São Rafael
Isabel
Eu larguei Héloïse na mesa sozinha assim que Carmen deu as costas. Vi quando parou no corredor e suspirou forte depois de escutar o que a francesa disse. Eu não queria ficar sozinha com ela, não que não fosse uma companhia agradável. Era é uma menina belíssima e elegante, se o destino não tivesse cruzado o meu caminho com o de Carmen novamente, talvez Héloïse tivesse alguma chance e espaço em minha vida. Mas não podia negar que meu coração pertencia a uma só mulher. E ela estava bufando de raiva nesse momento.
Fizemos amor naquele dia, no meio dos tapas e xingamentos de Carmen. Aquela mulher era intensa e descobri que fazer sex* de reconciliação era a melhor coisa do mundo. Passamos boa parte da manhã trancadas no quarto, não me atrevi a sair dali sem pelo menos acalmar aquele ser feroz que era Carmen. Acabamos por pegar no sono e acordamos ao som de batidas na porta.
– Baronesa...
Carmen se remexeu em meu colo.
– Não ouse levantar... – Falou se agarrando ao meu corpo nu.
Eu não ousaria mesmo, tudo contribuía para ficar ali naquele quarto. A linda mulher nos meus braços, o clima chuvoso que era sinônimo de cama e sono, o aconchego do nosso quarto... tão nosso agora, que seria difícil se tivesse que me acostumar a ficar sozinha novamente.
Mais algumas batidas.
– Baronesa... – Era a voz de Marta.
Carmen resmungou novamente e deixei um beijo em sua testa antes de levantar. Peguei um robe que estava próximo e fui até a porta. Marta me olhou um pouco envergonhada, já que quando abri a porta ela viu a Madame deitada na cama e deve de ter deduzido o óbvio.
– Me perdoe incomodá–la, Baronesa! – Falou tímida. – Mas seus convidados estão aguardando para o almoço.
Por um momento me esqueci das visitas. Carmen me tirava de órbita, eu esquecia dos compromissos e de qualquer pessoa quando estava ao seu lado. Bufei irritada.
– Desculpas novamente, Baronesa! – Marta disse.
– Oh não, Marta! Não estou irritada contigo, não se preocupe! – A mulher sorriu para mim um pouco aliviada. – Diga a eles que logo estaremos prontas para o almoço. – Ela assentiu e se retirou.
Fechei a porta e voltei para cama.
– Precisamos ir, meu amor... – Disse beijando as costas de Carmen.
– No quiero! – Falou sonolenta.
– Prometo que logo voltaremos para o quarto. – Ela se espreguiçou e sorriu mais satisfeita.
– Muito mejor! – Falou me puxando para um beijo.
Levantamos em seguida e nos vestimos para o almoço. Beijei Carmen antes de sair do quarto e acariciei sua barriga, como sempre fazia.
– Por favor, tente manter a calma, pelo bebê... – Ela revirou os olhos e bufou.
– Tentarei... – Disse saindo na frente. Carmen abriu a porta e me esperou no corredor. Quando estávamos quase chegando a sala de jantar, ela enlaçou seu braço no meu e me puxou para junto de si, ela não costumava fazer isso na frente de outras pessoas. E eu sabia bem que isso era um recado para Héloïse.
Eu, como uma gentil pessoa, não me atrevi a sair daquele enlace e com todo orgulho que existia em mim, levei Carmen pelo braço até a sala de jantar, como se estivesse levando para o altar. Louis foi o primeiro a nos ver e se levantou sorrindo.
– Querida Carmen! – Disse fazendo um cumprimento gracioso de onde estava. – Isabel! – Fez o mesmo comigo.
Héloïse estava sentada de frente para Louis na mesa, Lucília ao meu lado direito e a cadeira do lado esquerda vazia. Meu amigo poderia se sentar ali, mas eu sabia que ele tinha deixado esse lugar para uma pessoa, assim como sabia que provavelmente não deixou que a prima se acomodasse ali. Puxei a cadeira para Carmen sentar e fiz o mesmo na ponta da mesa.
– Marta, sirva o almoço. – Lucília falou, mas não foi tão rude como de costume e agradeci por não precisar chamar a atenção dela outra vez.
