- Você me deixou tão ansiosa que quase atropelei um distraído no caminho. - Audrey se queixava depois de abraçar a anfitriã da casa.

- Foi mal, mas e aí, deu certo?

- Mais ou menos, eu disse pro meu velho que passaríamos a tarde naquele shopping do outro lado da cidade, mas ele irá precisar do carro à noite.

- Valeu! Isso significa que teremos que ser rápidas, mas sinceramente não sei quanto tempo levaremos para fazer o que planejei.

- Então vamos nos apressar... Eles viajaram mesmo?

- Viajaram, já conferi o quarto deles.

- Eu preciso te perguntar uma coisa antes da gente embarcar nessa sua ideia...

- Pode perguntar!

- Não acha que irá se machucar mais procurando por essa garota? Tem certeza que quer fazer isso?

- Absoluta! Nunca curti ouvir só um lado de qualquer história. Mesmo se ele houvesse contado pra mamãe, provavelmente eu ainda gostaria de confrontar essa pessoa. A covardia do senhor Rodolfo apenas adiantou e piorou minha decisão. Então, vamos lá, pega o celular.

- Tá na mão!

- Ok, meu pai deixou escapar que conheceu a amante numa oficina de ar automotivo. Logo, temos duas opções para encontrá-la: ou ela era cliente ou trabalhava, trabalha, sei lá, nesse lugar...

- Minha nossa, parece um episódio de CSI, ou daquele programa que caça fakes da internet! Então vamos procurar todas as oficinas de ar da cidade? Isso será muito difícil, que eu saiba, nem perfil em rede social teu pai tem. Ele não é do tipo que faz check in dos lugares que visita, não posta localização, nada, nada.

- Foi isso mesmo que pensei, procurarmos nas páginas das oficinas alguma foto dos funcionários, verificarmos todas as Érikas que encontrarmos entre os curtidores/amigos da página ou nos comentários. Eu lembro bem do rosto dela. Ela é jovem, duvido muito que não tenha rede social também.

- Isso tomará dias e não uma simples tarde! Pensa melhor, teu pai não deu nenhuma outra pista, não disse pelo menos o nome da oficina, algo assim?

- Eu não deixei que falasse mais, cortei o assunto imediatamente... Espera!

- O quê?

- A menos que ele tenha guardado um cartão de lá! Ele tem esse costume de pedir cartões corporativos ao realizar serviços! Guarda-os no porta-luvas da Mercedes!

Catarina sabia onde o pai guardava a chave da C300, retirou-a do porta-chaves do escritório e se dirigiu à garagem junto à amiga. Em poucos minutos balançava no ar um cartãozinho branco com letras em preto e vermelho.

- Encontrei! Aqui diz "FP AR: calor, nunca mais!", que tosco!

- Tem só este cartão?

- De oficina com esse tipo de serviço, sim. Os outros são de lojas de baterias, autopeças... Olha, tem dois contatos telefônicos, as páginas das redes sociais e o endereço! Match point!

- Partiu vasculhar tudo, meu caro Watson!

As páginas da FP AR eram muito organizadas, contrastando com o slogan brega do cartão. Nelas haviam publicações detalhadas sobre os serviços prestados, promoções e publicidade de parceiros. A empresa também era bem avaliada por seus clientes, no entanto não ostentava muitas curtidas. Catarina agradeceu ao fato, não seria tão maçante procurar por Érika com um número reduzido de possibilidades.

- A página em que estou é de uma organização virginiana! Algum amigo deve ter recomendado a oficina para o meu pai, porque ela não é tão conhecida assim.

- Cate, olha esta publicação nas redes que estou verificando! Veja o nome da funcionária do mês, com direito a festinha!

- Porr*! É ela, Audrey! "Parabéns a Érika Gonçalves, funcionária do mês da nossa família pelo 3⁰ mês consecutivo! É uma satisfação trabalhar ao lado de profissionais tão competentes, a FP AR agradece imensamente..."

- Vamos ver o perfil dela... Caramba! O que a oficina não tem de seguidores, ela tem!

- As fotos estão públicas!

- Sim! Puta merd*!

- O que foi?

