Em poucos segundos, Alice perdeu-se na feição doce da mulher que estava a sua frente, e de repente tudo ficou preto. Mas nem mesmo seus olhos fechados seriam capazes de diminuir o brilho e clareza que o toque de seus lábios aos de Emily trouxeram para o seu coração.

TumTum-TumTum-TumTum.

            Acelerar no peito foi só a primeira de muitas consequências que aquele beijo causou.

 

            Relutante, Alice afastou seus lábios, cessando o beijo que seu corpo implorava para que tivesse durado e intensificado mais.

 

– Me desculpa, eu... – Emily murmurou aquelas palavras em meio a uma respiração inconstante.

 

            A advogada abriu os olhos lentamente, ainda sem acreditar que havia sido a ruiva que tinha a beijado. Seus lábios e língua tentaram articular qualquer palavra que fosse, mas nenhum som foi emitido. 

 

– Eu não deveria ter feito isso. – Lamentou-se, abaixando o olhar. – Eu não sei o que me deu na cabeça de...

 

– Não se desculpa por isso. – Alice se pronunciou de forma totalmente contrária ao que realmente queria, enquanto imaginava-se tomando o rosto da ruiva em suas mãos e iniciando outro beijo.

 

            As bochechas de Emily tomaram uma coloração avermelhada, e seus olhos rapidamente esconderam-se do alcance da advogada.

 

 – Você quer dar um mergulho? – Soltou entre um sorriso discreto, enquanto levantava-se.

 

– Aham. – Emily consentiu, acompanhando-a em passos largados até a água.

 

            Quando seus pés tocaram a água pela primeira vez, a ruiva deu um grito, trazendo risadas divertidas aos lábios de Alice. A água estava tão gelada que a fez recuar alguns passos, murmurando algumas reclamações.

 

            Após algumas ameaças de ser molhada pela advogada, Emily acabou entrando, mergulhando de forma relutante enquanto todo o seu corpo lhe dizia para sair dali e voltar para o sol quente e a areia da praia. Duas mulheres adultas se tornaram verdadeiras adolescentes quando se viram brincando de jogar água, afundarem-se e perseguir uma a outra. E assim foi à tarde que passaram lá, dispersas de qualquer problema do passado enquanto embarcavam em conversas amenas e desafiavam as águas agitadas.

 

            No final da tarde, Alice implorou para que Emily a acompanhasse em mais uma caminhada, desta vez até o topo da Torre Sul para que pudessem aproveitar os últimos raios de sol de lá.

 

– Desse jeito fica difícil me arrepender dos nossos passeios. – Admitiu deitada sobre o colo de Alice enquanto observava o céu.

 

– Esse é o plano. – Riu.

 

            Alice acariciava os cabelos de Emily quando seus olhos foram de encontro aos dela. O dia que haviam passado juntas havia sido tão gostoso e agradável que foi impossível não sentir-se a vontade para tentar beijá-la de novo.

 

            Alice curvou sua cabeça para baixo, e seus olhos fecharam-se quando sua boca estava a milímetros de encontrar-se com a da ruiva.

 

– Quem é Evellyn? – A pergunta repentina de Emily fez com que Alice abrisse os olhos abruptamente, encontrando o par de olhos azuis que a aguardavam com certa desconfiança.

 

– Como você sabe desse nome? – Afastou seu rosto enquanto seus olhos tomavam uma forma surpresa.

 

            Emily ergueu-se, deixando o colo de Alice e virando-se de frente para ela. Cruzou as pernas em borboleta e só após reencontrar seus olhos, prosseguiu:

 

– Quando você foi buscar água de coco seu celular tocou e eu acabei atendendo. Achei que poderia ser importante. – Pontuou. – Era essa tal de Evellyn, e pela reação dela ao ouvir o meu nome, ela me conhece.

 

– Ela não te conhece. – As palavras fugiram-lhe da boca em uma resposta apressada.

 

            As linhas que se formaram na testa de Alice trouxeram preocupação aos olhos da ruiva que finalmente havia concluído de que Evellyn era alguém importante para a advogada.

