Alice

Na manhã seguinte acordei novamente sentindo meu cobertor ser puxado pra longe, permitindo que eu sentisse uma leve brisa passar sob minha pele. Não demorou muito pra que eu me desse conta de que hoje começaria mais um dia, um dia que prometia grandes emoções pra mim.

Nem mesmo o irritante do meu irmão conseguiu me deixar de mal humor ao entrar no meu quarto sem bater e me acordar desse jeito. Estava eufórica demais pra manter meu foco em qualquer coisa que não fosse a professora Helena. Temia pela sua reação ao ter que me dar aulas de reforço por um mês, ainda não sabia se ela estava ou não de acordo com tudo, mas pouco me importava, eu só queria ficar um pouco mais perto dela.

Estava tão confusa, até então não tinha parado pra pensar o por que dessa necessidade repentina em tê-la por perto. Não estava conseguindo explicar em palavras nem mesmo pra mim o por que de tamanha necessidade. Mas eu não queria explicações, pouco me importava o real motivo disso tudo, a única coisa que de fato me interessa é ficar perto dela, ouvir sua voz, receber um pouco mais de sua atenção.

"Atenção"

Essa é uma coisa que nunca tive na vida, a não ser quando eu me tornava o centro das discussões no colégio quando brigava com algum professor idiota que se achava no direito de me humilhar por ser momentaneamente a autoridade ali. Sempre odiei injustiça, talvez por ter sido injustiçada a maior parte de minha vida, e nunca fiquei quieta diante de nada que eu achasse errado.

Não tenho pena de mim e nem quero que alguém tenha, longe disso. Mas não vou negar que perdi as contas de quantas vezes perguntei ao universo e até mesmo a Deus o por que de não ser merecedora do amor dos meus pais ou das pessoas ao meu redor. Sempre ouvia minhas amigas contarem de como tinha sido especial sua férias em família, ou de como festejavam com seus pais quando tiravam uma boa nota no colégio.

A algum tempo parei de me importar com isso, parei de questionar e me sentir indignada, o que passou, passou, não volta mais. Não adianta eu querer saber o por quê, se não poderei mudar o que houve. Prefiro manter meu foco no presente e esquecer até mesmo que tenho um futuro. Sou temerosa quanto a isso também, não gosto de me encher de expectativas porque sei que quando elas não são alcançadas, a dor que nos atinge pode ser insuportável.

Acho que justamente por nunca ter me sentido amada que nunca acreditei no amor. Pra mim isso tudo não passa de papo furado que a mídia inventou pra ganhar status, fama e dinheiro. É egoísmo demais supor que exista alguém nesse mundo que consiga amar uma outra pessoa mais do que ama a si mesmo. Acho difícil ter esse amor todo que falam por mim mesma, quem dirá por outra pessoa.

É claro que gosto das minhas amigas, Fernanda e Marcela, gosto da minha mãe e do Pedro também, mas não é nada indescritível ou impossível de se explicar. É um gostar de querer bem, de gostar da conversa e da companhia, de desejar coisas boas. Não sei se eu morreria por algum deles ou se enlouqueceria se os tivesse longe de mim.

Uma vez cheguei a comentar isso com Pedro, mas acho que ele nem prestou atenção direito no que eu dizia, porque no final de tudo me respondeu que "eu podia usar desde que devolvesse depois". Demorou alguns minutos pra eu perceber que enquanto eu tagarelava sem parar, ele conversava com alguém pelo celular, por isso essa resposta idiota.

Depois desse dia me fechei, e nem mesmo com minhas amigas ousei me abrir. Sobre minha vida amorosa, detesto assumir, mas ela é mais parada que cidade de interior. Só namorei uma vez, o nome dele era Felipe, o conheci no aniversário do ano passado da Marcela. Ele foi de penetra com um primo dela, causou a maior confusão na festa e por isso mesmo chamou minha atenção.

Lembro de sair lá fora e o encontrar todo nervoso fumando um cigarro, tirando a maior onda com os amigos. Assim que me viu o olhando me chamou pra perto. A conversa fluiu de uma forma fácil e desde então mantivemos contato. Marcela gostou dele apesar de quase ter estragado sua festa, já Fernanda sempre foi contra nossa aproximação.

"Ele é encrenca Alice, sai fora enquanto dá tempo"

Era o que eu mais ouvia dela, mas nunca dei ouvidos, eu gostava da maneira que ele encarava a vida, tacando o foda-se pra todo mundo. Mas o que eu mais gostei foi a cara do babaca do meu pai quando eu levei o Felipe em casa. O velho só faltou me fuzilar com os olhos e somente por esse motivo decidi que manteria esse namoro a qualquer custo.

Minha mãe pegava ainda mais no meu pé, pra ela, além de eu ser uma garota rebelde, seria a vergonha da família. Pedro até gostava dele, acho que eles gostavam de fumar maconha de vez em quando juntos. Confesso que cheguei a experimentar mas me engasguei, não gostei da sensação e nunca mais coloquei isso na boca. Ficar com o Felipe era viver um dia após o outro sem se importar com o amanhã.

Ele me divertia, me fazia sorrir. Amava a sensação de andar de moto com ele de madrugada quando voltávamos de alguma festa. Mas acabei descobrindo que ele havia me traído. Quem me contou foi a Marcela, seu primo tinha lhe confidenciado e ela não pensou duas vezes antes de me contar.

Lembro que na hora não acreditei, até hoje quando me lembro não consigo entender como ele teve coragem de fazer isso comigo. Sempre topei tudo, sempre fui parceira, entreguei minha virgindade a ele, e ainda assim não foi o suficiente. Fiquei mal pra caramba, chorei muito naquela noite antes de dormir, até que eu gostava dele, mas no dia seguinte lá estava eu com minha carcaça de ferro, fingindo nem ligar, quando por dentro eu sangrava.

Minha vida sempre foi uma droga, um lixo, mas desde que a professora Helena chegou, desde o dia que olhei dentro dos seus olhos pela primeira vez, passei a nutrir por ela um sentimento gigante, uma admiração enorme, acho que era esse o motivo da minha anisedade em começar esse castigo, pra ser notada por alguém. Ela tinha algo que me prendia, algo que eu não entendia mas gostava bastante.    

Fim do capítulo