Capitulo 15 - Entre dois mundos
Restaurante Ryori Batel, 26 de maio de 2017
Isadora seguia dirigindo enquanto Jade ao seu lado acariciava sua coxa, olhava no celular e explicava o caminho para o restaurante, não demorou muito e avistaram de longe a placa indicando o elegante jardim japonês onde o restaurante foi construído, a estrutura era robusta e de formato circular. Isadora entregou a chave para o manobrista, que estacionou impressionado com o Ranger Rover na cor prata. As duas estavam animadas, adoravam comemorações, assim, subiram a rampa de acesso com um sorriso no rosto e de mãos dadas, ainda não conheciam o restaurante recém inaugurado escolhido por Jade para a comemoração de mais um aniversário de casamento.
Jade entrou na frente puxando a mão de Isadora, assim que entrou no ambiente, abriu novamente o enorme sorriso, estava certa em sua escolha, olhou a estrutura do restaurante e achou o lugar a cara de Isadora, o espaço era lindo, charmoso, aconchegante e extremamente sofisticado. As mesas eram de uma madeira pesada e cara, organizadas com bastante espaço entre elas, de forma com que os clientes pudessem ter privacidade, os reservados estavam todos ocupados, assim, tiveram que ficar no grande salão, em volta das mesas também podia se ver grossos vidros, que circundavam por todo o ambiente, e por trás viam-se plantas nativas e algumas flores, que cresciam enfeitando por trás das paredes de vidro.
Mais afastado podia se ver o sushiman trabalhando concentrado na feitura dos deliciosos sushis e sashimis. Para Jade o mais interessante era a iluminação à meia luz, o que convidava a todos a diminuir o volume da voz, ao mesmo tempo em que dava ao espaço uma sensação a mais de acolhimento.
Assim que chegaram foram atendidas pela dona do restaurante, que sempre fez questão de recepcionar todos os clientes.
- Olá, boa noite e bem vindas ao Ryori Batel, sou Diná Yorkie, gostariam de ficar neste piso mesmo, ou preferem seguir para as mesas do jardim de trás?.
Isadora e Jade escolheram ficar no salão em uma mesa mais escondidinha para conversarem mais à vontade, e seguiram Diná pelo ambiente até chegar ao local escolhido.
- Fiquem à vontade meninas, vou chamar a Teca, ela será a garçonete de vocês essa noite, com licença.
Logo depois uma garçonete se aproximou, tinha a pele muito alva, estava com um vestido amarelo claro, com um escrito japonês na frente e sakuras desenhadas nas costas. Os cabelos castanhos e lisos estavam presos em um coque e seus enormes olhos azuis passavam serenidade, as sardas do rosto conferiam um ar sapeca, Teca parecia bastante jovem e simpática, e após anotar os pedidos, perguntou:
- Além do combinado de sushis e sashimis, desejam alguma bebida antes?, talvez uma água?.
- Aceitamos uma limonada suíça e um suco de morango, os dois sucos feitos com água com gás, por favor.
Jade sorriu após perceber o olhar marejado da garçonete, e imaginou que talvez fosse o seu primeiro emprego. A atendente sorriu novamente, pedindo licença e indo em direção a cozinha, mas, voltou da metade do caminho para dizer:
- Vou providenciar, enquanto isso vou deixar algo importante, essas duas rosquinhas da sorte, espero que explique um pouquinho do futuro que virá em breve.
As duas riram e resolveram abrir as rosquinhas, em ambas o recado era o mesmo ‘um mar calmo nunca fez bom marinheiro".
Cerca de quinze minutos depois, uma outra garçonete se aproximou, era uma moça completamente diferente, o uniforme também havia mudado, a moça morena e magra estava vestida de samurai, tinha os cabelos longos e cacheados presos em um rabo de cavalo que caia até a cintura, tinha uma linda pele morena contrastando com os enormes olhos cinza.
- Boa noite, desculpem a demora, o que desejam?.
- Já fizemos o pedido querida, onde está a Teca?.
- Estou aqui, sou eu, Teca.
- Tem duas Tecas? - perguntou Isadora antes de continuar.
- Estou falando de uma moça de cabelo liso e olhos azuis, de roupa amarela com uns escritos em japonês e flores nas costas.