– Onde esteve a manhã toda, querida? Te procurei e não encontrei–a em lugar algum... – Héloïse se pronunciou.
Sorri amarelo e vi Carmen apertar o guardanapo de pano em seu colo.
– Ocupada com assuntos da fazenda... – Disse sem encarar a moça.
Louis soltou um risinho e Carmen sorriu de lado. O almoço foi servido e como sempre meu amigo puxou o assunto para acabar com o clima tenso.
– Pensei que poderíamos tirar a tarde para tratar dos documentos da fábrica, quero tua ajuda!
Olhei para Carmen que fez uma cara de desanimada, prometi que voltaríamos para o quarto após o almoço. Ela assentiu de leve e deu de ombros.
– Claro que sim! – Disse me dirigindo a Louis.
– Não quero atrapalhar vocês... – Falou olhando para nós duas.
Lucília se remexeu na cadeira incomodada e Héloïse fechou a cara e se pronunciou, eu gostava da sua ousadia, mas para a segurança dela era melhor que não abrisse a boca.
– Não sei porque atrapalharia Isabel... Afinal, elas não são um casal! – Eu juro que vi Carmen se levantar e voar naquela mesa direto no pescoço de Héloïse. Mas a mulher se conteve e fechou os olhos, apertando exageradamente os talheres em suas mãos.
Eu engoli em seco e agradeci por ter comprido o que pedi a ela no quarto.
– Isabel é uma moça solteira, senhorita Héloïse... – Lucília se pronunciou insinuando a clara intenção de me jogar para ela.
A espanhola estava furiosa. Héloïse sorriu para Lucília que retribuiu e Louis me olhou com um misto de pena e desespero. Foi por esse motivo que fiz o que já devia ter feito desde o primeiro dia. Mostrei a todos o que Carmen realmente representava para mim. Peguei sua mão que descansava em cima da mesa. ela se assustou e me olhou surpresa pelo ato.
– Carmen certamente não é apenas uma amiga, senhorita Héloïse... E Lucília. – Disse olhando para as duas com nossas mãos entrelaçadas. – Ela é o amor da minha vida... – Sorri para ela e a governanta quase se engasgou quando ouviu o que disse, mas continuei: – E só não se tornou a senhora desta casa, porque ainda não aceitou meu pedido. – Carmen estava emocionada e surpresa, ela apertou mais forte minha mão e me sorriu lindamente.
– Ela está grávida, Isabel! E deve ter ideia de quem é o pai dessa criança! – Lucília se levantou e bateu forte na mesa.
Carmen se levantou também encarando a governanta.
– Esse niño é meu! Não pertence a nenhum hombre! – Disse ríspida a Lucília.
– Acho melhor todos se acalmarem... – Louis se pronunciou quando viu que estava sem reação.
– Não criei Isabel para isso! – Lucília falou entredentes para Carmen. – Ela não criará um bastardo!
– Sua hija... – Me levantei nessa hora, aquilo para mim foi a gota d'água.
– CHEGA! – Disse alto. As duas me olharam surpresas. Encarei Lucília e a mulher recuou assustada.
– NUNCA... Eu disse, NUNCA MAIS fale assim do MEU filho! – Gritei sem ao menos me dar conta do que disse.
– Acorda, Isabel! Essa criança não é tua! – Lucília falou irritada e me deu as costas saindo da sala.
"Essa criança não é tua!"
Meu rosto mudou assim que ouvi o que Lucília gritou em resposta. Ela não estava errada. Aquele filho realmente não era meu e nunca seria. Carmen era a mãe e eu... Eu era só a pessoa que deu abrigo aos dois nesse período.
– Isabel... – Carmen me chamou eu escutei ao longe. Estava distante e magoada. Ela tentou segurar minha mão, mas me esquivei e sai da sala sem olhar para trás.
Louis veio ao meu encontro correndo.
– Isabel! Espere! – Disse me gritando.
Desci as escadas da casa correndo e peguei o cavalo que estava amarrado mais a frente. Subi e escutei novamente a voz de Louis.
– Não faça isso contigo, minha amiga... – Falou com o semblante tristonho. Louis sabia o quanto a frase de Lucília mexeu comigo. Ele era a única pessoa dali que de fato sabia do meu amor e apego pelo bebê.