 

– Então... Quem é ela? – Emily pressionou os lábios enquanto seus olhos tentavam traduzir a feição da morena.

 

– Direto ao ponto, entendi. – Murmurou em um tom baixo demais para que a ruiva pudesse ouvir. – Evellyn é minha ex-namorada.

 

            Os ombros de Emily enrijeceram-se, e ela curvou o rosto quando a questionou:

 

– Sua ex depois ou antes de mim? – estreitou os olhos.

 

– Depois. – Alice sentiu aquela pequena e simples palavra arranhar toda a sua garganta. Seu coração contraiu-se quando as sobrancelhas da ruiva se acentuaram em uma surpresa claramente indesejada.

 

– Depois? – Repetiu para si, indignada.

 

            Emily se calou quando seus pensamentos trouxeram à tona tudo que Anne havia falado com ela, e o que antes parecia apenas uma implicância, rapidamente se transformou em um sentimento de aviso.

 

"– Aposto que ela te contou também sobre o fato de ter deixado você de lado enquanto estava em coma.”

 

            A voz sarcástica de Anne parecia eclodir pelos ouvidos da ruiva, trazendo-a um embrulho no estomago.

 

“– E você não perguntou a ela por onde foi que ela andou esse tempo todo? – O canto da boca de Anne ergueu-se em um sorriso de lado. – Porque ela ficou um ano inteiro sem buscar por notícias suas, e quando sua mãe ligou para ela, para contar que você havia acordado, ela sequer atendeu a ligação, ou respondeu alguma das mensagens que recebeu.”

 

            Entender que Alice havia conseguido seguir com a sua vida depois do seu acidente lhe trouxe incerteza. Como aqueles olhos poderiam transmitir tantos sentimentos quando ela havia conseguido até se relacionar com outra pessoa?

 

            Uma coisa estava clara para a ruiva, aquilo não poderia ser amor. Não na sua visão das coisas, e isso a deixou completamente insegura com relação ao beijo que havia dado em Alice horas mais cedo.

 

            As explicações que a morena tentou dar a Emily naquela tarde foram todas em vão. Naquela altura do campeonato a ruiva havia se fechado emocionalmente de novo, deixando a razão falar muito mais alto do que qualquer atração que pudesse sentir por Alice.

 

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– Emily, você colocou tudo na mala? – Katrien observava-a vagar de um lado para o outro pelo quarto.

 

– Sim mãe. – Olhou a mala mais uma vez. – Só para ter certeza. – Ouviu-se uma risadinha escapar da boca da mãe.

 

– Você tem certeza que quer ir nessa viagem? – Os olhos preocupados e receosos de Katrien logo foram sacados pela ruiva.

 

– Não vou falar sobre isso de novo. – Respondeu ríspida, incrédula com o fato da mãe tentar convencer-lhe a não ir novamente.

 

– Que viagem? – Alice terminou de abrir a porta do quarto, e adentrou. – Emily... Você vai viajar? – Seus olhos anteciparam-se para encontra-la pelo quarto.

 

            As sobrancelhas de Katrien se ergueram, arqueando sobre seus olhos que transcorreram todo o quarto na tentativa de evitar entregar os planos da filha.

 

– Eu vou deixar vocês conversarem a sós... – Forçou um sorriso desajeitado.

 

– Oi Alice. – Emily comprimiu os lábios em um sorriso envergonhado.

 

– Você ia viajar sem sequer se despedir? – Ignorou o cumprimento da outra.

 

            Emily não ousou responder, sabia que teria que confirmar.

 

– Eu sei que você pode não se lembrar da nossa história, mas... – Alice sentiu um embrulho no estômago e um aperto no peito. Apressou-se ao se aproximar da ruiva, olhando-a nos olhos de forma penetrante. – Depois de ontem eu pensei que... Que você teria pelo menos a decência de se despedir...

 

– Alice, ontem foi um erro. – O corpo da morena travou quando as palavras ríspidas de Emily alcançaram seus ouvidos.

 

            A ruiva evitou os olhos da outra, fingindo uma busca por qualquer coisa que fosse dentro do seu guarda-roupa.

