Meus pedaços por Bastiat
Seguir em frente sem olhar para o lado
Helena
Beijei os cabelos ondulados da Giovanna que dorme tranquilamente em seu quarto. Posso ver um sorriso discreto em seu rosto, aposto que é pelo dia feliz e por ter suas duas mães com ela até a hora de dormir. Como eu queria que fosse sempre assim.
Afaguei o seu rosto e caminhei para fora do quarto. Chico está na porta somente esperando a minha ausência.
- Mas já veio dormir com a Gi, Chiquinho?
Agachei-me e recebi o seu carinho antes de deixá-lo entrar no quarto. O vi se aconchegar no canto da cama e fechar os olhos. Desisto de separar os dois.
Fechei a porta e desci as escadas pensando para quem ligar. Eu preciso contar as novidades para alguém, saber uma terceira opinião sobre tudo o que aconteceu ontem e hoje.
Peguei meu celular na mesa de centro e caminhei até a cozinha já fazendo a ligação. Não esperei nem o seu cumprimento, fui direito ao meu objetivo, ou pelo menos tentei com um jogo de adivinhação:
- Rodrigo, adivinha quem dormiu aqui em casa e acabou de sair - falei sentando-me na cadeira e colocando os pés em outra.
"- Giovanna?" - Perguntou sem entender nada.
Eu dei risada. Posso dizer que estou sorrindo à toa desde o almoço. A partir do momento que decidi por tentar entender a Isabel.
- A mamá dela - respondi.
"- ISABEL? A ISABEL CASAÑAS?"
- Porr*, Rô! Meu ouvido! Quer me deixar surda?
"- Helena! Foi realmente a Isabel?"
- E a Giovanna tem outra mamá?
"- Se essa for mais uma brincadeira que você costuma me pregar com o Eduardo..."
- Não é, amigo. Por que eu faria isso? É tão difícil de acreditar que a Isabel realmente acabou de sair daqui?
"- Lena, eu foquei no dormiu aqui em casa. A pergunta que não quer calar é: na mesma cama?"
Abri um sorriso largo ao lembrar que acordei no meio da madrugada e ela dormia tranquilamente com um de seus braços ao redor da minha cintura.
- Agarradinha comigo.
"- O QUÊ? Como aconteceu isso? Bem que eu estava sentindo um clima diferente na hora do bolo."
- Eu pedi... na verdade, quase implorei para conversar com ela depois da festa. Eu já não estava mais aguentando ficar naquela aflição que passei a semana toda por causa do que aconteceu entre ela e a Natália. Isso sem falar do divórcio.
"- Então vocês conversaram e foi tão bom que acabaram na cama?"
- Não foi como eu esperava. Resolvemos apenas dois assuntos.
"- Como assim? Você não quer dormir aqui e a gente conversa?"
- Não dá, Rô. Estou com a Gi em casa e já está um pouco tarde.
Rodrigo resolveu enviar a solicitação de vídeo chamada e eu aceitei.
"- Precisava ver o seu rostinho, amiga - sorrimos uma para o outro. - Estou vendo uma felicidade, mas também uma ruga de preocupação bem na sua testa. Conta."
Respirei fundo e me ajeitei melhor na cadeira.
- Isabel desculpou-me pela história com a Natália. Tudo bem que no começo a Isa relutou um pouco, pude ver e sentir o quanto ela ficou bem abalada com tudo que ouviu. Esclareci de todas as formas que consegui, foi difícil. Nossa, como ela é teimosa.
"- É a Isabel, teimosia em pessoa" - disse dando risada.
- O que tem de teimosa, tem de linda - mordi o lábio inferior e o Rô revirou os olhos. - Depois ela me pediu desculpas pelo o que fez comigo e com a Gi. Nunca tinha visto a Isabel tão arrependida em toda a minha vida. Tinha medo de perder a Giovanna de alguma maneira. Aquela relação com a mãe dela, sabe?
"- Pelo menos isso, não é?! Reconheceu que fez merd* em relação à Gi e pediu desculpa. Isso é bom sinal. Agora vem a parte do ‘mas...'?"
- Mas a conversa chegou no nome do Gustavo. Finalmente eu consegui me explicar o que aconteceu no dia, ou pelo menos tentei.
"- Não se culpe tanto, Heleninha. Você permitiu até perceber a merd* que estava fazendo e se arrepende."
