Permita-se amar
Carmen
Acordar na fazenda foi um susto, não ruim, mas um susto enorme. Eu ainda estava perdida, acordei desnorteada, sem saber onde estava e o que havia acontecido, mas depois de uma longa conversa com Margot, finalmente entendi que era isso ou... na verdade eu não tinha outra opção.
Quis ir embora assim que acordei, mas Isabel não deixou. Eu seria eternamente grata pelo que ela fez a mim, mas não queria ser um fardo em sua vida, sempre fui uma mulher independente e estar nessa situação me incomodava profundamente.
Com o passar dos dias as coisas iam se encaixando. Um clima tenso ficou no ar nos primeiros momentos, mas nenhuma de nós tocou no assunto de Petrópolis e graças a Deus ela não me perguntou nada sobre a gravidez, tampouco me julgou pela fracassada tentativa de interromper, era como se aquilo fosse um pequeno detalhe que temporariamente não vinha ao caso.
Fazia uma semana que eu havia acordado, meu corpo reagia bem aos remédios prescritos pelo médico, quase não tinha febre, mas ainda sentia dores que por vezes eram quase insuportáveis. Tomava o cuidado de não reclamar tanto, Isabel tinha seus compromissos na fazenda e sempre que eu lhe dizia das minhas dores ela deixava tudo de lado para ficar comigo e isso não era sua responsabilidade, me sentia culpada, mas confesso que tê-la tão perto me tirava dos eixos completamente, eu me sentia segura de uma forma que nunca me senti.
Era madrugada, Isabel dormia linda e tranquila na cama de solteiro improvisada ao meu lado, eu ficava encantada com o seu cavalheirismo. Nenhum homem jamais chegaria aos seus pés, ela era a melhor mulher em tudo o que fazia e mesmo quando tinha de assumir uma postura mais dura, cortês, profissional e séria, geralmente relacionada aos homens, ela era melhor que qualquer um deles.
Sorri observando-a pela luz da lua cheia que invadia as cortinas. Como eu sentia saudades dela, muito mais do que gostaria de admitir. Sentia falta do seu cheiro, do seu carinho, de dormir em seu peito depois de fazer amor, de fazer amor, coisa que eu nunca havia feito antes e era completamente diferente de sex*. Sentia falta de absolutamente tudo. Isabel invadiu a minha vida de uma maneira assustadora e a verdade é que nem me lembro quando isso aconteceu, as vezes acho que foi no momento em que à vi no bordel na primeira vez.
Suspirei, estava sentindo dores fortes, mas não queria acordá-la.
Aproveitei o momento só para pensar um pouco sobre tudo o que aconteceu nos últimos meses. Eu definitivamente não sou mais a mesma mulher que desceu as escadas do salão da primeira vez que nos vimos e nunca mais serei, eu achava que aquela mulher não era capaz de amar ninguém além de si mesma, mas então Isabel chegou e agora eu sinto que não sou mais capaz de viver sem amá-la, mesmo sabendo que era assim que eu teria de viver. E como se, por si só, isso não fosse o suficiente para desbancar de vez a minha pose de intocável, eu estou gerando uma criança e nunca estive tão assustada. Me sinto um cão acuado, escondido entre as sombras com medo de tudo e todos.
Eu que sempre soube de tudo, já não sei o que fazer. Me sinto culpada por não estar ao lado de Margot, me sinto um fardo na vida de Isabel, me sinto culpada pelo que fiz a mim mesma e por estar nessa situação e, por mais horrível que seja admitir, me sinto culpada pelo que fiz a essa criança inocente. Eu nunca quis ser mãe, mas também nunca quis ser semelhante ao homem que convivi durante os primeiros anos da minha vida. Sei que são coisas diferentes, mas sinto que causei a esse pequeno ser a mesma dor que ele me causou tantas e tantas vezes. Eu costumava não chorar, não demonstrar minhas fraquezas nem a mim, mas dessa vez eu apenas deixei algumas lágrimas teimosas molharem o travesseiro em silêncio.
Senti uma fisgada forte embaixo do abdômen, das dores que eu senti nessa última semana, essas pontadas repentinas eram sempre as que mais me deixavam desnorteadas e agora não foi diferente. Gemi mais alto do que pretendia serrando os dentes e os olhos com a dor.
– Carmen? - Isabel levantou correndo e sentou na cama ao meu lado. - Está tudo bem?
– Sim, são aquelas cólicas repentinas. - Falei respirando curtinho, me odiei quando minha voz saiu embargada pelo choro. - Me desculpe por te acordar.
– Tem certeza que está bem? - Lógico que ela percebeu.
