Helena

Ainda me sentia mal com todas as coisas que estavam acontecendo em minha vida. Sempre desconfiei que tinha sido traída pelo Zé, mas depois do que houve comigo na outra escola, achei que ele tinha mudado. Nunca tive provas concretas das suas puladas de cerca, mas minha intuição não me deixava dúvidas.

Deus sabe como tentei manter nosso casamento de pé, como tentei fazer descer goela abaixo toda a mágoa que José Henrique me causou, mas infelizmente cheguei ao meu limite e decidir por um fim a essa união que já estava falida.

Depois de conversar com minha irmã, tomei um remédio pra dormir e apaguei. Acordei apenas quando meu celular despertava me lembrando que a vida não parava só porque eu estava com problemas.

Trabalhar me faria bem, me ajudaria a mudar o foco da minha mente um pouco, mesmo que temporariamente. No período da manhã tudo correu de forma normal. Só estava um pouco cansada, acho que dormir longe da minha cama não me fez bem, porém, eu estava onde gostaria de estar, trabalhando.

A única coisa que eu não sabia e que jamais poderia imaginar, é que as coisas poderiam mudar pra pior. É como diz aquele ditado: "Nada é tão ruim que não possa piorar."

Fato! Mal eu sabia que a partir daquele dia minha vida nunca mais seria a mesma.
Estava na sala que eu usava pra dar as aulas extras de matemática a Alice, a aluna problema do colégio. Enquanto eu a esperava, foi inevitável não pensar em tudo que estava me acontecendo. Não sentia mais amor pelo meu marido, mas ainda me doía a ideia da separação. Foram anos de casamento, anos de uma vida que agora seriam jogados fora.

Sem que eu pudesse evitar, lágrimas começaram a escorrer lentamente pelo meu rosto, não queria chorar, na verdade essa era uma das coisas que eu mais detestava fazer. Só me dei conta de que havia de fato me emocionado além da conta, quando escutei Alice chegando. Tentei disfarçar, mas acho que mesmo assim ela percebeu.

Durante a aula começamos a conversar sobre várias coisas. Eu gostava de criar uma conexão com meus alunos, gostava que eles soubesse que poderiam contar comigo pra tudo. Alice se mostrou bastante aberta a me ouvir e me surpreendeu quando começou a falar. Não sei como ninguém antes conseguiu enxergar quem essa garota era de verdade.

Sempre soube, mas agora tinho a certeza de que ela não é quem mostrava ser. Alice é uma garota doce e sonhadora que, embora não tenha me dito, sei que existe um motivo maior que a faz se esconder por detrás dessa rebeldia toda.

No meio da conversa fui surpreendida com uma revelação: Ela estava apaixonada! Fiquei tão feliz em saber que ela confiava em mim pra contar algo tão íntimo, que a incentivei a se abrir com a pessoa, se declarar, e pra ajudá-la dei a ideia de que me dissesse tudo que gostaria de dizer ao seu amado.

Confesso que me emocionou saber que ainda existem sentimentos puro como os dela. A sinceridade com que ela explicava esse sentimento me emocionou.

Enquanto ela ainda falava, fui percebendo que conhecia a pessoa a qual ela se referia.
Foi quando entrei em estado de choque. Ela entrelaçou nossos dedos e olhando em meus olhos disse que estava apaixonada por mim.

Fiquei em silêncio.

Estática.

Sem reação, apenas a soltei e me levantei. Estava muito nervosa, muito mesmo.

- Diz alguma coisa Helena - sua voz saia baixa, temerosa.

- É uma pegadinha não é?!

"Claro que sim, só poderia ser. Pensei."

- Nunca falei tão sério em toda minha vida.

"O que eu poderia dizer?"

Flashes do pior dia da minha vida inundaram minha mente. Fechei os olhos com força e passei as mãos no rosto tentando fazer com que essas lembranças fossem embora.
Não acreditava que isso estava acontecendo comigo, de novo.

- Helena - ela se levantou e colocou uma mão em meu ombro. Ainda estava de costas pra ela e com rispidez tirei sua mão de mim.

- Não me toca! - me viro de frente - Alice, você confundiu tudo, tudo.

- E-eu nem sei o que te dizer, eu...

- Isso que você tá sentindo não é paixão. É uma admiração. Está assim porque sou gentil com você.

- Não é só uma admiração Helena. Você prestou atenção em tudo que eu te disse?

- Você não pode gostar de mim!

- Você acha que eu não sei? Acha que eu queria que isso acontecesse ?