 

– Um erro? – o cenho de Alice franziu.

 

– É Alice, um erro. O nosso beijo... Ele não deveria ter acontecido.  – As mãos da ruiva bagunçavam as poucas roupas que restavam. – Eu não sei o que me deu na cabeça para fazer aquilo.

 

– Eu não acredito que você está falando isso por conta daquela história da Evellyn! – Exclamou, envolta em uma descrença que a deixava irritada. – Eu te falei Emily, eu não tenho mais nada com ela.

 

            Emily segurou a porta do guarda-roupa e curvou-se para trás, permitindo-se olhar nos olhos da advogada por breves segundos.

 

– Eu sei, e sinceramente, não ligo. – Deu de ombros, fechando a porta em seguida.

 

– Não! Você não vai se fechar de novo, eu não vou deixar! Emily, por favor! Tenta entender o meu lado, você estava em coma há um ano! Eu não tinha mais esperança de que você iria acordar e precisava tentar seguir em frente, mas eu n... – A ruiva a interrompeu.

 

– E você seguiu. – Emily estava com um semblante sério e um olhar turvo, diferente do que a morena estava acostumada a ver.

 

– Não foi bem assim, e você sabe disso! – O tom alterado de Alice traduziu o desespero que as palavras de Emily traziam para seu coração.

 

            Emily estava afastando-a desde o dia passado, logo após a conversa que tiveram sobre Evellyn, e não precisava ser uma expert na nova Emily para saber disso.

 

– Eu não consegui continuar uma história com ela porque sabia que jamais seria capaz de amar alguém além de você. – Admitir isso em voz alta trouxe a Alice uma mistura de alívio, medo e dor. Seus olhos arderam em relutância as lágrimas que queriam instalar-se por lá.

 

– Esse não é o ponto Alice. – Respirou fundo enquanto buscava pelas palavras certas. – Eu não vou mentir, eu me sinto atraída por você. – O par de olhos azuis foram de encontro aos castanhos, mas encontrá-los tão angustiados não foi agradável. – Mas para mim é só isso, atração. E você... – Pressionou os lábios antes de prosseguir. – Você tem toda essa carga emocional com a qual eu não quero e não consigo lidar agora. – Ver uma lágrima umedecer o rosto de Alice quase a fez recuar, mas Emily reconhecia que os sentimentos que haviam reacendido em Alice após o beijo precisavam parar por ali, principalmente pelo erro que ela havia cometido em ter se deixado levar pela atração que sentia pela outra. Não era justo com nenhuma das duas, e a ruiva sabia que Alice jamais teria coragem de admitir isso, então ela decidiu fazer isso por elas. – O fato de você ter escolhido seguir em frente não mudou nada. A verdade é que eu não me importo com quem você ficou, fica ou deixou de ficar. Então se essa Evellyn foi alguém que te fez bem enquanto eu estava em coma, talvez você devesse ficar com ela, real.

 

            Alice não conseguiu proferir uma palavra sequer, envolta em toda dor e surpresa que aquelas palavras a haviam trazido. Quem era aquela mulher? – Seus olhos enganaram-na por todo esse tempo, causando a falsa impressão de que aquela mulher de cabelos alaranjados era a Emily da qual se lembrava. Aquele par de olhos azuis também a iludiram arduamente quando tão brilhantes ficavam em seus encontros, e por mais que fisicamente aquela fosse a mulher que Alice amava, ela estava diferente, sua essência parecia ter mudado, e seus sentimentos também não eram os mesmos. Perceber isso a machucou de uma forma que ela não esperava.

 

            Os olhos da advogada estavam avermelhados e afundados em lágrimas que embora teimassem em cair, por vezes fugiam-lhe dos olhos.

 

– Não me entenda mal, Alice. Eu não quero te ver assim, e é por isso que eu precisava ser franca agora, ao invés de postergar algo que iria te machucar ainda mais depois. – Emily se aproximou da advogada, olhando em seus olhos, enquanto cautelosamente tocava em sua mão. – Eu errei ao te beijar, Alice. Errei porque sabia o que isso poderia despertar em você e...

