Meus pedaços por Bastiat
(In)Certezas
Helena
- Hola, Helena. Tudo bem?
O som de sua voz cuspindo o meu nome foi o bastante para me afetar de maneira negativa. Talvez não doeria tanto se a Isabel tivesse tentado disfarçar o seu desprezo por mim.
Tive que me estabilizar o mais rápido que consegui para responder com a tranquilidade que anos de atuação me fizeram aprender a ter:
- Tudo bem, Isabel. Como vai...a Gi?
Eu ia perguntar se ela estava bem, mas pensei rápido e captei os sinais. Isabel está ótima. Nunca a vi tão arrumada para uma simples reunião de trabalho.
- Ela está bien. Dei uma notícia que a deixou muito feliz hoje.
Arqueei uma de minhas sobrancelhas por dois motivos: curiosidade pela notícia e surpresa pelo tom amigável que ela usou. Até parece que discutimos sobre a Giovanna de maneira tão simplória toda semana.
- Posso saber qual foi a notícia?
Como se não fosse nada demais, a espanhola me respondeu:
- Não vou mais mudar a Gi de escola.
Estudei a sua feição por um tempo. Isabel estava tão decidida há um mês, ignorou todas as minhas mensagens, nem ao menos pediu a minha opinião.
Quando eu ia abrir a boca para falar, o meu jurado favorito chegou com seu jeito estabanado na sala.
- Boa tarde, gente. Desculpem o atraso, eu não queria vir.
Quando ele terminou de falar e brincou com seu suspensório, a equipe caiu na gargalhada.
A chegada de Eduardo trouxe de volta a descontração ao ambiente. Todos foram abraçados por ele fazendo alguma piada.
- Helena, quanto tempo!
- Não é, Edu?! - Ironizei. - Sentiu minha falta nessas 24 horas sem me ver?
- Nenhuma - brincou. - Eu tenho uma surpresa para você hoje.
- Surpresa? Que surpresa?
- Se eu contar vai deixar de ser surpresa. Mas você vai gostar, foi ideia do Rô.
- Pelo amor de tudo que é de mais sagrado para vocês, cuidado com o que vão aprontar.
- Você não confia em mim, Leninha?
- Sim... - respondi receosa. - Edu, olha lá o que você vai fazer... - tentei repreendê-lo sem sucesso.
Encerramos o assunto e nos concentramos na reunião iniciada.
Entregaram o roteiro inicial do programa, no qual provavelmente sofrerá alterações. Algumas novidades foram discutidas. Ideias surgiram. Dessa vez o prêmio maior será o papel principal de uma série que até eu gostaria de protagonizar.
Lá se foram 3 horas que passaram num piscar de olhos.
Por falar em olhos, os meus me traíam e buscavam pela Isabel. Eu não podia me distrair da conversa que eles deslizavam pela sua beleza. Senti-me no começo do nosso namoro, quando a espanhola estava fazendo alguma coisa e eu a admirava de longe.
- Então, estamos entendidos? Todos animados com a nova temporada? - Miriam perguntou.
Tentei parecer animada, mas pela primeira vez na vida eu não estou empolgada com um trabalho. A minha expectativa positiva de estar perto da Isabel pelos próximos meses viraram um pesadelo. Eu não vou suportar essa falsidade profissional.
Notei que a reunião acabou quando vi a diretora se despedir apressada. Aos poucos, um a um foi saindo, sobrando apenas os jurados e eu.
Isa com um braço no ombro do Maurício, olhava para o seu aparelho de celular com despreocupação. Até parece que voltamos ao passado em que nós quatro fazíamos uma rodinha para conversar.
A mesa nos separando foi o símbolo do que acontece na realidade. Tanto nas amizades, quanto no amor.
- Que tal uma reunião na minha casa hoje?
- Achei que não ia rolar a nossa reuniãozinha, já estava achando estranho - Maurício respondeu.
- Eu topo - foi o que eu disse.
- Mas é claro que topa, a sua surpresa está te esperando lá - Edu me disse.
Comecei a pensar que a surpresa será a presença da Gi e me animei.
- E você, Isa? - Eduardo chamou a sua atenção.
A atriz mais nova levantou os olhos do celular e se pronunciou sobre o convite:
- Eu já tenho um compromisso, Eduardo. Desculpa - sorriu de lado.
‘É claro que tem, arrumada desse jeito para casa é que não vai', pensei.
- Ah não, Isabel. Não posso aceitar a sua recusa. Você está me devendo uma visita. Lembro muito de você falando na segunda que era só marcar.
