Cinco
Fernanda saiu de casa em cima do horário. Primeiro, se enrolou no banho (sua irmã, Samanta, monopolizou o banheiro). Depois, se atrasou escolhendo a roupa. Não queria parecer casual demais, tampouco se vestir como se estivesse indo para o trabalho. Seu coração estava aos pulos desde cedo e isso parecia que a deixava com os movimentos mais lentos, meio boba. Para piorar, em seguida, quando finalmente chegou o carro do aplicativo, pegou trânsito perto da entrada do túnel e o engarrafamento afetou diretamente no seu atraso (que já era considerável). Para todos os lados que olhava era só farol de carro e gotinha colorida no vidro da janela, refletindo a luz do semáforo, que mudava, mas ninguém avançava.
Toda hora olhava para o relógio, já irritada, e por dois momentos pensou até em desistir e voltar para casa (estava perto, ainda). Inventaria uma desculpa qualquer – quem sabe fosse melhor do que chegar na casa de Beatriz na hora da sobremesa. Quando tomou o impulso de falar com o motorista para encostar quando fosse possível, para ela desembarcar, seu celular vibrou. Era Samanta, que tinha enviado uma mensagem que dizia “Arrasa”. Só isso. Suficiente para fazê-la desistir da ideia de abortar aquela missão.
Ela não tinha comentado nada com a irmã (sobre o jantar, com quem era, nada), mas havia uma conexão muito forte entre as duas, que muitas vezes dispensava as palavras. Coisa de irmãs gêmeas. Ia mandar algum emoji para Samanta, mas ela foi mais rápida e enviou uma segunda mensagem: “Na volta traz chocolate”, e um coração.
Fernanda sorriu, e recostou-se novamente no banco. Ela acreditava nessas “coincidências”, mesmo que não houvesse comprovação científica a respeito, ou de sua funcionalidade. Mas, de alguma forma, a decisão de ir para o jantar pareceu até ajudar no trânsito, que fluiu. Chegou depois de alguns minutos.
Beatriz morava numa região bonita, era a referência para muitos turistas, um lugar com muitas belezas naturais. Fernanda se pegou pensando em como a médica conseguia ser tão pálida, quando o carro parou em frente ao prédio em que ela morava, à beira-mar. Era enorme. Fernanda inclinou bem a cabeça para trás para ver até onde ele ia – e ia até bem lá em cima.
Conversou brevemente com o porteiro – ou quase isso. Na verdade, Fernanda só falou com uma voz metálica, que parecia estar avisada de que ela chegaria. Nem sabia de onde a pessoa estava falando. O saguão do elevador era bem espaçoso e tinha um sofá ridiculamente chique. Ela ficou alguns instantes dentro do elevador, que parecia uma parte de um cenário de algum clip futurista dos anos 90, que não fazia som nenhum, mas mostrava no painel que subia (e até que rápido). Parou no vigésimo terceiro andar. Fernanda sentiu cheiro de lavanda no corredor. A porta do apartamento de Beatriz ficava à esquerda e tinha uma espécie de pingente, pequenininho, perto do olho mágico, em formato de figa. Fernanda achou aquilo curioso. E inesperado.
Beatriz parecia uma pessoa cética, descrente, até. Elas ainda não tinham conversado, exatamente (só assuntos relacionados à rotina da clínica), apesar de estarem trabalhando juntas há alguns meses. Fernanda nem almejava um emprego naquele momento, estava concluindo a especialização, às voltas com as pesquisas da sua tese – uma loucura que, sozinha, já bastava para ocupá-la. Mas um professor a tinha indicado, ela ficou meio assim de recusar. E no fim nem era nada que a impedisse de estudar, era só meio período, valia pelas horas. E tinha Beatriz. Foi o que a fez decidir.
Ela não era exatamente uma mulher bonita, mas tinha lá a sua beleza, exótica. Os ossos do rosto eram salientes, e a disposição e simetria (ou a falta) combinava com o seu olhar, que era muito penetrante. Parecia que ela lia a alma da pessoa, desvendava assim, sem pudor. Mas de um jeito que no final a pessoa se sentia quase grata por aquele magnetismo esverdeado. Fernanda se sentia quase nua quando recebia o foco daquele olhar, e talvez por isso ainda não tinha conseguido definir o tom, exato. Mas mudava de cor, conforme o dia.
Bateu na porta, de levinho. Três toques; no quarto, a porta abriu. Cícera a recepcionou, e Fernanda gostou do seu sorriso (e da vibe da mulher, ela tinha uma energia boa). Foi muito gentil, era como se elas já se conhecessem. A acompanhou depois de indicar o caminho, e foram direto para o ambiente de onde vinham as vozes (eram mais do que imaginava que ouviria).