- Eu sei, Rô. Mesmo assim, eu errei. Eu nunca deveria nem ter dado muito papo para ele. Isabel reagiu com tanta ironia quando eu disse sobre a amizade que criamos. Foi difícil para ela engolir. Na verdade, acho que ela não engoliu.
"- Pensei que você ia dizer que ela te perdoou."
- Não... - suspirei. - A conversa foi ganhando outra forma. A dor que ela estava sentindo foi transformando-se em amor. Isabel confessou que eu ainda mexo com ela e que não consegue me tirar do seu coração. Pode me chamar de louca, mas achei a declaração linda. Foi ali que eu percebi que tenho chance. Eu via confusão, mas ao mesmo tempo uma certeza de que ainda existe amor. Quando ela me beijou, senti que era o nosso momento de entrega. Isa não precisava usar palavras para dizer que me ama, estava em cada gesto seu.
"- Ainda assim você acha que faltou as palavras dela."
Impressionante como o Rodrigo me conhece tão bem. Pode não ser tantos anos de amizade como tenho com outras, mas ele me entende como ninguém.
- A manhã seguinte não foi o mar de rosas como eu imaginei - bufei frustrada.
"- Explica logo, Aninha."
- Bem, eu acordei com o Chico pulando em mim. A Giovanna apareceu no quarto e me viu dormindo com a Isa.
"- Oi? - Rodrigo deu risada. - A espanhola deve ter surtado."
- Não exatamente, amigo. A Isa ficou tranquila, até o momento em que eu tentei dar um beijo de bom dia nela. Foi horrível vê-la me ignorar.
"- Porque a Gi estava no quarto, óbvio."
- Como assim, óbvio? Você acha que ela está certa?
"- Claro. Vocês não terminaram a conversa, Helena. Imagina se vocês se beijam na frente da menina e depois acabam não voltando? A pequena não entenderia nada. Acredito que a Isabel tenha tentado te explicar isso."
- Sim, foi exatamente o seu pensando. Porém, antes de eu pensar por esse lado, acabamos discutindo. Senti-me usada, sabe? Eu disse que a amo no meio do sex* e ela não disse nada. Apenas me beijou como quem diz: eu amo o seu corpo. Quando ela recusou o beijo e a tomar banho comigo, a única coisa que veio na minha cabeça é ela não correspondendo o meu amor.
Meu amigo mudou o olhar para pensativo, parece não querer dizer alguma coisa.
- Rodrigo - chamei sua atenção. - Eu tenho medo de que o amor que a Isabel sentiu por mim tenha acabado e que isso tudo seja efeito de pura atração sexual.
"- Por quê?"
- Está na cara que ela ainda guarda mágoas. Tentei descobrir algo antes do que aconteceu em relação ao Gustavo, mas ela desconversou. Algo doía e não era apenas a minha confissão de que eu correspondi um pouco o beijo. E se ela já tinha deixado de me amar muito antes de tudo terminar?
"- Não acho que seja o caso. Vocês não conversaram durante o dia? Ficaram fazendo o quê?"
- Cozinhamos juntas e nos conectamos como antes. É o ambiente que mais deixa a Isabel à vontade. Então ela me pediu um tempo para pensar, disse que estava confusa. Eu até a entendo, mas eu fico sem saber o que realmente pensar. Ao mesmo tempo, ela diz que seu coração quer voltar, mas que a sua razão a impede. Não tem lógica nisso. O coração é quem manda.
"- No caso da Isabel, infelizmente sabemos que não é assim - disse ainda pensativo. - O que aconteceu depois?"
- Eu... bem, eu... Rô... eu sugeri a gente ir ficando enquanto ela pensa.
Até fechei os olhos esperando pela bronca que realmente veio:
"- O que você tem na cabeça, Helena Carvalho? A mesma coisa que você tem no meio de suas pernas? Um tesão que não acaba nunca? Está ficando louca? É a mesma coisa que dizer à Isabel: me use."
- Ah, mas o que você faria no meu lugar? Você diria: ‘Olha, Isabel, fica aí pensando enquanto uma certa portuguesa fica dando em cima de você'? Eu é quem quero conquistá-la.
"- Conquista conversando, sei lá."
- Eu vou conversar com ela. Porém, usar o tesão que temos é a melhor forma, amigo. Preciso me aproximar dela de algum jeito e se for nos divertindo, que seja. Se eu te disser que estou 100% satisfeita com isso, mentirei. Eu queria mesmo era ouvir uma puta declaração da boca dela e que vamos juntas superar os nossos erros. Mas a nossa realidade não é essa, infelizmente.
