Meus pedaços por Bastiat
Eu ainda te quero
Helena
- Bom dia! - cumprimentei um. - Bom dia - saudei outra. - Muito bom dia - sorri para alguns.
É quarta-feira e minha disposição passou a se chamar ansiedade.
Desde que o Eduardo me contou que a Isabel estará na reunião amanhã, não consigo parar de olhar o relógio e aguardo ansiosamente às 15:00 do dia seguinte.
Me joguei no trabalho para tentar driblar os meus pensamentos ontem e é o que vou tentar fazer hoje.
Sei que posso estar criando muita expectativa, mas não consigo evitar de me sentir feliz com o fato de que vou ficar perto da Isa pelos próximos meses.
Sei também que eu não posso me deixar levar pelas expectativas que minha mente insiste em criar. Como disse o Rodrigo na noite passada: pode acontecer uma conversa incrível entre nós duas como também pode acontecer nada.
Entrei na minha sala conferindo o que a minha assistente me mandou para esta manhã no "Escola para Roteirista".
Planilhas, ligações, planejamentos, ou seja, burocracias que fazem parte do projeto. Escrever é quase a minha segunda profissão. Tão apaixonada que fiz faculdade de literatura e especializei-me na área de roteiros quando ainda namorava a Isa. Há 10 anos abri essa empresa, um grande projeto que se encaixa com perfeição na minha vida profissional.
Me joguei na minha confortável poltrona, já ligando o computador.
- HELENA Carvalho!!!
- Porr*, Natália! Quer me matar do coração? Não sabe que a porta existe justamente para bater antes de entrar?
- Quem tem que estar nervosa aqui sou eu, amiga. Estou sendo praticamente ignorada desde sábado.
Natália Vieira, o exagero e drama em pessoa. Meu primeiro contato com ela foi em um curso de cinema em Nova York. Desde o primeiro dia não nos separamos mais, tanto que quando voltei para o Brasil, viemos no mesmo voo, e quando abri a empresa, a chamei para ser minha sócia. 10 anos mais nova do que eu, é como uma irmã mais nova que adoro cuidar.
- Nós conversamos ontem mesmo, sua louca.
Já à vontade na minha sala, a pequena dos cabelos extremamente pretos sentou-se na cadeira a minha frente e apoiou as pernas na minha mesa.
- Lena, você só respondeu sobre a palestra e depois sumiu de novo.
- Se a senhorita viesse trabalhar na segunda, me veria aqui pessoalmente. Agora, dá para sentar-se direito? - Disse apontando para as suas pernas.
- Como a madame quiser - falou ajeitando a sua postura. - Bom dia, Helena - sorriu brincando.
- Ah, achei que não era merecedora de um cumprimento educado - ironizei. - Bom dia, Nat. Tudo bem?
Preocupei-me quando vi seu sorriso malicioso.
- Eu estou bem. Mas parece que tem alguém melhor do que eu, hum? - Fiz uma cara de confusa e ela logo me repreendeu. - Nada disso, amiga. Não queira me enganar. Passei bem cedinho no seu condomínio hoje e descobri que dormiu fora de casa. O senhor Paulo, seu gentil porteiro, falou que a senhora Carvalho saiu ontem e ainda não havia retornado. Como uma boa jornalista, mesmo que só graduada porque a vida me levou para os roteiros de ficção, fiz algumas perguntas para ele e descobri você dormiu fora também no domingo. Sumida e dormindo fora de casa... Finalmente, hein?!
- Que mente poluída - dei risada. - Preciso falar com o senhor Paulo para não passar informações para qualquer pessoa assim, que fofoqueiro - brinquei.
- Qualquer pessoa o caralh*, sua melhor amiga. Conta logo quem é a felizarda que conseguiu fazer você ficar para o café da manhã! Ou seria felizardo?
- São felizardos... Eu dormi na casa do Eduardo e do Rô de domingo para segunda e ontem também.
Gargalhei gostoso com sua cara de decepção.
- Ah não! Fala sério! Nada de sex*?
- Infelizmente não, amiga.
- Infelizmente por sua conta, não é? O que não falta é gente querendo você.
Sorri sem jeito e para disfarçar o meu desconforto passei a me concentrar na tela do computador.
- Lena - Natália tentou chamar a minha atenção.
