Meus pedaços por Bastiat
Nossa canção
Helena
" - Por que yo tengo que vestirme com essa roupa? O que você está aprontando, cariño?
Isabel com uma mão segurou a toalha em seu corpo, com a outra apontou para a calça preta skinny estilo couro e me olhou com ternura.
- Porque eu quero a minha namorada ainda mais linda para a surpresa que eu preparei - falei abrindo o meu roupão e ficando só de lingerie.
- Eso de que é uma surpresa eu já entendi, Heleninha. No entiendo porque até roupa diferente eu ganhei. Achei que um jantar romântico combinaria mais con un vestido.
- Amor da minha vida, você ainda não aprendeu que eu gosto de surpreender? Acha mesmo que vou comemorar um ano de namoro só com um jantar?
- Cariño, nós estamos em Londres! Eso para mim ya es una gran conmemoración.
- Não vale. Eu não planejei essa viagem, tive que vir a trabalho. Você que parecia não fazer tanta questão de vir comigo.
- Como es dramática a melhor namorada do mundo - disse se aproximando e me dando um selinho. - Eu só não queria te atrapalhar com o seu trabalho. Com nuestra profissão, datas especiais ficam difíceis de serem comemoradas. Mas te prometo que farei de tudo para estar ao seu lado siempre.
Segurei em sua cintura e aproveitei a proximidade para admirar cada detalhe do seu rosto.
- Eu sei, meu amor. Mas eu jamais deixaria de tentar encaixar tudo para que a gente passasse o nosso dia juntas. Um ano que consegui um sim seu e que eu sou a mulher mais feliz do mundo.
- Eu também me sinto a mujer más feliz do mundo, cariño. Te quiero mucho.
Isa me puxou para um beijo que começou amoroso, mas logo se tornou caliente.
Sentindo que a espanhola descia e mordiscava o meu pescoço, com muito sacrifício tive que interromper:
- Amor, eu adoraria te jogar nessa cama e fazer amor de novo, mas nós temos que nos arrumar.
Isabel se limitou a dar risada e se separou fazendo um sinal positivo. Sem questionar mais, começamos a nos vestir.
Olhei para a minha calça jeans preta combinada com uma camiseta escrito ‘rock'n'roll', uma bota de salto cano baixo e aprovei. De canto de olho, vi a mais nova com a calça, uma blusinha vermelha de alça e coturno baixo. Simples e linda como só ela consegue.
- Cariño, nós estamos parecendo duas roqueiras... - Isa sorriu - Nós vamos a un concerto de rock?
- É uma possibilidade. O que você acha?
Minha namorada sentou-se na cama e passou a me observar enquanto me maquiava.
- Um pub bem londrino, entonces?
- Isabel, cala a boca e vem aqui para eu te maquiar.
- Pedindo com esse jeitinho carinhoso, por que não?! - usou da ironia.
A atriz raramente passa algo no rosto, mas hoje é um desses dias que ela abre uma exceção. Nada muito exagerado, passei apenas uma máscara em seus cílios e ela passou batom vermelho.
- Vamos, Isabel Casañas!
Saímos de mãos dadas do quarto de hotel e logo entramos em um táxi. Dei um papel com o endereço para o motorista pedindo segredo pois era surpresa. Sentamos e nos abraçamos. Umas das coisas mais gosto de fazer é me encaixar em seu pescoço e sentir o seu cheiro. Sinto-me tão privilegiada por tê-la ao meu lado, pelo seu carinho em meu braço, os beijos no meu cabelo, esse seu jeito de me proteger. Dependente, mas livre. Eu sempre procurei um relacionamento assim. Encontrei na madrilenha a minha alma gêmea, meu lar, minha soma, meu par.
- We arrived, ladies! - Anunciou o taxista sorrindo.
Agradecemos e paguei a corrida.
- Estamos na KOKO? Esse lugar é mágico! Vamos realmente assistir a um show? Quem vai tocar, cariño?
- Sim, um show de uma banda que adoramos e uma música especial para nós.
Isabel sorriu quando viu o letreiro iluminado da casa de show.
- AEROSMITH? ¿Vamos a ver un concierto de Aerosmith?
A felicidade chegou aos olhos da atriz. Parecem duas estrelas, das mais brilhantes, abrilhantadas ainda mais pelo largo sorriso.
- De camarote e com direito a um jantar vip antes do show, baby - fiz uma graça piscando para ela.
Isabel me puxou para cima pela cintura. Como ela gosta de fazer, girou-me no ar.
- Isa! Você vai me derrubar! - Falei dando risada.
- Gracias, cariño - disse me colocando no chão.
- Deixa para me agradecer mais tarde, a nossa noite está apenas começando. Vamos entrar, estou morrendo de fome.
- Me too, sunshine.