- Desculpe senhora, mas, aqui não tem ninguém trabalhando com essa descrição, e o uniforme do restaurante é exatamente esse que estou vestindo, é único para todos os funcionários, tantos homens quanto mulheres. Será que não era uma cliente brincando?.
- Veja, ela nos deu esses dois biscoitinhos da sorte, olha os papeis...
Quando olharam para mesa não tinha nem farelos do biscoito, imagine os papeis com as mensagens?, tinham sumido igualmente. A garçonete não disse nada após olhar para mesa vazia, e rapidamente pensou "não sei o que essas duas usaram, mas, puras não estão", ainda tentou disfarçar, mas, seu olhar entregava toda a história que criara sobre as clientes, mas, buscou rapidamente uma solução, uma forma de tentar ajudar e decidiu perguntar se aceitavam um refrigerante ou um café forte antes do pedido, com a negativa, anotou o que queriam e seguiu.
Jade e Isadora preferiram não dizer mais nada, só pediram a mesma coisa que anteriormente e deram por encerrado a história. Após a garçonete sair com os pedidos anotados no pequeno tablet branco, Jade vira os olhos assustados em direção a namorada.
- Isadora, quem será a menina que nos atendeu primeiro?.
- Não sei amor, parecia um anjo a nos avisar de algo.
- Fiquei com medo, Isa, eu nunca gostei de história de assombração.
- Amor, não foi história, nós duas vimos, mas, a menina não parecia em nada uma assombração, aliás, me pareceu muito educada e feliz em nos ver.
Jade deu uma olhada em volta, na esperança de ver a garçonete fantasma, nome já escolhido para a "aparição", mas, nada, nem sombra.
- Jade, você percebeu que em nenhum momento ela disse que era a Teca?, nós que supomos, pois logo após a dona sair ela veio, e juntamos uma coisa com a outra.
A namorada ia responder quando percebe a presença de Vivian e Marcela duas mesas depois, encerraram assim o assunto da garçonete, e logo passaram a observar as amigas, que conversavam animadamente em clima de completa cumplicidade e harmonia, pareciam bastante envolvidas desde o último encontro.
Isadora seguiu até a mesa onde as amigas se encontravam, convidando-as para dividirem a mesa e os sushis. Vivian e Marcela seguiram com Isadora e encontram uma animada Jade.
- Oi, quanto tempo, estou muito feliz de encontrar as duas.
- Realmente Jade, vocês desapareceram, não estão indo nem a terapia, ficamos com saudades, mas, estamos construindo um berçário no hospital e nosso tempo anda corrido por demais, hoje estamos aqui porque uma vez por semana separamos o dia inteiro para nós.
Vivian sentou, chamando a namorada para ficar mais perto, piscando para Isadora como forma de agradecer, sem ela o namoro não haveria iniciado.
A conversa seguiu animada, inclusive sobre a ‘garçonete fantasma', que sorriu e piscou os grandes olhos azuis para Vivian, e se posicionou atrás de Jade, deixando subtendido que era sua guia, após pousar um delicado beijo na cabeça de sua tutelada, simplesmente sumiu sem explicar mais nada. Quando a guia de Jade se foi, Vivian agradeceu Isadora e contou como ela e Marcela começaram a namorar três meses após o almoço em sua casa, ao dizer isso, Marcela escorregou delicadamente no pescoço de Vivian, aproximando ainda mais o corpo da namorada, enquanto ajeitava sua franja que caia em cima por cima dos seus olhos.
- Vivian, sei que eu e Jade estamos devendo, mas, nesses últimos meses estávamos construindo um sonho, a nossa casa na praia, construímos em Guaratuba, e estamos firmes para organizar tudo, inclusive vamos fazer a inauguração no próximo fiz de semana, íamos ligar essa semana mesmo para convidar, mas, já que nos encontramos...
Vivian coçou a cabeça e demonstrou pesar.
- Puxa vida, nós agradecemos, mas, justamente nessa data vamos viajar para São Joaquim, em Santa Catarina, somos madrinhas do casamento de dois amigos meus de faculdade.
- Nossa Vivian, você vai a um casamento em São Joaquim?? - Disse uma espantada Isadora.