– Sim. Logo passa, pode dormir de novo. - Falei baixinho e ela levantou da cama, estranhei, Isabel era teimosa demais para agir assim.
Ela foi até o criado-mudo e acendeu a lamparina. Suspirei. Não queria que ela me visse desse jeito.
– Vai me contar o que aconteceu? - Perguntou gentilmente sentando ao meu lado na cama. - Não precisa se não quiser.
– Yo no quiero. - Sorri triste para ela.
– Tudo bem. - Suspirou derrotada.
– Eu só... - Senti meu queixo endurecer, sabia que ia chorar.
Isabel me olhou em conflito e, por fim, se aproximou me puxou para seu colo com cuidado, não contestei, era exatamente isso que eu queria.
– Eu estou aqui, eu... Eu só quero cuidar de ti, Carmen.
¡Mierda, Isabel!
Me encolhi em seu colo e escondi o rosto em seu ombro. Ouvir aquilo foi como um gatilho e então eu chorei tudo que estava entalado em mim desde que disse não à ela em Petrópolis.
Chorei tanto que deixei sua camisa branca molhada, ela apenas me segurou em seus braços e me apertou contra seu corpo, senti que ali eu não precisava ser a mulher forte que sempre fui. Me acalmei aos poucos e fiquei em silêncio, mas não tirei o rosto de seu pescoço.
– Está acordada? - Perguntou baixinho enquanto deixava um carinho em meus cabelos.
Apenas concordei com a cabeça e senti ela sorrir. Simplesmente não consegui impedir o pequeno sorriso que brotou nos meus lábios apenas imaginando o seu.
– Preparada? - Perguntou e eu levantei e olhei-a confusa. - MARTA!
Pulei em seu colo com o grito que deu. Isabel tinha a voz forte e, com certeza, até os empregados que moravam na outra casa ouviram seus gritos. Ensaiei um xingamento e ela se encolheu quando viu meu olhar, mas para sua sorte, ouvimos os passos apressados no corredor.
– Senhorita? - Marta entrou segundos depois afoita, a mulher claramente estava dormindo.
– Me desculpe acordá-la, Querida. - Isabel disse rindo de mim que estava brava pelo susto e da mulher que provavelmente também tinha se assustado. - Pode preparar um chá, por favor? Aquele maravilhoso que só tu sabes fazer e que sempre me acalma.
– Claro, Baronesa. - Isabel sorriu doce para ela que saiu prontamente.
– Um... Dois... Tr... - Não deixei que terminasse.
– ¿Usted está loca? ¡Casi me muero de miedo, idiota! - Ela se encolheu com meu grito, mas gargalhava e logo ri também. - Te odio, Baronesa.
– Também "te quiero, Carmensita". - Isabel riu imitando meu sotaque e me puxou para deitar em seu peito novamente deixando um beijo em meus cabelos.
"Tú no haces idea de cuanto te quiero..."
Suspirei contra seu pescoço e vi sua pele arrepiar e logo um suspiro tenso escapou dela. Sorri e nós duas sabíamos o porquê.
– Tu és uma diaba, mulher. - Isabel se remexeu desconfortável e eu não aguentei e deixei um beijo ali. - Viu, uma diaba!
Nós duas rimos e me dei conta de que negar o seu pedido em Petrópolis foi o mais certo a ser feito, mas... eu que sempre me senti tão livre e completa com a vida que tinha, agora estava em um conflito interno.
Senti a cólica de novo e gemi baixinho segurando sua blusa com força. Isabel entendeu e colocou a mão sobre a minha barriga, que já dava sinais da gravidez. A dor passou aos poucos e ela tirou a mão, acho que sentiu medo da minha reprovação e eu preferi não falar nada sobre.
Marta logo bateu à porta e entrou devagar. Carregava com ela uma bandeja com duas xícaras de chá e um prato de broas. Com cuidado Isabel me colocou sentada ao seu lado e ajeitou a bandeja em seu colo.
– Marta, pode pegar aquela frasco em cima da cômoda, por favor? - Eu ficava encantada com a forma gentil que ela trata seus empregados, completamente diferente de Lucília, a governanta asquerosa da casa.
A senhora entregou o frasco e foi dispensada por Isabel que lhe desejou uma boa noite, se desculpou mais uma vez por acordá-la e agradeceu.
– Yo no quiero esse remédio, Isabel, nem adianta. - O frasco era isso, um remédio amargo e horroroso, mas milagroso.
– Sem teimosia, Carmen, já são... - Pegou o relógio de bolso no criado-mudo. - 2:37 da manhã e ainda não dormiu nada. Lucília me disse que está assim desde antes do jantar.
– Além de mal educada ela é fofoqueira? - Falei irritada.