Fomos até a porta e entreguei os ingressos. A todo tempo eu segurava a mão da minha maravilhosa namorada.
Jantamos frutos do mar e Isabel não parou de elogiar o bolo de morangos frescos. Revirei os olhos quando ela disse que deveríamos elogiar o chef pessoalmente. Sua mania irritante.
Enquanto o show não começava, provamos alguns drinks. Conversamos sobre tudo, reparamos outros casais que estavam no mesmo camarote. Ninguém estava mais apaixonadas do que nós.
As luzes foram diminuindo e apenas o palco iluminou-se por completo. Acomodei-me no parapeito e Isabel se encaixou atrás de mim. Nossa visão era privilegiada, vibramos quando a banda começou os primeiros acordes e Steven Tyler começou a cantar.
Uma, duas... sete músicas que apreciamos. De vez em quando eu tirava a minha atenção do palco e buscava os olhos de Isabel que me encantavam, felicidade pura. Ainda por cima, meu amor canta até bonitinho.
O teclado deu o sinal da próxima música. A que eu mais aguardava.
Virei-me de frente para o meu amor e passei os meus braços pelos seus ombros. Comecei a dançar como fizemos inúmeras vezes em casa. A mais alta ficou tímida.
- Cariño, as outras pessoas...
- Ninguém está olhando, amor. Dança comigo. Eles estão cantando ao vivo para nós, aproveite.
Isa começou devagar, mas acabou relaxando quando Tyler começou a cantar:
I could stay awake (Eu poderia ficar acordado)
Just to hear you breathin' (Só para te ouvir respirar)
Watch you smile while you are sleepin' (Te ver sorrir enquanto dorme)
While you're far away and dreamin (Enquanto está longe e sonhando)
Puxei o seu corpo para colar no meu e cantei em seu ouvido como uma declaração:
- I could spend my life (Eu poderia passar a minha vida)
In this sweet surrender (Nesta doce rendição)
I could stay lost in this moment forever (Eu poderia ficar perdido neste momento para sempre)
Every moment spent with you (Cada instante que eu passo com você)
Is a moment I treasure (É um momento que eu valorizo)
O refrão foi entoado por quase toda casa de show. Faltaram pelo menos duas vozes, pois não foi compartilhado por mim e nem pela Isabel que roubou todo o meu ar com um beijo de tirar o fôlego.
I don't wanna close my eyes (Eu não quero fechar meus olhos)
I don't wanna fall asleep (Eu não quero adormecer)
'Cause I'd miss you, babe (Porque eu sentiria sua falta, querida)
And I don't wanna miss a thing (E eu não quero perder nada)
'Cause even when I dream of you (Porque mesmo que eu sonhe com você)
The sweetest dream would never do (O sonho mais doce não bastaria)
I'd still miss you, babe (Eu ainda sentiria sua falta, querida)
And I don't wanna miss a thing (E eu não quero perder nada)
Voltamos a dançar. Eu não conseguia tirar os meus olhos dos dela. Magnetismo, o mais belo amor. Somos feitas uma para a outra, não tem explicação ouvir ao fundo a música e se perder em nossa bolha. Cantamos juntas:
-... And thank God we're together (E agradeço a Deus por estarmos juntos)
And I just wanna stay with you (É que eu só quero ficar com você)
In this moment forever (Neste momento para sempre)
Forever and ever (Para sempre e todo o sempre)
E mais uma vez o refrão veio, mas dessa vez dançamos e cantamos alto. Quando terminou, Isabel começou a fazer carinho pelo meu rosto, passando pelos meus lábios, contornando o meu nariz, conforme acompanhava a letra música.
And I don't wanna miss one smile (Eu não quero perder um sorriso)
I don't wanna miss one kiss (Eu não quero perder um beijo)
I just wanna be with you (Eu quero estar com você)
Right here with you, just like this (Bem aqui com você, assim desse jeito)
O meu sorriso sempre presente no rosto ficou ainda mais largo quando ela me abraçou e cantou no meu ouvido:
- I just wanna hold you close (Eu só quero te abraçar forte)
I feel your heart so close to mine (Sinto o seu coração bem perto do meu)
And just stay here in this moment (Eu apenas fique aqui neste momento)
For all the rest of time (Por todo resto do tempo)
Até o final da música continuamos abraçadas. Quando acabou, olhamos uma para a outra com algumas lágrimas rolando. Naquele momento eu soube, preciso fazer essa mulher feliz sempre, pois a sua felicidade é a minha.
Depois de tanta emoção, voltamos a aproveitar o show olhando para o palco e namorando também.
Quando o concerto acabou, a atriz me abraçou. Eu senti que ela ainda estava emocionada. Ficamos longos minutos apenas nos apreciando os nossos corações batendo em sintonia.