Fernanda estava nervosa. Beatriz era meio que sua crush, apesar de ela relutar um pouco em assumir isso (não achava que tinha idade para essas coisas – ou pelo menos não para falar desta forma. Mas era o termo, segue o baile). Ela se esquivava também um pouco da ideia porque a mulher parecia um pouco inalcançável, sei lá. Era muita areia para o seu caminhãozinho, Fernanda se dizia. Mas a admirava a distância, que nem fazem os enamorados. E de perto também: já a tinha stalkeado em todas as redes sociais (e se frustrado um pouco porque Beatriz não era muito de interagir nas mídias em geral).
A viu assim que entrou na sala. Beatriz estava sentada perto da janela, usava um vestido florido e segurava entre os dedos uma taça de vinho. Nunca tinha visto aquilo tudo, eram situações inéditas em todos os sentidos, para ela. Sentiu ferver debaixo da pele o que vinha se esforçando para manter ali, dormente. Ficou nervosa e emocionada. Momentaneamente se sentiu sufocada, lhe faltou o ar. Aí Cícera, que de alguma forma parecia ver tudo o que mais ninguém captava (nem mesmo Beatriz, que estava distraída), segurou em sua mão, ainda a conduzindo, e aquele gesto a acalmou de alguma forma. Se sentiu meio boba por ficar daquele jeito diante de uma mulher. Mas é que achou que Beatriz estava linda – mais do que nos dias comuns.
E aí seus olhos a encontraram. E ao reconhecê-la, parada ali, sorriram – sim, os olhos, satisfeitos por se esbarrarem nela. E Fernanda achou que Beatriz ficou linda ao dar exclusivamente para ela a sua atenção, todo o seu foco, permitindo que sua boca se desmanchasse num sorriso (havia satisfação ali. E algo mais que Fernanda não soube especificar; ainda não sabia ler aquele rosto). Mas o sorriso transformou sua feição de uma maneira linda. E de alguma forma era como se toda a cena congelasse e só as duas estivessem ali, de fato. Era isso ou apenas a breve tontura, que ainda não tinha desvanecido e fazia Fernanda enxergar diferente.
Beatriz veio ao seu encontro e ao cumprimentá-la segurou em sua mão por alguns breves instantes. Foi a primeira vez que se tocaram, assim, e Fernanda sorriu. Tinham começado bem! Ela apresentava os olhos serenos naquela noite. Talvez fosse por causa do vinho, ou era o ambiente de sua casa que a deixava mais leve. Fernanda se imaginou colando nela um selo escrito “Aprovada!”. Riu por dentro. Era cada besteira que pensava!
Em volta da mesa havia pessoas que à primeira vista mais ou menos dava para perceber quem era casado com quem – e não apenas por estarem sentados próximos. Fernanda tinha a impressão de que as pessoas parece que vão se fundindo depois de um tempo de convívio, passam a usar até os mesmos trejeitos, falam de maneira parecida, é bem curioso. Se tornam quase iguais, apesar das distinções.
Sentou-se ao lado de Beatriz, perto da cabeceira da mesa, após um rápido aceno para os presentes, que a cumprimentaram de volta. Ela chegou quando Bernardo e Mariana contavam uma história sobre uma viagem que fizeram no ano anterior, quando todas as suas bagagens foram extraviadas e o casal conseguiu perder a mochila com todos os documentos, na Grécia. Igor, que parecia uma montanha, com músculos que fizeram Fernanda pensar em anabolizantes logo de cara, era quem ria mais alto. Isso parecia atrair ainda mais a mulher que estava pendurada em seu pescoço. Fernanda sentiu uma tensão esquisita vinda dali, mas não quis ficar olhando muito. Não era indiscreta; preferiu dedicar sua atenção à comida que estava servida. Ficou feliz por ter chegado antes que iniciassem a refeição.
Renato sentou-se junto delas. Na verdade, ele acabou ficando bem no meio entre Beatriz e Fernanda, que se inclinava um pouco sempre que a mulher dizia algo. Percebeu que todos em volta da mesa paravam para ouvi-la, prestavam mesmo atenção ao que ela dizia. E ela falava de um jeito bonito, Fernanda ficaria ali a noite inteira só escutando o que Beatriz tinha para dizer. Achava a voz dela linda! E todas as suas observações agregavam à conversa que se desenrolou, agradável, durante todo o jantar.
Fernanda gostou de Renato, o achou muito gentil e atencioso. E muito bem-humorado. Descobriu que ele era amigo de Beatriz desde a faculdade, e os dois se olhavam de uma forma que ficava mesmo nítida essa cumplicidade, lapidada ao longo de anos. Ela notou que todos, na verdade, demonstravam ser amigos já de longa data, tinham várias piadas internas (que Renato adorou explicar, algumas), mas entre os dois o laço parecia maior. Talvez porque ele fosse gay.