- Eu sou de lá Isa, nunca disse?.
- Claro Vivian, você escreveu sobre a história da Patrícia, como nunca me toquei disso?. O fato é que não sabe que também sou de lá, mas, não tenho boas lembranças, pra começar minha mãe Eulália morreu no parto e meu pai logo após foi embora...
Isadora falou isso de forma tão natural que Jade não entendeu nada, esse assunto nunca foi bem vindo, e a namorada evitava mencionar qualquer coisa que remetesse a morte da sua mãe, ao seu tio e traumas. Como não tinham sensibilidade mediúnica, não podiam ver o mesmo que Vivian, era a espiritualidade trabalhando para curar as dores do passado.
- Meu Deus do céu, é você a minha Mel...
A médica deixou as lágrimas escorrerem no rosto, deixando todos sem nada entender, em um supetão voltou ao passado dizendo.
- Você, você...é...a sobrinha de Eudes...
- Sim, sou Vivian.
- Eu quem te trouxe ao mundo, minha pequena, eu te disse que era só um até logo, que um dia iria te encontrar, que emoção, venha cá, me deixa te abraçar, por isso que você sentiu que me conhecia.
Vivian passa um bom tempo alisando os cabelos de Isadora que também chorava de emoção com a descoberta.
- Isa, como não pude reconhecer?, você é igualzinha à sua mãe Eulália, quando ela se foi você virou o chamego de todo mundo, colocamos seu nome provisório de Mel, de tão doce que era.
Isadora não conseguia dizer mais nada, chorou sem saber que o espírito de sua mãe lhe dava um suave beijo no rosto, enquanto olhava agradecida a Vivian. Marcela e Jade ladeadas estavam sincronizadas na mesma emoção, todas choravam com o reencontro. Mal haviam se recuperado da emoção quando o telefone de Isadora tocou.
- Alô?, sim é a Isadora...
- Boa noite Isadora, aqui é a Alexandra do Presídio Feminino de Piraquara, desculpe ligar a essa hora, e ainda mais para dar essa notícia, sua mãe se encontra aqui no Prontocard, estamos no bairro Água Verde, você pode vir aqui?.
- Meu Deus Alexandra, ela se foi?.
- Não Isadora, mas, é melhor vir pessoalmente.
- Obrigada Alexandra, já estamos indo.
Isadora conseguiu relatar em poucas palavras o que ouvira de Alexandra, após pagaram a conta, rapidamente partiram em direção ao hospital.
As amigas foram recebidas por uma médica loira, por volta dos seus quarenta anos, era extremamente séria e formal, e estava de plantão no hospital.
- Boa noite, sou Dra. Elena, quem é a filha de Doralice?.
- Sou eu, Isadora.
-Isadora, gostaria de ser portadora de uma boa notícia, mas, o quadro de sua mãe não é favorável, ela está no quarto, medicada, mas, está em confusão mental, está alucinando, conversando com Andréa, que pelo que me contaram foi sua vítima, sabe como é, as pessoas tendem a se arrepender quando sentem dor, vamos torcer que saia dessa e se perdoe. Bom, me acompanhem, por favor...
O quarto do hospital era verde bem claro, de uma janela aberta dava para ver a lua, que no dia estava belíssima. Doralice respirava com a ajuda de aparelhos que apitavam cadenciados, os olhos abriam e fechavam até capturar os olhos verdes e assustados de Isadora.
- Minha filha...
- Mãe...
- Filha, me perdoe, eu não fui exatamente a mãe que merecia, mas, juro que eu te dei o meu melhor.
- Psiu, não fala mais nada mãe, você vai ser cuidada e daqui a pouco vai sair desse hospital e em breve estará na nossa casa, vamos esquecer o passado.
- Espera, escuta filha, a mãe tem que ir, Andréa me disse que está aqui para me levar para um lugar mais bonito, ela está ali, olha lá, sorrindo pra mim, dizendo que me perdoa.
Ao dizer isso, Doralice suspira forte, buscando ar, e tranquilamente fecha os olhos pela última vez.
- Mãe???, não vai mãe...
Vivian contornou a cama, olhou Isadora nos olhos, segurou suas mãos carinhosamente e diz.