Quando nos separamos, Isabel não parava de me olhar.
- Que foi? - Perguntei.
- Estaba agradeciendo por tenerte na minha vida. Você mais do que ninguém sabes tudo que passei. Los últimos años foram... tristes. Mi mamá se fuera, yo pensé que nunca mais conseguiria ser feliz. No sabia explicar o porquê de algo me puxar para o Brasil, mas quando te vi pela primeira vez, entendi tudo. Você me trouxe alegria, cariño. Você iluminou a minha escuridão. Eu só quero agradecer a paciência comigo, por no desistir de mim quando yo fugi, por me amar, por esta surpresa para marcar nosso primeiro ano juntas. Te amo, Helena. Te amo como eu nunca pensé que seria capaz de amar alguém.
Eu sorria, explodia de alegria. Beijei os seus lábios.
- Eu também te amo, vida. Eu tenho certeza de que este é só o primeiro ano do resto de nossas vidas...".
Eu queria que fosse apenas um sonho, mas estou mesmo nostálgica. O meu celular nem começou a dar os primeiros toques do despertador e já o desliguei. Voltei para a posição que estava desde que acordei, com o braço direito cobrindo os meus olhos. Me traí e deixei que essa lembrança povoasse a minha cabeça logo cedo.
Tudo isso porque ontem fez exatamente 17 anos que pedi a Isabel em namoro. A espanhola dizia que gostava mais desta data do que a do próprio casamento. Segundo ela, o casamento foi bonito, mas apenas a formalidade de tudo perante a nossa família e amigos. O dia que a pedi em namoro foi quando descobrimos e decidimos de verdade que seriamos uma da outra para sempre. Por isso sempre fiz questão de surpreendê-la, seja com viagens ou surpresas cafonas.
O ano passado, quando chegou esta mesma data, não sai da minha cama. A recente separação já tinha acontecido há 2 meses, e o que eu mais desejava era que tudo não passasse de um pesadelo.
Só que o tempo passa e mais uma vez chegou o nosso dia. Enquanto um ano atrás chorei as pitangas em meus lençóis, ontem eu tive que seguir a minha rotina de trabalho e justamente teve gravação do Atuando. Mas não a encontrei.
"- Já está pronta, Heleninha? Podemos começar? - Miriam perguntou.
Olhei o Maurício e o Eduardo no palco. Observei todo o set ajeitado, pronto para iniciar a gravação.
- Mas a Isabel ainda não chegou - estranhei.
- Não te avisaram? Isa não vem. Ligou mais cedo na produção e disse que acordou muito indisposta e sem condição de gravar. Decidimos manter a gravação, já que deu certo naquela vez que o Eduardo teve que viajar quando a sogra dele faleceu.
Nada saía da minha boca. Eu estava surpresa demais com a coincidência.
- Helena? - Miriam chamou a minha atenção.
- Eu... eu... posso tirar um minutinho? Preciso falar com o Mau.
- Um minutinho e já se posiciona para começar, viu?
- Sim, senhora.
Bati continência como brincadeira e caminhei na direção do jurado. Mesmo percebendo que o Maurício não fala comigo como antes, resolvi arriscar. É a única chance de saber se a minha ex está bem.
- Maurício, o que aconteceu com a Isabel?
- A Isabel? Bem... - Titubeou na sua explicação. - Acho que ela comeu algo que não fez bem... É, foi isso, ela amanheceu um tanto enjoada e decidiu ficar em casa.
- Mas ela está sozinha? Alguém tem que cuidar dela.
- Helena, Isabel sabe se cuidar muito bem..."
É claro que eu fiquei pensando se a ausência dela na gravação foi apenas coincidência ou não. Isa é muito forte, mas todo mundo pode ter um dia que não amanhece legal.
Pelo fato de ela ser dura na queda, preocupei-me. Sei que não deveria, mas não consegui evitar. Tanto que pedi para a Nina passar com a Giovanna na casa dela e ver se realmente estava tudo bem. Se eu estivesse doente, eu iria querer a companhia da Gi por algumas horas para me animar. Não faz mal querer notícia da outra mãe da minha filha, não é?! Afinal, Isabel é passado.
Tanta coisa mudou, principalmente nos últimos meses. De conversas estranhas, cumprimentos cordiais e beijo cheio de saudade, restou o meu desejo de acabar logo com as gravações para não ter que ouvir sua voz.
Há três semanas resolvi que a esqueceria. Bem, eu venho tentando. Pela primeira vez eu realmente estou disposta a colocar um ponto final na nossa história. Relutar só me trouxe dor. Ninguém consegue ter paz na situação que vivi por muito tempo.