Olhei para ele e sorri fraco, logo saí dali em disparada.
Cavalguei com as lágrimas caindo pelo meu rosto e deixando o vento secar todas pelo caminho. Andava sem rumo, até que me vi parada na árvore que entalhei nossas iniciais. Desci do cavalo e fui até o local. Ali me permitir chorar enquanto tocava nas letras dos nossos nomes. Eu errei. Errei quando me deixei apegar tanto assim a criança. Eu amava o bebê de Carmen tanto quanto a amava. E isso seria meu fim. Lembrei de meu pai e do seu orquidário. O seu santuário de amor a Margot. Aquela figueira com nossos nomes era exatamente isso. Eu sem saber fiz o mesmo que meu pai, construí um santuário ao meu amor impossível.
Eu chorei e sentei embaixo da árvore me detestando por ser tão fraca. Por me deixar levar por um amor que nunca seria meu. Nem o da criança, muito menos o da mãe. Eu sabia disso desde o começo, eu comecei aquilo sabendo dos riscos e mesmo assim quis mergulhar de cabeça. A culpa era somente minha e agora era um caminho sem volta. Eu nunca deixaria de sentir aquele amor por nenhum dos dois.
"Meu filho..."
Como eu queria que aquilo fosse real. Me peguei desejando isso mais forte do que em qualquer outro momento.
Com a visão embaçada pelas lágrimas vi de longe um cavalo se aproximar. Era um homem e só reconheci quando chegou mais perto.
– Baronesa! – Era José, o senhor que cuidava dos cavalos.
Levantei e limpei o rosto na minha camisa. Ele desceu do cavalo e se aproximou.
– Aconteceu alguma coisa, José?! – Perguntei preocupada.
– Não, senhora... – Falou tímido. – Marta viu como a senhora saiu da casa e me pediu para saber se estava bem.
Sorri e tomei nota de agradecer Marta pela preocupação comigo.
– Pode voltar, José... Eu agradeço o cuidado, mas estou bem! – Falei tentando conter as lágrimas.
– Me perdoe, mas não é isso que parece, Baronesa... – Disse cauteloso e sem graça.
"Quem eu queria enganar?"
– Realmente não estou bem... – Disse rindo em meio as lágrimas que caiam de novo.
O senhor simpático me pegou pela mão e apertou em sinal de apoio.
––Não fique assim, Sinhazinha... As coisas se ajeitarão com o passar do tempo – Falou carinhoso.
Mesmo José não tendo ideia do que se tratava tudo aquilo, eu senti um conforto em suas palavras.
– Obrigada, Querido... É um bom homem!
– Não sei se sou um bom homem, mas sei que tenho uma boa garrafa de cachaça no celeiro – Disse nos fazendo rir.
– Então é para lá que vamos! – O homem concordou ainda rindo e juntos cavalgamos até lá.
Ele foi ao pequeno armário e pegou uma garrafa cheia com a bebida cor de ouro. Puxou dois bancos e nos sentamos.
– Não é nada bonito como a senhora está acostumada, mas... – Não deixei ele continuar.
– Pare de bobagens, homem! – Falei me sentando.
José sorriu e abriu a garrafa. Antes de nos servir ele encheu os pulmões com o cheiro forte da cachaça.
– Essa é das boas, Sinhazinha! – Disse rindo.
– Nada de sinhazinha!
– Desculpa, Baronesa! – Falou se corrigindo.
– Nem sinhazinha e nem Baronesa! Me chame de Isabel, o nome que me pai escolheu assim que nasci! – Disse nos fazendo rir.
Ele nos serviu e juntos tomamos algumas doses enquanto conversávamos com dois bons amigos de longa data. A noite caía lá fora e a garrafa de cachaça já estava vazia e ao lado de outra já pela metade. José ria sem parar de algumas bobagens que falava e eu já me encontrava em um estado que nada mais fazia sentido.
– Ela teve a ous... ousadia – Disse enrolado. – De negar meu pedido de casamento... – falei tomando outra dose.
– Mulheres são ingratas, Isabel! – José falou bebendo e depois parou me olhando assustado. – Desculpa, se insultei a senhori...ta. – Disse nos fazendo rir. – Quase me esqueci de que é uma mulher também. – Falou rindo e segui o homem.
