comentou olhando em volta. - É impressão minha ou temos aqui um jantar romântico? Cheguei tão preocupada com o atraso que nem reparei nas velas... Isabel? Está tudo bem?

 

    Como nos últimos anos, no primeiro momento fiquei sem reação.

 

    - O que foi, amor?

 

    Meus olhos se encheram de lágrima. Queria ter a mesma calma de antes, mas não consegui disfarçar. Fiz questão de que ela visse os meus olhos e a encarei.

 

    - Sabe quando tudo começou a desmoronar? Eu demorei, mas um dia eu percebi que você mentia. Eu sei quando mente. Cada vez mais me impressiono com a sua capacidade de me enganar. Você não esteve as últimas horas com o Rô. Eu estive. No tinha nenhuma necessidade de mentir, mas você faz coisas e decide escapar com mentiras. Gracias por me lembrar o porquê terminei com você antes de ter feito a burrada que cogitei em fazer nesta noite.

 

Fim do capítulo