Ainda sem olhá-la, mudei de assunto:
- Você já pensou em quem podemos colocar nessa palestra sobre roteiros de ficção científica?
- Te mandei a pauta inteira e o perfil das convidadas por e-mail há pouco. Pensei em transformar essa palestra em algo voltado para mulheres que fazem esse trabalho em ambiente ainda tão masculino.
- Interessante. É uma ótima ideia mesmo.
Permanecemos em silêncio por uns dois minutos. Torci para que a minha amiga continuar falando de trabalho, mas não aconteceu.
- Tenho uma amiga que quer te conhecer.
Voltei minha atenção à Natália.
- Não estou com cabeça para isso, Nat.
- Eu sei, você ainda está com a cabeça na Isabel. Já fazem sei lá quantos meses que vocês se separaram, Helena.
- Um ano, Natália. Fez exatamente um ano no sábado.
- Pior ainda! Está mais do que na hora de você sair, conhecer gente, se permitir viver.
- Eu não vou ser covarde de fazer outra pessoa se envolver comigo se eu ainda gosto da Isabel - fiquei séria e me senti um tanto irritada. - Eu ainda amo a Isa. É isso que você quer saber? Nada mudou aqui dentro - apontei para o meu coração.
- Você está consciente de que não faz o mínimo esforço para esquecer sua ex, não é?
- Estou consciente e quero continuar - disse rindo sozinha da minha piada.
- Não tem nada de engraçado nisso, Helena. Parece até que gosta de ficar sofrendo. É ridículo isso. Eu estou cansada de te ver se tornando uma pessoa triste.
- É só não me ver, Natália - bufei irritada.
- Porr*, Helena! Eu quero te ajudar e recebo patadas?
Passei minhas mãos pelo rosto e busquei me acalmar. A última coisa que quero é brigar com uma pessoa tão importante para mim. Talvez seja por isso que eu procure tanto o Eduardo e não ela. Edu me entende e me escuta, Natália costuma me julgar.
- Desculpa, amiga. Eu sei que você quer o meu bem, mas no momento eu preciso mais de compreensão das pessoas próximas a mim do que conhecer a sua amiga. Sério, super agradeço você querer me animar e tal, mas eu ainda não estou pronta.
- Nesse caso, eu que te devo um pedido de desculpa pela minha insensibilidade de querer te apresentar alguém - sorriu na tentativa de passar um conforto. - Desculpa?
- Está tudo bem.
Pensei que o assunto estivesse encerrado, mas para a Natália não estava.
- Você ainda tem esperança de voltar com ela? Mesmo depois de 1 ano separadas?
- Estaria mentindo se negasse.
- Fala sério, Helena. Nem parece que você é uma mulher de 48 anos de idade. Age como uma adolescente - revirou os olhos.
- Qual foi, Nat? Eu ainda acho que quando eu descobrir o real motivo que fez a Isabel surtar daquele jeito, vamos nos acertar. Eu conheço aquela espanhola como ninguém, o jeito que ela insinuava alguma coisa naquele dia era... estranho. Ela estava me escondendo alguma coisa.
- Você age como se tivesse um casamento perfeito e não tinha. Não acabou quando a Isabel deu um fim, Lena. Tudo foi acabando aos poucos e você sabe muito bem por quê. Lembra-se de todas aquelas brigas por causa da Companhia? Foi apenas o começo da sua quebra de ligação com ela. O tal beijo do Gustavo foi a tampa do caixão.
- Ninguém tem um casamento perfeito, Natália. Sei muito bem disso. Eu admito que a parte financeira sempre foi uma questão para a Isa. Orgulhosa demais - balancei a cabeça em negação. - Mas eram brigas que depois a gente resolvia. Eu posso ter errado, mas tem algo que ela me escondeu e nem que seja a última coisa que eu faça na vida, vou descobrir.
- A sua teoria de que ela tinha outra já caiu, não é? Provavelmente ela estaria namorando e ficaríamos sabendo.
- Tentei saber com a Gi, mas ela não entendeu muito bem as minhas perguntas.
- Então não pode ser isso, Giovanna saberia se a Isabel estivesse com alguém.
- Eu queria me apegar a isso, mas é difícil de compreender o afastamento da Isa nos meses anteriores da separação. Ela não me tocava, não era carinhosa. Sexo zero. Quando a procurava para fazer amor, nem se dava ao trabalho de inventar uma desculpa para recusar.