- Isa, minha querida, ela já foi, deve ter seguido com Andréa para o mundo espiritual, vamos fazer uma oração?.
Vivian, de mãos dadas com Isadora, Jade e Marcela oraram juntas para que o espírito de Doralice conseguisse partir em paz. Foi só um minuto, mas, o suficiente para Vivian avistar Andréa que segurava Doralice dormindo em seus braços como um bebê, ao seu lado estavam Liriel e Davi, mentores espirituais de Andréa e Doralice. Vivian não aguentou e chorou emocionada, enquanto a cena se dissolveu diante de seus olhos.
Isadora optou por um velório ecumênico, poucas pessoas compareceram, mas, as que ali estavam prometiam ficar em sua vida para sempre. Os poucos membros da família de São Joaquim que compareceram queria levar o corpo de Doralice para sua cidade natal, mas, Isadora preferiu cremar a mãe, assim, seguiu levando a urna com Jade até a praia, onde terminou a cerimônia jogando suas cinzas sob o mar de Guaratuba, enquanto agradecia os muitos anos dos seus cuidados e amor.
Colônia Espiritual Nossa Casa, 31 de maio de 2017.
Doralice abriu os olhos devagar, tinha a certeza que havia desencarnado, piscou várias vezes sem acreditar, olhou em sua volta e viu que estava deitada em uma confortável cama, o quarto era simples, mas, confortável, levantou devagar para ir até a sala, logo percebeu que estava em uma casa, o ambiente era alegre, as paredes tinham uma cor rosa bem clarinho, e nas paredes quadros de flores enfeitavam o ambiente. Assim que olhou em direção ao sofá viu um rapaz com a aparência bem jovem, seus cabelos eram longos e castanhos e estavam presos em um rabo de cavalo. "será que ele é um surfista?'.
- Bom dia Doralice, está tudo bem?, respondendo sua pergunta, não, nunca surfei, na verdade desencarnei nos anos vinte, em Curitiba mesmo, de modo que nunca vi o mar, quer dizer, vi desencarnado anos depois. Deixei os cabelos compridos porque gostei dessa moda, me sinto bem assim.
- Bom dia, esqueci que aqui liam a mente da gente, como se chama?.
- Não se lê tudo, mas, a pergunta foi encaminhada para mim. Prazer, sou Davi, te acompanho há anos. Pelos seus olhos estou vendo que está se perguntando porque não passou pelas regiões umbralinas, não é verdade?.
- Sim, estava justamente pensando...
- Então, para começar Andréa te perdoou, depois tem muita gente que você ajudou que orou bastante por você, muitos dos desabrigados que levou aquela sopa quente no inverno e palavras de incentivo, te enviaram agradecimentos sinceros, outros clientes seus também choraram e rezaram, mesmo cobrando por seu trabalho, você trazia alívio para muitas dores, assim, eles também estão agradecidos, você cuidava com todo amor, da mesma forma, sua filha e sua nora Jade, elas também são gratas, você ajudou muita gente Dora.
- E porque não fui nem para um hospital?.
- Não precisava, você tem perfeita consciência que as dores do seu corpo ficaram para trás, é consciente de tudo, sente alguma dor?, sente fome?.
- Dor eu não sinto, só fome mesmo, posso comer algo?.
- Sim Dora, te preparei uma bandeja com doces e frutas, aceita?.
- Claro, obrigada Davi.
Davi vai até a cozinha e volta com a bandeja, Doralice prova uma tortinha e envergonhada pergunta com a boca um pouco cheia.
- E Andréa, posso vê-la?.
- Claro que sim, no momento ela está fazendo um curso de socorrista, mas, deixou essa flor pra você em cima na mesa, mas, tarde vão poder conversar.
- Ela está fazendo curso pra que?.
- Para ser socorrista, Andréa está empenhada, quer tirar a namorada que está presa a sua vaidade no umbral.
- Namorada?.
- Sim, a Roberta, ela construiu um castelo voltado ao sex*, e leva uma vida completamente desregrada após o desencarne, estamos tentando ajudar, mas, essa é uma difícil missão, esperamos um dia conseguir esse intuito, Andréa mudou muito após o tempo de sofrimento que passou nessa região, mas, foi o que de certa forma salvou sua alma, hoje Andréa é outra pessoa.