"- Você vai ficar bem com isso? É arriscado, Isabel pode não querer voltar."
- Vou ficar bem quando resolver tudo isso. Seja lá como for. Eu não posso obrigá-la a ficar comigo. Quero entendê-la para consertar o que foi quebrado. Se o caminho é o da conquista pelo sex*, é nele que vou apostar.
"- Já está decidida, não é?! Está bem grandinha para saber onde está pisando. O que me resta é torcer para que não se machucar ainda mais."
- Acha tão pequena a chance de retomarmos o nosso casamento?
"- Tenho certeza de que vocês têm coisas demais para serem resolvidas. O problema que eu vejo é vocês caírem em uma redoma e não conversarem nunca. Já imaginou se você começa a ter medo de perder a cama e passa a não tocar nos assuntos que precisam?"
Rodrigo está certo, não tem nem o que discutir. É difícil escutar a verdade, mas é um mal necessário.
- Entendo o que você diz, Rô, mas eu não vou saber se não tentar. Para saber o que eu fiz de errado, preciso me aproximar dela. Eu vou saber me controlar.
Ouvi a voz do Eduardo ao fundo e o Rodrigo fazer algum sinal para ele. Aproveitei para encerrar a ligação:
- Amigo, está tarde. Amanhã é segunda e acordamos cedo.
"- Tudo bem, Helena. Mas vamos marcar se nos encontrarmos por esses dias, precisamos conversar mais. Ah, não se esqueça de ir me atualizando."
Nos despedimos jogando beijo pela tela e desejando boa noite.
Ao encerrar a chamada, notei que há uma mensagem da Isabel. Abri na mesma hora.
Isabel: Esqueci de te pedir para não comentar o que está acontecendo entre nós com ninguém. Por favor (22:13).
Cocei a minha cabeça preocupada. Eu acabei de encerrar uma ligação contando tudo o que aconteceu. Decidi por não mentir:
Helena: Desculpa, não vi sua mensagem antes e acabei ligando para a Rô. Contei tudo para ela. Perdão? (22:33).
Levantei-me, bebi um copo d'água e andei até o meu quarto enquanto esperava a sua resposta que só veio agora.
Isabel: Tudo bem, Helena. Mas não conta para mais ninguém, por favor (22:52).
Pensei em questionar, mas evitei. Ela deve ter seus motivos, assim como tinha quando pediu para não contar sobre a sua situação financeira. Não posso errar de novo.
Antes de enviar outra mensagem para a espanhola, lembrei-me o que enviei para a Elisa pela manhã após passar a noite com a Isabel. Verifiquei se a minha amiga respondeu e vi que apenas enviou um emoji com sorriso de lado. Agradeci aos céus por não ter aprofundado e depois eu inventarei uma desculpa qualquer. Decidi esconder isso da Isa para não criar nenhuma chateação desnecessária e mudei de assunto com ela:
Helena: Você já chegou em casa? Está tudo bem? (22:55)
Não vejo a hora de te ver amanhã (22:55).
Isabel: Cheguei quase agora. Tudo está ótimo e você? (22:55)
Helena: Melhor impossível. Vou tomar banho e tentar dormir sem o seu corpo abraçando o meu (22:56)
Se quiser, ainda dá tempo de voltar (22:57)
Sentei-me na cama esperando a resposta.
Isabel: Vou tomar banho também (22:58)
Boa noite, Heleninha (22:58)
Vou sonhar com você (22:59).
Dei risada com o seu jeito de se safar com outras respostas.
Helena: Sempre se esquivando, Casañas (22:59)
Boa noite, bom sonho comigo. Tomara que seja quente (23:00).
...15 dias depois...
"Olhei mais uma vez para o celular confirmando se não havia nenhuma mensagem ou ligação. Nada.
Entrei em casa tentando fazer o mínimo de barulho possível com os saltos. Mas é quase impossível.
Parei de andar quando notei a luz da cozinha acesa. Isabel está ali. Não imaginei que ela ainda estivesse acordada e me esperando. Confirmei o horário no celular e notei que nem era tão tarde quanto pensei. Só passa das onze da noite.
Quando estava no primeiro degrau da escada, ouvi sua voz:
- Gi? Você acordou?
Pensei se apenas respondia daqui ou iria até ela.