– Vou te confessar que nem eu me vejo assim as vezes... – Rimos alto e nos servimos de mais bebida. – Às mulheres ingratas! – Disse levantando o copo e José fez o mesmo.
– Menos a senhora que é a mulher mais diferente que conheci! – Disse levantando copo e virando e fiz o mesmo em seguida.
– Tem sorte por ter Marta! – Falei tristonha.
– Isso é verdade...
– Eu não tenho ninguém... – Disse já começando a chorar. Eu estava bêbada e patética.
– Não fique assim senhora sinhazinha Baronesa... – O homem disse tudo ao mesmo tempo nos fazendo cair na gargalhada.
Um menino apareceu correndo logo em seguida.
– Papai... – Disse nos olhando assustado.
– Augusto, meu filho! – José levantou e agarrou o menino pelos ombros. – Venha quero que conheça minha amiga, Isabel! – Disse enrolado.
– Pai, acho que o senhor está encrencado... – Outro menino mais velho entrou correndo no estábulo e logo em seguida, Marta entrou pisando forte.
– JOSÉ! – Falou alto nos fazendo encolher.
– Marta, que bom que veio beber com a gente! – Eu disse abraçando a senhora que gentilmente retribuiu e me colocou sentada de novo.
– Eu pedi para ir atrás de Isabel, ver como ela estava e trazê–la em segurança para casa e não para deixá–la bêbada! – Ela puxou José pela camisa irritada. – Baronesa Isabel! – disse indo ao meu encontro de novo. – A senhora está bem?
– Estou ótima, Marta! – Disse me levantando e tentando caminhar. Quase dei de cara no chão quando Pedro o filho mais velho deles me segurou. – E não brigue com teu marido ele é um ótimo camarada! – José sorriu e levantou outro copo que logo foi tirado da sua mão pela mulher.
– Idiota! Eu vou te matar, José! – Marta dizia revoltada.
– Está encrencado amigo... Carmen quando está assim quase me mata. – Falei rindo alto.
Marta levou as mãos a cabeça.
– Pedro, leve a Baronesa para casa! – Falou ao filho.
– Não quero ir! – Disse irritada. Me virei para o menino e falei. – Vá, Pedro e se torne o novo Barão de Vassouras! – Ele me olhou com olhos arregalados. Subi em cima do banco sendo segurada por Augusto, o menino mais novo. – EU ISABEL ALBUQUERQUE DE CASTRO, NESSE DIA RENUNCIO AO MEU TÍTULO PARA FICAR COM A MINHA AMADA CARMEN! – Disse aos gritos e a senhora me desceu devagar. – Será que assim ela ficará comigo, Marta?! – Perguntei.
– Isabel... – Me chamou pelo nome o que era raro. – Não fique assim, menina... Volte para casa agora que em seguida estarei lá para lhe fazer um chá! – Me deu um beijo na testa. – Pedro, leve a Baronesa! – Pediu outra vez ao filho que me pegou pelos ombros.
– Marta, não seja boba não sou mais Baronesa! – Disse rindo. – Agora sou somente Isabel! – José riu alto levando um tapa da esposa.
O menino me ajudou a chegar até a casa grande com muita dificuldade, já que eu me recusava a voltar para lá quase todo o caminho. Quando chegamos na porta da sala, Louis se levantou correndo e me pegou do apoio do garoto.
– Isabel! – Falou preocupado. – Onde esteve?
– Louis... Meu grande amigo Francês! – Disse enrolado.
– Nem precisa falar onde esteve, pelo seu hálito já entendi! – Falou me fazendo rir.
Lucília estava chorosa sentada no sofá sendo consolada por Héloïse. A governanta me olhou e veio ao meu encontro.
––Isabel!
– Fique longe de mim! – Disse irritada. A mulher se assustou e recuou.
Louis ainda me segurava quando Carmen apareceu na sala me olhando com um misto de irritação e tristeza e foi ao nosso encontro.
– Idiota! – Disse me estapeando. – ¿Quieres matarnos de preocupación? – Falou ainda me batendo.
– Baronesa, acho que está encrencada... – Louis disse rindo.
