CAPÍTULO 18 - Uma colcha de retalhos

        Quando acordei, Stella já estava de pé e conversava ao telefone animadamente com Roberto, um produtor de chocolate amigo dela de muitos anos.

- Beto, meu querido, eu fico tão feliz com essa notícia, cada vez mais os chocolates brasileiros estão sendo reconhecidos em campeonatos internacionais, e que bom que o "Academy of Chocolate Awards" acontecerá no Brasil...muito obrigada por avisar...vai lá...depois nós conversamos mais.

        Stella se aproximou com um sorriso encantador, me deu um beijo de bom dia e começou a contar todas as novidades.

- Mari, estou tão feliz, você não vai acreditar meu amor, pois não é que vamos concorrer em várias categorias na maior premiação de chocolate do mundo?, inclusive com o "Mariana Vaniglia" que criei em sua homenagem.

- Que bom Tetela, você merece um prêmio por todas as criações inspiradas e maravilhosas que faz, em que categoria vamos concorrer?.

- Chocolates de beber, Chocolates recheados, Spreads e Barras, estou apostando todas as minhas fichas no "Mariana Vaniglia", você vai comigo amor?, é só uma noite, vai ser em Curitiba.

- Claro que vou minha estrela, quero te ver brilhar e estar pertinho de você na hora que for receber os prêmios, podíamos aproveitar e ficar o fim de semana por lá, o que acha?. Estou com a matéria adiantada na faculdade e posso tirar uma folguinha na ONG.

- Nossa, vou amar, é muito bom viajar contigo, então fica combinado, semana que vamos juntinhas e aproveitamos um pouco o que Curitiba tem a nos oferecer.

        Stella estava deslumbrante no dia da premiação, tinha escolhido um vestido longo preto com detalhes em azul índigo da estilista brasileira Lethicia Bronstein, os lindos cabelos cacheados estavam presos e tinha feito uma discreta maquiagem que ajudava a realçar sua beleza. Estava ansiosa e ficou muito feliz quando saiu o resultado, havia conseguido primeiro lugar na maior parte das categorias que concorreu, ficando em segundo apenas no "Chocolates de beber", seus prêmios estavam dispostos em cima da mesa quando subiu no palco para iniciar o seu discurso:

- Meu coração está cheio demais para expressar tudo o que sinto, esse momento é muito maior que eu, pois é a hora de reverenciar o amor e o chocolate, estar aqui é sem sombra de dúvidas o acontecimento mais feliz da minha vida profissional, mas, não poderia deixar de destacar que isso tudo só aconteceu por ter conhecido Mariana, a minha mulher, se me inscrevi neste concurso foi por ter sido incentivada por ela, e sem ela, não haveria nem o "Mariana Vaniglia", e principalmente, não teria o amor em minha vida, e para os que não acreditam, saibam que eu esperei e lutei muito para tê-la comigo, hoje sou muito mais feliz por duas razões, o chocolate e por ter esse amor tão completo com minha Mari, é disso que estou falando...de alma, de corpo, de presença, um amor real, construído no sal e no açúcar da vida. Acreditem em vocês, pois todos os sonhos são válidos. Te amo Mariana, estes prêmios também são seus...e muito obrigada a todos que votaram nas minhas criações.

        Stella foi aplaudida de pé, e nessa hora minha maquiagem já estava toda borrada com minhas lágrimas, meu coração acelerou quando ela desceu do palco e veio me abraçar.

- Meu amor parabénsssss, você merece esse e muitos outros prêmios, eu fiquei tão emocionada com o seu discurso, obrigada minha linda, nem sei o que dizer.

        Ela sorriu e as covinhas do seu rosto apareceram.

- Diga que me ama.

- Isso eu já digo todos os dias meu amor, não canso de repetir, eu te amo Stella, você é o amor da minha vida.

.

...

        O interfone tocava insistentemente, Patrícia espreguiçou, afastou um pouco o corpo nu de Dominique e enrolada em uma toalha de banho seguiu até a cozinha.

- Bom dia Dona Patrícia, tem uma senhora aqui embaixo querendo subir. Só um minuto...qual o nome da senhora mesmo?.

- Dra. Nicolle Ferraro. - Patrícia ouviu o nome, agradeceu e correu para trocar de roupa.