O rapaz tinha quase 1,90m, e era idêntico ao irmão, Roger, exceto pelo sorriso (que transformavam seu rosto de um jeito diferente). E as caretas que sempre fazia também o diferenciavam, como agora, que ele fingia não entender o que as pessoas diziam e apertava os olhos de uma maneira engraçada. Adorou saber que Fernanda também tinha uma irmã gêmea, ainda que fossem diferentes (ela mostrou uma foto para ele, e Beatriz olhou meio de canto).
Fernanda riu de suas piadas e gracejos (Renato tinha um humor meio “tio do pavê”, que ela adorava), e isso chamou a atenção de Beatriz. Não a tinha visto sorrindo assim, tão leve. Ficava bonita. Aí constatou que conhecer seu lado divertido era, no mínimo, interessante e sorriu também. Mas sem perceber.
Porém, durante todo o jantar Beatriz evitou encará-la. Passava a vista por ela, mas muito brevemente, sem delongas. Tinha receio de que estivesse julgando mal o que pensava estar vendo. Talvez fosse fruto de sua imaginação o fato de Fernanda sempre sorrir para ela e olhá-la, bem nos olhos, quando falava (daquele jeito), ou lhe dar toda a sua atenção a partir do instante em que ela simplesmente abria a boca para dizer algo. Talvez ela tivesse mania de sempre falar e segurar a mão de seu interlocutor (desde que fosse ela; Fernanda não fazia isso com Renato). Talvez ela sempre tivesse agido daquela maneira e Beatriz só percebia agora, porque só agora se sentia atraída por ela. E talvez Renato também estivesse imaginando coisas.
- Meu amor! Se eu fosse você não perdia tempo! – ele aconselhou, quando saía do lavabo e encontrou com Beatriz, que aguardava na porta – Estou sentindo a vibração, até mudei de lugar, você percebeu? Qualquer um percebe que uma está a fim da outra!
- Não, Rê. Dizer que “qualquer um” percebe é exagero de sua parte – comenta Beatriz, no ouvido de Renato, um pouquinho na ponta do pé. A dupla, desde sempre, parecia inventar desculpas para se abraçar, e se entrelaçava nesse momento, na frente do banheiro.
- Mas é claro que é um exagero, mona. Aqui só tem hétero! Hétero não tem percepção das coisas! Hétero acha que um quadrado não é nada além de um quadrado, ignorando totalmente a existência dos retângulos! Hétero vê o mundo de uma maneira que nós não vemos.
-“Nós”? – diverte-se, afastando-se alguns centímetros do amigo – Você sabe o que penso sobre generalizações, Renato.
- Ah, Bia! Quer saber? Você ficou muito chata depois da sua especialização! – ele debocha, voltando a abraçar a amiga carinhosamente, baixando o tom de voz antes de continuar – Mas você entendeu o que eu disse, não entendeu? A bonitinha está na sua e você na dela.
- Não entendi, para ser sincera, a sua dissertação cômica sobre quadrados e retângulos. De que buraco você tira essas coisas, Rê? – os dois riem – E a “bonitinha” em questão, meu caro amigo, trabalha comigo e ela...
- Ela está a fim de você, Beatriz! Mas que coisa! – interrompe, com a voz mais fina no final da frase – Cadê aquela louca que era o terror das menininhas nas festas da faculdade?
- Internei. Assim como interno todos os outros malucos que encontro por aí – brinca Beatriz, fechando em seguida a porta do lavabo.
O jantar correu sem incidentes, regado a quase meia dúzia de garrafas de vinho, que animaram os presentes. A conversa se prolongou depois, quando todos se acomodaram na sala, que era bem espaçosa e estava com todas as luzes acesas. Antes de ir embora Cícera serviu uma sobremesa que tinha licor na receita. Fernanda não gostou muito, e disfarçadamente colocou seu potinho num canto. Renato viu e deu uma piscadinha para ela, como cúmplice, antes de colocar o seu potinho, também cheio, sobre o dela.
Beatriz e Fernanda se sentaram em paredes opostas, uma bem de frente para a outra, e eventualmente Beatriz percebia que a moça estava olhando para ela (e sorrindo enquanto olhava). Ela sorria desconcertada quando constatava esses olhares, tentando não parecer uma adolescente envergonhada. Fazia anos que tinha parado com aquele jogo de flerte, nem sabia mais como fazer direito. E fora que Fernanda a deixava nervosa. Pensava nisso quando bebeu o último gole de seu vinho.
