Para quem gosta de pequenas curiosidades, a moça da capa dos contos é exatamente como imagino a personagem principal dessa história, espero que curtam.
bjsss
Capitulo 5 - Um ser primordial
CONTO 05 - Um ser primordial
Quando desci a Terra nem lembro, nas minhas mais remotas lembranças surgi durante um cataclisma, quando o fragmento de um asteroide colidiu com mar, especificamente dentro de uma faixa do oceano Atlântico localizada entre a Grã-Bretanha e a ilha da Irlanda. Foi ali que me dei conta da minha existência, em um lugarzinho que futuramente seria Glastonbury, uma pequena cidade do Condado de Somerset, na Inglaterra, anos depois descobri que este lugar seria a ilha sagrada de Avalon.
Estava fraca, sentia que estava esgotada, minhas vísceras contorciam por dentro como se estivesse com uma fome primordial e estava, precisava me alimentar, mas, o mundo era ainda o caos, o nada, com muito esforço consegui sair das águas, me agarrando a qualquer coisa que encontrava pelo caminho e fui me arrastando até a margem, respirei profundamente e olhei as minhas mãos, elas eram envelhecidas, meus cabelos brancos eram lisos, iam até a cintura e estavam completamente desalinhados, fiquei à espreita e esperei milhões de anos em silêncio até o aparecimento dos seres humanos, que eu já sabia que surgiria a qualquer instante e foi com muita esperança que vi a chegada do homo sapiens, nesse instante eu percebi, eles seriam minha principal fonte de alimento. E do primeiro alimento não se esquece.
As ondas vinha e voltavam lambendo meus pés, estava na praia como todos os dias, sentada olhando o mar, meu corpo estava cansado e buscava descobrir uma forma de dar cabo a minha vida, mesmo sabendo que não seria tão fácil assim, não suportava mais ter que me alimentar da energia de pequenos animais...não, aquele tipo de alimento não era suficiente, causava uma sensação tão efêmera, sentia um momentâneo alívio, mas, logo minha barriga roncava de novo e tinha que voltar a caçar, e sinceramente, não era nada fácil, nesse caso os animais são mais espertos do que os humanos, eles sabiam que eram presas e já tinham visto como morreriam se conseguisse captura-los, com muita fluidez eu os hipnotizava e rapidamente me alimentava do fluido vital que existe em cada ser vivente, e em instantes a vítima voltava a ser pó.
Com ela também não foi diferente, vi a menina primitiva chegando movida pela curiosidade típica dos humanos, as pernas ainda não eram firmes, mas, cambaleavam, seu corpo era todo coberto de uma espécie de pelo espesso, me olhava sem entender, esticou de longe os braços buscando um toque que para ela seria letal, no fundo, só queria saber se pertencia a outro bando ou o que era, já que me aproximava do que o homem seria no futuro. Quando chegou muito próximo, sorri e puxei o ar, com ele veio a primeira rajada do seu fluido, depois foi só manter a constância, a energia vinha aos borbotões e a cada inspiração ela murchava mais e eu me tornava ainda mais jovem, respirei todo seu fluido, até não restar mais nada, fiquei de pé, enquanto seu corpo caiu seco como um galho de uma árvore, com o que sobrou de sua pele e pelos fiz a primeira roupa, e com seus dentes criei os primeiros enfeites, e foi desse modo que virei uma espécie de deusa para os primitivos que se doavam em sacrifício com toda boa vontade.
A partir dessa descoberta, aprendi que minha vida dependia de ciclos, precisava descansar, hibernava por cerca de dez anos, até despertar e voltar à ativa, e assim vivi como um ser divino, cuidado pelo mesmo grupo social por eras. Claro que a minha história com o sagrado não durou para sempre, senti falta de caçar, isso que dava sentido a minha existência, assim, em uma noite estrelada e silenciosa parti, fui embora sem fazer barulho, e por precaução fiz uma reserva de fluido vital, me alimentei de qualquer um que encontrasse fugidio pelo caminho, até encontrar uma toca para dormir.