– Ela só obedeceu minhas ordens de informar como tu está quando não estou em casa e agora, a senhorita vai tomar o remédio, sim!
– Não vou! - Cruzei os braços e virei a cara. Revirei os olhos quando ela riu.
– Vamos, criança. - Disse doce e eu cedi. - Muito bem! Agora vamos beber o chá e dormir.
Bufei irritada.
– Como consegue?
– O quê? - Perguntei.
– Ser a puta mais provocante e sensual do mundo e parecer uma criança mimada? - Isabel falou sem se importar com o termo, eu não era uma dama comum e ela tampouco, não precisava de formalidade entre nós. - Margot tinha razão quando me disse isso.
Xinguei-a em todas as línguas que eu sabia falar e ela riu. Imbecil.
Bebemos nosso chá conversando amenidades do dia a dia, Isabel me contou que a colheita seria em algumas semanas e que ela estava ansiosa para ver os frutos dessa fazenda e constatar, com toda a certeza, que havia feito um bom negócio. Eu ouvia tudo atenta e percebia o quanto falar da terra lhe fazia feliz e não podia fingir que não me apaixonava toda vez que ela sorria com os olhos brilhando ao lembrar dos ensinamentos do pai.
Quando terminamos ela levou a bandeja a cozinha, voltou e me ajudou a deitar na cama, os machucados ainda estavam muito vivos, qualquer movimento poderia abri-los e isso não seria nada agradável. Então aceitava a ajuda dela sem contestar.
– Então... - Disse sem jeito. - Bom fim de noite, Carmen. Vou voltar para minha cama. - Isabel me deu um beijo na testa e eu segurei-a quando tentou se levantar.
Seu rosto ficou próximo ao meu e senti sua respiração quente, olhei em seus olhos e senti mergulhar naquela imensidão. Ela aproximou sua boca da minha e imediatamente lembrei do motivo pelo qual estava aqui e de Petrópolis. Virei o rosto devagar e ela suspirou chateada, olhei-a triste e ela me deu um beijo demorado na bochecha.
– Boa noite. - Sussurrou com os lábios ainda colados em meu rosto, mas logo levantou.
– Quedate aqui... - Pedi baixinho e me amaldiçoei por ser fraca, mas eu não queria ficar sozinha. Ela me olhou confusa. - Aqui... na cama.
Seu rosto triste se iluminou e ela logo deitou me puxando para seu colo. Adormeci pensando que aquilo era muito errado e por isso me fazia feliz. O "correto" é sempre muito cruel.
Quando acordei na manhã seguinte, Lucília me olhava da poltrona com desprezo, eu detesto essa mulher, mas ela mora aqui, eu não, então só me resta aturar. Assim que percebeu que eu estava acordada levantou e buscou meu café da manhã, na bandeja havia um bilhete.
"Desculpe não te acompanhar no café da manhã hoje, pedi à Lucília que a deixasse dormir, volto para o almoço!"
Sorri discretamente, mas a desgraçada viu e saiu resmungando para a sala. Encarei suas costas enquanto saía pela porta com uma sobrancelha erguida.
"Sorte a tua eu não ser dona dessa casa, serpiente".
Bebi meu café tranquilamente e constatei que já passava das dez da manhã. Isabel voltou mais cedo naquele dia, cuidou dos meus machucados e me indicou um livro para ler enquanto ela não estava, me prometeu que o tempo passaria mais rápido e mais divertido.
Os dias passaram assim, gentis e tranquilos. Depois de duas semanas D. Plínio me permitiu andar curtas distâncias e agradeci aos céus, não aguentava mais ficar naquela cama.
– Vá para o sol, menina. Fará bem aos dois. - O médico referiu-se a mim e à criança e fiquei visivelmente desconfortável.
– Ela irá, Doutor. Mais uma vez, obrigada pelos serviços. - Isabel tomou a frente dispensando o homem e agradeci por ela estar ali.
O médico logo foi embora e não conversamos sobre isso. Também não dormimos mais juntas. Eu sentia falta de seu corpo na cama, mas lutava contra meus instintos. Minha decisão já tinha sido tomada lá em Petrópolis e eu só estou aqui por uma infeliz casualidade. Chorei novamente naquela noite e culpei a sensibilidade da gravidez, mas a verdade é que eu estava em pedaços, me sentia um quebra-cabeças que somente Isabel sabia solucionar. Me pergunto como deixei chegar a isso. Nunca estive tão perdida e tão em conflito. Eu era uma mulher com trinta e seis anos e todas as certezas que tive em minha vida já não me deixavam satisfeita.