- Yo sé, amore. Mas eu não posso cancelar o meu compromisso para ir. Marcamos um outro dia, ok?
Os dois se encararam, Isabel continuou firme na sua decisão.
- Ok não está, eu fazia questão de sua presença. Mas compromisso é compromisso - Eduardo se deu por vencido.
- Aê, espanhola, espero que a pessoa para quem você fez essa produção toda e o furo que você está dando com a gente valha a pena mesmo, hein?! - Maurício provocou e sua risada forte ecoou pela sala.
- Essa produção toda... - ironizou - e desde cuando me arrumo para os outros? Faço isso por mim.
Uma resposta típica da Isabel, mas com certeza é para disfarçar. Mais do que nunca, a minha teoria de que ela me trocou por alguém está bem clara.
- Então vamos, gente? - Edu perguntou.
Vi a madrilenha pegar a sua bolsa e inventei um assunto para ficar mais com ela.
- Isabel - a chamei.
Pela primeira vez, desde que se iniciou a reunião, ela olhou de verdade para mim. Seu silêncio pediu para que eu continuasse a falar.
- Que história é essa de que não vai mudar mais a Giovanna de escola?
- Ué, Helena. Pensei que ficaria feliz com a notícia.
- Eu fico, pois sei o quanto a Gi não queria mudar de escola. Mas quero saber o que te fez mudar de ideia.
Isabel respirou fundo, sem paciência, antes de responder.
- A escuela da Gi fica um tanto longe de mi casa. Estava sendo cansativo, tanto para mim como para ela, levar e buscar. - Isa desviou o olhar. - Como ela vai morar com usted agora, no hay necesidad de la mudanza.
- O quê? - Perguntei chocada.
- No era isso que tú querías? Ter a Giovanna para você?
- Isa, calma... - Maurício segurou o seu braço.
- As coisas não precisam ser dessa maneira, Isa.
Nossos olhos se enfrentaram em uma batalha silenciosa. A mais nova destila raiva através deles. Era como se nos transportássemos para aquele maldito dia da separação.
Só nesta hora que me toquei que nada mudou para Isabel Casañas. Isso se não piorou.
- Cómo debe ser, Helen...?
O celular dela tocou interrompendo a nossa troca de olhares e conversa.
- Hola, Nina... sí... Dios... Mas ela está bem?... Sí, claro... Eu já estou indo... Certo... Ok... obrigada... Tudo bem, tchau.
Fiquei sem entender, mas sabia que era algo relacionado à Giovanna pela sua feição de preocupação.
- Era a babá? Nossa filha está bem? - Perguntei aflita e enfatizando o ‘nossa filha'.
- Aparentemente a Gi chegou da escola enjoada, vomitou um pouco e está reclamando de dor no estômago. Nina a levou para o hospital.
Isabel mudou da água para o vinho e baixou a guarda. Tanto que ao notar a minha preocupação, olhou-me com atenção e tratou de me tranquilizar:
- Calma-te, Nina disse que ela está bem. Eu vou cuidar dela.
- Você não tem um compromisso? Não prefere que eu cuide dela?
- ¿Estás loca? Qué tipo de madre piensas que soy? O que você está insinuando?
A Isabel que parecia ter deixado a sua armadura de lado, voltou com uma barreira maior ainda.
- Eu não estou insinuando nada, não me entenda mal. Porr*, eu também estou preocupada com a Giovanna e quero cuidar dela.
- Enquanto ela estiver comigo, cuido eu!
- Gente, calma - Eduardo pediu. - Muita calma as duas. Não vai adiantar nada essa discussão e não vou deixar que as duas se ofendam.
- Eduardo tem razão, vamos baixar a bola aqui que as duas são as mães da pequena Gi e podem perfeitamente cuidar dela juntas - disse Maurício.
- Oi? - Isabel indagou o amigo.
- Você deu uma ótima ideia, cara. Vamos todos para o hospital ver a pequena.
Agradeci ao Edu com o olhar. Necessito ver se a minha filha está bem com os meus próprios olhos e sei que ele está fazendo isso por mim.
- Não há necessidade disso, Eduardo. Giovanna deve ter comigo alguma coisa que não caiu bem, não se preocupem.
- Isabel, por favor, sem brigas... - praticamente implorei.
Eu não precisava de autorização da minha ex para ir ao hospital, mas não quero que a pequena passe por algo constrangedor.
