"Caixa de segredos"
''Caixa de segredos''
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Nina logo se recompôs nos mandando terminar o almoço. ELAS terminaram, porque eu.. bom, fui tentar ajudar e.. acabei colocando açucar na salada, não sabia nomes de temperos e queimei o alho. Sem comentários. Mas ajudei a colocar a mesa. Compraram coisas frescas durante minha hibernação, achei ótimo (admiro muito quem sabe lidar com a cozinha)!
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--Mika, uma mulher ligou, diz que seu pai virá para São Paulo em breve. Mas não quis se identificar.
--Hum.. Imaginei.. -- Murmurei. Era algo recorrente essas ligações. --Assim que ele soubesse, viria o mais rápido possível. Deve estar furioso.. -- Falei pensativa. --Falaram algo sobre Henry?
--Na verdade, passou seu "caso" na tv, Mika. O telefone tocou a manhã inteira. A notícia foi: 'Henry "ex-marido" de Mikaella Albuquerque sofre grave acidente de carro'. --Falou Nina como se estivesse lendo uma manchete. --Ah, falaram também que ele é suspeito de ter "tramado o acidente da própria esposa e tentado incriminar sogro". Nem falaram nada do seu pai como suspeito.
--Claro que não! Acusar meu pai sem ter como provar.. MEDO! Ele deve estar vindo ver como Henry está e para me "xingar" por ter aberto o bico para imprensa, claro. Preciso contratar seguranças. Urgentemente!
--Seu pai é ruim assim, Avatí? - Indagou Yaya com expressão fechada.
--Bah! Tu nem imagina o quanto.. - Falei colocando queijo ralado em cima do strogonoff. Nina me olhou divertida.
--Queijo ralado com strogonoff? Nunca vi isso!
--E no miojo. - Disse Yaya.
--E fica gotoso, Tia Mika? - Mari perguntou fazendo careta.
--Uma delícia, Guria. Compraram refri?
--Tem suco natural, Micaella! --Falou enchendo meu copo. --Quer com queijo também? Você tem sangue mineiro? Queijo em tudo.
--Pode ser.. Não que eu saiba, Nina. Por parte de Mãe, só tem gaúchos, suecos e paulistas. Se bem que meu pai é filho de italiano, né, não conheço muito da família dele, mas segundo ele é toda italiana. Quem sabe tem alguma ligação..
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Arrumamos a cozinha enquanto Mari brincava na sala. Ficamos conversando amenidades, descansando no pós almoço. As ligações para minha mãe só caiam, tentaria mais tarde.
Entre papos.. tentei segurar, mas voltei a perguntar da "caixinha de segredos da Raíra" e ela sem insistirmos (muito), acabou indo pegá-la.
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Enquanto isso contei para Nina sobre a "aula de beijo" com Yaya. Ela gargalhou muito da minha técnica. Falei que trocamos beijos, começou a esquentar e.. a Mari foi chamar.
--Foi mal atrapalhar, Mika. Acho que Yaya não estava pronta para "aprofundar" a relação de vocês. Não dá pra ficar nos beijos por uns.. Meses? Anos? --Perguntou arqueando uma sobrancelha.
--Nem deveria conversar isso contigo, né. Mas.. Não consigo me controlar com ela tão próxima, "disposta". O calor do corpo, os lábios.. Aí, Nina, juro que ia só beijá-la, mas a conduzi para cam.. - Parei. Nina arregalou os olhos e Raíra voltou bem na hora.
***
A caixa de madeira tinha cerca de 60 centímetros de comprimento, uns 20 centímetros de altura e 30/40 centímetros de largura. Yaya sentou no meio da varanda com a gente, abriu a caixa sem falar nada e entregou um envelope cheio de fotos para Nina.
As fotos eram da (minha sogra) Dona Araci. A semelhança entre elas é incrível, tirando alguns detalhes como a cor dos olhos.
Raíra mostrou também alguns documentos e manuscritos em guarani de Dona Araci. Alguns informavam sobre uma conta no Banco. Outros sobre um genocídio indígena, devastação na floresta e tráfico de animais. Uma foto com uma vala cheia de corpos caiu. Ela recolheu rapidamente e guardou em uma pasta a parte.