Não posso ser hipócrita de pensar que já está tudo no seu devido lugar. O meu coração ainda insiste em bater forte quando a vejo. Meus olhos ainda gostam de admirá-la. Minha mente ainda me leva para lembranças como de hoje. Mas algo mudou. Eu mudei a minha postura. Não sinto mais aquele desespero. Procuro me distrair para não pensar nela. Não é mais tão prazeroso encontrá-la.
Sentei-me na cama e tentei ajeitar o meu cabelo com uma de minhas mãos. Bocejei e me recriminei por ter ido dormir tão tarde ontem por causa do trabalho. Até porque foi isso que fiz ontem: me joguei no trabalho para não pensar na data. Na verdade, não sei se o cansaço é por isso mesmo ou por ter que encarar o dia de hoje sem ter a opção de não a ver. Ontem eu escapei, mas hoje vamos fazer uma externa. Nossa diretora não seguiria com a programação com a ausência da jurada em dois programas seguidos.
- Lembre-se que ela não está se importando nem um pouco com a data de ontem. Deixa de ser trouxa. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.
Foi dizendo isso que levantei e fiz minha higiene matinal.
Segui a minha rotina de me arrumar, coloquei a mesa do café da manhã e subi para o quarto da Giovanna.
Como imaginei, a pequena está em um sono pesado com o Chico ao seu lado. Já dei bronca por ela insistir em dormir com o cachorro, mas não adianta. Toda manhã ele amanhece na cama da minha filha, parece até que ela acorda de madrugada para pegá-lo e colocá-lo em sua cama.
- Gi? Acorda, princesa.
Fiz carinho sem sua bochecha e cabelos.
- No... - resmungou.
- Sim... Vamos, filha. Já está na hora.
Giovanna sentou-se na cama esfregando seus olhos.
- Bom dia, meu amor - Disse a ela.
- Bom dia, Chico - revirei os olhos por ele ser cumprimentado primeiro do que eu. - Bom dia, mamãe. - disse esticando seus braços na minha direção.
Chico, como sempre, continuou dormindo.
A peguei no colo para levá-la até a cozinha.
Servi uma salada de frutas, vitamina e pão. Queria eliminar o pão preferido da Casañas que me faz recordar-me dela logo pela manhã, mas teria que ser menos maravilhoso e, além disso, a Gi não faz questão de comer todas as manhãs. Cortar o pão e passar geleia é como desejar bom dia para a espanhola quando a minha filha está comigo.
- Mamãe, você vai gravar hoje?
Sentei-me na cadeira e comecei a acompanhá-la no desjejum.
- Sim, Gio. Vai ser o dia inteiro de gravação, mas chegarei antes do jantar.
- Então você vai ver a minha mamá hoje?
Estranhei a pergunta.
- Sim... por quê? - Perguntei receosa.
- Pode dar um recado para ela? - Sorriu.
- Você pode ligar, meu bem. Vou pegar o meu celular...
- Não! Não quero ligar. É só um recado, mamãe.
Com Giovanna não tem jeito, quando ela insiste em uma coisa é mais cabeça dura do que a outra mãe.
- Qual o bendito recado? - Suspirei derrotada por ter que falar com a Isabel sem ser profissionalmente.
- Diz que eu amo muito ela, estou com saudade mesmo tendo visto ela ontem. Ah, e que estou com vontade de comer o bolo de fubá com erva doce dela.
Eu sorri como uma boba. Giovanna é tão amorosa. Como é bom ser criança e ver de forma inocente toda a situação. Melhor ainda é poder estar aliviada por vê-la lidando muito bem com a divisão de casas.
- Está bem, assim que encontrá-la direi tudo isso.
A pequena sorriu e terminou a vitamina. Um bigode se formou acima do seu lábio inferior.
- Mamãe, você ama a minha mamá?
Engasguei-me com o chá que estava bebendo e tossi enquanto pensava no que responder para a minha filha que me olha com certa expectativa.
Respirei fundo e decidi fingir que não ouvi sua pergunta. Peguei um guardanapo e dei para ela.
- Fez bigodinho com a vitamina, Gi. Limpa e vamos subir para te arrumar.
Espero que a Giovanna não tenha reparado tanto na minha falta de resposta. Caminhei com ela até a sala, notei que o Chico dormia em sua caminha. Voltei com ela para o seu quarto, iniciei assuntos bobos, dei banho e comecei a arrumá-la.
Pensei que assuntos constrangedores estavam encerrados por hoje, mas enquanto eu amarrava o cadarço do seu all star, Giovanna perguntou:
- Você e a mamá vão namorar outras pessoas?
Resolvi usar da estratégia de responder com outra pergunta para entender aonde ela quer chegar com esse assunto.
- Por quê?
Notei um certo nervosismo ao vê-la mexendo suas pernas para frente e para trás.