- Bem... acho que está bem nítido que ela estava de saco cheio da relação e piorou quando te viu aos beijos com o campeão bonitão.
- A parte do bonitão fica por sua conta - fiz até uma careta. - Enfim, agora vai ficar mais fácil de descobrir.
- Como assim? - Perguntou curiosa.
- Vou me encontrar com a Isabel amanhã...
- EU SABIA!!! EU SABIA QUE VOCÊ ESTAVA ME ESCONDENDO ALGUMA COISA!!!
- Para de gritar, Natália. Sossega porque nem é isso que você está pensando. Nem me deixou falar.
- Sorry, amiga. Me explica essa história, então.
- Amanhã eu e a Isa vamos nos encontrar, mas para a reunião do programa Atuando.
- Ué, ela aceitou fazer a nova temporada?
- Pelo o que o Edu me disse, a Isa já tinha assinado esta temporada junto com a outra para pegar dinheiro adiantado para abrir a filial. Ou seja, ela está sendo meio que obrigada a fazer.
- Ah, agora está explicado. Isabel Casañas jamais deixaria de cumprir um contrato, ainda mais envolvendo dinheiro. E agora, amiga? Acha que ela vai falar com você numa boa?
Passei a acariciar o meu queixo, pensativa.
Resumi toda a história envolvendo o pedido da Giovanna ir morar comigo, o nosso diálogo mal sucedido pelo telefone e toda a conversa que o Eduardo me contou.
-... então, eu acho que por isso tudo a chance de ela falar comigo são enormes.
- Tá, tudo bem. Mas você sabe que ela provavelmente só vai falar sobre a Gi e trabalhar, certo? Não está achando que de uma hora para outra vocês vão se entender, ou está?
- Nat, no momento estou pensando na grande chance de ter a minha filha um pouco mais comigo e que eu terei a Isabel perto de mim pelos próximos meses. Se eu a terei de volta são outros quinhentos. É a última chance que eu dou de resolver tudo isso no diálogo.
- Tenho medo de você se machucar, amiga. Foi tão difícil te tirar daquela fossa. Eu e o Eduardo realmente achamos que você não se recuperaria.
- Relaxa, amiga. Eu não estou indo com muita sede ao pote. Só eu sei o quanto Isabel é difícil e que nossa situação é extremamente complicada.
- Eu não vou dizer que torcerei por vocês. Vou dizer que torcerei para você se resolver com isso da melhor maneira possível.
Fiz um biquinho e estiquei os meus braços em sua direção. Natália deu a volta na mesa e me abraçou.
No fundo eu entendo todo o receio da minha sócia e essa sua postura de proteção.
Nos emocionamos com o abraço e quando nos separamos, sorrimos uma para a outra.
- Vamos trabalhar, Helena Carvalho? Ou você veio aqui para ficar de papo?
- Olha que abusada. Você que veio aqui na minha sala se atualizar das fofocas, criatura - disse dando risada.
- Me atualizar dos fatos, respeita a minha condição de jornalista.
Assim que Natália saiu, me dispus a trabalhar. Entre leitura de propostas, o horário da manhã passou voando. Almocei na minha sala mesmo. Desde a minha separação, a minha vida profissional ganhou ainda mais peso no dia a dia quando não estou gravando. Aliás, após o nascimento da Giovanna, fiz apenas duas novelas e três filmes. Pouco para quem vivia em estúdios. Apesar disso, o ritmo de trabalho pouco mudou com a nova função de apresentadora. Passo meses gravando o programa e os outros meses diminuo o ritmo para dar atenção à Gi. Mas hoje agradeço por ter o Escola para Roteirista, assim quando estou longe dela, tenho onde mergulhar de cabeça.
O resto da tarde fiquei em reuniões. As horas, para a minha alegria, passaram depressa e a noite foi cheia para colocar tudo em ordem na semana.
Saí um pouco depois das 22:00 da empresa. Quando estacionei o carro na garagem, respirei fundo. É difícil querer evitar a própria casa.
Caminhei até minha casa após sair do veículo. Meu celular tocou e assim que eu pisei o pé em casa, atendi a ligação da babá da Giovanna dizendo que a pequena não queria dormir sem falar comigo.
- Gi, não está muito tarde para você estar acordada? - Questionei assim que o telefone foi passado para ela. - São quase onze horas da noite.