 

– Eu não ligo, Emily. – As palavras saíram interruptas, porém em um timbre fraco e tremido pelo choro. – Pode ser só atração e você pode nem gostar de mim, mas não termina uma coisa antes mesmo dela começar, por favor. – Os dedos de Alice entrelaçaram-se entre os de Emily, e ela apertou-a a mão enquanto fitava seus olhos.

 

– Alice... – sussurrou. – Por mais que tenha sido bom, é injusto demais e eu não posso me permitir fazer isso com você. Além disso eu... Eu ainda preciso me conhecer, entender o que eu quero, e acima de tudo, você precisa me conhecer. – Alertou. – A essa altura você já deve ter entendido que eu não sou aquela garota doce e inocente que minha mãe falou que eu era.

 

– Injusto? – Declarou. – Injusto é ter recebido a notícia de que você está viva e na verdade... – As palavras rangiam entre seus dentes quando Alice por fim se deu conta do que iria falar e soltou a mão de Emily, levando-a a pressa até a boca.

 

– E na verdade não ser a pessoa de quem você se lembrava? – O desapontamento tomou forma no rosto da ruiva. – É, nisso nós concordamos. – Prosseguiu após o silêncio que gritava em confirmação da sua sentença. – Você só demorou mais tempo do que os outros para entender e admitir isso para si mesma. – Emily recuou.

 

            Alice fechou os olhos, pressionando-os com força enquanto seu rosto torcido traduzia o arrependimento que havia sentido em proferir aquelas palavras.

 

– Eu não quis dizer nesse sentido. – Alice se despejou na cama ao sentar-se em sua borda. – É só que... – A respiração foi densa. – Você demorou uma vida inteira para perceber que gostava de mim e esse tempo todo eu tinha completa certeza e noção do meu amor por você e... – Dobrou os braços, apoiando os cotovelos sobre a perna. As palmas de sua mão rapidamente alcançaram um rosto, esfregando-o em um movimento desesperado. – Esse acidente tirou tudo de mim. – A morena levantou o olhar e buscou por Emily.

 

            A ruiva estava de frente para ela, observando-a desmoronar sem que houvesse nada que ela pudesse fazer para ajudar.

 

            Alice ergueu as mãos em direção a outra:

 

– Você está aqui e... De certa forma, não está. – Alice sentiu seu coração contrair-se no peito. Seus olhos vacilaram, fazendo-a afundar o rosto na palma das mãos novamente. – Está sendo tão difícil não ficar irada com o universo!

 

            Emily abaixou em frente a Alice, ficando sobre o apoio de um dos joelhos. Cercou-a em um abraço reconfortante.

 

– Eu sei. – Sussurrou. Se eu pudesse, voltaria no tempo para ser a mesma pessoa da qual vocês se lembram... – Emily acariciava os fios de cabelo de Alice. – Mas está na hora de aceitar essa nova realidade.

 

– Eu não vou desistir de você, Harley. – Confessou quando a ruiva a libertou de seu abraço e olhava-a. – O universo pode colocar tudo de cabeça para baixo de novo se ele quiser, mas eu não vou desistir. – Aqueles olhos castanhos transmitiam esperança em um amor que não era mais correspondido. – E pouco me importa se isso for injusto ou não, eu não tenho medo ou vergonha de falar que eu quero você.

 

-- Ali... – A morena a interrompeu, puxando o rosto de Emily em um toque brusco com as mãos até que seus lábios entrassem em contato com os dela.

 

            A ruiva ainda tentou proferir alguma palavra, mas Alice não permitiu, pressionando os lábios contra os dela com maior veemência.

 

– Porr* Emily. – Pensou antes de entregar-se ao beijo da advogada.

 

            Dessa vez o beijo foi urgente e com um sabor de despedida que deixava Alice completamente sem vontade de largar aqueles lábios mornos e macios. Suas línguas dançaram em completa harmonia por longos segundos, sendo cessado em um selinho.

 

-- Eu amo você.

 

Fim do capítulo