- É estranho, estou com ciúmes, mas, sinto que devo ajudar, meu coração está pedindo, tenho essa necessidade, quem sabe assim me liberto da dor de ter matado Andréa?, acho que me sinto em dívida com ela.
- Andréa também se sente em dívida com você, mas, esse sentimento não irá ajuda-las em nada, vamos traçar um novo programa para resolver essas arestas, e não precisa ter vergonha de sentir ciúmes, acho que seja natural, não se muda os sentimentos após o desencarne, só o tempo.
Doralice sente os olhos encherem de lágrimas, e arrependida, olha Davi e diz baixinho.
- Eu a matei Davi...
- Matou...minha amiga, foi um erro, mas, a partir desse erro, Andréa ampliou sua consciência, e sua morte ajudou no seu processo de mudança, de metamorfose. Sabia que Andréa ajudou uma das meninas que ela matou?, sim, fez questão de nos acompanhar até o umbral, e a abraçou pedindo perdão, no final das contas, seus cuidados com sua vítima ajudaram e muito no seu processo de cura.
Não tardou para Andréa retornar, ladeada por Liriel, vinham conversando sobre o curso de socorrista e sobre os últimos resgates que Andréa participara como aprendiz, nas duas primeiras vezes seguiu receosa, acompanhando Liriel, quase como um bichinho acuado, mantinha os olhos baixos, para logo depois rezar, pedindo coragem e confiança, e acabava por melhorar, na terceira vez ajudou um pouco mais, ajudando no desligamento de alguns jovens em um acidente de carro, por fim, já estava até conversando com as pessoas mais resistentes do umbral, estava feliz em ajudar cada uma dessas pessoas, e ainda por cima, estava disposta a convencer a namorada a deixar o seu reinado para trás, quebrando as amarras criadas por ela mesmo.
Ao entrar em casa, mesmo sabendo que encontraria Doralice, que já a aguardava ansiosa, Andréa se viu assustada, por uns segundos teve medo e sentiu uma pontada onde levara os tiros, instintivamente deu um passo para trás, sem saber o que dizer e como agir. Estava começando a suar quando ouviu Liriel falar em sua cabeça ‘calma Andréa, você já perdoou, esqueça o passado'. Ao ouvir as palavras de Liriel, olhou os olhos tristes de Doralice pousados nos seus, se arrependeu da reação, indo em direção a Doralice, envolvendo-a em um abraço saudoso.
- Oi Dora, seja bem vinda, desculpe minha reação, tenho tanto a dizer, quero e preciso da sua amizade.
- Claro Déa, obrigada por me convidar a ficar aqui e principalmente por estar presente no meu desencarne, tudo ficou muito mais fácil para mim, com você lá me apoiando.
- Obrigada por me dizer isso Dora, você não faz ideia de como isso é importante para mim. No dia que desencarnou, Davi me convidou para participar e aceitei de todo coração, tive medo, não sabia de ia te fazer mal, rezei e fui confiante que ia dar tudo certo, como de fato deu, depois foi muito bom rever Isadora e Jade, sabe, eu pedi autorização a seus mentores e em breve elas virão desdobradas na hora do sonho para nossa colônia, preciso pedir perdão, principalmente a Isadora que sempre me tratou como uma verdadeira mãe e eu fui muito cruel com seus sentimentos mais nobres. Me arrependi profundamente.
- Isadora, minha menina, será que minha filha está bem?, e Jade?.
- Sim, essa semana fomos visitá-la, elas estão bem, é muito verdadeiro o amor que une sua filha a Jade, e elas se ajudam muito. Não sei se já comentaram, mas, Isadora está pensando em retornar a escrever sobre Patrícia, que aliás, está planejando de voltar como filha de Laura, o mundo dá muitas voltas, não é mesmo?.
- Verdade...
Andréa olhou para Liriel e sorriu, o guia apenas balançou a cabeça dizendo que sim, estava no caminho certo.
- Andréa, vá buscar o presente que preparou para Doralice, está em cima de sua cama.
- É mesmo, já tinha até esquecido.