E foi com muito espanto que vi o ser humano evoluir, num piscar de olhos chegamos a época renascentista, acompanhei as pessoas nascendo, morrendo e renascendo, e passei a coabitar, sobrevivendo as custas dos fluidos sem precisar necessariamente matar, pegava um pouquinho de um, um pouco mais de outro e descobri principalmente que durante o sex* poderia roubar os fluidos com muito mais facilidade, os homens creditavam o cansaço que sentiam ao sex* intenso que proporcionava, por isso a minha casa sempre era cheia, causando inveja e fofoca, sim, eu vivia da mais antigas das profissões, era cortesã, tirava todo dinheiro, prazer e energia que esses homens poderiam me dar. Mas, faltava algo, me sentia incompleta, a minha eternidade e juventude não eram suficiente para me sentir feliz.
Era noite, tinha atendido vários clientes, nesta época precisava dormir pouquíssimo, umas quatro horas eram mais do que suficiente, desde que me alimentasse de pelo menos três pessoas ficava muito bem, foi quando uma das minhas meninas apareceu em minha porta.
- Madame Elizabeth, tem um...na verdade uma cliente, ela é da nobreza, e quer ser atendida apenas pela senhora, nunca vi isso, uma mulher querendo pagar para deitar com outra, onde já se viu?.
Ela colocou a mão em frente a boca, soltando seu risinho esganiçado, mais parecia o barulho de um rato, me aproximei seriamente, e como uma serpente a hipnotizei, detestava aquela risadinha, e sem nenhum tipo de remorso suguei seu fluido, não a ponto de matá-la, mas, foi o suficiente para deixa-la tonta, hoje ela não ia conseguir deitar com homem nenhum, como sabia do seu profundo apreço por sex* e por dinheiro, essa foi a melhor vingança que poderia me proporcionar.
- Brigitte, pode descer, avise a moça que estou terminando de me arrumar.
Ela foi embora segurando o sono, arrastando o corpo sugado pelas escadas, agarrada ao corrimão feito um gato, com profundo medo de cair no percurso.
- Brigitte, que cara horrível, o que você tem?.
- Colette, estou fraca, acho que bebi vinho demais, se o Conde vier por favor atenda por mim, não estou em condições, preciso dormir.
Ri o tanto que quis, depois olhei minha aparência no enorme espelho do quarto, ajeitei meus longos cabelos negros, passando perfume detrás das orelhas e me aproximei para ver meus olhos verdes que faiscavam cheio de fluido vital, eles eram brilhantes como duas esmeraldas.
Estava pronta quando ouvi duas batidas na porta, era Emmelot, uma das minhas meninas, avisando que a cliente estava esperando.
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Uma mulher, nunca pensei que teria uma mulher como cliente, é bem verdade que ao longo da eternidade sempre vi humanos que se relacionavam com pessoas do mesmo sex*, mas, eles eram apenas vítimas em potencial como qualquer outro ser. Mas, nessa noite, tudo seria diferente, eu estava curiosa para saber o desenrolar dessa história, nunca havia beijado lábios femininos, mas, resoluta, já tinha decidido, faria com ela exatamente o que mais gostava que os homens fizessem comigo e tão logo terminasse tudo ela iria embora, deixando como paga seu dinheiro e um bocado do seu fluido, isso seria mais do que o suficiente para que pudesse descansar essa noite com tranquilidade. Eu tinha uma única certeza, ela voltaria, ah, se voltaria, todos voltavam, com ela também não seria diferente...
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Ela entrou timidamente no quarto, o rosto delicado estava escondido por uma espécie de chapéu, que foi rapidamente tirado, assim como o camafeu que prendia seus cabelos, quando ela finalmente os soltou, vi que era ruiva, seus cachos caíram em uma charmosa cascata, indo até a cintura e seus olhos negros me olhavam em total estado de êxtase.
- O que deseja além do óbvio?.
- Te vi em uma festa, e não consigo mais pensar em outra coisa, meu corpo foi acometido de uma espécie de febre que nada cura, e precisava tê-la, nem que fosse dessa forma, foi a maneira que encontrei de permanecer viva, preciso de ti como o ar que entra todas as manhãs por minhas narinas, preciso dar cabo a essa febre que me consome o corpo e a alma, por favor não me deixe mais padecer de tanta vontade.
