Recomeço – Capitulo 79

Raquel acariciava os cabelos loiros de Sófia e notava uma feição pensativa surgindo, não era a primeira vez que notava isso nos últimos dias.

— Amor, anda acontecendo algo e você não quer me contar? – perguntou ao deslizar a ponta de seus dedos pelo pescoço da amada.

As duas estavam deitadas na cama, formando uma conchinha.

Sófia virou o seu corpo.

— Nada, meu amor. — Tocou a face de Raquel e fez uma carícia. Ainda preferia não comentar sobre suas suspeitas, pois sabia que a reação da amada não seria das melhores. – Posso te fazer uma pergunta?

— Claro que pode.

— Você sabe como houve o acidente de sua mãe? – indagou, porque precisava colher informações sobre o que havia acontecido naquele dia.

Com a pergunta, Raquel estreitou o seu olhar, pois não sabia aonde a amada queria chegar.

— Ela caiu da escada, mas não sei como houve. Eu não cheguei a perguntar ao meu pai os detalhes, pois houve toda aquela confusão... você sabe, mas por que está me perguntando isso? Já passou tantos dias.

— Ah... estava pensando sobre.

Raquel passou a ficar desconfiada, Sófia não traria esse assunto de volta se não houvesse um motivo.

— Amor...

— Raquel, eu quero ter certeza primeiro – justificou-se, pois sabia que a amada diria algo.

— Tudo bem. – Raquel forçou um sorriso e pensou em algo. – Sabe, o fato de minha mãe não me aceitar não me dói mais.

— Tem um motivo para isso?

— Sim, tem. Eu percebi que não vale apena sofrer por quem não gosta de mim. Preciso seguir minha vida. Ser uma pessoa mais forte e bom... tudo que preciso e as coisas mais importantes já estão ao meu lado. – Entrelaçou a sua mão a de Sófia.

— É muito bom te ouvir falando assim. Você tem muitos motivos para ser feliz e você merece a felicidade. Não vale a pena viver sempre sofrendo e carregando consigo o sentimento de rejeição.

— Você está certa... sabe, eu sempre procurei a aceitação, pois achava que eles sempre seriam minha única família, no entanto, percebo que a minha família é você, os peludos, Norma... Nossa família é onde somos aceitos da forma que somos. Onde nos respeita, nos acolhe... minha família é vocês, não preciso lutar por outra que não sabe quem realmente sou.

— Você mudou muito nesses últimos dias. – Sófia sorriu encantada. Era bom saber que a amada estava se curando de suas feridas.

— Foi necessário, amor, demorei, mas agora sei o que é realmente importante em minha vida – Tocou a face de Sófia e a viu sorrir. Aquele sorriso deixava o seu coração quente... quente por conta de um amor que crescia a cada dia.

_*_

Sábado de manhã, Rita estava a beira da janela observando o jardim florido que havia em sua casa. Lá tinha as mais belas flores, era estranho perceber que antes não as tivesse apreciado.

— A verdade é que nunca me liguei a outras coisas que não fossem relacionadas a Ricardo – pensou e ouviu passos atrás de si, era Rogério.

— Está tudo bem contigo? – Pousou as mãos sobre os ombros da esposa.

— Está, estava apenas reparando no quanto nosso jardim está bonito.

— Sim, está— Rogério concordou.

Ficaram alguns minutos em silêncio.

— Será que fui uma mãe ruim? – perguntou, pois após as conversas com Sheila, ela se deu conta que nunca havia tido uma boa relação com Raquel.

— Por que você está pensando nisso, meu bem? – Puxou uma das mãos de Rita para que eles pudessem se sentar na cama.

— Eu conversei muito com Sheila nos últimos dias... Você sabia que ela era lésbica?

— Sim, eu sabia, não te contei, pois achei que não era importante. Com quem ela é casada não interfere em seu trabalho.

— Sim, não interfere. – Ficou pensativa. – ela me contou sobre como foi aceita pela família... foi um momento difícil... Ela também me disse como é complicado lidar com o preconceito.

— Aonde você está querendo chegar? – Segurou uma das mãos da amada.

— Em nossa filha – Rita disse e sentiu algo diferente tomando conta de seu peito. Sabia que algo ali dentro estava começando a mudar. – Eu fui injusta, Rogério, não a escutei... eu não conheço a minha própria filha – falou e a balançou a cabeça algumas vezes. – Será que ainda há tempo para consertar os meus erros? – perguntou e seu marido ficou muito pensativo.

_*_

Já era a quarta vez que Paola ligava para Ricardo e não era atendida. Estava estranhando esse sumiço do engenheiro. Ligara algumas vezes para a construtora e ninguém sabia o seu paradeiro.

— Será que você fez alguma besteira, Ricardo? – Começou a andar pela sala de um lado para o outro.

Não era a primeira vez que isso acontecia, isso estava a angustiando. Sabia o quanto Ricardo estava abalado depois do ocorrido com a mãe, então, esse sumiço era preocupante.

Sem não restar outra saída, Paola pegou sua bolsa e foi atrás do engenheiro. Não poderia deixá-lo sozinho, ainda mais agora que ele estava perdendo a vontade de viver.

Depois de alguns minutos, Paola estacionou o carro em frente ao prédio do engenheiro.

Ao Ricardo abrir a porta de seu apartamento, Paola se deparou com uma imagem deprimente. O engenheiro usava uma camisa com alguns botões abertos, um short surrado e os cabelos desalinhados.

— O que você está fazendo aqui? – indagou com um tom frio, pois não queria que ninguém ficasse ao seu lado.

