Como sempre falo, a minha história vai assim, comendo pelas beiradas. Obrigada pelos comentários, Naty e Lii, as outras manas que comentaram os capítulos anteriores também, vocês me enchem de força de vontade!
CapÃtulo 12: Quero te ver de novo
O sol raiou sem trégua pela janela do quarto de Catarina, logo ela percebeu que esquecera de baixar as cortinas na noite anterior. Também pudera, chegou tão cansada que só teve ânimo para se jogar na cama, nem a roupa trocara. Queria faltar aula, mas estava consciente, mais uma vez, que não poderia. De rab* de olho avistou o celular, respondeu rapidamente as mensagens que a mãe enviara há muitas horas, tranquilizando-a. O pai não se pronunciava, tampouco ela gostaria de ter qualquer contato com ele.
Pelo horário, Regina e Cristina, as mulheres que auxiliavam na cozinha e na limpeza da casa, já haviam chegado. Com a comida, Cate não se preocupava quando ficava sozinha, mas teria de ir para a escola de bicicleta ou de aplicativo, visto que Débora e Rodolfo achavam um excesso desnecessário terem motorista. A jovem teria de esperar até janeiro, quando completasse seus dezoito anos, para dirigir livremente por aí.
A caminho do banheiro, tirou primeiro a calça de moletom e a calcinha confortável que usava, costume peculiar que tinha desde a infância, tirar primeiro as partes de baixo do vestuário, quando normalmente a maioria das pessoas tira a de cima. Colocou as peças no cesto de roupa suja, até retirar a blusa e sentir o perfume de Érika impregnado por todo o tecido, resíduos do longo abraço que trocaram. Fazia tempo que a própria Catarina não usava aquele perfume, e, sem nem perceber, fechou os olhos e permaneceu sentindo a fragrância daquela mulher que não sabia que era amante de um homem casado.
Abriu os olhos, assustada. Quando se viu no espelho, notou que seu rosto estava muito vermelho e tratou de se livrar logo da blusa, antes que se sentisse mais estranha. Pegou o termômetro no armário para eliminar a chance daquela vermelhidão ser alguma febre. Não era.
Seu cabelo clamava por uma lavagem e assim ela o fez. A espuma do shampoo logicamente obrigou-a cerrar os olhos mais uma vez e foi aí que, novamente, lembrou de Érika sob as luzes natalinas, a silhueta azulada e perfeita. Lembrou de novo quando vestia o uniforme em frente à escrivaninha, onde deixara a caixinha com a pulseira que ganhou. Aproveitando o ensejo, colocou a pulseira e deitou na cama, analisando-a.
Dava pra ver que as pedras, diferentes entre si, foram milimetricamente arranjadas para furtar as cores do arco-íris quando remexidas. Aquilo era de um capricho sem igual, sem dúvidas levou dias para ser terminado. Catarina admirou o presente até se atrasar para a escola.
No Artur Gagnon, Raga trancava a corrente da própria bicicleta enquanto Catarina estacionava a dela. Ninguém sabia muito sobre a garota rebelde, até mesmo os professores a chamavam ou por número ou pelo estranho apelido. Era a única que exibia um visual diferente do padrão daquela escola estupidamente formal, com cabelos tom de rosa pastel, um pouco abaixo dos ombros, alargadores medianos nas orelhas, além de um leve risquinho em uma das sobrancelhas, modinha entre os adolescentes mais ousados, mas não ali. Lado a lado, as garotas não poderiam ser mais diferentes, não fosse pelo uniforme, um desavisado diria que as duas eram de escolas diferentes. No entanto, estavam ambas atrasadas, o que deu coragem para Catarina puxar assunto:
- Dormiu demais?
- Dormi de menos.
- Nossa, eu também tenho dormido de menos ultimamente.
- Os cultos devem estar puxados, né?
- Cultos?
- Você não é evangélica? Porque parece...
- Não sou, como assim pareço?
- É que você é muito boazinha, sei lá. E tem esse seu cabelo longo também. Tem uma congregação em que os irmãos não podem cortar o cabelo, saca?
- Meu cabelo só é um pouco maior que o seu... que puta estereótipo você tá pregando hein?
- Quem prega não é você? Tá, parei. Estamos aqui perdendo tempo, vamos logo entrar e...
- Como se você se importasse com isso...
- Que foi?
- Nada, não! Vamos entrar!
A primeira aula era de literatura e Cate odiava perder algum momento dela. Chegou sozinha, Raga desviou para a diretoria, uma atitude esquisita depois do discurso apressado no bicicletário. Talvez ela devesse prestar mais esclarecimentos do que uma estudante qualquer, haja vista o tanto de confusões em que era metida. A professora recitava um poema de Vinicius de Moraes:
(...)Oh! Como és linda, mulher que passas
que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?