O seu rosto sem expressão nenhuma me fez duvidar da capacidade de comoção da Isabel. Eu sei que a minha Isa, aquela com quem eu me apaixonei e me relacionei por 15 anos, sempre teve um coração tão bondoso que seria capaz de fazer qualquer sacrifício para ver outra pessoa feliz. Mas a essa de agora, que consegue machucar apenas com palavras, me deixa sem saber onde estou pisando. Com quem estou lidando agora?
- Estamos perdendo tempo aqui - começou a dizer, mas parou para engolir seco. - Vamos... - fechou os olhos e respirou fundo - todos.
Eu notei e sabia exatamente o que significava o seu gesto. Casañas engoliu o seu enorme orgulho. Talvez ainda haja algum resquício da minha doce Isa.
Coloquei a minha bolsa no ombro e nós quatro saímos em silêncio.
O caminho até o estacionamento só não foi de boca fechada porque Eduardo resolveu pedir uma carona para a Isa. Mais uma vez eu notei que Edu está me ajudando. Sei que ele só fez esse pedido pois quer ter uma conversa com ela.
Como se o tempo não tivesse passado, nossos carros estão lado a lado. Eu estacionei no lugar de sempre, mas não imaginei que a Isabel faria o mesmo, ainda mais com tantas vagas vazias.
Ignorei o detalhe para não pensar besteira e entrei no meu carro já colocando o cinto de segurança.
Olhei para o lado e quando coloquei o dedo no botão para abrir o meu vidro, pensando em dar um sinal de que estava pronta para segui-los, Isabel arrancou com o carro.
- Filha da puta... - a xinguei baixo.
Balancei a cabeça indignada pela atitude infantil.
- Helena - Maurício apareceu apoiando-se na porta do meu carro. - Isa me esqueceu. Rola uma carona?
- Como assim te esqueceu? Entra aí.
O jurado do Atuando deu a volta e sentou-se no banco ao meu lado.
- Isa tá doidona. Acho que ela esqueceu que eu vim com ela.
Dei risada e ele acabou me acompanhando.
- Relaxa, o problema sou eu. Isabel arrancou com o carro para que eu não a acompanhasse.
Dei partida no carro e segui para a portaria.
- Mau, pergunta para o Edu em qual hospital Gi está, por favor?
Assim que conseguiu o endereço, colocou o caminho mais rápido pelo gps e comecei a dirigir com certa pressa.
Minha cabeça ferve de pensamentos. A preocupação com a Giovanna piora o momento e este silêncio no carro não ajuda em nada.
- Eu sempre soube que as coisas fossem ser complicadas mesmo, mas tinha esperança de reencontrar uma Isabel melhor - desabafei.
Senti que Maurício me olhou, mas permaneci com os olhos no trânsito.
- Você deve pensar que eu assino embaixo de todas as atitudes da Isa, não é?
Observando-o rapidamente, vi que ele mexia na sua barba, pensativo.
- Bem, você ficou ao lado dela... - pontuei.
- Vocês são tudo loucos mesmo. Eu não escolhi lado nenhum. Só não fiz que nem o Eduardo que sempre passa pano para você.
- Vai se lascar! Não precisa mentir. Sempre foi tão óbvio a sua preferência pela Isabel. É claro e até natural você tenha acreditado na versão dela.
- Por que eu não acreditaria? Eu a vi te procurando aquele dia. Depois sei que você não estava conversando sobre a final com ninguém porque quem estava fazendo isso era eu. É só juntar dois mais dois.
- Você e ela são iguaizinhos. Nenhum dos dois quis ouvir a minha versão dos fatos - reclamei.
- Eu sei a sua versão, Helena. O Gustavo te agarrou de repente e a Isabel viu.
- Então, porr*. Por que eu mentiria?
- Você está surda? Eu disse que não escolhi lado nenhum. O que aconteceu é que todo mundo ficou com você nessa e a Isabel ficou sozinha. Eu já passei por isso, sei o que é solidão e resolvi que seria o seu ouvinte. Ou você acha que ela não sofreu também? Na real, eu nem queria me meter nessa história.
Ponderei o que escutei do ator. Talvez eu tenha o julgado de maneira errada. Quando nos encontramos, pouco dei espaço para ele se aproximar pois tinha certeza de que me via como traidora.
- Eu poderia chamar um Uber, um táxi ou nem ir. Sabe o que me fez estar sentado aqui? - Perguntou.
Aproveitei o farol fechado para olhá-lo.
- Não, o quê?
- O jeito que você ficou olhando para ela o tempo todo hoje. Você ainda gosta pra caralh* da espanhola. Só não consigo entender algumas coisas, acho que só o tempo pode explicar.