- Ai meu Deus, acorda Nick, ela chegou antes.

- Ela quem amor?.

- A Delegada Nicolle, levanta amor, troca de roupa.

- Relaxa, ela já me viu nua inúmeras vezes - Depois da frase, Dominique soltou uma risada gostosa, tão natural que não teve como Patrícia brigar, apenas fez uma careta, disse um "sem graça" e correu para se arrumar com velocidade, colocou uma calça jeans e um moletom que estavam a mão, juntou os cabelos em um rabo de cavalo e foi abrir a porta, deixando Dominique no quarto se arrumando para trabalhar.

        A delegada sorriu quando viu Patrícia, admirava a leveza de sua alma, e viu que a agente corava sempre que estava em sua presença.

- Bom dia agente, posso entrar?.

- Claro, desculpe Dra.

- Pode me chamar apenas de Nicolle, temos a mesma formação e estamos juntas nesse caso, por hora, vamos deixar a burocracia e os cargos de lado.

        Dominique passou pela sala, cumprimentou a delegada apenas com um aceno, puxou a mulher pela cintura, dando um beijo antes de seguir para o trabalho.

- Meninas, bom trabalho, todo sucesso do mundo para vocês.

        Com o rabo de olho observou a ex, Nicolle estava vestida casualmente, calça jeans, camiseta de delicadas listras azuis e prateadas e botinhas, mesmo assim continuava muito elegante, já não usava dreads, seu cabelo estava liso e curto, em um tom de chocolate com mexas douradas chegando até a altura da nuca, da mesma forma de quando se conheceram anos atrás.

        Na porta, Patrícia entregou um potinho com frutas picadas para Dominique e voltou para o apartamento, fechando a porta atrás de si, ficou observando atentamente o físico de Nicolle, era a própria "Delegada Nutella", daquele tipo que malha, treina, e cuida da sua alimentação, olhou admirada e pediu que a acompanhasse até a biblioteca onde o equipamento estava montado desde a noite anterior, esperando para analisarem o caso. Patrícia mostrou os quatro primeiros casos e o perfil traçado do assassino, após finalizar a primeira parte dos slides passou para a análise do último crime.

- Nicolle, este último caso é inspirado no quinto círculo do inferno de Dante, esse crime está relacionado a ira. Pode ver, a parede de legos da cor vermelha forma uma espécie de cachoeira de água e sangue da mesma forma que no livro, pela análise prévia, os peritos descobriram que foi usado cola quente branca e vermelha para fazer os efeitos, se observar de perto alguns legos estão derretidos, demonstrando que a água dessa cachoeira era borbulhante e fervente, exatamente como descrito na Divina Comédia.

- O assassino apesar de sua mente doentia é de uma inteligência ímpar, pode por favor mostrar as fotos do corpo da vítima?.

        Patrícia apontou o controle em direção ao aparelho e a primeira foto apareceu ampliada, Nicolle cruzou os braços e chegou bem perto da fotografia, percebeu que a moça era bem mais nova que nos outros casos, o que podia indicar que o assassino ou não teve tempo de procurar a vítima da idade que queria, ou estava sem paciência, querendo concluir sua "obra" rapidamente, talvez pensasse em fugir, não sabia ao certo, era muito cedo para especular. A moça estava vestida com uma túnica muito curta, o que revelava parte de sua nudez, estava de quatro, parecia uma gata arrastando no chão, a mão direita parecia bater com raiva na próprias coxa, e a esquerda tentava alcançar a falsa cachoeira.

- Patrícia, vocês já concluíram que além de conhecer muito bem a anatomia do corpo humano, esse assassino entende muito de artes plásticas?, olhe a posição dos corpos, essa estrutura que ele constrói para manter as vítimas nas posições desejadas são perfeitas, provavelmente ele trabalha com grandes esculturas, pode ser talvez...um médico e ter a escultura como uma espécie de hobby.

- Não Nicolle, ainda não havíamos pensado nisso, esses pequenos lapsos me separam de ser uma excelente policial, dizem que sou muito desatenta, que deixo passar alguns detalhes importantes.

- Patrícia, o que dizem a seu respeito não pode ter mais força do que aquilo que você realmente é, aprenda a usar a força adversária a seu favor, você tem tempo para amadurecer em sua profissão. Espere, só um minuto, aproxime a foto, por favor...

