Já era tarde quando a cantora Lupe Duailibe encerrou a noite com  a música "Vida Cigana",  dançamos coladinho e após o bis, fomos beber uma água de coco e descansar um pouco, no entanto logo que o DJ começou, Stella me puxou pela mão para o meio da pista, ela estava adorando a noite, balançava o corpo já suado, esfregando seus "glúteos gordinhos" como ela sempre chama o seu bumbum redondinho e delicioso em mim ao som de Stayin' Alive, na voz de Edson Cordeiro, eu segurava em sua cintura e rebol*va, tentando relaxar o máximo que podia, no entanto, meu coração estava agitado, um calafrio estranho me passava na nuca o tempo todo, sentia que algo estava errado, era como se uma sombra estivesse me seguindo, esperando a hora certa para dar o bote, era uma sensação muito ruim, mas, achei que estava apenas agoniada com a multidão que se aglomerava por perto, corpos suados misturados com o álcool e solidão me espremiam, buscando naquele lugar uma forma de encontrar o seu par, alguém para ficar ou para chamar de seu, antes me sentia extremamente confortável nesse tipo de ambiente, hoje em dia me fazia muito mal, o que mais via nos olhos das pessoas era um vazio existencial, muitos apenas se entorpeciam de álcool enquanto buscavam freneticamente por inúmeros prazeres, me doía estar ali.

         Ao final de terceira música puxei Stella e disse em seu ouvido que precisava de água, ela sorriu e balançou a cabeça me puxando pelo braço, enquanto saia cortando o caminho e dançando "Nigth Fever" ainda na voz de Edson Cordeiro, fiquei aliviada de estar longe da multidão, pude até ensaiar uns passinhos com os braços para cima e foi assim que fui até Stella e envolvi seu pescoço com uma braço, enquanto segurava a garrafinha de água com o outro, por um breve instante me senti aliviada e feliz, ela adorou e continuamos ali por algum tempo dançando, estávamos rebol*ndo ao som de "Conga la Conga" quando vi que duas moças se aproximavam de nós com enormes sorrisos e com uma expressão de familiaridade, de onde será que nos conheciam?, não lembrava delas de jeito algum.

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- Oi, não está lembrando da gente? - Falou a morena com um sorriso largo para mim.

- Desculpe, na verdade não...

- Janine e Alice, nos conhecemos em Fortaleza, lembra?.

- Nossa, tem razão, quanto tempo, me desculpa...deixa apresentar, essa é a minha mulher, Stella.

        Janine e Alice se apresentaram e ficamos conversando e dançando, parecia que nos conhecíamos há anos, as duas me pareceram muito mais exóticas e engraçadas do que na terra do sol, Janine era personal trainner, e Alice, a advogada, nos contou que era de uma tradicional família de bruxas, Stella adorou tanto ouvir suas histórias que parou de dançar para ouvi-las melhor, eu sorri, mas, confesso que achei tudo muito sinistro, mas, não seria mal educada, tentava demonstrar que achava tudo muito natural, a essa altura do campeonato, Janine e Stella haviam virado praticamente amigas de infância, elas tinham o mesmo tipo de energia.

- Mari, meu celular descarregou totalmente amor, anota ai o número das meninas, estão convidadas desde já a passar uns dias na fazenda conosco, pode levar as crianças, será um prazer receber toda a família.

- Olha que nós vamos!. - Falou Janine abrindo um enorme sorriso.

- É para ir mesmo, conto com vocês nas férias de julho com as crianças.

        Peguei o celular que estava na bolsa, deixei no silencioso e sem o vibra call, a seguir pedi o número de Janine e dei um toque, assim não perderíamos o contato, reencontra-las foi muito interessante, eu estava em uma fase muito diferente em minha vida, e segundo Janine até a minha aura tinha mudado de cor, eu não sabia bem o significado disso, mas, por sua entonação, percebi que era um elogio, coloquei o celular no bolso da frente da calça cargo e segui em direção ao banheiro.

- Amor, vou lavar o rosto, volto já.

        Stella balançou a cabeça, disse um eu te amo rápido e voltou a se concentrar no assunto que estavam conversando, o que seriam Spirit dolls?, não entendi nada, acho que são uma espécie de bonecas mágicas, cruzes, nunca gostei de bonecas, e segui rindo em direção ao banheiro, a última coisa que me lembro era de ter lavado o rosto e quando subi para enxugar vi um par de olhos azuis e a sombra de um lenço vindo em direção ao meu nariz.