--O que é isso? --Perguntei olhando para a pasta com horror.
--Juruás. Invadem, usam violência, acham que tem direito, derrubam ou queimam e matam tudo.. Uma etnia.. uma cultura inteira.. por dinheiro.. --Falou com rancor. --A gente luta.. --Nina segurou sua mão. Yaya respirou fundo e saiu.
--Isso não é divulgado com frequência, né. Queria poder ajudar de alguma forma, Nina.
--Só de conhecer mais nossa cultura, divulgar nossa história, nossa verdadeira história.. não a versão dos "colonizadores", já é ajuda. --Nunca havia pensado nisso.. o outro lado da história.
--Quase ninguém pensa.. --Respondeu Nina sorrindo como se tivesse lido meus pensamentos. --Yaya já esteve lá no meio dessa "guerra", muito amigo morreu.. Só dá um tempo pra ela.. Vamos continuar curiando! --Assenti pensativa.
Um dos papéis era para caso Raíra necessitasse de ajuda e Nina não pudesse ajudá-la, fosse atrás de Dona Yasmin (amiga de Dona Araci) seguindo as instruções da "toca n° 6 (Yaya não disse o que significava). Havia um endereço que eu achei no mínimo conhecido, mas não me lembrava de onde.
Após algum tempo, Yaya (mais calma) pediu para irmos tomar um açai, Mari a apoiou e acabamos deixando para olhar a caixa depois, embora a curiosidade fosse grande.
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Aproveitamos para ir ao Parque Ibirapuera, uns vinte minutos do apartamento.
Encontrei com alguns conhecidos e minhas amigas desde a época da facul (Gih, Silvy, Johana - "O trisal" - TriAmizadeColorisal.. enfim). Eu era amiga da Jo"Hana" - a gringa, que era apaixonada pela "Gih"sele - a moça do lanche, que ficava com a Silvy, pega-pega, que ficava com "todas" da faculdade (inclusive eu). Merecem uma história a parte, sério. Elas acharam a minha história completamente surreal (e é, realmente, mas.. ). Ganhei o apelido de zombie desde então. Marcamos de nós encontrar para conversar melhor e comemorar assim que possível.
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Na volta pra casa, passamos no apartamento do Leo/ Breno - Meio (Meio moreno, meio sarado, meio nerd, meio sério, meio chato e meio que namorido do Léo). Nina e Leo são comediantes, adoram fazer gracinha.. com a minha cara principalmente. A tarde foi super, bah! Tri agradável, além de ter passado super-rápido, quando percebemos já havia anoitecido. O semblante de todas (até Yaya) estava mais leve. Yaya não gostou do "açaí de São Paulo", preferiu sorvete. Nós três amamos com bastante acompanhamentos.
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No apartamento..
Depois do banho, Raíra e Mari ficaram na sala de tv assistindo/brincando. Eu e Nina seguimos para varanda, vasculhar "a caixa de segredos da Raíra" com a autorização dela, claro!
Encontramos mais manuscritos de Dona Araci. Neles haviam menções de um dossiê, códigos e indicações de lugares onde Raíra encontraria provas para colocar seu pai (Crápula) atrás das grades.
Havia uma carta amassada no cantinho da caixa. Nina a traduziu apesar de estar com uma escrita meio 'apressada'.
"Yaya
Nunca fale da nossa história para quem você não confie. Mas sempre siga seu coração, ele é bom, puro. Quando tiver que deixar a casa que te criei, vá sem reclamar. Mas nunca procure seu pai! Sabe motivo. Te deixei documentos e saberá como usar.
Me perdoe por não estar ao seu lado, filha. Por não te ver se tornar uma mulher, não te ajudar quando preciso.. te dar carinho.. Confiei em pessoas erradas, sei de coisas demais.. Não me deixarão continuar viva, sei disso.
Apenas espero que me perdoe, fiz o que tinha que ser feito pra não te encontrarem ou a matariam! Não suportaria isso. Você é meu bem mais precioso, Yaya, foi a única coisa boa que seu pai fez.