- A segunda?.

- Sim, a que aparece as nádegas, dê um grande close, tenho impressão de ter visto algo.

        Nicolle se aproximou, pediu o controle e deu um super close nas nádegas da vítima e gritou.

- Voilà!, acabamos de descobrir, veja a marca das unhas, não estamos no encalço de um homem, temos na verdade uma assassina.

.

...

         Estou em casa, enquanto organizo tudo para atuar em mais uma noite observo Milena, ela segue naturalmente em sua vidinha comum e medíocre de dona de casa, acho intrigante a sua normalidade e inteligência limitada, agora está lá na cozinha preparando um "Espaguete a Carbonara", já que em sua cabeça tenho novo "plantão" no hospital.

        Eu nunca relaxo, estou sempre elaborando meus planos, ensaiando o que dizer, e principalmente, buscando uma presa certa, na reta final essa escolha é crucial, ainda mais agora que estou prestes a concluir minha maior obra prima, me preparei uma vida toda para unir todas as minhas paixões ao mesmo tempo, Medicina, literatura e esculturas com corpos humanos, depois que finalizar a última arte, vou tirar umas férias, creio que mudarei de cidade ou de país, dias atrás pensei em matar Milena, mas, ela é muito útil, por isso eu sigo com ela, ela me dá o prazer e o conforto que preciso.

- Helena, meu amor, venha jantar.

- Estou indo.

- Oi meu bem, venha, preparei o espaguete do jeitinho que gosta, vai comendo, não precisa me esperar, enquanto isso vou preparar sua banheira, pode se servir, o suco de uvas também está bem geladinho.

- Obrigada Milena, eu amo você!. - Falei piscando meus olhos claros com expressão de afeto e fragilidade, tentando colocar verdade nas falsas palavras.

- Oh meu amor, eu fico tão feliz em escutar isso. Deixa eu só finalizar teu banho, depois quero te dar uma massagem bem relaxante e cuidar de você, sei que gosta de fazer amor antes dos plantões, eu entendo...você fica com muita saudade da sua Milena, não é?.

- Sim...

        É interessante perceber como o ser humano é simplório, basta oferecer o que ele deseja, nunca tive dificuldade nenhuma de convencer  minhas vítimas, é tudo muito simples, basta falar o que a pessoa quer ouvir, nessas horas fico atenta, sei que tem a hora certa para tudo, busco encontrar o timing perfeito, o tom de voz preciso, a capacidade de intervir cirurgicamente na conversa e pronto, a pessoa cai na minha teia, sou talentosa em lidar com bom senso e oportunidade.

.

...

- Stella, vamos logo amor, eu não gosto de boate lotada, quero encontrar um cantinho para ficar contigo namorando, aliás, só topei ir nesse evento porquê adoro essa cantora.

- Estou indo meu bem, deixa só terminar a maquiagem.

- Você está linda meu bem.

        Stella riu e apressou a arrumação antes que eu desistisse de ir, pegamos um táxi e entramos na boate de mãos dadas, Stella ia em minha frente e balançava o corpo, enquanto me puxava para perto da pista. Ela me olhou, sorriu e me puxou para um abraço.

- Relaxa amor, parece um bichinho assustado.

- Stella, não me sinto a vontade com tanta gente assim, sei lá, estou tão esquisita.

- Quer ir embora amorzinho?.

        Eu poderia ter dito que sim, mas, eu vi o quanto ela estava animada com a música e decidi ficar pelo menos mais um pouco, escolhemos uma mesa perto do palco e percebi que uma loira me fitava de modo insistente, eu desviei o olhar, beijei Stella, mas, parecia que nada adiantava, a loira continuava a sorrir de forma insinuante. Pedi licença a Stella e fui buscar algo para beber.

- Uma água com gás por favor.

        Foi a deixa para a loira se aproximar, vinda não sei de onde.

- Oi, não está muito à vontade na boate?, está precisando de alguma coisa para se animar?.

- Estou muito bem, aliás, sempre estou bem quando estou com a minha mulher, e tê-la em minha vida já é mais do que suficiente para me animar. Com licença...

.

       Ora, ora...vejo que em breve alguém ficará viúva, uma pena realmente, essa é a vítima ideal...

Fim do capítulo