Soltei uma risada fraca e segui dirigindo. É incrível como todos enxergam isso, menos ela.
- E a Isabel? Ela gosta de mim?
Senti um desconforto nele com a minha pergunta.
- Acho que você não vai acreditar, mas nós não falamos sobre você. Como você acha que eu consegui com que ela não brigasse comigo?!
Pelo GPS, notei que estamos há 1 minuto do hospital.
- Ela... a Isabel... tem... ela tem alguém? Refez a sua vida amorosa?
Maurício só me respondeu quando eu estacionei o carro:
- Não que eu saiba.
Sorri com a informação.
- Só se ela arrumou alguém no último mês, não tivemos tempo de nos sentar para conversar - completou em dúvida.
Desmanchei o sorriso.
- Não... acho difícil, a Isa vive para o trabalho agora - completou.
Mantive uma pequena chama de esperança acesa, mas bem no fundo e sem aquecê-la. O medo da decepção é sempre maior do que a confiança em nosso caso.
Saímos do carro e juntos entramos na recepção. Isabel e Eduardo parecem esperar por nós dois.
- Cadê a Gi? - Perguntei em desespero.
- Calma, ela está bem. Tão bem que nem vai precisar ficar por mais tempo. Eu estava te esperando para entrarmos juntas no quarto - Isabel me respondeu.
Olhei para a espanhola sem acreditar no que ouvi. Aposto que tem dedo do Eduardo nisso.
- Vamos ou você prefere ficar? - A atriz de teatro perguntou um tanto impaciente.
- Vamos, claro - falei ainda impactada pela postura da mais alta.
Postei-me ao lado da Casañas e caminhamos pelo corredor. Em outros tempos eu estaria pegando em sua mão toda orgulhosa por ter uma mulher linda como ela comigo. Eu sempre gostei tanto de gestos simples, cheios de carinhoso.
Paramos em frente a porta e a vi dando uma batida leve para abri-la em seguida.
- Hija? Amor?
- Mamá! - ouvi a voz animada da minha pequena e fiquei mais calma.
Entrei logo depois da Isabel e quando Giovanna me viu notei sua surpresa:
- Mamãe? Mamãe!!!
- Oi, princesa.
Cumprimentei com um aceno a babá que está sentada na poltrona e tanto eu quanto Isa nos postamos cada uma de um lado da cama.
- Como você está se sentindo, filha? - Perguntei ajeitando o seu cabelo.
- Feliz - seu sorriso se iluminou.
- Feliz? - Isabel questionou.
- Sí, mamá. ¡Ustedes están aquí! Mis duas mamás están juntas conmigo.
Enquanto a espanhola se limitou a apenas levantar o canto da boca, eu acompanhei a Gi abrindo também um belo sorriso. Os olhos da pequena brilhavam como duas pedras preciosas e intercalavam entre mim e sua outra mãe. Suas pequenas mãos pegaram cada uma das nossas. Giovanna pedia união em pequenas atitudes.
- ¿Gi, tienes algún dolor?
- No, mi dolor de barriga se fue. Estoy bien.
Ouvimos alguém bater na porta. Uma mulher bastante sorridente, toda de branco, entrou no quarto.
- Com licença, boa noite. Sou a dra. Silvana Castro, muito prazer. Vocês devem ser as mães da Giovanna, correto?
- Olá, boa noite. Eu sou Isabel e essa é a Helena.
- Eu sei. Sou fã do Atuando. Só não imaginei que essa menina linda fosse filha de vocês.
- Mamãe, foi ela que me deu o remédio que passou a minha dor de barriga - a pequena contou-me.
A médica com simpatia logo emendou:
- Sim, foi apenas para passar a dor e acalmar o estômago. Não foi nada grave, provavelmente alguma coisa que ela comeu e não fez bem. A recomendação é mantê-la hidratada e seguir uma dieta leve hoje e amanhã.
Quando pensei em falar alguma coisa, uma corrente elétrica percorreu o meu corpo. Giovanna puxou a minha mão e colocou por cima da Isabel. Involuntariamente eu apertei para sentir sua pele.
Depois de uma surpresa inicial, a espanhola retirou a sua mão com rapidez e escondeu o seu olhar de mim.
- Que horas podemos levá-la para casa, doutora? - Isabel perguntou com urgência.
- Vim aqui justamente comunicar que ela já está de alta. Só preciso que alguém vá até a recepção assinar os papéis.
- Ótimo, yo voy.
Passando pela doutora, acompanhei a mais alta sair apressada pela porta.