E ela me tomou, pareceu experiente na arte de amar uma outra mulher, seus lábios rosados cobriram os meus e senti a delicadeza do veludo, assim, deixei que me guiasse em sua jornada em busca de prazer. Sorri quando ela me despiu, e ofereci meu corpo para que ela matasse a fome que fora acometida desde que me viu pela primeira vez, deixei também que bebesse os líquidos que vertiam de mim excitada que estava, ela suspirava e com sua língua percorria cada pedacinho meu como se fosse algo raro e precisasse demarcar toda extensão do seu prazer, e ao chegar ao meu centro senti sua língua delicada e macia permanecer ali até sentir que explodi no mais sincero grito, foi diferente de tudo que já havia sentido na minha eternidade de sensações.
Coloquei os braços em volta da cabeça para descansar um pouco, ela era insaciável para uma simples mortal, e tão logo se recuperou estava de volta para recomeçar, a noite foi regada a paixão e a sex*, no fundo sentia que minhas forças estavam se exaurindo, em breve precisaria de bastante fluido vital para continuar saudável e jovem, mas, parecia não me importar, o desejo era um punhal cravado na minha alma aparentemente infértil.
E já era dia quando a ruiva foi embora, deixando em mim uma ruga de expressão e alguns fios brancos, ela sorriu da porta do quarto, prometendo voltar à noite. Após sua saída estava me sentindo enfraquecida, inventei uma reunião particular com cada uma das meninas da casa, hipnotizei cada uma delas, para logo após sugar um pouco da energia de todas que moravam comigo, assim os fios brancos e as rugas sumiram completamente, estava refeita!.
A noite ela voltou, fiz de Gwenhwyfar minha amante, muito mais, fiz dela o meu único e verdadeiro amor, e foi assim que encerrei a minha vida de cortesã, deixei a casa de presente para as meninas e junto com Gwen passamos a viver de forma nômade, andando por toda a Europa, colhendo objetos de arte e revendendo. Infelizmente tive que explicar o que de fato eu era, no começo ela assustou, queria fugir, não aceitava amar uma espécie de "coisa" que vivia as custas da vida e da energia de outras pessoas, eu chorei lágrimas de sangue, pela primeira vez me dei conta da aberração que era. Gwen apenas me abraçou, dizendo que naquele momento entendeu que no fundo era apenas uma vítima das circunstâncias, e me amou, me acolheu com fervor, exatamente como se pode esperar de um grande amor.
Fomos felizes dentro do nosso infinito, mas, o fato é que tudo que é vivo na Terra um dia fenece, e foi assim que entendi que o tempo é implacável para os amantes, e a ampulheta girou sem que eu houvesse descoberto uma forma de doar o meu próprio fluido vital para Gwen, eu a vi envelhecer, esquecendo de mim e do nosso amor um pouquinho a cada dia, mesmo assim cuidava da minha pequena com total devoção, e um dia, como tudo que existe na Terra, a morte a levou dos meus braços.
Enterrei Gwen em uma manhã chuvosa, revoltada que estava, a partir desse dia passei a colecionar amantes, apenas mulheres, as matava de prazer, algumas literalmente, outras sugava seus fluidos vitais e simplesmente ia embora, deixando-as largadas à deriva dos seus próprios sentimentos, assim, passei de país a país, assistindo o tempo passar, esperando o momento em que Gwen reencarnaria e poderíamos recomeçar o nosso amor exatamente de onde paramos.
Vivi os períodos, o passar dos anos, tenho recordações de todas as eras, mas, guardo entre minhas lembranças mais queridas o Woodstock Music & Art Fair, evento ocorrido em agosto de 1969, em uma fazenda de gado leiteiro de 600 acres, próximo à região de White Lake, na cidade de Bethel, estado de Nova York, Estados Unidos. Foi nessa festa que cheguei muito próximo a me apaixonar, no entanto, Mary queria apenas o sex* libertário de sua época e sem mais nada a fazer, aproveitei a ocasião e suguei muito fluido vital enquanto me misturava aos jovens que dançavam frenéticos no festival que exemplificava tão bem a era da contracultura do final da década de 1960 e começo de 1970.
