CAPÍTULO 25 - E a vida seguiu o seu curso...

        Depois que saiu a nota do Enem comemoramos muito pois Miguel havia sido aprovado para Medicina Veterinária em Ilhéus depois da terceira tentativa, mas, isso não importava em nada para nós, na verdade, tenho que confessar que essa aprovação nos surpreendeu de forma bastante positiva pois nosso filho nunca foi muito chegado aos livros, o que o ruivinho gostava mesmo era de manter a fama de pegador, levar os cachorros para passear, acumular jogos eletrônicos e principalmente andar de skate na rua com uma turma de amigos, se deixássemos por sua conta, o piá ficaria por horas brincando, e foi com muitas lembranças e saudades que fomos deixa-lo no aeroporto.

        Depois que despachamos suas malas, dei um abraço discreto no meu filho e percebi que ele olhava o tempo todo para os lados, seu comportamento arredio não permitia muitas demonstrações de afeto, ainda mais em público. Dominique o abraçou com maior força, sem se importar com sua cara feia, logo depois ajeitou sua franja longa e ruiva, dizendo de forma terna.

-Meu filho, vá dando notícias, espero que goste tanto da universidade, quanto do loft que montamos com todo amor para você.

- Obrigado mãe, agora me larga vai, pode ser que algum amigo meu que vai embarcar para Ilhéus veja essa cena e não quero ser chamado de veadinho.

- Que é isso Miguel?, não sei a quem você puxou com esse preconceito todo, não esqueça que você é filho de duas mulheres, por acaso você tem vergonha de ter duas mães?.

- Claro que não, agora me deixa...só me deixa, eu não gosto de pagar de veado, depois não sou mais criança para ficar beijando vocês várias vezes no aeroporto, podem ir que o voo vai sair daqui a pouco, assim que chegar em Ilhéus eu ligo dando notícias.

- Miguel, por favor, não vá esquecer de ligar dessa vez , como você sempre faz.

- Pode deixar mãe, vocês até já podem ir, olha lá...a Yolanda está vindo falar comigo, tchau.

        Apesar do grande sorriso de Miguel, Yolanda passou direto e foi abraçar uma amiga que estava bem atrás do nosso filho e nem se quer o cumprimentou, a loirinha era a eterna crush de Miguel desde o primário, mas, ela nunca deu a menor bola para os olhares lânguidos do nosso filho e muito menos para as suas investidas, claro que suas esperanças tinham voltado com tudo quando nosso ruivinho soube que ela estava indo morar em Ilhéus para cursar Veterinária na mesma faculdade que ele, ouvi discretamente ele comentando com um amigo que sentia que essa era a sua grande chance de conquista-la. Só torcia que ele não se decepcionasse tanto.

        Depois de alguns abraços fomos embora, claro que nós queríamos ficar até o avião sair, mas, não conseguimos convence-lo e mesmo aborrecidas tivemos que seguir, nosso filho sempre foi independente, e logo entendemos que ele partiria do ninho assim que fosse possível.

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...

- Mamãeeeeee - Gritava Pedro Henrique do quarto.

- Oi meu filho...

- Eu não sei onde coloquei a Amélia. - Amélia era o nome carinhoso que ele deu a sua flauta transversal.

- Mas filho, você tem certeza que vai querer levar a sua flauta para faculdade?.

- Ah mãe, eu vou encontrar um local bem escondido para tocar no intervalo, não se preocupe.

- Não se esconda querido, aproveite esse tempo para fazer boas amizades, você é um rapaz inteligente, bonito, tem tudo para formar boas relações tanto de amizade quanto amorosas, você tem muito valor, acredite mais em si, e não digo isso apenas como mãe, eu te admiro muito, viu?.

- Mamãe, você sabe que não sou bom nisso, tantos anos na escola e veja, sigo apenas com Yara, Luigi e Lexa, e infelizmente nenhum deles passou para veterinária em Ilhéus, e o pior, todos foram morar no Rio de Janeiro.

- Querido, vocês vão poder se ver nas férias, apenas não deixe de fazer novas amizades meu querido, confia na sua mamãe, e se precisar de qualquer coisa me avise.

        Eu o abracei com carinho, meu Pedro Henrique nunca foi bem aceito na escola, não apenas uma vez fui até a Direção seja para reclamar dos deboches dos professores com ele, seja para defende-lo dos ataques verbais e físicos por parte dos colegas, agora com dezoito anos ele não me parecia tão diferente de quando era pequeno e deitava no meu colo pedindo que contasse uma historinha até dormir, ajeitei seus cabelos negros, lisos e espetados, e o convidei a deitar novamente no meu colo, pedindo sempre a Deus para que ele não sofresse tanto, sentia que sua sensibilidade excessiva não combinava muito com a maldade do mundo e isso me preocupava de sobremaneira.