Por impulso, dei um beijo rápido na testa da minha filha e disse indo na direção da porta:
- Nina, cuida da pequena, eu já volto.
Para a minha surpresa, assim que sai do quarto, vi a atriz encostada na parede do corredor com os olhos fechados. Evitando de fazer barulho, caminhei devagar na sua direção.
- Isabel - toquei um de seus braços cruzados.
Imediatamente ela abriu os olhos e arrumou a sua postura. Tirei a minha mão com medo de alguma reação pior.
- O que estás haciendo aqui?
Não pude deixar de notar que seus olhos estão marejados.
- Não é o melhor local, nem o melhor momento, mas é a melhor oportunidade. Nós precisamos conversar.
- ¿Ahora? Eu tenho que ir à recepção.
- Nós não terminamos a nossa conversa porque fomos interrompidas pela ligação da babá - busquei e consegui com que os nossos olhos fizessem contato. - Eu realmente não quero te tomar a Gi, como você me acusou.
- Está tudo bem, Helena. Se a Giovanna quer morar com você, deve ter um bom motivo - disse com uma voz calma.
- Mas ela não quer exatamente morar. Sua vontade é de apenas ficar mais tempo comigo.
- Vai sugerir de novo que ela passe uma semana na casa de cada uma?
- E você enxerga uma solução melhor? Pensa só um pouquinho.
Isabel desviou o olhar e tentou a todo custo evitar que alguma lágrima rolasse pelo seu rosto. Sem sucesso, uma acabou caindo. Aproveitei para dar um passo em sua direção e minha mão foi até seu rosto para secá-la. Foi como se eu tivesse uma doença contagiosa, pois a espanhola virou e evitou contato.
- Não me toque, Helena. Por favor, afasta-se.
Não a toquei, mas também não me afastei.
- Você não vê que o melhor para a Gi é que a gente se una como mães dela? Viu a felicidade da nossa pequena apenas por nos ver no mesmo ambiente? Poderíamos até marcar algum dia do mês para jantarmos juntas como uma família.
- No, no, no - negou com tanta veemência, como se eu tivesse pedido para ela matar alguém. - Essa proximidade é demais para mim. Yo no puedo, no quiero.
- Então você prefere me entregar a nossa filha do que ao menos tentar conviver comigo? Nós já teremos que conviver pelo Atuando, porr*.
A teimosia da mais nova testou a minha elástica paciência.
- Estive realmente pensando se vou conseguir trabajar contigo.
- Isa, - usei o seu apelido e ganhei uma careta dela - não é preciso parar a sua vida por causa de mim. Tudo o que você está fazendo reflete de maneira negativa na Gi e em você também. Será que você não percebe isso? Me desculpa te jogar isso na cara, mas uma coisa é fato: você está usando a nossa filha para se vingar de mim.
- Quem está usando a Gi agora, Helena? O que você está me pedindo é um sacrifício. Depois de ser traída da forma que fui, me pergunto se devo realmente aguentar tudo isso que vivi hoy.
- Não seja dramática, Isabel. Muda esse argumento de traição. Nada do que eu fiz ou deixei de fazer vai mudar o fato de que temos um laço eterno que é a Gi. Para que tudo isso?
- Tudo isso? ¿Usted realmente cree que es poco? Traición, Helena. Toda que vez que olho para você, é nos braços de outro que te vejo. Quando sinto sua pele tocar a minha, imagino com quantos você me traiu e depois fez o mesmo ato. Es un tanto infantil, pero así es como me siento. VOCÊ ME DESTRUIU. VOCÊ ME FAZ MAL.
Tudo saiu do controle. A sua respiração pesada após o grito na minha cara doeu.
Olhei para os lados e para a nossa sorte não passava ninguém ali no momento.
Acho que de tudo que já ouvi sair da boca da Isabel, saber que a faço mal é a pior. Mas nem ser chamada de puta por ela foi tão doloroso. Eu faço mal para o meu amor. Me dói tanto vê-la assim.
Dei um passo para trás e fechei os olhos. Pela primeira vez, eu estou querendo ficar o mais longe possível da minha ex. Mas não iria sair dali sem resolver pelo menos uma parte do que eu acho que é melhor para a Giovanna. Engoli uma espécie de bola que se formou na minha garganta e disse:
- Você tem razão. Não é possível a nossa convivência fora do âmbito profissional. Mas eu insisto: pense na Gi. Ela realmente não pode ficar entre as nossas brigas. Uma semana com você, outra comigo. A cada segunda uma leva para a escola e a outra busca. Nesta segunda você leva e eu a busco para passar a semana e o final de semana comigo. Na outra segunda eu levo e você a busca para ficar contigo. Assim evitamos qualquer contato que não seja na emissora. É o certo, Isabel.