- Os pais de uma amiga da escola são separados e ela me disse que eles namoram outras pessoas agora. Isso vai acontecer aqui também?
Olhei em seus olhos e respondi com sinceridade e cuidado:
- Gi, sabe quando eu ou a sua mamá dizemos a você que existem vários tipos de família? - A vi acenando positivamente. - Então, como eu e a Isabel não estamos mais juntas, é natural que um dia nos interessemos por outras pessoas. Quando isso acontecer, quero que você encare isso como algo normal. Ainda seremos uma família.
Giovanna deu uma risadinha infantil.
- O que foi? Está rindo do quê?
- A mamá respondeu quase a mesma coisa - disse como se não fosse nada demais.
Não acredito que uma criança de 5 anos está fazendo joguinho comigo.
- Você está namorando? - Gi perguntou.
- Fez essa mesma pergunta à Isabel?
- Sim - respondeu como se fosse óbvio.
Fiquei tentada em saber a resposta, mas me contive. Até porque eu já sei que ela está, só não sei quem.
- Não estou namorando ninguém, pequena.
- Mamá também não! Ela disse que nem pensa nisso, que está fo... foca... focada em mim e no trabalho. O que é focada, mamãe?
Olhei para ela surpresa. Isabel não está namorando? Bem, pode ser que ela não queira apresentar ainda com quem está. Mas também pode ser que eu tenha me enganado. O que pensar?
- Focada é quando a pessoa quer se dedicar apenas ao que é necessário.
- Você também está focada que nem a mamá?
- No momento eu estou focada no relógio. Vamos nos atrasar se ficarmos de papo. Anda!
Apressei a pequena já pegando sua bolsa.
- Por que vocês não namoram uma a outra de novo?
Metade de mim quer pedir para a Giovanna ficar quieta pelo resto do dia e a outra metade quer questionar se ela também fez a mesma pergunta à Isabel.
- Gi, você já entregou todos seus convites de aniversário? Nina te ajudou na escola ontem?
- Sim! E o meu vestido?
- Vai ficar pronto na quinta-feira que vem.
Agradeci aos céus pela pequena ter se empolgado com o novo assunto e não falou mais sobre sua mamá até deixá-la na escola.
Saí do carro e dei a volta para abrir a porta de trás. Retirei a minha filha da cadeirinha, peguei sua bolsa vermelha e dei um beijo estalado em sua bochecha já cheia de saudade por passar o dia longe dela.
- Obedeça a sua professora, sim?! Seja uma boa amiga com seus colegas. Te amo, filha.
Giovanna se despediu de mim com um aceno na porta quando soltou a minha mão e se juntou aos colegas. Tão independente.
Voltei para o meu veículo e passei a dirigir até a casa do Eduardo. Como a gravação será em um sítio na grande São Paulo, resolvi ir com o meu próprio carro. O meu amigo pediu para levá-lo pela sua preguiça de dirigir e eu achei até bom ter uma companhia.
Eu gosto muito quando temos que viajar para gravar. O bom de ser atriz é conhecer e poder estar em cenários e lugares diferentes. Essa será a primeira vez que eu e a Isabel estaremos separadas em uma externa. Pelo menos não é longe e voltaremos no mesmo dia.
Não demorei mais do que vinte minutos para estacionar em frente ao seu apartamento.
Meu amigo bem espirituoso, entrou no carro e já foi logo deixando um beijo no meu rosto e tagarelando.
- Nossa, Heleninha, você está com uma cara péssima, pior do que a de ontem - disse Eduardo um tempo depois de ter narrado todo o café da manhã e o quanto o Rodrigo o mimou preparando tapioca.
- Eu faço o favor de te dar uma carona e você ainda fala da minha cara, Edu?
- Foi apenas um modo de tentar descobrir o porquê dessa cara fechada. Quando eu fui falar com você após a gravação, não te encontrei.
- Se eu te falar que não é nada demais, você vai acreditar?
- Não. Nem vou te obrigar a dizer. Mas se você quiser falar sobre o que te aflige, sou todo orelha.
- Ouvido, Eduardo! Ouvido - dei risada.
- Pelo menos te fiz rir um pouco.
Eu continuei dirigindo enquanto meu sorriso se desfazia.
- Ontem fez 17 anos que eu pedi a Isabel em namoro. Era um dia importante.
- Ah, entendi. Bateu a bad?
- Um pouquinho... sou muito idiota, não?!
- Não, Heleninha. Acho perfeitamente normal se lembrar e ficar triste.
Fiz uma curva mais acentuada e cai em uma rua com trânsito. Bufei de raiva.
- Giovanna veio com um papo estranho hoje de manhã. Perguntou-me se ainda amo a Isa, depois questionou se estou namorando.
- Acho que a pequena quer ver as mães dela juntinhas - disse dando risada no final.
