Capítulo 19 - Perdão

-Mari, acorda. -Escutei uma voz me chamando.

-Tô acordada. O que aconteceu? -Olhei em volta e me vi no estábulo. Quem me chamava era a Camila.

-Você deve ter dormido aqui. Fomos deitar e achamos que você já estava dormindo no outro quarto com a Ju. Achamos que finalmente ela tinha te falado e vocês tinham se acertado. Quando acordamos e fomos te procurar não te encontrávamos de jeito nenhum. Estávamos desesperados quando Pedro correu lá para avisar que tinha te visto aqui quando foi pegar o feno pros cavalos.

Minha memória foi voltando aos poucos enquanto me situava. Até que me lembrei do episódio com a Juliana.

-A Ju, meu Deus. -Disse colocando a mão na cabeça.

-Pois é, a Ju. Ela tá arrasada, amiga.

-Espera, vocês já sabiam que a Ju gostava de mim?

-Eu não, só a Rafa. Aí quando não vimos vocês ela acabou nos contando. Ficamos felizes achando que tinha dado certo até que ela levantou com a cara toda inchada de tanto chorar e nos contou o que aconteceu. Não precisava ser maldosa, Mari.

-Eu sei, Cá. Não foi de propósito. É que ela me chamou de inocente por causa da Márcia e eu fiquei com raiva e descontei nela. Sei que foi errado. Preciso falar com ela.

-Precisa mesmo, amiga. Ela tá arrasada. Você percebeu que agora as coisas que ela falava desde o churrasco na casa da Ritinha fazem sentido? Ela estava com ciúmes de você.

-Pois é, agora eu entendo. Mas eu juro que não ia ter sido maldosa se ela não tivesse falado na Márcia. Ela pegou no meu ponto fraco.

-Mas agora já foi, Mari. O jeito é encarar ela e pedir desculpas. Cuidado com a Rafa porque ela tá querendo sua cabeça, viu?

-Como assim? -Perguntei assustada.

-É que ela tem ouvido a Ju falar de você há vários anos e ela meio que tomou as dores da Ju.

-Ixe, aguentar a Rafa com raiva vai ser difícil. Ô mulher de personalidade forte essa.

-Ela é mesmo. -Rimos um pouco. -Agora chega de enrolação e vamos lá encarar elas.

-Vamos sim.

Quando chegamos na cozinha estavam todos à mesa do café conversando e comendo. Foi eu entrar que todos se calaram e viraram para a Ju.

-Ju, posso falar com você um minuto? -Perguntei um pouco tímida.

-Fala aqui mesmo, Mariana. -Respondeu Rafa.

-Prefiro falar em particular, Rafa. -Respondi firme, mas sem levantar a voz.

-Deixa, Rafa, eu vou lá. -Juliana respondeu de cabeça baixa.

Fomos para a sala onde as meninas haviam dormido. Logo que entramos abracei a Ju.

-Ju, me perdoa, eu não falei por mal. Eu fiquei chateada com o que falou da Márcia. Eu admiro muito sua coragem de ter me falado, mesmo tendo levado um tempo para fazer isso. Me perdoa. -Eu disse tudo isso abraçada nela. Ela então começou a soluçar e me abraçou de volta.

Ficamos um tempo em silêncio abraçadas até que os soluços pararam.

-Me perdoa, vai Ju. -Eu disse de novo, dessa vez olhando em seus olhos.

-Eu não consigo ficar de mal de você, Mari. Nem mesmo se eu quisesse. -Ela disse isso e me abraçou de volta. -Agora vamos lá comer que você deve tá morrendo de fome. Sempre acorda com fome quando bebe.

-Ainda cuidando de mim, é?

-Sempre. -Ela disse isso e me puxou pela mão para a cozinha.

Novamente estavam todos conversando e pararam quando nos viram entrar. Me sentei na cadeira ao lado da Camila, em frente à Juliana. Eles olhavam de uma para a outra sem dizer nada, até que Ritinha disse sem paciência com o silêncio:

-E aí, são amigas de novo?

-Somos sim, Ritinha. -Ju respondeu me olhando e sorrindo.

-Mas não devia ter feito o que fez. -Disse Rafa brava.

-Minha filha, elas se acertaram, você pode, por favor, desculpar a Mari também? -Disse Silvia um pouco irritada com a insistência da filha.