– Não... eu não sou mais Baronesa, amigo... – falei rindo e deixando todos curiosos. – Eu acabei de renunciar ao meu título lá no celeiro. – Gargalhei. – Para ficar com Carmen. – Disse olhando para a mulher que encheu os olhos de lágrimas. – Se não for mais Baronesa, ela enfim aceitará ser minha mulher! – Disse a todos. Carmem parou de me encarar e enxugou as lágrimas. – Olha ali o novo Barão de Vassouras! – Disse apontando para Pedro que tinha acabado de voltar com Marta.
– Por Deus, Baronesa! Não diga bobagens! – Marta disse receosa, pois Lucília a olhava torto.
– Entre Barão, seja bem–vindo! – Falei rindo e sendo puxada por Louis até meu quarto. Carmen vinha atrás e fechou a porta.
– Obrigada, Louis! Pode deixar que cuido dela agora!
– Boa sorte, má chérie! – Disse batendo de leve no meu ombro.
Louis saiu me deixando no quarto sozinha com uma Carmen furiosa.
– Onde estava, Isabel?! – Falou irritada e andando de um lado para o outro. – Tem noção de como fiquei preocupada!? – Me aproximei e ela me empurrou me jogando na cama.
– Estava com José, marido de Marta, bebendo... – Ela continuava a andar de um lado para o outro.
– Não me diga que estava bebendo, nem percebi! – Disse com raiva.
– Para de andar de um lado para o outro está me deixando zonza! – Disse enjoada.
– Eu haré peor, Isabel! – Carmen saiu do quarto e voltou com duas empregadas com baldes cheios de água.
– Podem encher a tina, meninas! – Disse gentil. As empregadas obedeceram–na com naturalidade e saíram do quarto.
– ¡Ahora ven conmigo! – Carmen me puxou pela mão sem delicadeza e me jogou ainda de roupa na tina cheia de água.
– Está gelada! – Disse tentando sair, mas ela me jogou de novo na água.
– Ficará aí, hasta aprender a não desaparecer e me dejar a ponto de ter essa criança antes da hora de preocupação! – Falou gritando.
Tentei argumentar, mas já estava tão tonta e enjoada que deixei Carmen me banhar daquela maneira mesmo. Ela misturava o português com o espanhol, me xingando em todas as línguas que sabia falar.
Me tirou da tina com cuidado e me despiu. Carmen apesar de todas as reclamações e braveza, cuidava de mim e sorri disfarçado ao reparar isso. Ela pegou um dos meus pijamas e me vestiu, me fazendo sentar na cama. Estava um pouco mais consciente agora e com muita dor de cabeça.
– Carmen, por favor, pare de gritar... – Pedi baixo.
– Continuarei gritando, até usted aprender! – Falou ainda irritada.
Bateram à porta e Carmen abriu. Era Marta com uma bandeja nas mãos.
– Seu chá, Baronesa... – Disse colocando a bandeja na cama.
– Obrigada, Marta! – Ela sorriu. – Não maltrate tanto, José! – Disse olhando para Carmen que revirou os olhos. – Ele só queria me ajudar... – Ela concordou e saiu.
Peguei o chá na bandeja e fiz uma careta assim que o coloquei nos lábios.
– Que coisa horrível! – Falei quase vomitando.
– O que queria? Chá de camomila? – Falou impaciente.
– O que é isso? – Disse afastando a xícara e Carmen a colocou novamente nas minhas mãos.
– Chá de boldo! – Pedi a Marta para preparar essa para usted!
– É horrível! – Disse fazendo outra careta.
– Vai me agradecer amanhã quando acordar, pode ter certeza! – Carmen disse indo até suas roupas de dormir, se trocou e sentou ao meu lado na cama.
– Disse a verdade quando gritei na sala que renunciei ao meu título de Baronesa... – Ela me olhou rindo fraco.
– Sabes que não pode fazer isso.
– Por ti eu faria! – Respirei fundo e coloquei a mão em sua barriga. – Por vocês eu faria! – Ela suavizou as feições.