Cheirei a minha roupa. Um forte cheiro de cigarro que geraria questionamentos irritantes. Achei melhor seguir em frente para evitar o nosso encontro.
- Giovanna, mamá vai te dar uma bronca se estiver ligando a tv.
Dei meia volta e caminhei até a cozinha.
- Oi, Isabel. Sou eu - cumprimentei, mas fiquei de longe.
A espanhola secava a pia com um pano despreocupada, nem se empenhou em me olhar.
- Hola, Helena. Pensei que a Isabel tivesse acordado.
- Está tudo bem? - Indaguei após sentir a sua voz fraca.
- Sí e você? Cansada?
- Muito, trabalhei quase até agora. Eu preciso de um banho.
Isabel continuou fazendo a sua limpeza e ajeitou mais algumas coisas. Esse silêncio é que me mata por dentro, nunca sei o que está se passando pela cabeça dela. Se antes eu evitei as suas perguntas, agora eu preferia mil vezes chegar em casa e ser questionada do que lidar com esse marasmo.
- Você pode preparar alguma coisa leve? Eu estou com fome.
- Claro, cariño. Vá tomar o seu banho enquanto vou preparando.
Carinhosa, cuidadosa e ao mesmo tempo fria feito um iceberg.
Subi até o quarto da Giovanna para dar um beijo. Depois fui até o nosso quarto, guardei a minha bolsa e tomei o meu banho.
Demorei esfregando todo o meu corpo. Senti frio mesmo com a água quente. Parece que a Isabel desenvolveu o dom de fazer-me sentir sozinha mesmo tendo ela por perto.
Terminei de banhar-me, coloquei um pijama confortável e retornei à cozinha. O cheiro de sopa já dava para sentir da sala.
- Hum... já sinto até o gosto.
Aproximei-me da mais alta e deixei um beijo no seu rosto.
- Já está pronta. Vou te servir.
Sentei-me no meu lugar na mesa e esperei ser servida por ela.
- Você e Gi já jantaram?
- Sí.
Isabel não está para conversa, pude notar. Em outros tempos, eu saberia com detalhes o que ela tinha preparado, como e o quanto ficou bom. Mas, ultimamente eu só recebo respostas prontas.
- O que você fez depois da gravação? - Insisti.
- Yo? Nada demais. Vim para casa, trabalhei daqui mesmo até dar o horário de ir buscar a Gio na escolinha. Depois eu fiquei lendo para ela.
Pensei em dizer alguma coisa, mas ela não parece muito interessada no que eu fiz ou deixei de fazer. Desisti por hoje de tentar entender o que se passa com o meu casamento."
Isabel mexeu-se na cama e foi acordando aos poucos.
Coloquei uma mecha do seu cabelo para trás e fiz carinho em seu rosto quando me aproximei.
- Hum... bom dia, Helena - saudou-me com uma voz doce e sonolenta.
- Bom dia, amor - respondi.
- Está acordada faz tiempo? Ainda é cedo, no?
- Ainda é cedo, não se preocupe. Eu que gosto de acordar mais cedo para te ver dormir. Você é tão linda.
Isabel sorriu e encarou-me. Seus olhos brilham e os meus não devem estar atrás na questão de felicidade.
Dos últimos 15 dias, dormimos juntas 7 vezes. Muito melhor do que eu imaginei.
- Dormiu bien? - Perguntou me dando um selinho.
- Tem como dormir mal em seus braços? Dormi feito um anjo.
- Estou a cada dia mais convencida disso porque o meu melhor sono é sempre nos seus braços.
É sempre assim, Isabel faz declarações quando menos se espera. Ainda não existe um ‘eu te amo', apenas gestos e através de outras palavras.
Sentei-me de frente para ela na cama e abracei os meus joelhos.
- Eu pensei na sua pergunta de ontem - disse ao me recordar da lembrança.
- Você tem alguma reclamação sobre o nosso casamento?
- Não sei se é uma reclamação, mas nos últimos anos, o que mais me incomodava era a sua falta de atenção. Até mesmo quando eu chegava tarde em casa, você nem questionava. Por que nossa vida passou da felicidade ao tédio do nada?
Isabel fez uma expressão séria, incomodada.
- Por que você nunca responde las preguntas da forma de que são feitas? Eu fui bem clara, Helena: quiero saber se faltou alguma coisa de mim para você. Na cama, sempre foi bom? No dia a dia, te faltava alguma coisa? Isso tudo antes da mierda, claro.