Giovanna poucas vezes fez isso, o que acendeu ainda mais o meu alerta de mãe.
"- Mamá ainda não chegou."
- Ela já deve estar chegando, meu bem.
"- Mamá não liga mais para mim."
- Nunca pense assim, filha. Su mamá deve estar com algum problema no trabalho. Ela te ama assim como eu te amo muito - disse acalmando-a. - Já escovou seus dentinhos e está deitada?
"- Sim, mamãe..."
Sorri quando ouvi um bocejo. Sei que não vai demorar muito para a minha menina dormir.
- Gi, passa o celular para a Nina, sim? Está na hora de você dormir.
"- Está bem, mamãe..."
- Boa noite, minha princesa. Durma bem. Te amo muito, muito, muito.
"- Buenas noches, mamãe. Também te amo muitão."
Fez-se silêncio por um tempo, mas continuei na linha. Depois de ouvir alguns passos, ouvi a voz doce da babá:
"- Desculpe pela ligação, dona Helena. Giovanna estava lutando contra o sono e insistia em falar com a senhora. Eu tentei ligar para a Isabel, mas como ela não atendia, achei melhor fazer a vontade da menina."
Toda vez que falo com a babá, recordo-me dos ciúmes que senti quando foi contratada há alguns meses. Ciúmes duplo. Nina é linda, deve ter seus 20 e poucos anos, baixinha, cabelos cacheados e olhos castanhos claros. Ou seja, fiquei com ciúme da minha espanhola. A menina-mulher é a simpatia em pessoa e sabe lidar muito bem com crianças, Gi gosta muito dela. Ciúme da minha filha.
Depois de ver o seu profissionalismo, deixei o sentimento de posse de lado e tentei me aliar a ela para saber notícias que a Isa não dava.
- Não se preocupe, querida. A Isabel é sua patroa, mas eu também sou mãe da Gi. Qualquer coisa que você precisar, pode me ligar.
- Eu sei... mas é que...
- Que a Isabel só quer que me ligue se for alguma emergência médica - emendei a sua resposta, poupando-a da explicação. - Isa tem chegado muito tarde, Nina?
Percebi que tinha feito uma pergunta que a deixou constrangida.
- Sem informações sobre a sua patroa... certo, entendi.
- Desculpa, dona Helena. Eu admiro muito a senhora, mas não posso falar sobre a vida da Isabel assim.
- Eu sei e você está certíssima. Eu só queria saber por que fico me perguntando se a Giovanna fica sozinha. Eu sei o quanto a Isabel pode demorar e você tem que ir para sua casa.
- Ah, não se preocupe com isso. Quando a Isabel chega muito tarde, acabo dormindo por aqui.
Informação detestável que desceu rasgando pela minha garganta.
Não conheço a nova casa da espanhola, mas espero que ela tenha um quarto a mais.
- Hum... e isso acontece sempre?
- Tem acontecido muitas vezes sim... mas não é uma reclamação...
Mais uma vez a babá ficou constrangida e eu resolvi encerrar a ligação.
- Relaxa, Nina. O que conversamos morre aqui. Obrigada por me ligar e faça isso sempre que a Gi quiser. Boa noite.
A menina-mulher se despediu de mim e eu coloquei o meu celular na mesinha de centro.
Tirei os meus sapatos e em seguida me joguei no sofá.
O cansaço do dia bateu, fechei os olhos para descansar pois não tenho ânimo nem para subir até o meu quarto.
Isabel faz tanta falta na minha vida que consigo sentir saudade até de dormir no sofá esperando por ela, o que eu sempre odiei.
" - Cariño?
Senti as mãos da Isa deslizando pelo meu braço e acordei com sua voz suave me chamando mais uma vez.
- Helena, cariño.
- Isa? Que horas são? - Perguntei confusa ao notar que estava no sofá.
- Tarde - tentou sorrir, mas não conseguiu. - Eu te avisei que llegaría tarde.
- Você avisou que não jantaria em casa, Isabel - falei pegando o meu celular - e não que chegaria uma e meia da manhã.
- Yo sé... mas o teatro estava cheio e tive que ficar até o último espectador sair.
Sentei-me no sofá e a puxei para que ficasse ao meu lado. Beijei os seus lábios de forma carinhosa.