- Ela é muito linda! Talvez a garota mais linda que já vi na vida! Desculpa, Cate, mas é a verdade! Olha essa foto, os caras perto dela parecem encolhidos de vergonha! Cara, essa menina tem dezenove anos, no máximo! E como é alta! 1,70 de altura, na certa!

- Errou! Ela tem vinte e quatro, é bem mais velha que a gente, mas também me enganou!

- A gente perto dessa mulher encolhe também! Ai, meus 1,59... Cate?

- Hum?

- O que eu vou falar agora pode parecer escroto, mas é um fato. Essa Érika é a personificação fetichista da maioria dos homens, dos casados principalmente. Quer dizer, basta olhar pra ela: maior de idade, mas com aparência de "novinha", corpo e altura de modelo, cabelo que parece recém-saído do salão! Tudo nela parece gritar "ei, a indústria pornô não inventa mulheres não, eu existo!"

- Você não mentiu, linda ela é, avistei da janela, não estava tão perto, mas percebi também. Porém, meu pai falava de amor, de se apaixonar de novo. Quer dizer que pra ele amor é isso? Aparência? Ah, não sei mais quem é meu pai... nunca soube, agora entendo!

- Funcionária do mês! Bem, não sabemos muito sobre a personalidade dela, exceto que é dedicada ao trabalho.

- E que mantém um relacionamento com um homem comprometido. Vamos!

- Oi?

- Pega o carro, nós vamos para a FP AR.

A oficina ficava a 50 quilômetros de distância da casa de Catarina. Levaram mais de 40 minutos para chegar, por conta do trânsito agitado daquela tarde. Era uma empresa modesta, mas decorada perfeitamente em mínimos detalhes. Muitos carros estavam parados, o que dava a entender que, mesmo não muito conhecido, o lugar possuía clientes fiéis. Um prestativo rapaz atendeu as meninas:

- Boa tarde, moças. Em que podemos ajudar?

As garotas haviam ensaiado o script antes de saírem. Catarina deu uma quantia considerável de dinheiro para Audrey mandar revisarem o ar do FIAT de Seu Victor.

- Queremos fazer a revisão do ar. O carro é do meu pai, mas ele joga os abacaxis nas minhas costas, sempre!

- Isso é raro por aqui, geralmente os proprietários vem pessoalmente. Bem, vou pedir pro meu funcionário dar uma olhadinha. Vocês podem aguardar ali na sala de espera, tem café, água e bolachas. A gerência fala com vocês quando avaliarmos os possíveis custos, se precisa trocar o filtro etc.

Sentaram no sofá aveludado da sala de espera um tanto quanto decepcionadas, não havia sinal de Érika em nenhum lugar. Poderia ser seu dia de folga, quem sabe? Para Catarina seria mais um dia de angústia, de palavras entaladas na garganta, sufocando seu peito. Estava tensa, tentando se controlar para não perder a compostura, mas aquela conversa era necessária para ela. Não conseguiu ser sincera com a mãe, porém enfrentaria sim a amante!

Sua angústia, entretanto, não demorou vinte minutos para esvair-se. A gerente entrou na sala, sorridente, segurando uma prancheta nas mãos:

- Boa tarde! Meu nome é Érika, sou a gerente. Vocês são responsáveis pelo FIAT?

- Sim, somos nós. Já terminaram de avaliar? Que rápido! - A atuação de Audrey era digna de Oscar, embora estivesse embasbacada com a figura de Érika pessoalmente.

- Ahaha, obrigada, aqui a gente tenta agilizar ao máximo a vida do cliente. O ar está bem conservado, mas recomendamos a limpeza do filtro, já está desgastando. Daí a limpeza mais mão de obra custam 120,00 reais. Vão querer fazer?

- Sim, sim. Faça o que for preciso!

- Beleza! Precisamos fazer o cadastro, me arranje sua identidade, por gentileza. Vai ser no seu nome mesmo?

- Não, no meu. Aqui está o documento.

O semblante da dedicada gerente mudou ao ver o nome que constava naquele R.G. Já na entrada percebeu que aquela fisionomia não lhe era estranha, havia algo nos olhos, nos cabelos lisos e escuros, que a lembravam muito alguém. Na identidade da peculiar cliente lia-se o nome da filha de seu namorado, "Catarina Viana Barone". 

Fim do capítulo