– Gracias, mi cocheiro! – Agradeci brincando assim que ela me colocou no chão em frente a mesa de café da manhã na varanda
Era a primeira vez que fazíamos a refeição ali e que lugar fascinante. Da varanda dava para ver os vales e o imenso campo gramado em frente a casa, algumas árvores e o incrível jardim ao lado.
– Aqui é lindo! – Disse admirando a paisagem.
– Sim... A fazenda é magnífica! Daqui a alguns dias, quando estiver liberada te levo para um passeio.
Concordei sorridente, eu estava ansiosa para conhecer todas as maravilhas que ela tanto me contava.
– Baronesa! – Um dos empregados chegou a cavalo. – Precisam da senhora, parece que deu algum problema com a colheita da parte sul da fazenda.
– Bom trabalho, Baronesa! Ficarei ansiosa esperando sua volta!
Ela saiu saltitante e eu acenei quando me olhou mais uma vez da linda égua branca. Isabel era uma menina em um corpo de mulher, fiquei admirando sua partida com um sorriso e ansiosa pela sua volta.
– A Madame ama a Baronesa, não é? - Marta falou gentil e olhei-a com um olhar assustado, não pela pergunta, mas pelo sentimento.
– Sinto que não vai adiantar dizer que não... - Disse sorrindo culpada por me deixar levar assim na frente de outras pessoas.
Marta negou com a cabeça sorrindo.
– Mais do que deveria. - Respondi a pergunta da senhora e olhei novamente a paisagem no horizonte. - É complicado...
– Me permiti dizer-lhe algo, Madame? - Perguntou receosa.
– Claro, Marta! - Respondi educada, mas me preocupei com o que ela diria.
– A vida é complicada. O amor não, amar é simples. - Apontou para a direção que Isabel há pouco se fora e sorriu. - Não deixe que a vida lhe tire a chance de ser feliz. Permita-se amar, Querida.
Olhei-a intrigada com as palavras e ela sorriu para mim, se aproximou e eu senti uma energia boa, um acalento que confortou meu coração de uma maneira quase maternal, era como se ali, ao lado de Marta estivesse alguém que meus olhos não viam, mas meu coração sentia. Gentilmente a negra já idosa tocou minha barriga e eu suspirei com seu toque.
– Não o ignore, Carmen. - Sua voz saiu mais doce, mais calma, suave, era como se nem fosse a mesma mulher e o jeito que chamou meu nome me intrigou, parecia que me conhecia a vida inteira. - Ele está aqui por uma razão.
Marta pronunciou algumas palavras em um idioma que eu não conhecia enquanto alisava minha barriga e senti como se um peso enorme tivesse saído das minhas costas. Fechei os olhos ainda sem entender tudo aquilo e senti ela beijar minha testa delicadamente. A senhora sorriu uma última vez e virou as costas me deixando perplexa, mas bem, melhor do que me senti em toda minha vida.
Instintivamente levei as mãos ao meu ventre, acho que foi a primeira vez que fiz isso. Fechei os olhos e escorei minha cabeça no encosto da cadeira ainda sentindo aquela energia tranquila. Naquele momento me conectei com a criança de uma forma que ainda não havia feito e mais uma vez me senti culpada pelo que fiz. Sem contar o fato de que eu não fazia ideia do que faria depois nascimento.
A manhã passou tranquila, Isabel ficou fora durante grande parte do tempo e eu permaneci na varanda, sentada na cadeira de balanço admirando a paisagem e aguardando sua espera. Observei dali cada pedaço que minha vista alcançava sem tirar da cabeça as palavras de Marta. Olhei para o jardim que havia ao lado da casa, analisei o caminho com cuidado e localizei um banco de troncos de árvores. Levantei com cuidado e pude ouvir Isabel me xingando em meus pensamentos pela teimosia. Ela me mataria quando visse que caminhei esse tanto sem ajuda. Sorri, suspirei criando coragem e fui. Os primeiros passos foram tranquilos, mas na metade do caminho me arrependi profundamente de nunca ouvir ninguém, nem mesmo a mim.
– Merda! - Respirei curtinho e me escorei na cerca de madeira, olhei para trás e me dei conta de que o caminho de volta era mais longo que a chegada. Bufei.
Antes de continuar percebi que a cerca que eu me segurei não continuava até o banco, mas eu já sabia disso, vi antes de sair da cadeira de balanço confortável em que estava, mas a distância parecia bem mais curta de lá. Segurei forte na madeira quando senti uma fisgada entre as pernas.
– ¿Por qué haces eso, Carmen? ¡A veces tengo ganas de abofetearte! - Falei brava comigo mesma.
Senti alguém segurar minha cintura com delicadeza e nem precisei virar para saber quem era, reconheceria seu toque em qualquer lugar.