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        Segui a morena até o banheiro, foi muito difícil encontrar uma brecha para captura-la, passei praticamente a noite inteira de tocaia, ela não desgrudava da namorada e depois ainda se reuniram com duas amigas com um jeito insuportavelmente feliz, detesto pessoas excessivamente sorridentes, isso atiçou ainda mais minha fome de matar, acho que bastava tirar uma de circulação para entristecer todas.

        Fui rápida, o lenço estava embebido em uma forte substância e a morena desmaiou em meus braços instantaneamente, a seguir duas namoradas de mãos dadas vieram em minha direção dispostas a ajudar, insuportáveis, não podiam apenas seguir em suas vidinhas insignificantes?.

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- Oi, está tudo bem, colega?. - Disse a ruiva cheia de sardas.

- Minha namorada passou mal, não está acostumada a beber, sabe como é?.

- Ai coitadinha...quer que a gente ajude a levar até o carro?.

- Claro, obrigada garotas, ela é magrinha, mas, é bem pesada.

- Colega, acho melhor leva-la ao hospital, ela precisa muito de glicose, e amanhã vai ter uma ressaca inesquecível.

        Se tivesse mais tempo estrangulava a "colega" com minhas próprias mãos, mas, precisava manter o foco no que interessava de fato.

- Sim, com certeza é o que vou fazer. - Falei e fingi que estava muito entristecida com a situação.

- Eu não devia ter deixado Sandra beber, ela não está acostumada.

- Colega, essas coisas acontecem, amanhã ela estará bem, pode acreditar, não há de ser nada.

        As duas ajudaram, levando minha presa até o carro, lógico que eu poderia fazer isso sozinha, mas, soaria muito estranho se recusasse ajuda, quando estou com o ímpeto de matar parece que a adrenalina bombeia muito forte em meu corpo e fico com uma força descomunal, mesmo assim, preferi manter um teatro para não chamar tanta atenção.

        No hotel usei a mesma desculpa da namorada bêbada, um hóspede me ajudou a leva-la até a porta do quarto, mas, não poderia deixa-lo entrar, meu teatro já estava montado, em breve concluiria minha obra de arte maior.

        Com as peças de lego montei um cemitério, era o sexto círculo de Dante, representado ali como o "Cemitério de fogo dos hereges", no livro, dentre os muitos que estavam presos ali, encontrava-se os que negavam a sobrevivência da alma após a morte corporal, da mesma forma estavam as pessoas que não acreditaram na existência de Deus e negavam a figura de Jesus Cristo como seu filho primogênito. Coloquei um caixão branco no meio do cemitério onde minha vítima teria o seu momento final, e observei que havia caprichado dessa vez, havia muita tinta derramada no lugar, em muitos tons que iam do vermelho, passando pelo laranja, até chegar no amarelo, era a representação do fogo eterno que consumiria a alma dessas pessoas. Um primor artístico.

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              POV JANINE

        Com a demora de Mariana, Stella ligou pelo meu celular pelo menos umas dez vezes seguidas, como não obteve resposta, ficou tão angustiada que saímos praticamente correndo até o banheiro, mas, já não a encontramos, Stella coçou a cabeça e ao encostar as mãos na pia viu um lenço solto no chão, agachou para pegar e nos mostrou que havia um bordado, eram duas iniciais:  HM,  levou o lenço ao nariz e sentiu que tinha um cheiro muito forte, com isso, não foi preciso muito para juntar as peças.

- Ai meu Deus, levaram a minha Mari...

        Ela falou já tremendo inteira e com a voz entrecortada de choro, eu segurei o lenço entre as mãos e fechei os olhos para intuir algo, pedi ajuda aos meus mentores espirituais e vi que realmente Mariana havia sido levada por uma loira, mas, não consegui ver para onde, seguimos até a Delegacia, Stella só chorava, sendo aparada por Alice, enquanto eu tentava ajudar da melhor forma, mostrei o lenço para a Delegada, ela me olhou nos olhos e perguntou.

- Como é essa moça?.

- O celular da namorada dela está desligada, assim, ela não pode mostrar uma foto, se tiver um carregador do Iphone logo ela poderá mostrar, mas, por hora eu posso descreve-la, não sei se ajuda muito...ela é morena, os cabelos lisos e castanhos e olhos mel, eu acho...