Andréa retorna do quarto trazendo dois pacotes de presentes.
- Dora, são pra você.
Emocionada, Doralice rasgou os papeis, e chorou ao ver dois lindos quadros, preparados carinhosamente por Andréa, em um estava uma foto de Isadora com Jade e no outro a Prece de Cáritas.
- É para você pendurar no seu quarto Dora, eu quem fiz, consegui reproduzir o quadro a partir de uma foto que vi na sala delas, e esse quadro da prece tinha no seu quarto, lembra?.
- Obrigada Déa, são lindos, lindos mesmo!. Saiba que estou muito feliz e orgulhosa com sua mudança, parece outra pessoa Déa, não sei ao certo o que te fez mudar tanto. Mas, eu sempre falei que você tinha um lado bom, se eu tivesse continuado como sua mãe, eu poderia ter ajudado tanto.
- Dora, eu fui criado um bicho solto, não estou passando a mão na minha cabeça, mas, hoje eu entendi a razão de todos os meus erros, eu entendi tudo e me perdoei, agora é trabalhar e ser feliz. Sabe Dora, eu pedi perdão a todas as minhas vítimas, foi libertador, uma eu até ajudei a resgatar de uma região do umbral, e estou me preparando para duas grandes missões, resgatar minha mãe que está perdida em um lugar que não ouso descrever, e como já deve saber, preciso salvar Roberta, ela está mais revoltada do que nunca, perdida em seu sofrimento e dor, mas, não consegue deixar o que ela chama de reino.
- O que aconteceu?, se puder ajudar.
- Bom, quando fui levada por Biro-biro e Campineira, aliás, por Beatrice e Cândida para o seu reino, senti algo que nunca senti antes por ninguém, mesmo assustada, sentiu um carinho brotar, e esse carinho me tomou o coração, depois me apaixonei e por fim percebi que a amava, tudo tão imprevisível e rápido, só descobri recentemente que era um amor de muitas vidas. Bom, no reino de Roberta, ela construiu um palácio sinistro, que beirava ao exagero, e tinha um verdadeiro séquito, ela era a rainha, e em sua volta estavam várias funcionárias, escravas que atendiam sexualmente seus desejos e seus soldados, fui uma das escravas principais, eu topava tudo o que ela dizia, primeiro por diversão, depois só para estar junto mesmo, quando me percebi apaixonada a convidei para partir, mas, ela não quis, e tive que seguir sozinha. Depois que sai do seu mundo, fui com seu mentor e outros socorrista tentar busca-la, fomos duas vezes até lá, no primeiro dia ela não nos recebeu, mas, acabamos levando duas escravas conosco, o que ela não perdoou, da última vez vi que o mundo dela está ruindo, se antes era estranho e sombrio...atualmente ficou bem pior, e ela está ruindo junto...Roberta está transtornada Dora, meu coração ficou pequenininho quando a vi...
- Sinto muito Andréa, estou sentindo no coração seu amor e sofrimento, vou fazer o que puder para ajudar, ainda não sei de nada, mas, posso aprender.
- Claro que sim Dora, se eu consegui aprender, imagine você que sempre teve a espiritualidade presente em sua vida e sempre foi fiel a seus guias?. Ah, queria te fazer um convite, gostaria de dar um passeio?, quero te mostrar a Praça das Flores, um dos lugares mais lindos da colônia.
- Será um prazer Déa.
Andréa se despediu de Liriel e Davi, e saiu levando Dora pela mão, mostrando tudo o que considerava mais encantador na cidade espiritual, foi apontando animadamente os lugares, até chegar a sua praça preferida. A Praça das flores era enfeitada com uma diversidade de cores e flores da mais diversas espécies, trazidas de diferentes lugares do mundo, eram organizadas em desenhos, e era encantador de se ver, principalmente por que eram cuidadas exclusivamente por crianças, cada um em seu canteiro brincavam enquanto cuidavam das plantinhas.