Ela sempre considerava as paixões irracionais demais, e ficava meio assim quando eventualmente sentia aquilo. Não gostava de perder o controle sobre nada – especialmente sobre si própria! Mas era esperta o suficiente para saber que, longe de ser uma necessidade fisiológica, o amor era quase uma necessidade orgânica. E ela não lutava contra essas coisas.
Mudou brevemente o foco dos pensamentos. Estava feliz naquela noite, era sempre prazeroso reunir parte de sua turma, pessoas que ela viu nascer o sonho e a esperança de curar o mundo de todo e qualquer tipo de doença. Um discurso que soava às vezes raso depois, quase utópico.
Era triste constatar agora que alguns de seus colegas (muitos deles) rapidamente mudaram seus discursos e hoje pareciam pensar única e exclusivamente nos ganhos que podiam ter. Beatriz se chateava quando percebia que aquele sonho de medicar o planeta não era nada além de um lindo sonho não concretizado. Talvez nunca seria.
Ela percebia sempre a soberba de alguns, a necessidade de ostentação, de exibir, a si mesmo ou aos seus bens materiais (por isso era avessa às redes sociais. Um baile de exibições que ela não fazia questão de frequentar). Um vazio de futilidades que sempre rendia conversas posteriores, porque Beatriz era do tipo que dissecava vários assuntos, à exaustão. Renato sempre registrava todas as gafes nesse sentido e depois riam juntos. Ele sempre terminava insistindo para que ela se dedicasse à área médica – nos atendimentos, no caso. Dizia que ficaria riquíssima.
Por sorte, aquelas pessoas em sua casa naquele momento eram as que ainda resistiam bravamente, junto com ela; muitos eram árduos defensores do SUS e Beatriz se orgulhava de estar ao lado deles. Ela os amava. Renato sorriu no momento que esse sentimento a tocou, e deu uma piscadinha na direção de Fernanda, que parecia tentar acompanhar, de verdade, o relato de Igor (uma história confusa sobre a venda de um carro).
Todos se despediram por volta das 23h30, ficando apenas Renato e Fernanda. Ele usou como desculpa o fato de que não faria plantão no dia seguinte e alegou pretender beber um pouco mais na companhia daquelas lindas mulheres, que pareciam enfim se render ao que os jovens chamam de “química”. Àquela altura já se encaravam durante um tempo maior do que dois segundos. Fernanda não alegou nada. Apenas queria ficar mais.
Renato tinha a intenção de servir como cupido, fazer o meio de campo, mesmo. Percebera durante toda a noite que “daquele mato não sairia coelho” e que nenhuma das duas tomaria a iniciativa se a outra não desse deixa. E não sabia exatamente se isso realmente aconteceria, então era ali que ele agiria: se não houvesse um incentivo um lindo caso de amor poderia sequer nascer. Ou mesmo que não chegasse a tanto; Renato era adepto do sex* casual, desde que consentido. Desejava mesmo que apenas isso para a amiga. Ia fazer bem a Beatriz.
Não pretendia, contudo, ser grosseiro. Sabia que qualquer passo em falso poderia colocar tudo a perder – tudo mesmo. Inclusive a amizade com Beatriz.
- Oncologia deve ser uma área triste de se trabalhar – comenta Fernanda, bebericando um golinho do seu vinho.
Ela demonstrava relaxamento, sentada com as pernas apoiadas na mesa de centro. No fim, tinha optado por uma calça jeans e all star, e vestida assim se sentia realmente o que era: uma estudante perto de pessoas que admirava. Era assim com Beatriz, e Renato já tinha conquistado também a sua simpatia.
Talvez estivesse um pouco bêbada, já. Sua voz saía meio mole, meio em tom de riso. Beatriz, ao menos, achava isso.
- Depende de como se vê as coisas – responde Renato, assumindo uma postura séria de repente. Ao seu lado, Beatriz gostou de perceber o tom amoroso na voz do amigo, quando falava de seu trabalho – Às vezes alguns colegas me perguntam qual a graça em se trabalhar com pessoas que têm câncer. Ora, o que seria do mundo se todos escolhessem só a parte “divertida” da medicina?
- Além disso, as pesquisas para a cura da doença aumentam em todo o mundo, a cada ano. O que faz com que o índice de pacientes que se recuperam aumente também – complementa Beatriz. Tinha entre os dedos uma taça que estava novamente servida com vinho.