- Isso não tem graça, Eduardo. Giovanna não pode ficar fazendo joguinhos e se enchendo de esperança. Eu desconversei, mas acho melhor ter uma conversa com ela.
- Eu aposto que ela vai fazer as mesmas perguntas para a Isabel.
- Já fez... - segurei o riso.
- Como você sab... ELA TE DISSE AS RESPOSTAS?
- Cacete, não grita! Sim, Gi disse que eu falei quase a mesma coisa que ela sobre namorarmos outras pessoas.
- E a parte de se Isabel tem alguém?
- Ela disse que não tem ninguém para a Gi. Mas ela pode muito bem não querer assumir agora, sei lá.
- O Rô questionou a Isa sobre isso no almoço que fiz aquele dia.
- Ué, mas você não disse que foi um completo desastre?
- Mas foi mesmo. Rodrigo começou a encher Isabel de perguntas e você conhecendo bem sua ex, sabe que uma hora ela explodiu. Mas antes de virar um desastre, perguntou se ela te deixou porque estava interessada em outra mulher. A espanhola negou, claro. Então depois perguntou se ela estava namorando agora e Isa negou também.
- Porr*, por que você não me contou isso antes?
- Eu tentei... - fez um bico.
Meus pensamentos tornaram-se confusos. É muita negação da Isabel para ser um simples receio de assumir. Mas se ela não está namorando, para quem era aquele sorriso e por que mentiu que estava trabalhando aquele dia?
Recriminei a minha indagação. Não posso me levar pelo meu coração apaixonado de novo. Maldita data cheia de recordações!
- É isso, Helena. São apenas recordações, passado, acabou - sussurrei para mim mesma.
- Está falando sozinha, Heleninha?
Olhei para o meu amigo que ria da minha cara.
- Estava falando que não tem importância se a Isabel namora ou deixa de namorar. Foda-se, sabe?
- Sei... até porque mesmo se ela não estiver agora, se depender da Philipa estará bem rapidinho.
Ainda bem que o carro está parado no trânsito porque era bem perigoso eu ter batido se estivesse com ele correndo. Falar da Philipa é me tirar dos nervos na hora. Eu nunca vi competidora tão insuportável. O jeito que ela e a Isabel entram em sintonia me tira do sério.
" - Helena? Olá? Helena?
Revirei os meus olhos ao ouvir o sotaque carregado da portuguesa me chamar. Pensei em continuar caminhando pelo corredor, mas seria muito rude da minha parte. Virei-me para ela e sorri com falsidade.
- Pois não?
- Desculpe-me, não quero atrasar o teu almoço.
- Então fala logo o que quer, assim não me atrasa mais ainda.
Eu não sei de onde saiu tanta grosseria. Nem eu me reconheço neste momento.
- Eu quero saber notícias da Isabel.
Encarei a competidora que é poucos centímetros mais alta do que eu e senti o meu sangue esquentar.
- Por que eu saberia notícias dela?
- Ora, pois. Tu foste casada com ela e sei que tens uma miúda juntas. Es normal que se comuniquem e que tu saibas com mais detalhes.
Sorri de lado e disse quase dando as costas para ela:
- Estás certa, mas que eu saiba você é uma competidora aqui e assim como os outros só tem que saber o que foi informado. Passar bem, Philipa."
Ruiva provocadora. Duvido que ela não tenha o número da jurada.
- Não duvido nada que ela seja a namorada secreta da Isabel.
- Ah não, Helena. Isso não! Isabel jamais se envolveria com uma participante do programa. Não durante a competição.
- Tão inocente e correta, coitada - ironizei. - Vai me dizer que ela não percebe que a portuguesa dá em cima dela descaradamente?
- É claro que percebe. Mas ela acha que a Philipa está fazendo isso porque pensa que assim pode vencer o programa. Isabel não dá a mínima para a menina.
- Não é isso que vejo. Conheço aquela espanhola como ninguém e sei que ela olha para a Philipa com uma admiração.
- Admiração porque a portuguesa atua muito bem.
Eu ri com a tentativa do meu amigo de defender a Isabel. Dei a seta para mudar de faixa quando notei que a causa do trânsito era um acidente.
Após sair do engarrafamento, consegui acessar mais rápido a rodovia e aproveitei para não tocar mais no assunto com o Eduardo.
Em duas horas, coloquei o pé no sítio mais tarde do que planejado, mas dentro do horário. Inspirei o ar fresco, admirei a beleza do local. A temperatura amena me animou ainda mais para a gravação.
Cumprimentei a equipe que estava montado e preparando o cenário. Quando terminei de conversar com um e com outro, vi a pessoa responsável pela locação e que sempre improvisa os camarins.
- Bom dia Vivi, onde vou ficar hoje? No sítio mesmo?