– Nunca estuve de tanto acuerdo contigo. - Suspirei aliviada e relaxei meu corpo contra o seu. - Eu ainda vou entender o porquê de tanta teimosia, mulher.
Isabel me pegou no colo e sorri para ela quando deixou um beijo em meus cabelos.
– Há quanto tempo estas a me observar? - Perguntei fingindo irritação.
– Poucos minutos, queria ver até onde iria. - Olhei-a incrédula. - Não adianta me olhar assim, foi tu quem saiu de lá sem mim. Eu não te deixaria se machucar só queria que percebesse o tamanho da tua irresponsabilidade.
Revirei os olhos brava e ela franziu o cenho, eu sabia que ela tinha razão, mas não deixaria que soubesse. Isabel caminhou comigo até o banco no jardim e ficamos ali por longos minutos conversando sobre como tinha sido nossas manhãs. Contei para ela o acontecido com Marta e ela me explicou que a maioria dos outros empregados cultuava uma religião diferente. Ela não sabia me explicar, mas independente do que fosse, era bom e me fez um bem maior do que eu conseguiria dizer.
Ficamos um pouco em silêncio admirando a paisagem e novamente me peguei com as mãos na barriga, olhei para elas e suspirei com um misto de sentimentos que nem eu entendia. Isabel parou em minha frente fazendo sombra com o corpo e levantei os olhos para ela.
– Para ti. - Sorriu sem jeito e apontou para as minhas mãos. - Bem... Vocês.
A mulher segurava uma rosa vermelha. Linda. Talvez a flor mais linda que já vi em toda a minha vida, não porque era diferente das outras rosas que estavam no jardim, mas pelas mãos que delicadamente retiravam os espinhos e colocavam-na atrás da minha orelha
– É linda, Isabel. - Sorri pegando-a e cheirei, para logo depois colocá-la presa em meus cabelos.
– Não mais que tu. - Ela falou e logo franziu o cenho, tive a impressão de que seu coração falou mais rápido do que ela previu.
– Ya no soy la misma mujer, Baronesa. - Suspirei desviando de seus olhos.
Eu que sempre fui muito ciente da minha beleza, me sentia insegura. Meu corpo estava completamente diferente, eu estava mais magra, ainda abatida pela infecção que aos poucos ia embora, meu abdômen já estava redondo pela gravidez. Suspirei pensativa e incomodada. Isabel percebeu e se abaixou em minha frente colocando dois dedos em meu queixo me obrigando a encará-la.
– Realmente. Tanta coisa mudou desde a primeira vez que te vi, Carmen. - Sorriu nostálgica. - E posso te afirmar que nunca esteve tão linda.
Sorri e senti ruborizar. Meus cabelos estavam com algumas mechas presas e o resto dos cachos soltos ao longo das minhas costas, mesmo assim, uma mecha teimosa caiu sobre meu rosto e Isabel colocou-a para trás da minha orelha. Cheguei mais próximo da mulher em minha frente e coloquei minhas mãos em seu rosto deixando um carinho ali. Seus olhos eram tão lindos.
– Baronesa, o almoço está servido. - Lucília chamou-a e revirei os olhos, eu tinha horror da sua voz irritante.
Isabel levantou e segurou minha mão para que eu levantasse também. Ela ria disfarçadamente da minha cara de poucos amigos, acho que não queria chatear a governanta.
– Pode ir na frente, Lucília. Já estamos indo. - A mulher concordou e saiu irritada.
– Eu não gosto dela. - Falei enquanto Isabel me pegava no colo, a distância até a casa era longa demais e eu percebi isso da pior maneira possível.
– Jura? Nem percebi... - Falou fingindo-se de desentendida e gargalhei, não é como se eu soubesse disfarçar.
***
Já fazia um mês que eu estava na fazenda. Por minhas contas e de Plínio, eu estava com cinco meses de gravidez, talvez um pouco menos, a verdade é que não havia como termos certeza disso. As visitas dele e de Margot tomaram um espaço de tempo maior, eu os vi uma única vez nessa última semana.
Depois da conversa com Marta, confesso que estreitei os laços com a criança em meu ventre. Ainda não era um amor incondicional, mas aceitação e um sentimento que crescia da mesma forma que ele, lenta e gradativamente. Medo? Muito! Eu não fazia ideia do que faria depois de seu nascimento, mas até lá ficaria na fazenda. Era o certo. Aqui é tranquilo, calmo, Isabel me obriga a fazer as refeições nas horas corretas. É uma rotina completamente diferente da minha vida e seguro para uma mulher nas minhas condições. E, de quebra, passaria mais tempo com a Baronesa, eu não sabia o que o destino me reservava para daqui a uns meses.