        Stella aproximou, sorriu e nos abraçou.

- Eu tenho uma surpresa para os dois, vamos até a sala?.

Seguimos minha mulher e ouvimos um barulhinho que veio da cozinha balançando o rabinho.

- Apresento a vocês...Cumbuquinha, sei que ele não vai substituir a falta de Conan e nem de Fandangos, nossos cachorrinhos que partiram ao longo dos anos, mas, tenho certeza que esse filhotinho de bulldog francês vai encher nossas vidas de muita alegria.

        Pedro Henrique saiu do meu colo e vi que estava com os olhos rasos de lágrimas, abraçou forte a Stella e colocou o filhotinho no colo acariciando sua cabeça desproporcional ao restante do corpo.

- Que nome mais engraçado, Cumbuca...mas, tenho certeza que ele vai ser muito feliz conosco Mãe Stella, vai ser o nosso filhotinho.

        Stella sorriu e o abraçou.

- Te amo muito meu filho.

- Também te amo mãe...

        O passar dos anos não mudou em nada o amor que sentia por ela, ainda fitava seus olhos brilhantes com a mesma paixão de mais de dezoito anos de casamento, e embora Stella estivesse mais velha, minha mulher continuava sendo a minha menina, agora com quase setenta anos via seus cabelos branqueando, também sentia que o seu coração batia mais fraco com o peso dos anos e temia o momento do seu desenlace, de alguma forma eu sempre soube que  ela seria para sempre o grande amor da minha vida.

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...

        Era um dia ensolarado quando me arrumei para o primeiro dia de aula da faculdade, coloquei uma roupa bonita comprada por mãe Stella, passei gel nos cabelos e me vesti rapidamente, tentando parecer o mais descontraído possível, sempre fui muito tímido, tanto que ainda não tive coragem de assumir para as minhas mães que sou gay, é difícil de falar, eu sei que elas iam aceitar, mas, todas as vezes que marco uma conversa com elas, nunca consigo dizer mais do que três palavras e acabo desistindo no meio da minha gagueira nervosa.

        Olhei no espelho e sorri em total aprovação, também percebi que meus olhos azuis pareciam mais claros, dizem que os olhos das pessoas mudam de cor quando apaixonados, os meus mudam de cor quando estou nervoso.

        Minha mãe Mariana me deixou na porta da universidade, dei um abraço apertado, agradeci o lanche que ela preparou com tanto carinho e segui em busca da minha sala de aula, estava em cima da hora para a aula de Anatomia Animal, e só respirei aliviado quando percebi que o professor estava atrasado, alguns alunos esperavam sentados e passei rapidamente entre as filas sentindo o meu rosto queimar, foi quando o vi, ele sem sombra de dúvidas era o menino mais lindo que já havia visto na vida, estava com uma blusa machão provavelmente de uma banda de rock, tinha cortado as mangas, por isso estava mostrando os braços fortes e o tórax bem definido, sua franja ruiva caia no rosto lindo e másculo, sorri timidamente assim que nossos olhos se encontraram, ele virou o rosto, e minha flauta caiu da mochila fazendo um enorme barulho.

- Des...desculpe.

Ele virou o rosto e me olhou sem mover um músculo do rosto, e deu de ombros.

- Tudo bem, cara.

        Sentei em uma cadeira no fundo da sala, parecia que todos os olhares tinham se voltado para mim quando derrubei a minha flauta, sentei e tive a impressão que o sangue subia do meu peito até o pescoço, sabia que meu rosto estava de um vermelho intenso, estava em pânico quando vi uma loirinha de olhos verdes sorrindo para mim, nossa conexão foi imediata, nos entendemos apenas pelo olhar.

- Oi, tudo bem, sou Yolanda, e você?.

- Pedro Henrique, você é de onde?.

- Sou de Curitiba...

        Estávamos engrenando um papo quando vi que o ruivinho nos encarava com uma expressão irritada, baixei os olhos envergonhado, sentindo todo o meu corpo retesar, Yolanda sorriu e disse apenas "relaxa", e estranhamente relaxei. No intervalo das aulas, convidei Yolanda até a cantina da faculdade para fazer um lanche e na saída o ruivinho, que descobri se chamar Miguel deu um esbarrão proposital em mim em evidente sinal de ciúmes e logicamente que não era de mim...

Fim do capítulo