- Exato! – concorda Renato – É muito bom acompanhar esse progresso, dar a boa notícia à família e ao próprio paciente. Dizer que está curado, renascido, livre da doença, que ganhou uma nova chance, quase uma nova vida. E, quando não posso fazer isso, me esforço para que os últimos dias sejam o menos doloroso possível, oferecendo pelo menos qualidade de vida para a pessoa, que merece morrer com dignidade. E quanto à família... Bom, tem a equipe de psicólogo, no hospital, e quando não sei bem o que fazer entro em contato com uma amiga maravilhosa que entende tudo de comportamento e ela me dá umas dicas maravilhosas, porque ela é maravilhosa.
- Não entendo tudo, Rê.
- Não seja modesta, Bia! A Nanda trabalha com você e já deve ter percebido que você é craque!
- “Craque”. Taí uma palavra que eu não ouvia desde a adolescência. Andou revirando seu baú antes de vir para cá? – ri Beatriz. Não sabia lidar bem com elogios, ainda mais na presença de Fernanda, que sorria.
Renato voltou a falar sobre o avanço das pesquisas contra a doença que era sua especialidade e Beatriz deixou-se distrair. Não sabia se era o vinho, o acúmulo de sono ou o próprio cansaço da semana que enfim se findava que a deixava naquele estado de quase entorpecimento (se sentia leve, até fisicamente). A música suave, orquestral, tocava bem baixinho e aumentou o estado de relaxamento em que ela se encontrava.
Deixou sua mente divagar e, respirando fundo, concentrou-se em algum ponto qualquer dentro dela mesma. Por hábito, se focou no espaço entre os olhos, bem no meio da testa. Aquela era boa técnica e certamente serviria para extravasar parte da tensão que sentia, e trazia para mais perto o estado de paz que almejava. Estava um pouco ansiosa e poderia jurar que suas mãos suavam – não fosse o suor da taça que descansava na palma da mão direita. Sentia que até o coração estava mais agitado.
Quando se deu conta, estava observando a mulher à sua frente há alguns segundos e notou que seu olhar estava sendo correspondido. Fernanda sorria e voltava a prestar atenção ao que Renato dizia. Mas logo escapava novamente os olhos até ela, e seu sorriso aumentava mais uma vez. Fitava, então, por alguns instantes seus olhos, depois brevemente a boca. Isso fazia Beatriz desviar o olhar e sorrir também.
Renato, por sua vez, após tanta torcida, parecia não notar que o flerte enfim estava deslanchando, e se esforçava em tornar o mais atraente possível aquele assunto que sempre desestruturava famílias inteiras. Ou só estava empolgado, falando de algo que gostava. Talvez estivesse um pouco alcoolizado também. Ele mesmo se perdia na própria narrativa – e isso porque divagava sozinho.
Beatriz notou que Fernanda parecia mais jovem do que aparentava no consultório. Não era só a ausência das roupas mais sóbrias; ela estava com um ar diferente, mais jovial. E Beatriz se divertiu ao ver nos pés da moça um tênis, verde escuro. Combinava com ela – e com a camiseta preta sem estampa, de gola canoa. Fernanda tinha pendurado um colar cujo pingente não tinha sido colocado para fora em nenhum instante. Beatriz tinha ficado atenta a isso, a noite inteira. Se perguntava o que teria na ponta, e qual seria o cheiro daquele espaço entre os seus seios. Aí seus pensamentos iam longe. Já tinha se perguntado até o tipo de sutiã que Fernanda estava usando, se ela teria tatuagem, alguma pinta, cicatriz, marca de nascença. E isso a fazia sorrir, e a mulher a encarava, sorrindo também, como se estivesse escutando cada pensamento. Às vezes parecia até que fazia uma cara meio de safada – quase um convite para arrancar logo aquela roupa toda e revelar a pele encoberta, ali debaixo de tanto pano. Beatriz torcia com todas as suas forças para que este fosse o desfecho daquela noite!
Renato ainda divagava sobre as áreas de atuação do oncologista quando Fernanda enfim se demorou no olhar de Beatriz. Olharam-se e sorriram com os olhos, até que não conseguiram controlar os lábios e sorriram abertamente. Aquilo serviu como uma comprovação, que talvez ainda ambas acreditassem que faltava, de que queriam realmente a mesma coisa. Nunca nem sequer haviam conversado sobre a orientação sexual uma da outra e, até a semana anterior, Beatriz nunca havia olhado para Fernanda com segundas intenções. E terceiras e quartas...
Naquele momento, inclusive, enquanto ouvia ao longe a voz de Renato e olhava para Fernanda é que Beatriz começava a fazer uma retrospectiva sobre os últimos tempos, buscando o dia exato em que começara a reparar de um jeito diferente na colega de trabalho.