Isabel perguntou a Plínio se eu poderia andar a cavalo na última vez em que o homem esteve aqui e ele disse que não era adequado correr ou cavalgar longas distâncias, mas fora isso não tinha maiores problemas, desde que eu não sentisse dores. Não tinha entendido sua pergunta até essa manhã, quando ela me acordou antes do sol para me mostrar as fazendas.
– Isabel, pelo amor de Deus, o sol ainda nem nasceu. - Cobri o rosto com os lençóis, mas ela não desistiu.
– Acorda, Carmen. - Pediu manhosa. - Prometo que te deixo dormir à tarde.
– Usted é muy irritante. - Levantei da cama sapateando e fui fazer minha higiene matinal sem olhá-la.
Ouvi sua risada e sorri revirando os olhos.
– Bom dia, Baronesa. - Cumprimentei quando sentei junto a ela na mesa para o café da manhã.
Lucília estava sentada também, mas se retirou assim que me viu.
– Bom dia, Madame Carmen. Mais bem-humorada?
– Un poco.
Isabel, como a boa cavalheira que era puxou a cadeira e me sentei ao seu lado. Tomamos café e quando o sol nasceu saímos para a varanda.
– Vem. - Ela colocou as mãos em minha cintura, me fez sentar na parte da frente da sela do cavalo e logo pulou ficando atrás de mim. - Confortável?
– Agora sim. - Me ajeitei um pouco contra o seu corpo, a queda era alta e senti um pouco de aflição.
– Está segura. - Ela me confortou e seguimos devagar. - Se doer, por favor, me avise.
Concordei com a cabeça e seguimos.
Cada canto daquela fazenda era lindo. A primavera estava próxima e suas cores já estavam vibrantes. Passamos boa parte da manhã andando pela fazenda nova e seguíamos para a antiga quando me senti um pouco aturdida, enjoada pelo balançar do cavalo.
– Vamos parar um pouco. – Isabel andou até uma árvore grande e desceu, prendeu o cavalo no tronco e voltou a atenção para mim.
Delicadamente ela cercou minha cintura e me tirou de cima do animal, segurei seu pescoço na descida, mas não tive coragem de soltar quando meus pés alcançaram o chão. Perdi as contas de quantas vezes senti vontade de beijá-la durante todo esse tempo. Era uma tortura tê-la assim tão perto.
"Permita-se amar, Querida"
Lembrei das palavras de Marta e que se dane a razão, eu não queria esperar mais nenhum segundo para sentir seu beijo. Fiquei na ponta dos pés para alcançar seu rosto, ela era um tanto maior que eu.
Nosso beijo foi calmo, tranquilo e cheio de saudade. Quando nos afastamos, eu não disse nada, apenas escorei-me em seu ombro. Tanta coisa passava na minha cabeça, mas, sem dúvida, arrependimento não era uma delas.
A Baronesa sentou debaixo da grande árvore e me puxou para ficar entre suas pernas, me aconcheguei ali, contra seu corpo e puxei suas mãos para me abraçar, ficamos em silêncio, apenas aproveitando o momento. Isabel colocou as mãos na minha barriga e fiquei tensa, não porque não gostei, mas porque desde aquele sonho vários pensamentos com esse momento invadiram minha mente como ratos sorrateiros.
– Me desculpe... – Pediu rápido e retirou as mãos, mas eu logo coloquei-as de volta e deixei as minhas por cima. – Está crescendo rápido...
Isabel me surpreendeu deixando um carinho ali e eu fechei os olhos sentindo o mundo girar devagar. Suspirei curtindo a brisa gostosa da manhã e tudo que fazia meu coração aquecer.
– Gracias por tudo... Mi amor! – Disse com todo o meu coração e vi seu sorriso se iluminar.
Escorei novamente a cabeça em seu ombro e desejei que a vida pudesse ser exatamente como agora. Isabel continuava os carinhos em meu abdômen e eu por um momento me permiti sonhar acordada. Abri os olhos, encarei a vastidão do horizonte e imaginei essa criança correndo para os braços dela e depois para os meus. Eu não sabia o que fazer, mas sabia o que queria. Fechei os olhos novamente quando senti uma lágrima quente descer por minhas bochechas. Suspirei tentando disfarçar e balancei a cabeça afastando os pensamentos. Por mais lindos que fossem, eram impossíveis.