Jamais machuque ninguém por vingança, não físicamente! Faça justiça. Mas não se revele, tem pessoas muito poderosas envolvidas que farão de tudo para que os segredos permaneçam escondidos, Yaya.
Quando ler está carta, não estarei mais com vida.
Pedi a Nina e Raoní que te guiassem. Você é a menina-guerreira mais honrada e corajosa que conheci. Não se 'perca no caminho'..
Estarei com você sempre, Yaya.
Sinto sua falta onde quer que eu esteja.
Sua Mãe"
Nina ficou bem mais emocionada do que eu ao termino da leitura. Ficamos quietas tentando absorver todo significado daquela carta.
--Recebi essa carta dias depois que minha Mãe se foi. Raoní me entregou quando viu que ela não voltaria. - Raíra quebrou o silêncio, se aproximando.
--E quem entregou a ele, Yaya? - Indagou Nina se recompondo.
--Minha mãe antes de.. ir. Fez Raoní prometer entregar só quando ela não estivesse mais.
--Quando será que ela fez isso? No dia em que sumiu, será? - Perguntou Nina.
--Raoní apareceu em casa um dia antes dela sumir. Mamãe entregou envelopes pra ele, nos abraçou dizendo que nos amava muito. Tava diferente.. aqueles dias.. - Raíra falou com os olhos marejando, a voz embargou, mas não chorou.
--Diferente como, Yaya? - Indaguei. Ela respirou fundo, parece que tomando coragem para falar ou como que afastando a dor.
--Carinhosa demais, olhos tristes, falava que me amava e que me protegeria, falava o tempo todo. Me chamava pra dormir com ela toda noite, em algumas eu ouvia.. choro baixinho. --Confessou balançando a cabeça como se estivesse indignada. --Numa sexta ela chorou, chorou muito, não conseguia disfarçar.. Nunca vi ninguém chorar assim. Disse que amava ela e que tudo daria certo, mesmo não sabendo motivo de choro. Ela me encheu de beijos, disse: "Eu AMO você, você é minha vida e farei de tudo para preservá-la. Minha menina, espero que seja forte!". - Yaya falava com olhar distante e cabisbaixo, como se lembrasse perfeitamente do dia em questão. Prosseguiu. - ..passou mãos em volta de meu rosto, me deu beijo e abraço bem apertado, riu e foi para cidade. Não queria deixar ela ir, mas ela só.. foi. --Suspirou virando de costas pra nós. --Fiquei esperando ela a noite toda.. a noite toda.. --Sussurrou. -- ..mim' deixou lá sozinha.. e num voltou mais.. -- Falou mesclando raiva, culpa e saudades. Raíra desabafava, mas tentava segurar tudo e se culpava por não conseguir. -- ..poderia ter feito algo. Segurado ela, gritado pra não ir.. Falado que mim é muito forte, mas num queria ficar sozinha.. queria minha Mãe.. -Nina soluçou chorando, Yaya virou de frente e duas lágrimas corriam por seu rosto até o queixo. Fiquei em 'choque'.
Não tive reação. Não esperava por esse lado de Raíra (quase frágil/Sensível). Nina teve que me dar um empurrãozinho. Abracei Yaya que tentava a todo custo segurar as lágrimas, mas foi em vão. Chorava baixinho e doído, aquele choro guardado há tempos.
Quando senti o choro passar, me afastei um pouco para limpar seu rosto e lhe dar um beijinho rápido, ela sorriu, colocou o queixo sobre meu ombro e fiquei acariciando suas costas. Foi ótimo sentir Yaya assim.. tão desarmada em meus braços. Contudo, foi bem horrível também.
Vi Nina pegar algumas fotos dentro de um envelope e em uma delas seu rosto fechar.
--Yaya?! --Chamou. --Esse é o canalha do seu pai?
-- .. É, ele mesmo, Nina. - Respondeu se aproximando de Nina, após me dar um beijo carinhoso na testa.
Fiquei curiosa, me aproximei para ver a foto. Bah! Me caiu tudo os butiá do bolso! Um dos maiores choques da vida.
. . .
Fim do capítulo
Continua..
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