Notei que a loira não sorriu como sempre, a achei até incomodada com algo.
- Bom dia, Helena. Então, na verdade o sítio é bem pequeno e só tem um quarto. Vai ficar com os participantes como um camarim improvisado. Vocês vão ficar em um trailer, mas não se preocupe porque é bem espaçoso.
- Vocês? - Indaguei.
- Só temos dois trailers, então você vai dividir com a Isabel e o Eduardo com o Maurício, como sempre.
Demorei a acreditar nas palavras dela. Esperei que ela desse risada e falasse que tudo não passou de uma brincadeira. Percebendo o meu choque, Vivi disse:
- Não faça essa cara, Helena. Você sabe como é a liberação de verba para alugar essas paradas. Eu ia tentar resolver o problema de outra forma, sei que vocês não são um casal como antes, mas como a Isabel aceitou numa boa, não me preocupei.
Não sei quem está mais constrangida no momento, mas a forma nervosa da mulher a minha frente me fez ficar com pena de ser a chata da história.
- Se para a Isabel não tem problema, tudo bem - tentei sorrir. - Por onde é o camarim?
- Atrás do sítio - sorriu aliviada. - Obrigada, Helena. Salvou o meu trabalho.
- Imagina, Vivi. Estamos aqui sempre para nos ajudarmos.
A mulher saiu para resolver seus outros problemas e eu resolvi dar uma volta antes de ter que encarar a Isabel Casañas.
De primeira, fiz de tudo para evitar de ir até o trailer. Encontrei a maquiadora na cozinha e pedi para ela fazer algo bem leve por lá mesmo. Mas uma hora eu teria que ir até lá.
Foi justamente no momento que me dei conta de que tenho que trocar de roupa que decidi ir até o único lugar adequado para isso: o camarim improvisado.
Receosa, com passos lentos, me aproximei da parte de trás do sítio. Talvez eu dê sorte e a Isabel nem esteja mais nele.
Quando cheguei ao local, vi dois trailers. Não precisei chegar mais perto para saber qual é o meu e da espanhola e qual é o dos meninos. Philipa saiu de um e é claro que só pode ser o que eu vou dividir com a minha adorável ex.
Para o meu alívio, a portuguesa foi para o lado oposto. Eu me armei inteira e caminhei até o lugar.
Nem bati na porta por tamanha minha raiva. Abri a porta de uma vez. É muita cara de pau as duas se encontrarem no lugar que a jurada sabe que eu estarei. O ódio queima por dentro.
Como se nem visse ela sentada no sofá e mexendo no celular, fui até a arara cabideiro ver as opções de look separadas para mim.
- Olá, Helena. Bom dia.
‘Por que ela tem que ter essa voz tão suave?', pensei.
- Bom dia, Isabel - disse sem olhá-la.
- Estás atrasada, como sempre.
Olhei de canto de olho e vi um sorriso leve em seu rosto.
- Engano seu, Isabel. Eu enrolei o máximo que consegui porque não queria te encontrar aqui, mas nem essa sorte eu tenho.
A mais nova levantou-se no instante que terminei de falar e finalmente olhei para ela. Sua camisa social creme aberta até metade dos seus seios em um primeiro momento chamou a minha atenção por desejo, mas logo foi substituído pela raiva. Philipa e Isabel estavam aqui sozinhas e ao que tudo indica, lendo um roteiro é que não era.
- No es necesario esta grosseria, Helena.
A espanhola ajeitou melhor a sua camisa e vi suas bochechas corarem levemente.
- Ah, Isabel! Faça-me um favor! Nós duas não precisamos fingir que adoramos a ideia de dividir o mesmo camarim. Então, para evitar qualquer constrangimento, enquanto uma usa a outra vai passear, contar árvores frutíferas, ver o sol, respirar um ar puro, conversar intimamente com alguma competidora, qualquer outra coisa, certo?
A atriz abriu a boca surpresa e me encarou com raiva.
- Se te incomoda tanto, que seja! Mas só quero que saiba que realmente no tengo problema nenhum de ao menos ser educada com você.
- Fico comovida, querida. Agora sai porque daqui que eu tenho que me trocar... por favor - ironizei a educação.
A porta foi batida com tudo. Isa saiu como um foguete e deixou o som estridente falar por ela.
- Merda, merd*, merd*, merd*!!!
Irritei-me por ter perdido a cabeça. Eu não deveria ter falado com ela desse jeito. A minha paciência elástica realmente se esgotou com a Isabel. Não vou permitir que ela me machuque mais. Vou tirá-la do meu coração, nem que para isso eu tenha que romper de vez o laço profissional que nos une.
Coloquei um vestido verde que achei bonito e leve, tenho certeza que via esquentar depois do meio-dia, melhor estar com algo mais adequado.