E foi junto a milhares de jovens que protestei contra a Guerra do Vietnã e vivi plenamente a força do Rock n' roll e das drogas, principalmente as sintéticas, como o LSD e a mescalina. Enfim, preciso relatar que sentia todos os efeitos dessas drogas ao sugar o fluido vital das pessoas que me relacionei sexualmente durante aqueles quatro dias inesquecíveis. Apesar de toda loucura me senti novamente viva, mas, quase vi meus planos escoarem pelo ralo quando a cidade não suportou a demanda por comida e outras formas de mantimentos para tamanha quantidade de pessoas, isso me deixou irritada, pois precisava que minhas vítimas potenciais estivessem saudáveis e bem dispostas para me alimentar de forma a fazer uma nova reserva para poder novamente hibernar, mas, no final, tudo foi resolvido, graças à ajuda das cidades vizinhas. Não matei ninguém, quer dizer, deixei Bob em coma por cerca de quinze dias, mas, no final desse tempo, ele se recuperou.
Nos anos de 1980 conheci Muriel, uma garota de programa que virou minha assistente, tanto na vida, quanto no antiquário que havia montado no bairro da Água Verde, em Curitiba, uma cidade simpática localizada no sul do Brasil, onde senti que minha Gwenhwyfar reencarnaria. Em dezembro deste mesmo ano, me despedi de Muriel, acordando três anos depois para me alimentar, voltando a hibernar, até que senti...estava perto, minha Gwen retornaria.
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Curitiba, 22 de junho de 1986
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Na manhã desse dia despertei com as batidas no meu coração, estava exatamente da forma que adormeci, gritei por Muriel, mas, ela nada respondia e de longe ouvi um pequeno choro de um bebê. Abri a porta e caminhei com passos suaves, chegando até a cozinha para perguntar.
- O que é isso Muriel, quem é essa criança?.
Ela gaguejou tanto que precisei ser dura para que parasse, mesmo tremendo as pernas, ela tossiu buscando restaurar sua voz, logo após explicou que o bebê chamava Sofia, era sua filha, fruto de um namoro fugaz e seria criada para me atender quando não tivesse mais força para trabalhar, é, minha assistente tinha parido durante o período que estive dormindo.
Subi as sobrancelhas e pensei...bom, o fato é que a sua fala faz total sentido, um dia Muriel vai deixar de trabalhar e vou precisar de uma nova assistente.
- Ok, a criança fica, quanto meses essa pequena humana tem?.
- Ela fez seis.
- E o pai?.
- O pai é na verdade um palhaço, sumiu no mundo sem querer conhecer a menina.
Levantei novamente a sobrancelha para perguntar.
- Quer que cace e elimine o verme da face da Terra?.
- Não Anna, muito obrigada.
Sorri, tomei um banho e sai para me alimentar, estava com fome, precisava apenas de uma única pessoa, não estava com paciência para escolher mais de uma, essa eu teria que matar para ficar bem.
Respirei fundo, e ao chegar em uma praça abandonada avistei de longe um babaca, ele também me viu quando estacionei, conheço um predador de longe, e não foi preciso nem cinco minutos para ler a sua mente e descobrir seu perfil, era um conhecido assassino de mulheres, vinha de Santa Catarina e fingi que era uma estrangeira perdida em Curitiba pedindo informações, ele era bonito, jovem, cheio de energia e muito conversador, dei a entender que estava seduzida por sua fala e tinha aceitado o seu convite para ter conversinha em um lugar mais íntimo, conforme seu desejo.
Claro que ele me levou para um quarto barato e mal cheiroso, que havia alugado para a temporada, confesso que me diverti imensamente quando percebi que ele esfregava o corpo em mim buscando a ereç*o que não conseguia ter, seu p*nis era completamente disfuncional.
- Humm, pelo visto sua pipa não sobe.
- Sua cadela, você vai ver.
Ele levantou irado da cama, tirou o cadarço do tênis, tentou envolver no meu pescoço e eu o afastei apenas com uma mão, ria abertamente, de forma até mesmo cruel, a seguir respirei fundo e seus fluidos entravam lentamente no meu corpo, poderia tê-lo matado rapidamente, mas, achei que seria muito mais divertido se demorasse um pouquinho mais com a brincadeira, igual ele fazia com suas vítimas.