- Será que a Gi quer isso?
- Não afaste a sua filha de si própria. Eu sei o que você está fazendo. Eu estava lá quando surgiram os seus questionamentos sobre termos um filho. Sei quão insegura você pode ser quando lembra da sua mãe. Faça diferente.
Eu nem olhei em seu rosto, o ato de ela se abraçar foi o suficiente para saber que minhas palavras fizeram efeito.
- Segunda-feira você pode ir buscá-la. Na outra segunda será a minha vez.
Foi a forma que ela encontrou para fechar o novo acordo.
- Eu vou me despedir dela no quarto, então. Cuida bem da nossa pequena.
Deixei a Isabel no meio do corredor e segui o meu caminho.
Voltei para o quarto da minha filha que já se levantava da cama com a ajuda da Nina. Fiquei de joelhos para abraçá-la e recebi de volta o carinho que preciso.
Nossa despedida foi rápida, não quero dar a chance de a Isabel mudar de ideia. Com mais algum carinho e prometendo ligar para dar boa noite, saí da sala com o coração apertado por não poder cuidá-la, mas tranquila sabendo que a sua outra mãe fará um bom trabalho para a sua recuperação.
Após a saída do quarto, cheguei na recepção sem olhar para a Isabel. Comuniquei que já estava indo para o Maurício e pedi para o Eduardo me acompanhar.
- Edu, dirige para mim? - Perguntei assim que chegamos no estacionamento.
- Claro, Lena - respondeu pegando a chave da minha mão.
Entramos no meu carro, mas impedi que ele desse partida.
- Espera um minutinho.
Isabel saía do hospital com a Giovanna em seu colo acompanhada da babá e do Mau. Minha filha está crescendo tão rápido, aposto que vai ficar com a mesma altura da espanhola.
Vi quando elas entraram na parte de trás do carro enquanto o Maurício foi para a direção e Nina na frente com ele. Nossos caminhos opostos.
Apesar dos sentimentos confusos, contemplei a cena de cuidado entre a Isabel e a pequena. Como eu queria estar ali. Sonhei tanto com essa família.
O carro deles partiu e só então pedi para o Edu ir.
- Está tudo bem, Helena? - meu amigo quis saber logo após tomar na rua.
Encostei a minha cabeça no vidro e deixei que o meu choro respondesse.
" - É tão lindo te ver amamentando-a, amor.
Giovanna alimentava-se e Isabel a olhava admirada. Um mês vendo essa mesma cena se repetir de madrugada e sempre parece a primeira vez de tão especial.
- Volte a dormir, cariño. Eu coloco a Gi para dormir.
- Nem pensar. Você não vai me roubar o momento prazeroso de colocar a nossa filha para arrotar - falei colocando um pano no ombro para evitar me sujar.
Com um largo sorriso, Isa deu risada da minha brincadeira para em seguida me olhar um tanto emocionada.
- Definitivamente, yo no pondría escolher uma pessoa melhor para ser minha companheira e a outra mãe da minha hija. Seus cuidados, sua ajuda, essa dedicação toda, tudo é tão bom. Não sei como você conseguiu isso, mas eu te amo e te admiro ainda mais.
Gi retirou sua boca do seio da Isabel satisfeita. Levantei-me rapidamente da cama e troquei de lugar com a minha mulher que estava na poltrona.
- Ei - a chamei antes que ela retornasse para a cama. - Você me faz uma declaração linda dessa e nem me dá um beijinho depois?
Enquanto eu começava a dar leves tapinhas nas costas do meu bebê, Isa pegou o meu rosto com as duas mãos e beijou os meus lábios demoradamente. Um, dois, três beijos.
- Eu sempre ouvi falar que o amor pode esfriar com o tempo, mas você acredita que o meu por você só aumenta? - Perguntei me perdendo nas profundezas de seus olhos.
- Acredito pois sinto o mesmo, cariño."
Quando foi que deixamos de nos admirar e nossas declarações se tornaram escassas?
Quando foi que minha família começou a desmoronar e eu nem me dei conta?
Duas perguntas que não consigo responder tão facilmente.
" - Isa, a Natália não aguenta mais ter que distrair a Gi.
Cruzei os meus braços vendo a minha mulher terminar de tirar as minis pizzas do forno.
- Estoy terminando, Helena Carvalho - sorriu.