Entre as muitas que estavam no lugar, uma chamou mais atenção de Doralice, Andréa explicou que era Aisha, nove anos, que concentrada mexia na terra e cuidava do seu quadrante, "Ela em breve vai crescer, não tem mais a necessidade de manter a forma física de uma criança, está muito evoluída para a idade, afinal, o espírito é imortal'. O primeiro espaço cuidado por Aisha era cheio de lindas e enormes rosas vermelhas, que ficavam ainda mais vistosas quando cantava com as mãos para o céu, "Epahey em Aruanda, a nossa mãe é Iansã, oh gira, deixa a gira girar", Aisha cantou forte, para depois saldar "Epahey minha mãe, Epahey Oyá, me faz linda e forte como tu és, que tua força e teus raios me iluminem, me abençoa minha mãe, que eu nunca desista de ser feliz". Aisha cuidava das flores, e às vezes parava um pouco para cantar e dançar. Doralice olhou hipnotizada e perguntou baixinho.
- É permitido cantar ponto de Umbanda?.
- Claro Dora, olha bem, percebe a energia de Aisha?, os orixás também nos ajudam e muito, eles são uma face da criação. Abre sua visão e observa, vê ali atrás dela.
Enquanto Aisha cantava, três lindas mulheres vestidas de Iansã, vindas de um plano superior abençoavam o lugar, enquanto faziam a mesma dança que a criança, derramavam chuvas de pétalas vermelhas de luz sobre o ambiente.
De repente, Aisha faz uma última saudação, enquanto muda de canteiro, passando a cuidar de girassóis amarelos do seu segundo quadrante.
- Salve Oxum, orixá do amor, da beleza e da ternura, eu te saúdo, Ora Yê Yê Ô Mamãe Oxum, minha rainha dourada, me forja no teu ouro e me faz forte, minha madrinha, abençoa esses girassóis que agora cuido.
Enquanto Aisha derramava água nos girassóis, duas mulheres de amarelo surgem, saudando as filhas de Iansã, que se despedem. Após aguar os girassóis, a criança passa a cantar, enquanto dança, seguido pelas mulheres vestidas de Oxum. "Eu vi mamãe Oxum na cachoeira, sentada na beira do rio, colhendo lírio...".
Doralice assistiu toda a cena emocionada, ao terminar de cuidar de suas flores, Aisha corre ao encontro de Andréa.
- Andréa, vim te dar um abraço, estava com muita saudade, mas, preciso ir, tenho que me arrumar para aula de ballet, e olha, terminei o tratamento.
Aisha sorri, mostrando os dentes branquinhos e perfeitos.
- Viu Andréa, foi o Dr. Heitor quem fez.
- Está linda, o Dr. Heitor fez um grande trabalho.
Ao sair, Aisha perguntou o nome de Doralice, que percebeu que Aisha tinha uma perna aparentemente sem a mesma mobilidade do que a outra. Antes que perguntasse o motivo, Andréa explica.
- Aisha teve câncer aos dois anos, uma perna foi amputada para a retirada total do tumor, mas, a doença já tinha avançado, tomando todo o seu corpinho, como ela tomava muitos antibióticos, entre vários outros medicamentos, seus dentes enfraqueceram e quebravam facilmente. Quando morreu, aos nove anos, seu espírito já retornou com as duas pernas, e Heitor que foi um dentista muito humano com crianças, cuidou de Aisha com carinho.
- Ela era filha de pais umbandistas de certo.
- Sim, de Mãe Fernanda de Nanã, uma generosa mulher, que após a morte da filha passou a trabalhar como voluntária em um hospital. Com muita frequência ela frequenta nossa colônia enquanto dorme, vem ver a filha e sempre nos ajuda.
- Que lindo, a vida continua para nós e para eles...
Após a tarde na praça, antes de voltar para casa, Doralice e Andréa se olham e se abraçam, estavam perdoadas e uma linda amizade começou a partir daí.
Fim do capítulo
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brinamiranda Autora da história
Em: 23/11/2020
Andréa teve seus traumas ligados a uma infância muito sofrida, mas, realmente se apaixonou por Roberta, e creio que esse amor conseguiu mudá-la, eu faço meus personagens acreditando que na vida as pessoas podem mudar, temos que torcer para isso.
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florakferraro
Em: 22/11/2020
Capítulo de revelações e continuo com muita pena da Andréa, o amor transforma mesmo.
Adorei a cena em homenagens as orixás.
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