- O que você é?, como....como você se chama sua demônia?.
- Anna, mas, ó, não sou uma demônia, você está enganado, querido. Agora, o que sou?, seria muito complicado para você compreender.
Quando ele começou a falar demais...simplesmente o matei, estava cansada de brincar de gato e rato com ele, dessa vez não deixei nada, ele virou poeira e varri todo o pó que restou. Simples assim.
Sai batendo a porta, e pensando...nossa, adoro esse nome, Anna, a cada tempo mudava meus documentos, aqui em Curitiba fui registrada com documentos falsos, atendendo pelo nome de Anna Dilshad Kupfer, sobrenomes de duas cantoras que conheci em minhas andanças pela Terra.
E os dias foram passando lentamente, sempre na expectativa do nascimento da minha amada, a todo instante sentia sua vibração, também percebi que precisava menos de alimento fluídico, há anos já conseguia tirar energia comendo, logicamente que sentia que dessa forma envelhecia um pouco, mas, com isso me tornava mais próxima da fisionomia humana, sem todo aquele excesso de perfeição, isso também causava efeitos colaterais, precisava tomar banho frequentemente, também tive que aprender a excretar os que ingeria, o que nem sempre era muito agradável, quanto aos fluidos vitais, bastava sugar uma pessoa quinzenalmente sem exauri-la, isso me causava alívio, pois sentia que estava cada dia mais humana.
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28 de junho de 1986
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Acordei cedo, de longe senti o cheiro da minha Gwen, corri e cheguei rapidamente a maternidade, a tempo de ver pela janela de vidro do berçário uma linda menina loirinha enrolada em uma mantinha cor de rosa, sendo observada pelo pai.
- Ela não é linda?.
- Sim, como ela vai chamar?.
- Liz, sempre sonhei em ter uma filha com esse nome, simples e doce.
Estava ao lado do pai que admirava sua mais linda criação, sorri e menti, dizendo que estava visitando o filho de uma amiga, falei apontando para um menino de espessos cabelos negros, que dormia largado envolto por uma manta amarela.
- Um meninão, hein?, tenho certeza que esse garotão ai vai ser um futuro galanteador.
- De certo.
Olhei rapidamente e o vi no futuro, um menino franzino de óculos fundo de garrafa, nem de perto seria um galanteador, realmente não faça planos sobre a beleza de um bebê, por mais fofinho que ele seja.
Não demorou e logo me tornei vizinha da família Stokes, vi os primeiros passos de Liz, a primeira vez que foi para a escolinha, as brincadeiras com as crianças, o primeiro namoradinho, no entanto meus dias como vizinha não podiam eternizar, quando ela estava entrando na pré-adolescência resolvi me mudar, não demoraria para que todos percebessem que todos envelheciam em minha volta, enquanto eu simplesmente havia estacionado no tempo. Enquanto Liz crescia me qualifiquei, fiz faculdade, em seguida entrei para o mestrado, doutorado e passei em um concurso para lecionar na faculdade, sendo aprovada com muita facilidade.
Curitiba, UFPR, março de 2004
Com alguma influência e poder de persuasão passei a lecionar na faculdade de Psicologia, o curso estava com a grade fechada, mas, o coordenador espremeu e colocou minha disciplina entre elas, lecionava "Cultura Brasileira", também dei um jeitinho de influenciar Liz a se matricular, há tempos que não conversávamos, eu a acompanhava a distância, mas, estava ansiosa demais para reencontrá-la.
Ela entrou com atraso, vinha com um fone de ouvido rosa com lilás, balançando o corpo enquanto cantava "Because of you", de Kelly Clarkson, com a música alta, nem escutou o riso solto dos outros alunos.
- Foi mal ai professora, estava com Mário, ele está terminando de se matricular na disciplina da senhora e está vindo ai.
- Mário?.
- Sim, meu namorado, ele também passou para Psicologia.
Olhei no fundo de seus olhos e vi Liz no futuro, em poucos anos ela se casaria com Mário, teriam três filhos e construiriam juntos uma linda história de amor. Ali naquela sala inóspita enterrei meu coração e esperanças.
