CAPÍTULO 26 - Família, família...

         - Mãe Paty, passa por favor o mel.

         Sorri ao olhar Maria Clara, ela era a minha versão melhorada, tinha muito orgulho da minha filha, suave, educada, sempre pensando nos outros, havia decidido fazer Medicina para cuidar das crianças que tanto amava.

         - Claro filha...ah, você sabe se Maria Luiza vai a faculdade hoje?.

         - Mãe, eu acho que não, eu vi quando ela voltou já tarde da noite e pelo visto vai acordar de ressaca de novo, e olha que a semana mal começou...por sorte hoje só entro no terceiro tempo, mas, que eu saiba a turma do Direito entra as 7h.

         - Ai ai, viu?, preciso ter uma conversa com ela.

         - Outra mãe?, acha que vai surtir efeito?, a mana é um ser livre, ela quer só se divertir, afinal temos só 19 anos, eu devo ser a estranha do trio...

         - Nunca diga isso minha filha, você é a luz da nossa vida, temos muito orgulho de você.

         Estávamos conversando quando Nick desceu de forma desajeitada, tentando equilibrar um enorme bolo branco enfeitado com lírios de açúcar em suas mãos, minha mulher ria alto enquanto tentava desviar o rosto dos inúmeros balões vermelhos em formato de corações amarrados no pulso, preciso confessar que tinha esquecido completamente do nosso aniversário de casamento, mas, tentei disfarçar a falha.

         Dominique  colocou o bolo em cima na mesa, me deu um beijo e entregou os balões, só depois vi que tinham as nossas iniciais, a seguir piscou para Maria Clara que pegou na cadeira ao lado uma potente caixinha de som laranja e pôs em cima da mesa dizendo "som na caixa", fiquei muito emocionada quando logo no primeiro acorde reconheci uma das músicas mais marcantes do meu relacionamento com Nick e chorei ainda mais alto quando constatei que era "Coisa linda" de Vinícius Cantuária na voz de Dominique, com Maria Clara acompanhando no violão,  a verdade é que continuo chorona, só ri quando vi Maria Luiza descendo a escada reclamando do barulho.

         - Ai gente, só eu tenho uma família maluca nesse bairro?, mana, baixa o som dessa porcaria vai...

         Olhei Maria Luiza de cima a baixo, os cabelos loiros estavam desgrenhados e o corpo todo estava coberto por um pó roxo, rosa e verde, com certeza ela estava na tal da "Festa das cores" que havia comentado praticamente o mês inteiro sobre isso.

         - Malu, vá tomar um banho e volte para tomar café da manhã com sua família, depois vamos ter uma conversa, ok?.

         - De novo mãe?, conversamos semana passada.

         - Sou sua mãe e faz parte do meu papel continuar tentando até você criar juízo, viu?.

         Ela fingiu não me escutar.

         - Mãe Nick, é bolo de que?.

         Dominique riu e explicou que era de baunilha com coco, mas, que ela só comeria se tomasse um banho rápido e voltasse pronta para a terceira aula da faculdade, já que havia perdido os primeiros tempos. Não foi preciso falar duas vezes, Malu voltou arrumada e sorridente para tomar café e comemorar o aniversário de casamento das mães.

         - Ah, mãe, ontem na boate eu vi aquela sua estagiária nova, como é mesmo o nome dela?, sei que ela é bem gostosinha, é uma de cabelo preto e olhos âmbar, fiquei com ela aliás.

         - Ela chama Mirela, aliás, Malu, você tem que perder essa mania de ir à delegacia onde trabalho para conhecer novas pessoas, ali não é ponto de encontro minha filha, é o meu local de trabalho. Dominique não ria, está rindo só porque nossa filha ainda não foi dar uma passaeadinha no seu trabalho para xavecar homens e mulheres.

         - Já não está mais aqui quem estava rindo - Falou Dominique enquanto segurava o riso, Malu aproveitou a deixa para falar.

         - Qual é Mãe Paty, todos que peguei e que trabalhavam por lá foram por um acaso, eu vou na delegacia só para ver vocês, agora se as pessoas me dão mole, não posso fazer nada...depois eu sou jovem, quero experimentar, já disse que gosto de pessoas...agora já essa ai - Falou apontando a irmã - vai com certeza casar com seu primeiro namoradinho, e vamos combinar que o tal João é chato pra danar, e tem cara de ser péssimo de cama, como ela vai saber se sente prazer se não vai poder comparar com outras experiências?.

         Maria Clara se chateou, mas, não saiu do seu tom tranquilo.

         - E qual o problema mana?, eu amo o João, e ainda não estou pronta para ter relacionamento sexual, e saiba que ele me entende muito bem.

         - O que???, você é virgem? Hahahahah, nunca perguntei porque pensei que já tinha dado, está guardando para o casamento, é?.

         Olhei para as duas e cortei o assunto, não queria uma discussão sobre a vida sexual de Maria Clara ainda mais no meu aniversário, após a dura que dei, Malu fez um beicinho e se aquietou para podemos finalmente tomar nosso café da manhã em paz. Sorri quando percebi que discretamente Clarinha se levantou e ligou para Miguel, queria que o irmão estivesse presente de alguma forma, e foi através de vídeo conferência que podemos conversar um pouco com nosso ruivinho teimoso.