- Giovanna? - Perguntou pelo nosso bebê.
- Óbvio que está dormindo, amor.
- Sí, claro. Quero saber se ella passou a noite bem.
- Ela está bem, o pior do resfriado já passou.
Isabel respirou aliviada e relaxou no sofá. Seu rosto estava abatido, dava para ver o seu cansaço. Desde que fez um empréstimo alto para resgatar a sua companhia de teatro, ela não fica tranquila até conseguir o dinheiro da parcela no mês.
- Vamos subir, cariño? Eu preciso de um banho e cama - disse bocejando.
- Vida, eu sei que você está cansada, mas eu fiquei te esperando porque preciso falar com você.
Imediatamente Isabel se ajeitou e focou em mim.
- ¿Qué pasa? - Preocupou-se.
- Lembra que te falei do convite para ser apresentadora do Atuando?
- Sí, claro. Você foi na reunião? Era hoje, não?
- Isso, foi hoje e... bem, eu adorei o projeto e aceitei - abri o meu sorriso mais largo.
- Eu sabia que você aceitaria, cariño - disse Isa me abraçando. - Fico muito feliz pela sua conquista.
- Eu sei, amor. Vai ser um desafio por ser algo novo, mas estou com boas expectativas. Nunca fui apresentadora, mas sei lidar muito bem com uma câmera.
- Você vai tirar de letra - disse selando os nossos lábios em um beijo calmo.
Aproveitei o momento descontraído para fazer o que eu realmente queria ao esperá-la chegar:
- Isa... - hesitei.
- Que foi? Algum problema?
- Você sabe que no programa terão três jurados que são atores renomados, não é? Fiquei sabendo hoje que serão dois homens e uma mulher.
- Ah sí - deu risada. - Ya sé, eu não gosto de algum deles?
- Na verdade não escolheram ainda... Elesfalaramoseunomeeeudissequevocêadoraria - disse tão rápido que nem eu entendi.
- Hã?
- Amor, o pessoal da equipe disse que um dos nomes que eles querem contar é o seu eu disse que você adoraria.
- ¿QUÉ? YO? NO! Never! Díos, tú dices que yo adoraría? Helena?!
- Fala baixo, amor. Vai acordar a Giovanna se continuar gritando assim - segurei a sua mão para acalmá-la. - Qual o problema, Isa? Você ama atuar, entende pra caralh* e acho que tem puta potencial para a TV.
Minha mulher começou a rir.
- Eu na TV? Eu sou a maior bicho do mato que você conhece. Quantas vezes eu recusei participar de festas profissionais para não ter que lidar com essas coisas de fama? Isso sem contar as propostas de filmes, novelas e séries recusadas. Eu sou do teatro e é o meu lugar.
- Vida, para um minuto e reflita. Pensa primeiramente nas coisas positivas: você sempre me disse que gostaria de fazer mais pelo mundo da atuação, conscientizar mais pessoas e mostrar como esse meio artístico pode ser uma voz poderosa da cultura. Quer oportunidade melhor que fazer isso do que na TV aberta? Um jurado é do cinema, outro de telenovelas e precisam de um do teatro.
- Eu sei y concordo com você, cariño. Acho que será um bom entretenimento e pode ser educativo. Pero, no sou eu quem posso fazer isso. Eu sou só uma atriz. Tenho uma companhia para comandar e uma dívida para ser paga.
Eu sabia que não seria fácil convencer a Isabel. Eu me casei com uma mulher maravilhosa, mas cabeça dura.
- Escuta, você não estava falando esses dias que assim que pagasse o banco iria se dedicar mais a nossa família?
- Sí, mas ainda falta um bom tanto.
- Eu sei quanto falta. Se você for jurada, vai conseguir pagar a dívida de uma vez. Além disso, a sua imagem vai se atrelar ainda mais à Companhia e crescer o seu faturamento. Aposto que aquelas suas diversas ideias para o ‘Arte' podem finalmente sair do papel. São seus sonhos.
O olhar de Isa ficou distante, pensativa. Aposto que está ponderando as coisas positivas e negativas. Eu sei que esse é o seu maior sonho, o famoso calcanhar de Aquiles.
- Parece uma boa proposta, mas... mas... bem... eu não levo jeito, vai ser esquisito. É melhor não.