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Era uma noite fria, sentei na cadeira de balanço em frente a lareira enquanto deixei que grossas lágrimas escorressem em meu rosto, estava quase adormecendo quando senti uma mão macia pousando delicadamente em meu ombro.
- Anna, posso fazer alguma coisa por você?.
O toque de sua mão da minha pele me arrepiou inteira, senti aquela vibração tão familiar, pela primeira vez havia errado minha conexão, tinha procurado quem eu queria na pessoa errada. Olhei por alguns segundos no fundo dos olhos de Sofia, e consegui reconhece-la, era a minha Gwen, meu coração passou a bater descompassado dentro minha caixa torácica, a puxei com delicadeza, sentando-a em meu colo, ela sorriu, escorregou as mãos por meus cabelos falando.
- Meu amor, te esperei a vida inteira.
Foi quando a verdade rasgou meu momento de felicidade, abri os olhos e vi que seu espectro havia sumido, Sofia estava morta há cerca de três anos, e nunca a olhei, minha Gwen esteve por anos a fio comigo e não a reconheci, logo após ouvi uma risada diabólica, um ser se materializou em minha frente, e entendi tudo, a vida inteira tive uma rival invisível a influenciar o curso da minha história.
Quando a risada cessou, sentei no piano de calda branco e compus um prelúdio, novamente teria que esperar que a ampulheta virasse, teria que esperar minha Gwen e dessa vez não haveria erro.
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São Paulo, 22 de junho de 2020.
- Dra. Amanda, sua mini paciente chegou, veio com uma de suas mães.
- Obrigada Sâmia, pode deixar que entrem.
Observei atentamente Fabrícia, uma das mães da garotinha, ela estava com uma calça jeans escura e uma blusa estampada floral combinando com a máscara e o agasalho em tom pasteis, segurava de forma amorosa a mão da menina de sete anos, que pulava mais que um canguru, seu vestidinho lilás combinava com a máscara que estava usando devido a pandemia e um grosso agasalho a protegia do frio.
- Olá mãe, tudo bem?.
A jovem mãe sorriu, me abraçou forte em um sincero gesto de agradecimento.
- Ai Dra. Amanda, nem sei como agradecer, você salvou a minha filha, ela está cada vez melhor, infelizmente Léia não pode vir dessa vez, está com um cliente, atendendo em um caso complicadíssimo. Sabe como é, gostamos de fazer tudo juntas, desde o processo de fertilização, mas, hoje não deu mesmo.
Senti a língua coçar, uma vontade imensa de dizer que Léa era uma verdadeira filha da puta, que a traia até com a atendente da padaria ao lado do meu consultório, mas, achei melhor manter o silêncio, já que tinha certeza que um dia entraria para esta família, talvez com outro nome, outra história, mas, pouco me importava, no momento era neuropediatra e havia operado a menina cerca de seis meses atrás, fiquei feliz de vê-la tão bem, havia se recuperado melhor do que o esperado.
- Oi Laurinha, está linda com esse vestido combinando com a máscara.
- Não me chamo Laura, já disse, me chamo Gwen.
A mãe me olhava assustada.
- Dra, desde de que voltou da cirurgia, Laura afirma que se chama Gwen, não sei mais o que fazer.
Pisquei para mãe e soltei um "não se preocupe", depois agachei, olhei bem fundo nos olhos da menina e sorri ao ver os cabelos ruivos renascendo após a cirurgia, a puxei carinhosamente segurando suas mãozinhas e expliquei.
- Eu sei que você é Gwen, mas, consegue manter esse segredo só entre nós.
Ela balançou a cabeça em sim, depois riu e correu para me abraçar, senti no corpinho a vibração tão familiar, e em seus olhos vi as lembranças do passado, a menina encostou a boca em meu ouvido e falou.
- Eu sei de tudo, esse será o nosso segredo.