- E você? Por que você sempre fica nervosa quando eu questiono sobre os últimos anos? Nunca me responde com sinceridade, Isabel.
- No sé o porquê insistimos conversar. Melhor encerrarmos por aqui. No desejo discutir logo pela manhã.
A mais nova ameaçou levantar-se da cama e eu a segurei.
- Não, Isa. O que você quer saber? Não faltava nada para mim, amor. Você sempre foi maravilhosa, cuidava de mim...
- Tudo bem, Helena - disse me interrompendo. - Depois conversamos. Já está quase na hora de nos levantarmos.
Rodrigo tem razão, eu e a Isa não conseguimos conversar e meu maior medo é dela terminar o que nem começamos direito. A cama é o único lugar que ainda nos entendemos.
- Eu estou cansada desse "depois" - desabafei.
- Acredite, eu também. Pero, realmente, agora não vamos conseguir conversar. Eu tentei ontem à noite.
Mas de novo nosso desejo falou mais alto, completei em pensamento.
Saí da cama, peguei as minhas coisas e entrei no banheiro da Isabel.
Tomei um banho rápido, apenas para acordar de verdade. Ainda tenho que ir para casa antes do dia realmente começar.
Eu e a espanhola combinamos de não envolver a Giovanna no que temos. Nossa filha não faz ideia de que dormimos juntas, ou a Isabel sai cedo da minha casa ou eu saio de madrugada do seu apartamento.
Primeiro resolver os problemas, depois anunciar a nossa decisão.
Terminei de me arrumar, sai do quarto e a encontrei já de pé vestida com um robe, olhando pela janela. Sempre pensativa.
Aproximei-me dela e a virei para beijá-la. O que seria apenas um encostar de lábios, Isabel transformou em profundo. Senti o gosto de pasta de dente, sinal de que ela já havia saído e voltado para o quarto, talvez para verificar se a Giovanna ainda dormia. Sua língua pediu passagem quando me puxou pela nuca. Apoiei-me em sua nuca e correspondi com paixão. Eu juro que posso beijar essa boca pelo resto da minha vida sem enjoar.
A falta de ar foi o que nos interrompeu. Ainda assim, o final foi cheio de carinho, com pequenos beijos antes de abrir os olhos.
Meu celular tocou e nos separamos por completo. O peguei na minha bolsa e recusei a chamada ao ver o nome que aparecia.
- Quem é?
O sotaque carregado de um nervosismo chamou a minha atenção.
- Ninguém, amor. Não conheço o número, então recusei.
Isabel balançou a cabeça em concordância e deixei um último beijo em seus lábios.
- Até daqui a pouco na emissora - falei.
- Ok.
Sai do quarto e caminhei até a porta da entrada sem fazer barulho. Pareço até uma adolescente saindo de casa escondida.
[...]
Coloquei o interfone no gancho. Tinha me esquecido que a Elisa marcou de tomarmos um café da manhã na minha casa. Sorte ter saído bem cedo do apartamento da espanhola e ter preparado a mesa de café da manhã para mim.
Andei até a entrada de casa e recepcionei a minha amiga. Trocamos um abraço rápido e um beijo no rosto.
- Bom dia, Heleninha.
- Bom dia, Elisa. Tudo bem? - Perguntei já caminhando com ela para dentro.
- Tudo e você?
- Tudo certo.
Entramos dentro de casa, indo diretamente para a cozinha. Minha amiga se ajeito na cadeira enquanto eu colocava uma xícara na sua frente.
- Como está a vida? Ainda na correria do trabalho?
- Nem me fale, Helena. Tanto trabalho que se eu quero te ver, preciso marcar um café da manhã rápido, pois é o único horário disponível.
Dei risada. Comecei a servi-la com o café e dispus algumas coisas para comermos.
- Pão feito pela Isabel? - Perguntou olhando para mim. - Não minta porque eu o reconheceria de longe.
- É... a Giovanna faz questão de comer, então ela sempre manda aqui para casa.
Elisa sorriu e se serviu de um generoso pedaço.
- Minha afilhada sabe o que é bom.
Relaxei e sentei-me na cadeira para acompanhá-la no desjejum. Elisa nunca implicou com a Isabel, até dava alguns elogios. Quando conheceu a espanhola pessoalmente, disse que eu tinha sorte por tê-la. Não sei se elas chegaram a ter uma amizade, mas sei que depois da escolha da Elisa como madrinha, houve uma pequena aproximação.