- Amor, eu tenho certeza de que você vai fazer sucesso. Estou te falando como uma pessoa que trabalhou a vida toda com isso e não como sua mulher.
- No sé, Helena...
- Isa, eles vão te ligar amanhã querendo marcar um teste. Antes de recusar o convite, vamos fazer o seguinte: você vai lá, faz o teste, se ambienta do local, vê como vai funcionar e faz tudo de coração aberto. Depois se você não quiser mesmo, tudo bem. Mas nem tentar não é coisa que o amor da minha vida faria."
Abri os meus olhos cheios de lágrimas. Não imaginei que em 3 anos a minha vida estaria essa bagunça. Eu imaginei uma coisa com a chegada do Atuando, mas ganhei outra completamente diferente em apenas 2 temporadas.
É claro que o reality trouxe coisas boas, Isabel conseguiu ficar mais tempo em casa com a nossa filha e zerou a sua dívida com o banco. Mas para isso, ela passou a administrar o Arte de outra forma, voltando-se apenas para a coordenação de peças e administração. Para sua tristeza, as atuações eram com menos frequência do que antes. Para ser mais exata, foram apenas duas peças de curta temporada.
A parte negativa para mim ficou por conta do nosso casamento. Trazer Isabel para o meu mundo foi me deixando insegura. Como eu pensei, Isa leva jeito para a TV. Só não imaginei que o seu jeito sexy faria tanto sucesso assim. Eu sempre soube que tinha um mulherão em casa, mas não gostei nada de dividi-la com o Brasil. Ridículo, eu sei. Mas para quem tinha vivido 10 anos de um jeito, ter que lidar com essa mudança da noite para o dia é difícil. O amor é ridículo.
De maneira estranha, nos perdemos em nossa relação. Da mesma forma que aos poucos a espanhola foi se abrindo e se mostrando uma bela pérola para todos, para mim ela foi se fechando em sua concha.
" - Nossa - analisei a Isabel de cima para baixo.
É a primeira vez que a minha mulher se arruma tanto para uma gravação.
- ¿Qué? Estou feia? Acha esse macacão azul muito exagerado? Que não combina comigo?
- Vida, você está linda. Essa roupa caiu perfeitamente em seu corpo. Capaz que distraia os participantes, prepare-se para ser o centro das atenções - falei tentando brincar, mas me mordendo de ciúmes por dentro.
- Eu te disse, Isabel. Você está arrasando. Helena que lide com o ciúme dela - disse Larissa, nossa figurinista.
- Helena não precisa lidar com ciúme, ela sabe que sou dela pelo resto de minha vida - falou Isabel apontando para a nossa aliança.
Tanto a Larissa, nossa cabelereira, quanto a maquiadora Viviane, fizeram um barulho de aprovação pela fala da espanhola.
- Tudo muito lindo, mas sinto te informar, Isabel, que a Helena não vai ficar atrás de você no look. Trouxe um vestidinho que vai te deixar babando durante a gravação.
Dei risada e balancei a cabeça em negação.
- Nem adianta se esforçar para provocá-la, Isa não sente ciúmes de mim.
- Ah, não é possível - comentou a maquiadora.
- Eu me acostumei a ver todos admirarem a Helena desde que começamos a nos relacionar. Então eu tive que aprender a confiar nela..."
Consegui rir em meio as lágrimas ao me recordar que diferente dela que não sabia o que era ciúme, um dia eu senti isso até do Maurício. Parecia até que eu estava adivinhando que a perderia.
Levantei-me do sofá e subi as escadas que me levaram até o meu quarto. Nem me preocupei em acender a luz e fui direto para o meu banheiro. Preciso de um banho.
Se a Isabel confiava tanto em mim, por que não acreditou nas minhas palavras?
Essa é a questão que eu terei a chance de obter a resposta graças também ao próprio Atuando.
Após o banho, deitei-me na cama e permaneci de olhos fechados até cair no sono mais profundo.
Em meus sonhos, eu e a Isabel estávamos juntas. Ela me beijava na cozinha enquanto cozinhava.
Acordei mais saudosa do que nunca. Enquanto tomava o meu café da manhã, passei os dedos pelos meus lábios. Posso sentir a maciez dos delas como no meu sonho.
A manhã de quinta-feira passou arrastada. Me lembrou as aulas de matemática que eu olhava para o relógio e descobria que só passaram 2 minutos desde a última olhada.