Senti Isabel suspirar atrás de mim, apertei suas mãos delicadamente e ela espalmou-as em meu abdômen, eram grandes, cobriram minha barriga completamente e ela escondeu o rosto em meu pescoço deixando um beijo ali que me arrepiou da cabeça aos pés. Estava morrendo de saudades dela e essa reação só me fez ter a certeza de que a Baronesa sonhava acordada com exatamente a mesma coisa. Eu não sabia se sentia alívio por saber que ela não julgava essa situação indesejada ou desespero por saber que ela desejava o impossível tanto quanto eu.
– Posso perguntar uma coisa? - Isabel pediu cautelosa e eu concordei com a cabeça. - Sabe quanto tempo tem?
– Não... Mas talvez uns cinco meses, não mais que isso mas talvez menos.
– Esse garoto é meu. - Disse divertida e eu ri lembrando imediatamente do meu sonho em Petrópolis. - Bem no tempo em que visitei a Madame em seus aposentos.
Sorri largo para ela enquanto negava com a cabeça. Virei e sentei de frente para ela, com as pernas entre seu corpo, o vestido que eu usava era solto, bem menos pomposo que o habitual e sentar assim fez ele subir até as minhas coxas. Deixá-las expostas fez Isabel fechar o sorriso e suspirar sofrida, eu ri de sua reação.
– Não faz isso comigo, Carmen... - Pediu sem tirar os olhos das minhas pernas.
Sorri mordendo os lábios e ela me puxou para mais perto me beijando com vontade, suas mãos acariciavam minhas costas com toques bem mais pesados do que os de agora a pouco. Senti o ar faltar nos pulmões e a temperatura subir consideráveis graus. Me afastei para respirar e ela desceu os beijos para o meu pescoço, mordi os lábios com força, essa mulher me enlouquecia.
– Pare... - Pedi baixinho. Nós sabíamos que não podíamos continuar com isso ainda. - Isabel... - Meu sotaque saiu mais carregado do que deveria e a mulher gem*u e deixou uma mordida em meu pescoço quando ouviu seu nome. - Mi amor, no podemos...
Suas mãos desceram até as minhas coxas nuas e ela suspirou se afastando e escorando a cabeça no tronco da árvore, a respiração ofegante e os olhos fechados. Tinha cara de poucos amigos, Isabel ficava assim quando não podia ter o que queria.
– Por que faz essas coisas? - Perguntou estreitando os olhos para mim.
Encolhi os ombros e puxei-a para um beijo delicado. Olhei-a profundamente por alguns instantes depois de interrompermos o beijo.
– Eu queria... - Senti meus olhos se encherem de lágrimas outra vez, parte dessa choradeira é culpa do meu estado, só podia ser.
– O quê? - Perguntou um tanto aflita.
– O que acabou de falar... - Me olhou confusa e eu revirei os olhos. - Que essa criança fosse tua. - Ela colocou uma mão em minha barriga e outra em meu rosto e não consegui mais segurar o choro. - Nunca em toda a minha vida desejei tanto algo...
Baixei a cabeça e deixei minha testa descansar na dela. Isabel ficou em silêncio e apenas continuou os carinhos. Quando me acalmei ela me fez olhá-la.
– Ele pode ser... - Me olhou amorosa e eu suspirei desacreditada no que estava ouvindo.
– Isabel, tu és uma mulher letrada, não pode estar falando sério... - Tentei me levantar irritada e arrependida por ter me exposto tanto a ela.
– Calma, Bravinha! - Me puxou novamente fazendo-me sentar novamente em suas pernas, sorria para mim. - Não estou falando de como foi concebido. Estou dizendo que ele poderá ser meu... e tu também.
Suspirei entendendo agora o que ela queria dizer e todo o discurso que eu disse em Petrópolis invadiu minha mente.
– No... Não faz isso de novo. - Pedi.
– Não farei. - Respondeu calma enquanto acariciava meu rosto. - Só quero que saiba que só depende de ti, meu amor.
– Eu... - Novamente eu me sentia perdida e quis sair correndo dali assim como fiz da última vez.
– Não fala nada. Não foi uma pergunta. - Sorriu para mim e me beijou fazendo meu coração se acalmar, percebi que esse tempo longe dela nos amadureceu mais do que gostaríamos de admitir.
– Eu me sinto tão perdida. - Deitei a cabeça em seu ombro, ela fazia um carinho em meus cabelos. Nunca em toda a minha vida estive tão exposta.
– Eu sei, eu te conheço, Carmen. Percebo isso em teu olhar.
– Eu vou ficar até o nascimento. - Sussurrei e mesmo sem olhar eu tive certeza que um sorriso lindo estava em seu rosto. - É o melhor a se fazer. Não tenho como voltar à casa assim, não faria bem ao bebê.
Isabel me afastou para me encarar e olhou orgulhosa, aos poucos a preocupação com a criança ia surgindo em mim, era inevitável eu era responsável por essa vida.