Troquei de roupa e pelo relógio do celular percebi que tenha que correr. Fiquei enrolando demais, eu realmente estou atrasada.
Quase tropeçando na grama, cheguei no local de gravação da prova em equipe. É quando eles se dividem em grupos e apresentam cenas escolhidas por sorteio. Representam teatro, cinema e telenovela. O mais emocionante é vê-los improvisar, pois por mais que eles tenham o roteiro três dias antes, eles são pegos de surpresa.
A primeira coisa que fiz ao chegar no set foi olhar para a Isabel. Sua seriedade estava além do normal. Sua mão no bolso da calça jeans é o retrato de que ela está nervosa. Acho que estraguei nosso clima profissional.
Tomei o meu lugar ao lado dos jurados e fiquei entre o Eduardo e o Maurício. Está nítido que a Isabel pediu para trocar de lugar com o amigo e por um milagre a Miriam não implicou.
Comecei a explicar a prova, seguimos o roteiro, os grupos foram formados e os meus colegas deram dicas. O tom usado pela Isabel foi pesado, duro. Conheço quando tem algo a incomodando.
Eu não deveria, mas estou com o coração partido apenas por imaginar que ela está chateada comigo.
Deixei este assunto de lado, olhei para a câmera e falei com o público de casa.
- O primeiro grupo fará em instantes a apresentação da peça "Rasga Coração", de Oduvaldo Vianna Filho, conhecido como Vianinha, ator, diretor e dramaturgo. Utilizando a técnica de flashblack, veremos o painel histórico de 40 anos da política brasileira, passando pelo primeiro governo de Vargas, Revolução de 30, o Estado Novo, até chegada da ditadura militar e o mais alto grau de sua repressão. É teatro, é história, é o reflexo do presente.
Olhei para o integrantes do primeiro grupo e me dirigi a eles:
- Vocês têm 15 minutos para decidirem como irão se apresentar, depois mais 30 minutos para se vestirem e montarem o melhor cenário possível. Lembrem-se a avaliação começa desde já.
Dei a largada para a prova. Eu deixei os jurados assistirem sozinhos para avaliar como os competidores se dividirão. Correria para a decisão de quem ficaria com uma ou outro personagem, ensaio, improviso de cenário e muita falação.
Até mesmo a Isabel teve que interromper e falar mais alto todas as vezes que a equipe 1 começava a discutir bobagens demostrando desorganização.
- Muito bem, espero que tenham aproveitado os 45 minutos. Em 3... 2... 1... claquete para a equipe 1!
Apesar do caos inicial, o grupo foi bem e se mostraram fortes para garantir mais uma semana e não fazer a prova individual.
O segundo grupo, composto pela Philipa, ficou com a apresentação do clássico "A Fantástica Fábrica de Chocolate". Nem mesmo a portuguesa ficou de fora de uma de das broncas que Isabel destilou na etapa de organização da equipe 2.
- Philipa! Puta que pariu!
O meu vestido verde lindo foi em partes tomado por um pouco da calda de chocolate que ela carregava apressada para compor seu personagem antes do nosso choque. Ainda bem que estava apenas morno.
- Helena... mil perdões. Eu não tinha visto a senhora. Por favor, desculpe-me.
Respirei fundo para me controlar. Está claro que a culpa não foi dela, eu que distraída entrei na sua frente e talvez tenha até prejudicado a sua equipe já que a tigela está no chão.
- Está tudo bem - tentei sorrir.
A portuguesa ainda continua parada com seus olhos verdes arregalados.
- Anda, Philipa! Corre porque a prova já vai começar.
Em um segundo não vi a competidora que saiu como uma louca.
Olhei para o meu vestido todo estragado e logo Miriam saiu do seu posto e veio falar comigo.
- Não dá para continuar assim, você tem que trocar de roupa.
- Não vai ficar estranho eu aparecer com outra roupa?
- Não porque o acidente vai entrar na edição - deu risada.
- É claro - revirei os olhos. - Bom, então vou me trocar e já volto.
Com passos apressados cheguei no trailer e peguei um pano que estava por lá para retirar um pouco da calda que está no meu decote. Ainda bem que é chocolate.
Retirei o meu vestido, depois o meu sutiã, ficando apenas de calcinha de renda na cor preta. Passei o dedo pela minha pele e resolvi passar água para retirar o açúcar antes que eu seja atacada por formigas.
Fui na direção do banheiro começando a rir da situação e quando levei a minha mão à maçaneta, a porta se abriu de repente.
Com o susto, desequilibrei-me.
Braços firmes na minha cintura me puxaram para o encontro de um corpo tão bem conhecido por mim, evitando assim a minha queda.
- Mamasita...
Fim do capítulo
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