– Tu tens um título e uma responsabilidade, com essas terras, essas pessoas. Tem noção do bem que faz a todos os seus empregados? Nunca vi gente tão fiel a seu patrão como eles são! Tu os libertou, Isabel! Transformou a vida de todos, criou ofícios, trouxe esperança e liberdade a tantos... Não pode renunciar ao título que te proporcionou fazer tão bem a tantas pessoas... – Dizia chorosa. – Eu não neguei seu pedido por causa do seu título, Isabel! – Disse-me chorando. – Mas porque merece ao lado, uma mulher à sua altura, digna de ser a esposa da Baronesa de Vassouras... E por mais que me doa admitir, Héloïse seria uma ótima Baro... – Não a deixei continuar.
– Cala a boca, Carmen! – Puxei a mulher para um beijo intenso.
– Usted está fedendo a cachaça. – Disse nos fazendo rir.
– Desculpe por isso, meu amor! Me perdoe por tudo!
Ela me abraçou.
– Eu que peço perdão, Isabel! Por aparecer novamente e deixar tua vida uma bagunça...
– Pode bagunçar minha vida por toda a eternidade, se quiser... – Carmen riu e me beijou. Em seguida colocou minha mão sobre sua barriga.
– Essa criança aqui, Isabel... É tão tua quanto minha, podes não ser pai desse bebê, mas fez mais por ele do que qualquer um faria! – Nessa hora já chorava. – Espero que se lembre sempre disso. Nosotros te amamos, Baronesa!
Carmen me puxou para seu colo enquanto eu chorava. Chorava por mim e por ela, por nosso amor e pelo bebê que aprendi amar.
O dia amanheceu e logo acordei com um pouco de dor de cabeça. Carmen ainda dormia tranquila ao meu lado. Levantei e depois que fiz a higiene me vesti e fui até a varanda, a mesa do café já estava pronta. Marta chegou em seguida me trazendo um bilhete de Louis.
"Querida, Isabel
Tive que ir até a capital assinar os papéis da posse da fábrica. Desculpe não esperá–la, mas não queria acordá–la tão cedo. Tomei a liberdade de pegar uma de suas carruagens para ir até a capital. Volto em dois dias.
Espero que esteja melhor da bebedeira!
PS.: Levei Héloïse comigo, creio que se deixasse-a aí Carmen iria devorá-la com batatas!
Um grande abraço."
Ri do bilhete de Louis e sem seguida Carmen se aproximou me abraçando pela cintura.
– Do que está rindo?
– Louis, me deixou um bilhete... – Carmen pegou o bilhete para ler e riu em seguida.
– Ele é muito perspicaz! – Falou deixando o bilhete na mesa.
Tomamos café nós duas, como fazíamos todos os dias, antes das visitas chegarem e agradeci mentalmente por meu amigo, ter levado Héloïse com ele. Estava sentindo falta da paz que era ter somente Carmen para mim.
– Está cansada hoje?
– No. Por quê?
– Queria levá–la a vila de Vassouras... Não fica muito longe daqui! – Disse animada.
Carmen pareceu se empolgar.
– Eu adoraria! – Disse tomando seu café.
A vila de Vassouras era próxima a fazenda, eu adorava ir até lá quando criança. Ao longo dos anos, a vila se tornou maior e mais próspera, já que Vassouras era um dos maiores produtores de café do império. Carmen se arrumou, linda como sempre, mas tive que chamar sua atenção aos espartilhos apertados demais, poderia fazer mal ao bebê. Ela ficou contrariada, mas cedeu e logo estava pronta.
Fomos a cavalo até a vila e assim que chegamos os olhares curiosos e cochichos pelo foram direcionados sobre mulher ao lado da Baronesa Deixei Pérola em um celeiro e segui de braços dados com Carmen pela vila. As pessoas me cumprimentavam amistosas. Minha família era uma das grandes responsáveis por obras de igreja e o crescimento da cidade. Todos ali me conheciam e conheceram meu pai, eu tinha orgulho muito orgulho de ser filha do grande Barão. Carmen parecia mais à vontade ali, longe da capital, acho que o fato das pessoas não a conhecerem a deixava mais tranquila.
– Meu bisavó ajudou a construí-la... – Disse a Carmen. Estávamos em frente a uma pequena igreja. – Vamos entrar?
– Isabel... – Disse um pouco tensa. – Não estou acostumada, não sou bem-vinda em igrejas... – Falou um pouco chateada.
– Ninguém aqui vai incomodá–la, eu prometo! – Ela sorriu.