Pensei que tivesse cabeça para trabalhar, mas eu não consegui produzir nada na Escola de Roteiristas. Foi quando, depois do almoço, eu decidi ir para a emissora mesmo sabendo que chegaria cedo demais.
Atravessei o portão do local com o meu carro às 13:46. Eu que tenho a fama de atrasada, tive que ficar fazendo hora pelos corredores até dar um horário aceitável para adentrar a sala que acontecerá a reunião. Conversei com um e outro e finalmente vi os minutos passarem.
Entrei na sala faltando meia hora para começar. Já estavam lá a diretora Miriam e outras pessoas da produção de conteúdo, só faltam mesmo os jurados. Cumprimentei todos com um abraço e bastante empolgada.
Distraí-me com a conversa, mas as vozes dos meus colegas de repente sumiram para mim assim que eu ouvi aquele conhecido sotaque gringo seguido de sua risada empolgada.
Olhei para a porta que vi sendo aberta pelo Maurício. Sabia que a veria quando ele deu espaço para que ela entrasse primeiro.
Um sorriso largo foi a primeira visão que tive dela. Não para mim, mas para o seu amigo jurado. Provavelmente uma consequência final de alguma brincadeira feita pelos dois antes de chegarem à sala. Mesmo assim foi o suficiente para sentir uma felicidade inenarrável. Eu sempre gostei de vê-la sorrir, melhor ainda quando seu nariz franze.
A felicidade que senti foi morrendo junto com o seu sorriso quando os nossos olhos se encontraram.
Posso dizer que foi um misto de receio e paixão encará-la de frente depois de um ano. Senti-me como uma jovenzinha que está diante de um amor impossível. Não sei o que fazer.
O nosso contato visual foi interrompido pela mais nova quando pareceu despertar de um transe ao sentir a mão do Maurício em sua cintura. O meu olhar a acompanhou quando ela passou a caminhar com sua postura elegante até a equipe do programa.
Todos se levantaram para abraçá-la e dar as boas-vindas. A certeza de ter Isabel de volta é como se a peça de um quebra-cabeças que estava sumida fosse encontrada.
Meu olhar se perdeu nela. Isa não pode estar mais bonita, parece até que escolheu sua roupa a dedo para me provocar. Vestido preto acima do joelho com um decote generoso combinado com uma meia calça preta e scarpin. A espanhola sabe o quanto eu fico louca com ela de meia calça.
Em um gesto involuntário, passei a minha língua pelos meus lábios e mordi o inferior na tentativa de contar o desejo que a saudade me provoca.
- Quer um babador, Lena?
Com o susto pela voz grossa de Maurício tão perto de mim, levantei-me rindo da sua provocação.
- Eu não sei do que você está falando - respondi.
Nos abraçamos bem forte. Apesar de ele ter ficado ao lado da Isabel, sinto falta da sua amizade.
- Está tudo bem, Helena? - Ele perguntou.
- Tudo certo e você? Como vai a Luciana e seu filho?
O ator respondeu as minhas perguntas enquanto os meus olhos voltaram a procurar pela jurada. Reparei que ela terminou de cumprimentar a última pessoa e que pela lógica a próxima seria eu. Engano meu. Isabel apenas deu a volta na mesa quadrada e sentou-se quase de frente para mim.
Eu troquei mais algumas palavras com o jurado que logo depois foi sentar-se ao lado da espanhola. Ainda perdida, ocupei a cadeira que já estava antes e passei a encará-la.
Como se eu fosse qualquer pessoa ou alguém novo que ela não conhecia, soltou de maneira fria:
- Hola, Helena. Tudo bem?
Fim do capítulo
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EliandraFortes
Em: 20/10/2020
Não faz sentido um término sem diálogo. Se ambas estão sofrendo tanto, por que não comversam logo?
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Baiana
Em: 19/10/2020
Hum...se a Isabel não tinha ciúmes e confiava na Helena,o que foi aquele show então,e que resultou na separação?
E o comportamento dela antes do término? Tinha alguém envenenando o casamento delas?
Resposta do autor:
Calma, não é nenhum furo ou algo do tipo haha, quero exatamente essa dualidade, as perguntas...
As voltas ao passado serão essenciais para ir montando o quebra-cabeça entre as duas. Lembre-se que cada uma traz a sua versão da história.
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