Por que não voltas, mulher que passa?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!
No santo nome do teu martírio
Do teu martírio que nunca cessa
Meu Deus, eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa!
Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura como devassa
Que boia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.
- Pronto, pessoal, agora vocês vão responder à primeira questão do tópico "trocando ideias", é uma pergunta pessoal sobre esse poema de Vinicius, dez minutinhos pra vocês relerem e pensarem na resposta, ok?
Catarina ouviu protestos em sussurros de alguns alunos que estavam próximos a ela, isso acontecia muito quando o gênero em estudo era o poema, a maioria dos alunos tinha muita dificuldade em interpretá-lo. Apesar de gostar de literatura, ela reconhecia que poesia também não era seu forte. Era melhor com números, frações, fórmulas, exatidões. Não conseguia se conectar com as mensagens dos poemas, e quanto mais apaixonadas e românticas elas fossem, pior.
Mas naquele dia, algo mudou. Pela primeira vez, ela leu o poema de uma forma diferente, pois em cada verso que Vinicius berrava pela mulher amada, a imagem de Érika aparecia automaticamente em sua cabeça. Beijando Rodolfo no café, envolvendo-a nos braços naquele sonho bizarro, estendendo a prancheta para Audrey assinar na oficina, abraçando-a no quarto, sorrindo no semáforo, falando "quero te ver de novo", esperando-a entrar em casa. Nem leu a pergunta que a professora mandou, ao invés disso, falou para si:
- Mas que porr* está acontecendo comigo?
- Tá fazendo o quê parada aí na porta, menina? Entre logo, está super atrasada! - A bronca da professora em Raga tirou a atenção de todos, menos de Catarina.
***
- Catarina Barone, você não tem jeito! Sabe que horas fui dormir esperando notícias suas?
- Desculpa, desculpa, desculpa, Audy. De novo aconteceram muitas coisas!
- Como foi a conversa com a atriz pornô que nas horas vagas é gerente de oficina?
- Ai, Audy... Ela é uma pessoa muito legal... fodeu tudo...
- Ué, pensei que você ia confrontar a moça e dizer a clássica "você e meu pai desgraçaram a minha família, afaste-se de mim!"
- Não pude dizer nada. A Érika não sabe de nada. Meu pai é um manipulador desgraçado, como pode? Disse que era viúvo, que minha mãe morreu de câncer. E adivinha só... O pai dela está com câncer...
- Que filho da puta! Ele usou a fragilidade da garota pra amolecer o coração dela... Pra dizer que entende a barra que ela está enfrentando?
- Tipo isso. Eles colocam o senhor Rodolfo num pedestal. Ela diz que gosta de mim, me admira também. Mais uma pessoa enganada pra eu carregar nas costas.
- É, minha amiga... então fica fora dessa, você já tem a sua mãe pra se preocupar!
- Isso não foi o pior... eu tô estranha desde ontem... acho que o peso de ver o que a Érika passa e saber a mentira que vive com meu pai fez alguma coisa com meu cérebro!
- O que acontece?
- Ah, sei lá. Eu fico pensando nela o tempo todo, refazendo o dia de ontem em cada coisa que faço hoje.
- ...
- Diz alguma coisa, pô! Será culpa por ter omitido a verdade pra mais uma pessoa?
- Esquece, se for culpa vai passar conforme os dias. Ei, essa pulseira é nova? Que bonita, nunca te vi com ela!
- Foi Érika quem me deu. Até com isso se preocupou, disse que era para o meu vestibular. Coitada!
Audrey balançou a cabeça negativamente. Imaginava como o jogo pode ter virado de tal forma em menos de 24 horas.
À noite, Catarina tentou se distrair como pode, fez as tarefas escolares, abriu e fechou a página da UNIFORTE, ainda sem coragem de conferir o gabarito, atendeu à chamada de vídeo da mãe, que se se lamentava por Rodolfo já ter ido dormir sem falar com a filha. Desligou rapidamente para não se aprofundar mais no assunto. Estabanada, derrubou o celular. Ao apanhar o aparelho, reparou na pulseira em seu braço. Quando deu por si, já tinha mandado a mensagem:
Oi, pensei no que me disse. Podemos nos encontrar amanhã? Quer conhecer nossa casa?
Do outro lado da linha, Érika sorria, vitoriosa.
Fim do capítulo
Gente, escrever não é fácil, mas a gente faz por amor. Grata também pelas leitoras silenciosas, sei que estão aí na moita torcendo pela Catarina (ou não, vai saber né? kkkkk)
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