- Você me disse isso tem uns 20 minutos, Casañas. Eu deveria ter contratado um buffet.
- Já acabei, sua chata. Vem aqui, prova uma pizza.
Saltitei pela nossa cozinha. Abri a boca ao chegar perto da mais alta para ser servida.
- E aí, cariño? Deveria realmente contratar um buffet?
Fechei os olhos saboreando a comida.
- Nunca, só falei para te provocar. Espero que você tenha feito bastante porque essa delícia vai acabar em um minuto.
Isabel me puxou pela cintura e curvou-se para beijar os meus lábios.
- Você está muito linda, cariño.
- E você tem que se arrumar ainda. 30 minutos para subir, tomar banho, colocar a roupa e descer. Os convidados já estão chegando.
- Tá mandona demais hoje, amore mio.
- Na noite passada você não reclamou - aconcheguei-me mais nela passando os meus braços pelo seu pescoço trazendo a sua boca para a minha.
A campainha tocou atrapalhando o nosso momento.
- Uma pena termos que receber convidados, senão eu mostraria quem é que manda naquela cama - sorriu maliciosa.
- Me mostra mais tarde, eu vou adorar - puxei o seu lábio inferior sem beijá-la."
Éramos tão perfeitas como um casal.
"- Gi está tan feliz com a festinha - disse Isabel me abraçando por trás.
Descansei a cabeça em seu peito e observando a bagunça que as crianças faziam na nossa área de lazer.
- Está na hora de cortar o bolo, né?
- Sim, vamos buscar.
Saímos de mãos dadas adentrando a nossa casa. Os sorrisos estampados em nossos rostos dariam um belo retrato para exemplificar o quão apaixonadas somos uma pela outra.
Isabel colocou o bolo em cima da mesa e apontou para a vela de 2 anos. Peguei-a e coloquei por cima do bolo.
- Ela está crescendo tão rápido. 2 anos, mas parece que foi ontem que saímos da maternidade com ela toda embrulhada, parecendo um pacotinho - relembrei.
- Daqui a pouco ela te alcança, cariño - a espanhola disse rindo.
- Vai tomar no meio... - minha boca foi tapada.
- Olha a boca! Tem um monte de criança por aí, Helena!
A atriz pegou o bolo de chocolate e voltamos para onde a festa acontecia.
- Gi - chamei a nossa pequena. - Vem, princesa. Vamos cortar o bolo.
- É de chocolate!!! Me gusta mucho!!!
A peguei no colo e fiquei ao lado da Isa na mesa que foi colocado o bolo. A vela foi acesa para em seguida a tradicional canção de parabéns ser cantada.
Ao final da música, eu e a mais alta a ajudamos apagar a vela após o pedido em silêncio feito pela Giovanna.
- Olha a foto, família! - Natália apontou o celular.
Eu e a Isabel beijamos cada uma de um lado a bochecha do nosso maior tesouro."
Procurei no meu celular essa foto. Tudo o que restou foram essas recordações dos nossos melhores momentos.
Éramos uma família tão perfeita.
O caminho inteiro foi assim, lembranças e lágrimas que cessavam e voltavam. O que não saía em palavras, virou composição de água, sais minerais, proteínas e gorduras.
Edu preferiu respeitar o meu silêncio. Eu agradeci por isso.
Reconheci o caminho de sua casa quando cheguei no seu bairro. Mesmo querendo ficar sozinha, não tive coragem de pedir para ele me levar para minha casa. Eu sei que ele quer cuidar de mim.
- Ainda tem uma surpresa te esperando, Helena.
- Não sei se estou no clima para encarar uma surpresa, amigo.
- Eu tenho certeza de que vai melhorar o seu dia em pelo menos 10%. Vamos.
Sem querer fazer desfeita, acompanhei o ator para dentro de casa depois de ter estacionado o meu carro.
- Bebê? - chamou pelo marido. - Cheguei! Trouxe a Helena.
Ouvi um latido e quando Rodrigo apareceu com uma bolinha de pelos em seus braços, consegui sorrir.
- Oi, Rô! Eu não acredito que vocês têm um cachorrinho agora - empolguei-me. - Vou ter que frequentar ainda mais essa casa.
Com um belo sorriso no rosto, o marido do meu amigo chegou perto de mim e me entregou o pequeno cachorro.
- Até queremos que você frequente mais aqui, mas não por causa dessa coisa fofa. Esses dias você comentou emocionada de um cachorro que teve na infância e eu e o Edu achamos um desperdício aquela casa enorme só para você. É seu, Heleninha.