Percebeu então que seu interesse por ela tinha despertado quase tão sutilmente quanto o desabrochar de uma flor. E, nos últimos dias, mesmo tendo se esforçado para conversar sobre outros assuntos além daqueles que envolvessem doenças psiquiátricas, não tinham avanççado nada até aquela tarde. Beatriz nem sabia se seu convite seria aceito e não sabia nem se Fernanda era lésbica, de fato. Mas sentiu, contudo, que aquele era o momento ideal para aproximarem-se. Por isso o convite para o jantar.
Há muito tinha perdido seu poder de iniciativa lésbico, e isso ela reconhecia um pouco a contragosto. Acostumada a viver sua sexualidade de maneira quase clandestina, praticamente a vida inteira, Beatriz não cortejava uma mulher desde a faculdade. E isso já fazia alguns anos. Mas percebia agora que esse era o tipo de coisa que não se esquece; não se desaprende. E apesar de gostar muito de Renato, ficou feliz quando ele enfim anunciou sua partida.
- Vou deixar as pombinhas a sós – brincou, dando um beijo estalado em cada uma das mulheres.
- Não quer mesmo dormir por aqui, Rê? – pergunta Beatriz, vendo que já era tarde e que poderia ser perigoso sair àquela hora. Jamais se perdoaria se acontecesse algo de ruim com o amigo – Eu ajeito a cama do quarto extra para você.
- E perder a balada de sexta à noite? Não, grato! – responde, beijando mais uma vez a amiga – Amo você, querida. Nos falamos amanhã. Divirtam-se, ok? De verdade, Bia!
Depois que o elevador chegou e após fechar a porta do apartamento, Beatriz serviu-se de mais vinho. Mesmo sem perguntar, serviu Fernanda. No caminho de volta para a sala, pegou de dentro do jarro de cristal uma das rosas que ganhara mais cedo.
Sem dizer uma única palavra, apoiou as duas taças na mesa de centro, no momento que Fernanda retirava seus pés. Sentou-se próxima dela e pousou, delicadamente, a flor em seu colo. Se sentiu um pouco “emocionada”, como dizem os mais jovens, mas não quis conter sua vontade. A flor exalava um aroma delicioso. Combinava com Fernanda.
- Espero ter compreendido direito os seus sinais – disse Beatriz, tão próxima de Fernanda, que ela podia sentir sua respiração já um pouco acelerada – Se por acaso eu estiver equivocada peço que, por favor, me impeça de fazer o que tenho vontade de fazer.
- Não vou impedi-la, Bia – Fernanda quase murmurou.
Beatriz sorriu e enroscou a ponta do cabelo de Fernanda entre os dedos, e antes que eles levassem os fios até detrás de sua orelha encostou a boca, de levinho, nos lábios da mulher, que deu um suspiro, que parecia um sorriso, ao sentir o beijo. Antes de fechar os olhos e sentir a língua de Beatriz encostar na sua, Fernanda viu como seus olhos brilhavam, num verde que ela jamais tinha visto. Pareciam que pegavam fogo!
Se segurou por debaixo dos braços dela enquanto Beatriz a segurava pela nuca com uma das mãos, com a outra puxando-a para perto, pela cintura. Ela tinha uma pegada firme, sem nenhum tipo de vacilo. No movimento, Fernanda sentou-se em seu colo, de frente para ela. A prendeu com as pernas assim que se ajeitaram, enquanto ainda se beijavam e se excitavam juntas com aquele beijo.
Fernanda sentiu os dedos de Beatriz percorrerem seu braço, e conforme avançavam provocavam nela um arrepio. Pararam de se beijar por um instante e Beatriz olhou a pele da moça reagir ao seu toque. Sorriu, satisfeita, percorrendo o braço novamente, com a ponta dos dedos, até os ombros. Deu um beijo em cada um, que além do arrepio provocaram em Fernanda também um calafrio.
Passeou com a boca pelo seu pescoço, e Fernanda ia amolecendo conforme aquelas sensações causavam dentro dela pequenas várias explosões. Inclinou a cabeça para trás para receber os beijos e agora as mordidinhas que Beatriz lhe dava, bem de leve, de um lado, e as lambidas que ela ofertava no outro. Mordeu a pontinha da orelha de Fernanda, segurando um pouco mais firme a sua nuca, o que a excitou. Deixou um gemido escapar, e Beatriz pareceu gostar daquilo. Sorriram juntas antes de voltarem a se beijar mais uma vez.
Fernanda a ajudou a tirar a própria camiseta, e sentiu com prazer e um pouco de surpresa a pressão que a outra fez no seu mamilo, por cima do sutiã, assim que ele ficou descoberto. Ele automaticamente enrijeceu, meio que pedindo mais. Beatriz sorriu de uma maneira safada e fez o mesmo no outro seio, aguardando a mesma reação. Sorriu, após constatar a obediência daquele mamilo.