- O Filósofo...vou ligar imediatamente para a Polícia Federal.

        Rapidamente duas policiais chegaram, uma se identificou como Patrícia e outra como Dominique, explicamos todo o caso e uma das policiais teve um lampejo de memória.

- Stella?...eu lembro de você...te vi na Delegacia no dia da prisão de Mariana.

- Sim, Mariana, ela mudou, acredite, é a minha mulher, pelo amor de Deus Dra Patrícia, eu só quero o meu amor de volta, se ela foi sequestrada eu pago o que for, qualquer coisa, eu...eu...eu só quero a minha Mari.

        Patrícia segurou a mão de Stella e disse que iam fazer todo o possível, mal terminaram a rápida conversa e chegou uma outra delegada, estava vestida elegantemente, como se estivesse em uma festa de gala.

- Eu espero que a gente consiga prender essa mulher hoje, ela estragou com a festa que estava, fui madrinha do casamento do meu sobrinho Magno, lembra Nick?.

- Magno está casado?, como o tempo voa, o conheci adolescente.

        Patrícia arranhou a garganta e nos mostrou discretamente a delegada. Stella estava inconsolável e nós estávamos apreensivas, descobrimos ali através da Delegada Nicolle que na verdade era uma psicopata, uma assassina e que nenhuma vítima capturada havia sido encontrada com vida, achei uma total insensibilidade, pois Stella chorou mais alto ainda.

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        Abri os olhos lentamente sentindo a cabeça girar, foi quando me dei conta que estava deitada em uma cama king size com um único braço preso, o dia já estava clareando e os primeiros raios de sol entravam pela janela, virei a cabeça devagar e percebi que ao meu lado havia um roupão com um nome: "Hotel Luxor". Quando ela chegou, percebi que estava ridiculamente vestida de Pierrô, seu rosto estava coberto por uma máscara de louça e tocava a música "Máscara Negra".

- Olá querida, bom dia, vejo que já despertou, bem a tempo de participar da minha maior obra de arte, espera um pouco gata, que vou baixar um pouco a música.

        Devagar fui aproximando minha mão do celular, pois como um flash, lembrei que ele estava no bolso da calça e disquei para o último número por cima do tecido, ainda ouvi a voz de Janine e comecei um diálogo.

- Quem é você?.

- Não lembra?, sou aquela que desprezou na boate, aliás, você foi muito grosseira, sabia?, mas, está perdoada, você é exatamente o tipo que preciso e gosto.

- Eu sou casada e fiel a minha mulher.

- Owwwwn, é fiel à sua mulher, que bonito, ai fica ainda mais instigante para mim.

- Onde estamos?.

- Eu poderia não responder, mas, como sei que não vai ter como essa informação vasar, estamos no Hotel Luxor querida, te trouxe para uma cobertura maravilhosa, e te achei tão interessante que vou te dar de presente um orgasmo maravilhoso de café da manhã, o que acha?.

- Não, eu não posso, eu amo a minha mulher, me deixa ir, por favor, ela deve estar desesperada.

- Por certo que está, deve estar chorando até.

        A mulher vestida de Pierrô riu e voltou a dançar ao som de Máscara Negra.

- Devia ter tido essa ideia antes, como não me veio à cabeça vir sempre vestida como um personagem que gosto?.

"vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval".

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        Patrícia seguiu com Dominique, Nicolle e mais dois policiais em direção ao hotel, seguidos por uma outra viatura, precisavam ser o mais rápido possível. Quando estacionaram, Dominique esbarrou em Nicolle ao sair e tanto o giroflex quando o som da sirene disparou em volume máximo.

       Helena ia fechar as cortinas e buscar sua arma, quando viu pela janela da cobertura que a Polícia havia chegado, aproximou-se de Mariana despediu-se dizendo "é uma pena, não poder usa-la em minha arte, mas, tenho que ir", a seguir amarrou fortemente um lenço em sua boca e desceu um andar pela escada, levando em uma pequena mala de viagem a máscara, a fantasia e a peruca loira, no andar debaixo pegou o elevador, passando tranquilamente e de forma elegante pelas policiais, sorriu ao entregar a chave para a recepcionista, piscando um dos enormes olhos azuis, a seguir ajeitou a franja e os cabelos pretos e foi embora.

Fim do capítulo