- Esquece isso Alice.

- Eu não posso, tá legal?! - ela caminhou até a janela nervosa - Eu não consigo. Eu tentei te esquecer, tentei te afastar. Lembra das vezes que fui grossa com você? - ela respirou fundo olhando pro chão - Mas foi impossível te tirar da minha cabeça. Simplesmente porque eu durmo e acordo pensando em você Helena.

- Isso tá é errado.

- Por que? Por que somos mulheres? Por que sou mais nova que você?

- Também, mas não é só isso.

- Então me diz, me acha feia por um acaso?

- Não! Alice, não tem nada haver com beleza. As coisas vão muito além disso.

- Então me diz o que é? Qual é o problema? O que tem de tão grave eu me apaixonar por você?

- Vou te dizer uma coisa - me aproximei dela. - Ou você esquece tudo isso ou infelizmente não poderei mais te dar aulas.

Peguei minhas coisas em cima da mesa, enfiei tudo de qualquer jeito na minha bolsa, e sai dali o mais depressa que eu consegui.

Já lá fora, bem distante da sala onde eu estava antes, me encostei em uma parede e respirei o mais fundo que eu consegui. O ar parecia vir com dificuldade ao mesmo tempo que minha boca secava e minhas mãos soavam.

Ainda não conseguia acreditar em tudo que estava acontecendo. Era como se meu passado tivesse voltado das trevas pra me engolir e me levar pra escuridão novamente.

Mas dessa vez não eu não ia deixar as coisas chegarem ao mesmo ponto. Dessa vez eu precisaria tomar uma atitude o mais rápido possível .

Ainda em estado de choque, corri até o estacionamento e entrei em meu carro. Com minhas mãos tremendo, peguei meu celular e enviei uma mensagem a Magda. Queria ligar, mas do jeito que eu estava não conseguiria dizer uma só palavra. Sai apressada cantando pneu para o mais longe que eu consegui ir.

Dirigi por mais de duas horas até chegar em uma espécie de galpão abandonado. Ao seu redor não existia nada além de estradas e um matagal que parecia não ter fim. Ainda dentro do meu carro, liguei pra minha irmã.

- Helena? Aconteceu alguma coisa?

- Simone - comecei a chorar - Preciso da sua ajuda.

- Helena o que foi? Fala comigo Helena.

Estava chorando bastante, precisei de um tempo pra me controlar antes de contar pra ela exatamente tudo o que houve.

- Meu Deus, tô passada.

- O quê eu faço agora?

Perguntei na esperança de escutar uma solução para esse problema.

- Eu sinceramente não sei minha irmã. Preciso de um tempo pra analisar as coisas e..

- Imagine como estou - a interrompi - Não sei o que faço...

- Primeiro se acalme, ok?! Agora me diz, você corresponde aos sentimentos dessa menina?

- O quê? Não, claro que não Simone. Ficou louca?

- Tá bom, não precisa ficar nervosa. So precisava saber antes.

- Jamais me relacionaria com uma aluna. Ainda mais depois de tudo que houve.

- Helena, só não se esqueça que essa menina, a Alice, não é a Sabrina. A situação é diferente agora. Não vá confundir as coisas.

- Não vejo nada de diferente. As duas são adolescentes e as duas se apaixonaram por mim. Será que não vê que a situação é a mesma de antes?

- Duvido muito que essa garota tenha a mesma índole da Sabrina. Ela não chegaria ao ponto que a outra chegou, ou chegaria?

- Não sei. Analisando a personalidade delas, posso dizer que a Alice é o oposto da Sabrina. Mas no momento nem sei de mais nada. Posso estar errada, não sei Simone, eu não sei.

- Embora a situação pareça igual, não acho que terminará da mesma forma. Se acalme. Pode ser algo passageiro, uma admiração, uma paixonite...

- Não sei. O jeito que ela me olhou enquanto se declarava... Você precisava ter visto, ela não parecia estar brincando.

- So não se esqueça que ela é só uma menina. Você pode estar sendo o primeiro amor dela. Não vá machucar a garota apenas pra se defender.

- Eu não sei o que faço, tô muito confusa, perdida.

- Primeiro você precisa pensar bem antes de agir. Por que não conversa com ela? Tenta fazer ela entender que essa história é uma loucura e que jamais daria certo.

- Você não conhece a Alice. Ela tem o gênio forte, odeia ser contrariada.

- Tenta, você não tem muitas opções!

- Você tem razão, vou conversar com ela.

Fim do capítulo