O pingente do colar de Fernanda era uma pedra brilhante que mais tarde Beatriz descobriu que se chamava jaspe marrom. Observou a pedra entre os seios da mulher enquanto, com destreza, abria o fecho do seu sutiã. Viu que ela tinha uma verruguinha entre os seios, alinhado à direita. Beijou de levinho e respirou bem fundo ali, finalmente. Tinha um cheiro que conseguia ser melhor do que o da rosa. Voltou a atenção para os braços dela quando sentiu que ao puxar as alças do sutiã eles voltaram a se arrepiar com o toque. Beatriz sorriu com uma cara de quem realmente aprovava aquela reação.
Deu mais uma puxadinha no corpo de Fernanda em direção ao seu, sentindo a mulher ceder à puxada, enlaçando os braços nela. Beijou seus seios de maneira demorada, sensíveis à boca de Beatriz, e Fernanda se inclinava um pouco para trás, gem*ndo, empurrando a cintura contra ela, se oferecendo, mesmo.
Beatriz percorreu com a língua a lateral do seio esquerdo, apertando com os dedos o mamilo do direito, e Fernanda a puxou pelo cabelo, trazendo sua boca para perto, mas mantendo a mão dela ali, a segurando e mostrando que queria mais. Quando Beatriz apertou novamente ela gem*u de novo, agora mais alto, enquanto se beijavam.
Mesmo com muito tesão Fernanda quis mudar de posição. Estava ansiosa para sentir Beatriz. Ainda se beijando, se levantou, a puxando para ficar em pé também. Beijou então seu pescoço, e achou que ali tinha um cheiro incrível. Só por isso beijou também o outro lado, subindo um pouco até sua orelha, cheirando. Sua respiração arrepiou Beatriz, que se encolheu um pouquinho, mas desejando mais.
Fernanda passou os lábios pelo ombro da mulher, puxou com os dentes a alça de seu vestido, e se abaixou enquanto suas mãos a acompanhavam, percorrendo o tecido liso e estampado que contornava o corpo de Beatriz, agora cheio de desejo. Meio ajoelhada, subiu com as mãos por debaixo do vestido, voltando a descer após breves instantes, enrolados à calcinha de Beatriz, que se abria para ela.
Com delicadeza, levantou uma de suas pernas, a apoiando no sofá, levantando sua roupa de modo a mantê-la nua e acessível da cintura para baixo. Beatriz gem*u ofegante ao sentir o primeiro contato da língua de Fernanda ali. Ela a lambeu com a língua inteira, de baixo até em cima, gem*ndo ao fazer isso, satisfeita, sentindo a mulher bem molhada.
Subiu a cabeça por alguns instantes, voltando a beijá-la brevemente, um beijo agora com o gosto de Beatriz, que sentia a mão de Fernanda a alcançando por detrás, puxando para ali parte do que molhava a frente. Seus dedos deslizavam sem muita dificuldade, e a fricção fazia Beatriz virar os olhos de prazer.
Ela segurou a cabeça de Fernanda ali, sentindo que ela enfiav* naquele momento dois dedos dentro dela, enquanto a segurava pela bunda com a mão esquerda. Contraiu bem forte, apertando aqueles dedos que se movimentavam rígidos, investindo cada vez mais rápido e mais para o fundo, deixando suas pernas momentaneamente moles. Rebolou o quadril, para frente e para trás, a segurando firme ali, garantindo que ela só sairia quando Beatriz a liberasse. Fernanda parecia gostar de toda a cena, e gemia junto com a mulher. Vez ou outra Beatriz abaixava a cabeça e se olhavam, e ela estava linda ali em cima, toda excitada.
Fernanda percebeu, pela mudança nos movimentos e na respiração, que ela estava prestes a goz*r, e antes que isso ocorresse acrescentou um terceiro dedo, surpreendendo Beatriz, que pareceu amolecer após o orgasmo.
Se deslizou para o sofá, com um sorriso, ainda com o vestido meio levantado. Uma cena linda, parecia uma pintura renascentista (só que de arte moderna, cheia de cores). Fernanda torceu para nunca se esquecer daquela cena: Beatriz, esplêndida e reluzente, recém-goz*da naquele sofá azul. Deu um beijo nela e após tirar a calça e a calcinha, sendo observada pela mulher, puxou para cima o seu vestido.
Beatriz viu a surpresa estampada em seus olhos ao constatar na sua costela uma tatuagem escrita em letras de máquina de escrever. Fernanda não esperava aquilo, Beatriz não parecia do tipo de pessoa que se tatua, e se alertou mentalmente de que depois tinha que voltar ali para ler o que estava tatuado. Por ora, tinha assuntos mais importantes para resolver. Se sentia escorrendo, estava com muito tesão.