Fim do capítulo
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Rosa Maria
Em: 10/12/2020
Brina...
que história intensa e cheia de detalhes, alias muito bem escritos inclusive com riquesa de detalhes, esses "seres mulheres" já ficaram muito interessantes ainda mais depois que descobriram a forma de se alimentar do fluído sem tirar a vida dos mortais, afinal para eles esse processo não é nada ruim estou certa? kkk
Beijos
Rosa
florakferraro
Em: 30/11/2020
Essa história é muito complexa, eu tive que reler duas vezes para captar, para as leitoras que esperam só pornografia com certeza não vai entender hehehehe
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brinamiranda Autora da história
Em: 07/11/2020
Essa é uma história complexa e cheia de detalhes...os personagens podem voltar depois :)
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Rain
Em: 07/11/2020
Oh... Não me acostume mau. Sou muito tagalera quando se trata de histórias... Você já teve ter percebido isso. Adoro fazer perguntas. Enfim... Rsrsrs
Nossa, sua mente funciona de um jeito espetacular, queria ter um pouco desse raciocínio.
Pergunta 1 - Por que a Anna não viu o futuro da Liz logo ali na maternidade, como ela viu o do outro bebê?
2 - Por que ela não sentiu algo quando viu a pequena Sofia pela primeira vez?
3 - Como assim, Sofia morreu a três anos? ( essa parte eu não entendi. Só sei que tem algo a ver com a rival da Anna, mas ainda assim não entendi)
4 - No final, quando ela conheceu a Laurinha, ela já está humana?
Vou deixar só essas. No outro conto dessa série, posso ter mais das minhas respostas.
Até em " A sombras do tempo" que pretendo ler hoje também. Bye!
Resposta do autor: Beleza, vamos as suas respostas...pode ser que alguma não saiba simplesmente responder rsrsrs 1) não viu por conta da sua inimiga invisível... 2) a sua inimiga atrapalhou novamente, com o objetivo de confundir a pobre... 3) Sofia havia morrido, afinal o tempo tinha passado, morreu de "morte morrida" mesmo rsrsrsrs no entanto, seu espírito foi visitar Anna, o seu amor...e por uns minutos Anna esqueceu desse detalhe, que ela tinha morrido, enfim, ela estava perdida entre o sono e seus devaneios. 3) Não totalmente ... No caminho digamos assim. Até
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brinamiranda Autora da história
Em: 07/11/2020
Pode deixar as outras perguntas Rain....adoro essa interação com quem me lê,,,,inté.
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Rain
Em: 06/11/2020
Olá!
Eu acho o máximo quando você diz que os personagens querem pular fora de sua cabeça e eles mesmo fazem o desenrolar da história. É incrível! Eu não sei como é a sensação, mas deve ser massa.
Esse conto foi muito interessante. Porém me gerou muitas perguntas, por exemplo: A Anna ( eu gostei mais desse nome ) ela veio da onde? Tá claro que ela é uma alienígena, mas de onde ela veio?
Ela vei para terra antes dos humanos exiatirem... Então, ela chegou a topar com algum dinossauro? ( foi a primeira pergunta que me fiz rsrsrs)
Ela come comida humana sem ser os fluidos?
E meu, quem é a rival invisível dela? A que se materializou ali na frente dela?
Não vou fazer mais perguntas, deixa só essas mesmo.
Que bom que no final ela encontrou a Gwen dela de novo e não foi a Liz se não ela tinha sofrido mais.
Até mais!
Resposta do autor:
Oi Rain,
Vou te contar como é o meu processo de escrita...as vezes surge apenas a história, outras vezes apenas os personagens, e as vezes vem inspiração dos dois juntos...então geralmente eu tenho apenas a história base, o enredo, quando começo a escrever apearecem os detalhes, até o final vem muitas informações....
A Anna é um ser primordial, do espaço, não sei de que planeta ela veio, não veio nenhuma inspiração como no caso da Nil...ela chegou depois dos dinossauros, sabia que logo os humanos viriam, por isso ficou aguardando, o mundo teve que ser reorganizado para nos receber, os nossos primórdios...
Ela inicialmente apenas se alimentava de fluidos, depois pode ingerir alimentos...a rival dela é mistério, vai aparecer em um conto dessa série....pode perguntar o que quiser, fique a vontade, quem sabe nessas conversas surgem outras ideias...
Até
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