-Desculpa, Rafa. -Eu disse, tentando aplacar o humor da Rafaela.

-Tá bom, já que a Ju te desculpou eu desculpo também.

Todos riram da Rafa tomando as dores da Ju e voltaram a comer.

Como era domingo, uma parte da família da Verônica viria almoçar na fazenda para poder vê-la, pois logo ela voltaria para o exterior. Mal tomamos banho e arrumamos nossa bagunça e começou a chegar gente que não acabava mais. Neide arrumou a mesa da varanda de uns oito metros de comprimento para todos com as comidas espalhadas na grande mesa da cozinha como se fosse um restaurante.

Comemos, rimos, nos divertimos muito até que todos foram embora, ficando apenas nós que havíamos ido mais cedo e o Daniel, que ia embora com Rubens mas resolvera ficar por causa de uma certa mocinha.

O sol estava quase se pondo e resolvemos dar um mergulho no lago para aproveitar o restinho do calor. Arrumamos uma bola e ficamos jogando de um lado para o outro enquanto Camila e Daniel ficavam num canto namorando igual à dois adolescentes. Às vezes fazíamos graça com os dois e eles até correspondiam a brincadeira, mas na maior parte do tempo nem nos escutavam.

***

Verônica havia decidido ir embora na segunda, pois havia combinado de encontrar algumas amigas de infância na terça. Então quando levantamos no dia seguinte já arrumamos tudo e colocamos no carro.

Andamos mais à cavalo, exploramos o pomar, conhecemos mais a terra com Pedro de guia. Ficamos admiradas com as vistas. Ao redor da fazenda havia montanhas que dependendo do lugar que estávamos tínhamos uma vista diferente. Tiramos milhares de fotos para guardar de lembrança. O almoço foi uma algazarra que só. Com todos brincando e fazendo piadas. Comemos tanto logo via-se gente espalhada pela casa inteira deitada em sofá, cama, rede e até mesmo no chão. Com isso aproveitei para ficar um pouco sozinha e pensar na vida. Fui para a beira do lago e me sentei à sombra de uma das árvores.

Eu não estava entendendo qual era o meu problema. Estava tudo indo tão bem com a Ana e do nada ela para de falar comigo. A mesma coisa com a Márcia. Achei que ela, por parecer mais madura, iria ao menos falar comigo caso ela não quisesse mais nada, mas cá estava eu, quase uma semana após nossa última conversa e sem notícias dela. Talvez houvesse algo de errado comigo mesmo. E por que eu não podia gostar da Ju? Ela gostava tanto de mim, era tão nítido isso. Por que eu não podia facilitar as coisas e simplesmente gostar dela? Minha cabeça até começou a doer de pensar nessas coisas.

-Mari! -Chamou Pedro.

-Oi, Pedro! Tá fazendo o que?

-Eu tô indo lá apartar as vacas pra tirar leite. Você tinha dito que queria ir ver. Ainda quer?

-Quero sim. Bora lá.

Pedro selou dois cavalos com uma habilidade invejável.

-Você faz isso desde que idade? -Perguntei curiosa.

-Apartar as vacas?

-Selar os cavalos.

-Desde que criei altura. -Ele respondeu rindo.

-Então tem tempo. -Respondi rindo junto.

-Tem sim. Eu gosto demais de bicho. Eles são fáceis de entender. Difícil é entender gente. -Ele respondeu meio viajando.

-Nem me fala disso, Pedro.

-Vem, eu te ajudo a subir. -Disse parando as mãos para eu colocar o pé.

-Obrigada. -Respondi depois de subir e vi ele subir mal encostando no cavalo. -Menino, você não cai não?

-Que nada. Monto há mais tempo que selo. -Rimos mais uma vez.

Segui ele até chegarmos onde as vacas estavam. Ele tinha muita habilidade para tocar elas. Era como se elas simplesmente obedecessem aos comandos dele. Era bonito de se ver. Logo estávamos no curral, onde tinham outros peões que iriam colocar elas na ordenha. Ficamos lá olhando um pouco e logo voltamos para a casa.

-Você tá aí. Estávamos te procurando. Tia Bia tá chamando pra tomar café. Logo mais estamos indo embora. -Disse Verônica.

-Vou só lavar as mãos e o rosto porque tô pura terra.

Comemos e logo pegamos a estrada para chegarmos antes de escurecer.

Fim do capítulo