Observou o sorriso brotar no rosto de Beatriz, ainda deitada, quando ela passou uma perna por cima de seu rosto e, segurando-se no encosto do sofá, sentou-se sobre a boca da mulher, que automaticamente se recompôs. Deu um sorriso safado um segundo antes de Fernanda se acomodar direito. Mantendo os olhos bem abertos, sentiu o calor da mulher ao entrar nela com a língua. Fernanda tinha um gosto incrível.
A mulher pareceu gostar da investida, e mexia um pouquinho, como se quicasse em sua boca, tomando o cuidado para não soltar muito o peso em cima dela. Gemia mais alto quando Beatriz eventualmente lambia para fora, subindo um pouco até o clit*ris. Beatriz evitava um pouco ali, parecia querer adiar o orgasmo ao máximo. Voltava para dentro da mulher quando sua respiração se descompassava muito.
Mas Fernanda não aguentou por muito tempo, e forçou a outra a lamber exatamente onde ela queria, pesando o corpo de maneira estratégica. Beatriz a segurou pela cintura, a outra mão preenchida pela nádega esquerda, molhando ali no meio a pontinha dos dedos. Quase nem piscou quando a viu goz*r ali em cima dela. Maravilhosa!
Fernanda apenas sorriu e pensou por breves instantes em usar o resto das forças que ainda lhe sobraram para se aninhar ao lado da mulher no sofá, mas antes que fizesse qualquer movimento Beatriz se levantou, e puxou a sua mão.
Subiram nuas e de mãos dadas até o quarto, que era espaçoso e tinha a cama bem no meio (sem cabeceira!). Não havia nada encostado nas paredes, na verdade. Beatriz puxou a colcha e afofou o travesseiro para a mulher, que se deitou sem muita cerimônia. Era uma cama muito macia e cheirosa.
Na parede bem em frente à cama tinha uma pintura, em aquarela, de prédios coloridos e escorridos. Era simples, mas muito bonito, com uma boa escolha de cores. Pensou em perguntar para Beatriz quem tinha pintado, mas estava com muito sono, guardou para depois.
Segundos antes de pegar no sono, Fernanda pensou em como seria fácil se apaixonar por Beatriz. Além de inteligente ela tinha também uma ch*pada incrível, era uma delícia e tinha uma cama incrível. Era carinhosa também. Fernanda dormiu sentindo os afagos da mulher em seus cabelos.
Na manhã seguinte, ao despertar, viu que Beatriz ainda dormia. Se cobria parcialmente com uma colcha, deixando a barriga de fora. Fernanda puxou a coberta para ler a tatuagem. Dizia: “Bastou ao médico um interrogatório insidioso, primeiro a ele e depois à mãe para comprovar uma vez mais que os sintomas do amor são os mesmos do cólera”.
Fim do capítulo
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Lea
Em: 23/01/2022
Esse " jogo" de flerte foi tão natural, tão gostoso de ler! E a noite terminou como ambas desejavam.
A pergunta que não quer calar: será só uma noite de sexo,ou vai rolar namoro??
Resposta do autor:
Ah, essas duas são umas lindezas!
Fluiu natural pq tem que ser <3
Minha torcida é por elas juntas, e a sua?rs
Vamos ver se dona Beatriz deseja o msm rs
Beijos!
Cma24
Em: 23/05/2021
Menina, que delícia a leitura dessa história.
O estilo me lembrou um pouco de Aluísio de Azevedo. A forma de retratar o natural das pessoas e ambientes e como se relacionam diretamente.
As personagens são tão humanas e reais em suas intensidades. Vejo pessoas "comuns", tornadas especiais pela escrita poética e sensível.
E se não é justamente esse o encanto das personagens literárias, eu não sei qual poderia ser.
Enfim, que grata surpresa chegar a esse romance.
Devo ser mto sortuda por estar ainda no início, com a oportunidade de desfruta-lo pela primeira vez. Tenho o instinto de devora-lo rapidamente, mas estou me controlando para apreciar mais comedida e prolongar o êxtase da leitura rsrs
Parabéns pela obra de arte.
Resposta do autor:
Nossa, que delícia de comentário! Grata!
Eu fico pensando às vezes nisso... que minhas histórias sempre têm mais relação com a personalidade e vida dos personagens do que com uma história em si rs Acaba que a história entretém, mas o centro de tudo sempre são as pessoas.
Talvez por isso eu acredite tanto que escrever é um pouco brincar de ser Deus rs Criar pessoas, envolvê-las em dilemas, e torcer para que se saiam bem, para que tenham êxito!
Espero que aprecie Amor Incondicional, e que a gente possa ir se falando enquanto os capítulos se desenrolam!
Um beijo!
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