         - Oi meu filho, como você está lindo...

         Falou Nick toda derretida por seu clone em formato masculino, ela olhava o nosso ruivinho animadamente, cheia de amor e admiração por sua cria, ele sorriu timidamente e continuou.

         - Parabéns Mãe Paty e Mãe Nick, cuidado ai com o bolo ou a gorda da Maria Luiza vai comer tudo sozinha. Hahahahah

         - Seu cabelo de fogo do caralh...

         - Malu, você sabe que não gosto de palavrão.

         - Mas Mãe Paty, esse cabelo de fogo me chamou de gorda, pior é ele que tem raiva de gay à toa...saporr* deve ser enrustido...só pode...

         - Ah, vai se lascar sua ridícula, ok você não é gorda por sorte, mas, parece quem tem é larica, deve estar na brisa todo dia. - Respondeu Miguel.

         - Os dois...peçam desculpas agora mesmo, não sabem nem brincar sem acabar em uma discussão, querem estragar a nossa comemoração, é isso??, vamos parando com essa bobagem toda, estou avisando, Miguel e Maria Luiza Brewer Ferraro, já deu por hoje.

         Estava quase chorando quando eles pediram desculpas um ao outro e ao resto da família, mas o clima já estava péssimo, eu não conseguia entender como os dois que eram tão inseparáveis durante toda a infância, assim que entraram na adolescência passaram a se estranhar constantemente. Maria Clara me abraçou e Nick saiu com Maria Luiza para o quarto para ter uma conversa que pelo visto seria demorada, e foi assim que o café da manhã do nosso aniversário de casamento virou uma verdadeira bagunça familiar

.

...

         Fiquei escondida atrás da porta do quarto admirando a cena familiar que se desenrolava diante de meus olhos, Pedro Henrique conversava com Stella do seu jeito amoroso e animado, contando todas as novidades da faculdade, ao mesmo tempo que enchia a mãe de cuidados, colocando um travesseiro em suas costas para que ela se acomodasse na parede e não sentisse nenhum tipo de desconforto.

         - Ah mãe, estou adorando tudo, meu sonho desde pequeno sempre foi ser veterinário, quero ter um consultório e uma ONG para cuidar dos animais de rua.

         Stella tossiu e levou a mão no peito.

         - Mãe, você está bem?.

         - Não foi nada Pedro, esse velho coração está um pouco cansado, assim como eu...é só o peso dos anos, mas, não se preocupe, estou velha, mas, estou bem.

         - Que é isso mãe, você é a maior gata estilosa, meus amigos sempre acham você muito linda, ainda mais bonita do que a mãe Mari, mas, não vai dizer isso para ela, viu?, é um segredo nosso.

         - Alguém já disse que você é um verdadeiro gentleman meu filho?.

         Stella o abraçou encostando a cabeça de Pedro em seu ombro, cheguei devagar e me aconcheguei entre os dois.

         - Amor, essa semana...você prometeu...vamos ao cardiologista, ok?.

         - Mari, não precisa se preocupar, eu estou bem minha querida, você não vai perder a sua Stella, viu?, fui ao médico ontem depois que sai para entregar os doces de leite e soube que preciso apenas tomar a medicação direitinho, ficou tudo desregulado com minha desorganização com os remédios, mas, vai dar tudo certo.

         - Graças a Deus, que alívio meu amor.

         Abracei Stella e vi que nosso filho tinha algo a nos revelar, ele esfregava as mãos em evidente nervoso, na verdade, já sabíamos do que se tratava, apenas esperamos o seu momento de falar, afinal, tudo tem o seu tempo.

         - Mães, eu preciso contar uma coisa a vocês, bom, vocês já devem saber que sou gay, desculpem não ter contado logo, mas, eu fiquei com vergonha porque ainda não tinha certeza, mas, desde que entrei para a faculdade, bom, eu entendi...

         Abracei com muito carinho o nosso filho, aproveitando para rezar sem que ele percebesse, eu e Stella sempre fomos muito fortes, talvez por isso nunca sofremos qualquer tipo de preconceito, no entanto, o nosso filho sempre foi excessivamente sensível e sabíamos que ele não estava pronto para as mazelas sociais que sabíamos que sempre existiu.

         - Há alguém especial meu filho?.

- Sim mãe, mas, ele não é gay e me odeia, mas, eu vou sair dessa, pode deixar...

         .

         ...

         Estava na cantina da faculdade conversando com Yolanda, quando o ruivinho passou por nós, ele apertou seus olhos e fingiu que havia tropeçado em uma pedra, o fato foi que metade do corpo de refrigerante que ele fingia tentar equilibrar derramou no meu agasalho.

         - Foi mal cara, sabe como é, sempre aparecem pedras no nosso caminho.

          Yolanda levantou irritada.

         - Miguel seu ridículo, está na cara que você fez de propósito.

         - Claro que não Yo, porque ia fazer algo desse tipo?.

         Ele saiu rindo, enquanto eu tirei o agasalho e a dona da cantina gentilmente se ofereceu para passar uma água. Pelo visto o ruivinho me daria muito trabalho.

Fim do capítulo