Continuamos ali por mais algum tempo e só me deixei levar. Eu estava muito enjoada para voltar, então deitamos na grama. Ela me puxou para seu peito e durante toda a manhã trocamos beijos e carícias. Por diversas vezes Isabel levantava correndo para não nos rendermos às tentações.
– Vais me matar, Carmen. - Falou fingindo choro enquanto me olhava de pé alguns metros longe. - Dói!!
Eu gargalhei alto ainda deitada no chão. Virei de barriga para cima, descansei uma das mãos em meu abdômen e me espreguicei com os olhos fechados. Quando os abri ela me olhava com cara de boba.
– Vem... - Disse me ajudando a levantar. - Vamos voltar, está na hora de almoçar.
Concordei, realmente estava faminta.
Depois do almoço fomos até a antiga fazenda e cada canto daquele lugar era magnífico, ainda mais lindo do que os lugares que visitamos pela manhã.
– Eu vinha muito aqui quando criança. - Descemos do cavalo próximas a uma pequena cachoeira que desaguava em um riacho cristalino.
– Isabel, é um dos lugares mais lindos que já estive. - Falei tirando os sapatos e sentindo a água gelada em meus pés, subi o vestido até as coxas e dei mais alguns passos em direção à cachoeira.
– Carmen, não. - Ela pediu quase desesperada e não entendi. - Pelo amor de Deus, me atormentou a manhã inteira, te carregar nesse cavalo tão colada a mim é uma tortura. Se ficar nua eu vou enlouquecer.
– Sabes, Baronesa... - Ainda de costas sorri maliciosa. Virei-me, andei até ela e arranhei seu pescoço provocativa. - No iba a meterme en el agua, pero verte así me divierte.
Isabel segurou minha cintura forte e eu ri quando vi seus olhos negros de luxúria e raiva, ela estava brava com as provocações. Empurrou-me delicadamente até o paredão de pedras e me prensou contra a rocha fria. Eu estava louca por ela.
– CHEGA! - Senti sua voz ainda mais rouca que o normal e ri deixando-a ainda mais brava.
Isabel pegou meus cabelos que estavam novamente presos em um meio rabo de cavalo e puxou, era forte, mas ao mesmo tempo delicado e fez meu corpo entrar em combustão, gemi baixinho involuntariamente e ela riu, sabia que eu estava tão doida quanto ela. Beijou meu pescoço e deixou uma mordida ali me fazendo gem*r outra vez. Se afastou aos poucos, mas permaneceu segurando meu corpo. Fechei os olhos frustrada e ela riu me abraçando.
– Garoto... acabas de salvar tua mãe de levar uma surra.
Ela falou risonha enquanto acariciava minha barriga. Desde que conversamos pela manhã ela estava assim, parece que esperou todo esse tempo por essa permissão e agora que a tinha não tirava mais as mãos dali, era como se quisesse cuidá-lo tanto quando cuidava de mim. Eu não sabia o que sentir em relação a isso então só deixei acontecer, mas ouvi-la dizer essa frase mexeu comigo de uma maneira diferente. O modo como o chamava era tão igual ao sonho que chegava a ser assustador e, mais apavorante do que isso era a palavra mãe... Acho que eu não tinha me dado conta de que era isso que estava acontecendo comigo até Isabel falar em voz alta e tornar tudo real.
– Está tudo bem? - Perguntou percebendo meu pavor. - Me desculpa...
– Não, tudo bem... eu só... - Eu não sabia muito bem o que dizer, pisquei algumas vezes e desviei o olhar.
– Vem...
Ela me puxou para uma pedra mais alta onde o sol batia por entre as árvores. Me ajudou a subir também, a pedra não era alta e conseguimos deixar os pés de molho. Isabel me abraçou de lado e beijou meus cabelos, sorriu e molhou as mãos na água para espirrar em mim. Eu me sentia uma criança com ela. Quem nos visse em nossas vidas jamais imaginaria esse momento e por isso ele era tão único. Tenho certeza de que assim que deitar a cabeça no travesseiro minha mente será invadida por todo aqueles medos que eu já sei, mas preferi ignorar.
– Ei... - Ela me chamou cautelosa e olhei-a com carinho. Pensou alguns segundos antes de completar baixinho com o rosto pertinho do meu. - Eu te amo.
Sorri, mas logo suspirei triste e encostei meu rosto no dela. De olhos fechados senti seu abraço apertado e um beijo desesperado.
– Eu também te amo, Baronesa. - Sussurrei contra seus lábios e beije-a outra vez.
"Mais que qualquer coisa..."
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]