— Quero te ajudar. – Passou pela porta sem ser convidada.

Ao chegar à sala, deparou-se com várias garrafas de whisky vazias. Respirou fundo, estava tentando não transparecer a decepção que estava sentindo. Ricardo estava se entregando totalmente ao vício.

— Você acha que isso vai te ajudar? – Olhou para o engenheiro que estava fechando a porta.

— Cada um cura as suas feridas da forma que acha melhor – respondeu e se sentou em um dos sofás. A sua cabeça doía, fazia alguns dias que não dormia bem.

— Você está muito diferente do homem que conheci.

— Paola, eu sempre fui assim. Sempre... você só está conseguindo enxergar isso hoje.

— Talvez você esteja certo, mas continuar dessa forma não vai lhe fazer bem – deu uma pausa. – Está assim pelo que aconteceu com sua mãe?

Com aquela pergunta, Ricardo balançou a sua cabeça algumas vezes.

— Se quer saber a verdade, sim... eu quase a matei. E meu pai estava certo, se ele queria mesmo me punir, ele está, pois viver com a culpa não está me fazendo nada bem.

— O que sua mãe falou sobre isso? Sobre o que aconteceu.

Ricardo sorriu e se levantou. Caminhou até a janela e observou a movimentação tranquila na rua.

— Ela nunca vai fazer algo contra mim. Me perdoou, mas esse perdão não me ajudou a diminuir o sentimento que carrego em meu peito. – Sentiu as lágrimas escorrerem pela sua face.

— Queria ser preso? – Paola perguntou surpresa.

— Eu não sei o que quero, Paola, não sei mais por que estou nesse mundo. – Olhou para a morena e a notou pensativa. – Só sei que a vida que estou levando não tem mais nenhum sentido para mim.

— Ricardo, talvez eu esteja sendo precipitada fazendo esse pedido, mas você aceita recomeçar comigo longe disso tudo? – Paola indagou ao se aproximar do engenheiro.

Ricardo forçou um sorriso.

— Paola, você não merece passar a vida ao meu lado. Há pessoas menos complicadas e com algo bom a te oferecer. – tocou a face da mulher. – Eu não te mereço. Olhe ao redor, veja no que me tornei. Eu não sou o homem certo para viver ao seu lado.

_*_

Era domingo de manhã, Sófia despertou e sorriu ao se deparar com Raquel que dormia tranquilamente do outro lado da cama.

Estava aliviada por sua amada não estar mais triste por conta dos problemas familiares, mas isso não tirava de si a vontade de saber como havia ocorrido o acidente de Rita.

— Se isso for verdade, Rogério acobertou Ricardo esse tempo todo – pensou, e não gostou nem um pouco de ter chegado a essa conclusão, porque queria dizer que até mesmo Rogério defendia o filho.

— Pensativa logo cedo? – Raquel indagou com uma voz sonolenta.

— Nada, só estava pensando em nosso dia... bom dia, meu amor. – Tocou os lábios da engenheira com os seus.

— Eu sei que está acontecendo algo e bom... antes de me deixar pensativa também, não seria melhor me contar? – Raquel indagou ao se sentar na cama.

Sófia respirou fundo.

— Aquele dia decidimos deixar para quando eu tivesse certeza.

— Sim, amor, mas você está pensando muito sobre isso... eu percebo e fico me perguntando o que é. É algo tão grave assim?

— É sim – Sófia disse e deixou Raquel sem fala. – Não agora que tudo já passou, mas acho que isso pode mexer com você.

— Mexer  como?

Sófia segurou uma das mãos da amada.

— Amor, eu estou suspeitando de algo e se for verdade, eu acho que você não vai se sentir bem com isso.

— Você está me assustando, Sófia – confessou.

— Eu não quero te assustar, mas eu desconfio de que Ricardo tenha a ver com o que ocorreu com sua mãe – disse e notou a feição de Raquel começando a mudar. Era difícil acreditar que isso pudesse ser verdade.

— Ela caiu sozinha, meu pai disse isso... ele...

— Eu sei, amor, foi isso que seu pai lhe disse, porém o comportamento de Ricardo anda muito suspeito. Ele mudou muito depois desse ocorrido. Você não acha que ele nos aceitou fácil demais?

— Sófia, isso é muito grave. – Levantou da cama e não soube o que pensar. Sua amada estava certa, Ricardo havia aceito tudo fácil demais. Porém se isso fosse verdade, o seu pai havia mentido. Será que até Rogério defendia o filho mais velho?

_*_

Passava das 9 horas, Sófia estava sentada no sofá observando Raquel arrumar Nino.

Nina estava juto a seus pés. Naquele dia, a cachorra usava alguns laços pendurados em seu pelo.

— Será o que ela está pensando? — perguntou-se, pois desde a conversa é que Raquel se mantinha pensativa. Achava que se soubesse de suas suspeitas, a morena iria querer tirar satisfação com o pai, mas não, estava tranquila demais.

— Gostaram, meninas? – Raquel apontou para Nino que estava todo penteado e com uma gravata nova que havia comprado na ida ao veterinário.

— Um gato – Sófia falou e Nino latiu alto.

— Acho que Nino não gosta desse elogio, amor. – Raquel acariciou a cabeça de Nino enquanto não parava de rir.

Sófia sorriu e olhou para a tela de seu celular.

— Acho melhor irmos, está ficando tarde. Desse jeito Norma vai achar que não iremos. – Pegou a bolsa e colocou a guia em Nina para que pudessem descer.

— Vamos então. — Raquel fez o mesmo que a amada.

Fim do capítulo