O animal de estimação me olhou e já me senti conectada com ele.
- Vocês não existem mesmo - disse emocionada. - Eu amo tanto vocês dois. Obrigada - comecei a chorar.
Uma mistura da tristeza que sentia no carro e a emoção do momento.
- Ah não, Lena. A gente tá de dando esse cachorro para te ver sorrir. Chega de chorar.
A bolinha de pelos latiu para mim e como se me desse beijo encostou o seu focinho em meu rosto.
- Mas eu estou chorando de felicidade, Edu - disfarcei. - Ele é tão lindo e já gosta de mim. Eu amei.
- Eu disse, bebê! - Rodrigo começou dizendo. - Eu te falei que ela ia gostar. Você já tem um nome para ele, Helena?
Olhei para a cara do meu mais novo amigo e cheguei a um:
- Chico.
O agora então Chico pareceu ter aprovado quando latiu feliz.
Acabei me sentando no chão para brincar com ele e o marido do ator me acompanhou.
- Enquanto vocês brincam, eu vou tomar o meu banho - disse Eduardo.
Por um momento até esqueci da dor que sentia. Definitivamente os meus amigos acertaram no presente.
Aproveitei o momento de calma para contar que agora eu passarei uma semana inteira com a Giovanna. Ele apenas ouvia atento enquanto fazia carinho nos pelos brilhantes do meu mais novo amigo.
Rodrigo sentiu a minha necessidade de conversar e nos sentamos no sofá. Trouxe comigo um já sonolento Chico para o meu colo.
- A Gi vai amar o Chico - suspirei imaginando a sua felicidade.
- Tenho certeza de que sim - me disse sorrindo. - Fico tão feliz com a decisão de vocês dividirem as semanas com a Gi. Mesmo que não tenha sido da maneira que você esperava.
- Como você sabe que não foi como eu esperava?
- Porque você não está tão feliz quanto tenta aparentar. Edu me disse por mensagem que você chorou o caminho inteiro.
- É difícil ter que desistir daquilo que mais se quer.
- E o que vai te fazer desistir da Isabel?
- A própria Isabel - sorri sem graça.
- Quer me contar o que aconteceu hoje?
- Não basta aquela cabeça dura ainda colocar o Gustavo no nosso caminho. Ela acredita realmente que eu a traí outras vezes.
- Então vocês trocaram acusações e brigaram?
- Antes fosse uma briga épica. Isabel não suporta a minha presença, amigo. Ela me disse que eu a faço mal. Tem noção disso? Como eu vou tentar voltar para uma pessoa que não suporta que eu a toque mais?
Rodrigo aproximou-se de mim, enxugou uma lágrima que caiu e passou a fazer carinho nos meus cabelos.
- Conta-me exatamente o que aconteceu.
Contei com detalhes todo o reencontro com a Isabel. Desde a reunião, até ter que deixar a espanhola no corredor por não suportara dor que suas palavras me causaram.
- Era de se esperar uma reação de afastamento dela, meu bem. Ela te ignorou por 1 ano.
- É diferente, Rô. Pensar que a Isa me odeia é diferente do que praticamente ouvir isso dela.
- Eu não acho que ela te odeie. Acho que ela está machucada pela forma como tudo aconteceu. Dê mais um tempo para ela, Heleninha.
- Mais tempo? Não, chega. Um tempo é coisa de um mês, não um ano. Não vou me iludir mais.
- E como vai ser no Atuando?
- Vai doer, amiga. Mas terei que ser apenas a apresentadora e evitá-la nos bastidores.
- Você tem uma semana para planejar como evitar a mulher que você vive dizendo ser a dona do seu coração. Acha que consegue?
- Poxa, Rodrigo! Enfia uma faca em mim de uma vez, por favor.
- Eu menti, Helena? - zombou de mim.
- Meu medo é que ela esteja com alguém, sabe? Parece uma coisa possessiva, mas é que se ela estiver com outra pessoa... - respirei fundo - Não sei o que será de mim.
- Não seja ingênua, Helena. Você não entendeu que ela tem medo de te amar ainda? É por isso que ela tenta a todo custo te afastar.
- Você me ilude muito com essas suas teorias, Rô. Eu só queria amar menos a Isabel - fiz um biquinho.
- Deixa as coisas acontecerem, Heleninha. O tempo nos dá respostas que nem imaginamos.
Olhei o meu amigo e torci para que o tempo me traga a Isabel de volta como respostas ao meu pedido de ser feliz.
Fim do capítulo
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