- Helena, precisamos conversar.
Encarei os seus olhos verdes. Espero que ela não pergunte sobre a mensagem que enviei dias atrás.
- Sobre o quê? Sabia que esse café tão cedo não era saudade.
- Ah, é saudade sim! A última vez que nos sentamos para conversar foi lá em casa, de surpresa ainda. Depois veio o aniversário da Gi, mas nem conseguimos nos falar direito.
- Você mesma disse que está ocupada. Mas eu acredito na sua saudade, eu também sinto a sua falta.
- E da Nat? Você sente falta dela?
Olhei surpresa para a minha amiga.
- Natália? É esse o assunto?
- Sim, a nossa amiga é o assunto. Você nunca mais vai falar com ela?
- Sinceramente? Não sei. Às vezes eu penso nela, sei que estou evitando de encontrá-la na empresa, mas não sinto vontade de conversar.
- Você sente raiva dela?
- Eu sinto pesar. Tenho pena por ela ter feito o que fez. Até hoje não entendo o ódio dela pela Isabel. Não vejo motivo para ela ter estragado a nossa amizade de anos por supostamente me defender. Ela, mais do que ninguém, sabe o quanto eu amo a Isa e o quanto o que ela fez me prejudicaria.
- Te entendo, amiga. Mas já se passaram semanas, as duas já estão mais calmas, podem conversar para tentar entender o que aconteceu. Natália chorou ontem no meu ombro e disse o quanto se arrepende. Dê uma chance para ela.
- Sério, Elisa? Sério que você vai se prestar a esse papel? - Desacreditei.
- São anos de amizade, Heleninha. Além disso, você tem sua parcela de culpa, deu essa liberdade a ela. Natália não mentiu quando disse à Isabel sobre as contas e tal.
- Mas errou ao usar isso para machucá-la!
- Conversa com ela. Tenta entender o que se passou na cabeça dela. A amizade de vocês merece uma chance. Isso sem falar que são sócias, continuar ignorando uma a outra não é o certo.
Ponderei as palavras da diretora. Eu sempre fui a favor do diálogo. Independentemente do que a outra pessoa tenha feito, sempre merece ser ouvida. O caso da Natália não é diferente, ela pode tentar explicar-se.
- Você está certa, amiga. Pede para ela me procurar, por favor.
O sorriso da Elisa foi uma mistura de alívio pela missão cumprida e felicidade.
- Hoje teremos a noite das meninas.
- Não falaram nada para mim - estranhei.
- Todas estão com medo de que você não vá por causa da história com a Nat. Mas queremos muito a sua presença. Não vai ser a mesma coisa sem você.
Planejei para mais tarde dormir com a Isabel mais uma vez. Porém, nunca furei com as meninas.
- Eu vou ver e te aviso. Talvez a Gi venha para casa... não é certo ainda.
Usei a Giovanna como desculpa, caso o meu plano com a espanhola não dê certo.
- Isabel não vai se importar de ficar com a menina, mas vou entender se não for - disse compreensiva.
Continuamos a comer e iniciamos um assunto sobre a Giovanna. Combinamos de sair com ela juntas e o seu desejo de um dia ser mãe.
O papo foi se acabando e então a pergunta que eu mais temo veio:
- Não vai me contar sobre o dia em que a Isabel dormiu aqui? Você não me disse nada.
Bebi um gole generoso de café que desceu com dificuldade pela minha garganta. Mudar de assunto, mentir ou contar a verdade?
- Eu e a Isabel estamos nos encontrando - contei de uma vez.
Elisa abriu a sua boca surpresa.
- Como assim, Helena?
Os olhos verdes me estudaram e por fim sorrimos juntas com a nossa cumplicidade de anos.
- Desde a festa da Gi, dormimos juntas algumas noites. Esta noite, inclusive.
- Então vocês voltaram? Ou estão meio que voltando aos poucos?
- Nem um e nem outro. Isabel me pediu um tempo para pensar sobre a nossa volta e eu sugeri que enquanto isso a gente não se prive de trans*r.
- É, relembrar os velhos tempos pode ser bom - comentou.
- Ainda bem que você concorda comigo. Fui contar essa estratégica para o Rô e só levei na cara. Credo.