Entramos e nos sentamos na frente do pequeno altar. Os vitrais coloridos junto com raios de sol, deixam a igreja com um ar mágico.
– É linda... – Falou encantada. – Qual o nome dessa igreja? – Perguntou curiosa.
– Igreja de São Rafael! – Falei – Meu pai se casou aqui... Me dizia, quando criança, que gostaria que eu me casasse aqui também... – Ri tristonha. E uma ideia surgiu em minha cabeça. Louca, mas eu precisava fazer essa pequena loucura para guardar em meu coração. – Carmen... – Peguei em sua mão a deixando curiosa. – Quer se casar comigo aqui?
Ela arregalou os olhos.
– Isabel, não podemos... Tu sabes... – Se enrolava um pouco.
– Eu sei que não podemos, e sei tudo o que pensa... – Falei tristonha. – Mas já que meu pedido não será aceito de verdade, aceita pelo menos aqui nesse momento, para que assim eu o guarde para toda a eternidade em meu coração... – Carmen se emocionou era visível e concordou com um aceno de cabeça.
Eu peguei um anel em meu bolso. Meu pai me deu quando eu já era adulta, me contou que há gerações estava em nossa família e que passava de pai para filho, como meu pai não tinha filho homem eu o herdei. Me fez prometer que daria a alguém que amasse verdadeiramente e que um dia passaria esse anel a meu filho. Eu sempre carregava comigo, foi de minha mãe um dia, mesmo sabendo agora que ele na verdade sempre pertenceu a Margot. Eu estava com ele no bolso em Petrópolis, mas infelizmente não o deixei no dedo da mulher que amava. Faria isso agora! Ela olhou para o anel encantada.
– Carmen, eu, Isabel Albuquerque de Castro te prometo, aqui, em frente a esse altar que te serei fiel, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza e em todos os momentos de nossas vidas, para eternidade e além da eternidade.
Ela chorava emocionada e me olhava com tanto amor que se pudesse congelava aquele momento para sempre.
– Baronesa...
– Isabel! - Disse revirando os olhos sorridente.
– Não... Baronesa! Foi assim que a conheci e me apaixonei por usted! – Disse chorosa. – Yo, Carmen Montenegro, te prometo aquí delante de ese altar que te seré fiel, en salud y en enfermedad, en riqueza y en pobreza y en cada momento de nuestras vidas, por la eternidad y más allá de la eternidad. – Carmen me fez a mesma promessa que a fiz. Coloquei o anel no seu dedo e selamos nosso matrimônio de mentirinha ali com um beijo.
Ela deu um pulinho assustada.
– O bebê parece que aceitou também!! – Disse nos fazendo rir. Coloquei a mão em sua barriga e senti o bebê mexer mais uma vez. Ficamos mais algum tempo ali abraçadas até sairmos. Antes de ir embora, vi um grande livro aberto na porta da igreja. Provavelmente um registro de visitas.
– Vem vamos assinar no nosso livro de casamento! – Carmen riu e me seguiu.
Assinei meu nome e Carmen o dela em seguida. A Igreja de São Rafael nunca mais seria a mesma depois daquele casamento. Ali mesmo que de mentira, realizamos a vontade de nossos corações.
Quando saímos da igreja, ela parou e tirou o anel.
– Toma Isabel, ele pertence a ti! – Disse esticando-o em minha direção. Ela disfarçou, mas percebi uma pequena tristeza em seu olhar.
Peguei o anel e coloquei de volta em seu dedo.
– Não... Ele pertence a ti!
Com muita relutância ela finalmente concordou em ficar com ele. Alguns passos depois ela parou com as duas mãos na barriga e se curvou de dor.
– O que houve, Carmen? – Falei preocupada.
– Uma cólica forte! – Disse respirando devagar, ela pareceu melhorar e decidimos voltar a fazenda.
No caminho ela ainda reclamava de dor, me deixando preocupada. Assim que chegamos correu para o quarto e escutei seu gemido da sala.
– Carmen? – Entrei no quarto preocupada.
– Isabel, eu estou sangrando.... – Falou nervosa.
Corri até o cocheiro.
– João, vá buscar Plínio. - Pedi aflita. - O mais rápido que puder!
Fim do capítulo
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