- Acho que se deve tentar de tudo. Isabel ainda gosta de estar com você, isso já é uma vantagem. Para vocês voltarem é um pulo.
- Não acho que seja tão fácil, amiga. Pelo menos não está sendo nada como pensei que seria. Isa é fechada demais, quase não conseguimos conversar. Só nos entendemos trans*ndo. Não que eu não esteja me aproveitando também, nosso sex* é uma delícia.
- Eu sei, te entendo - respondeu olhando fixo para algo na cozinha.
Será que a Elisa encontrou alguém? Não lembro de ela ter comentado sobre isso.
- Entende? Por quê? - Questionei com a curiosidade fervendo na minha cabeça.
- Hã? - Voltou sua atenção para mim.
- Você está com alguém, Elisa? Você fez uma cara quando eu disse que o sex* é uma delícia. Tem alguém te enrolando?
Minha amiga ficou vermelha. Antes de me responder, tossiu de leve. Incômodo.
- Não tenho ninguém, Helena. Eu quis dizer que te entendo por que sei o quanto a Isabel é fechada. Só isso.
- Ah... entendi errado então.
Percebendo o quão sem graça ela ficou, resolvo não insistir no assunto. O último namoro dela não foi dos melhores. A mulher que ela se envolveu a traiu e desde então ela tem estado sozinha.
- Quem sabe você não arranja alguém hoje na noite das meninas? - Perguntei empolgada.
- É, quem sabe?! - respondeu cortando mais um pedaço de pão. - Mas, então, você e a Isabel estão aproveitando o momento e esquecendo de conversar?
- Não sei o que acontece, amiga. Hoje mesmo começamos a querer discutir, mas não fomos em frente. Tenho medo de conversar e brigar. Prefiro conquistá-la aos poucos.
- Você já a conquistou uma vez, deve saber bem o caminho.
- Quem me dera, Lisa. Parece que está mais difícil agora. Estou até pensando em apelar para aquele medo de me perder.
- Medo de te perder? Não entendi.
- Fazer ciúmes na Isa. Provocá-la até a escutar dizer que me ama e quer ficar comigo...
- NÃO! Não faça isso! Isabel vai sofrer muito. Ela não merece.
Mais uma vez a atitude da loira me pareceu estranha.
- Calma, amiga. Não vou fazer isso porque não vai funcionar. Isabel não sente ciúmes de mim, esqueceu?
- Claro que sente, Helena. Isabel só não demonstra.
- Elisa, eu convivi com a Isa por 15 anos e não foi por falta de oportunidade que ela não sentiu ciúmes. Relaxa que eu não vou provocá-la.
A minha amiga continuou me olhando de maneira séria.
- Não a provoque, por favor. Se você conseguir reconquistá-la, a faça feliz.
- Está bem, advogada da Isabel Casañas.
Pensei que escutaria uma risada, mas posso falar que vi até uma tristeza na diretora.
- Elisa, acho que devo te agradecer.
Minha amiga uniu as sobrancelhas. Dúvida.
- Por?
- Eu vi você tentando falar algo no ouvido da Isa na festa da Gi. Você deve ter ajudado a convencê-la para conversar comigo. Não foi?
Lisa desviou o olhar e levantou-se.
- Fiz o que tinha que ser feito. Vou indo, tenho uma reunião e posso me atrasar se não sair agora.
Com um sorriso, a loira aproximou-se e deixou um beijo no meu rosto.
- Eu te levo até a porta.
Andamos juntas até a entrada da minha casa e nos despedimos com um forte e longo abraço.
Fim do capítulo
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GabiVasco
Em: 13/12/2020
Eu acho a personagem da Helena interessante porque por mais que as coisas estejam contra ela e as acusações pesem ainda tem o benefício da dúvida. As "amigas" podem sim ter sacaneado ela, principalmente a insuportável da Elisa.
Resposta do autor:
Gostei desse "benefício da dúvida"...
Abs.
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Baiana
Em: 08/12/2020
Como a Isabel quer reatar um casamento achando que foi traída? Ela está sendo infantil em achar que não conversando e colocando uma pedra sobre o assunto,vai fazer com que deixe de existir,a confiança nunca será restabelecida se o fantasma da traição sempre tiver a espreita.
Essa Helena é muito tapada! Da até raiva
Resposta do autor:
Te entendo completamente. Eu nem vou defender nenhuma das duas, mas as vezes os receios e o conforto são uma boa combinação, só talvez...
Abs.
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